AÇÕES DE AJUSTES ENTRE OS PROCEDIMENTOS CONTÁBEIS ORIGINADOS DA ADOÇÃO DAS NORMAS INTERNACIONAIS DE CONTABILIDADE E AS ORIENTAÇÕES FISCAIS EMANADAS DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL - MEF 32440 - IR

 

 

JOSÉ LUIZ NUNES FERNANDES *

BÁRBARA ÁDRIA OLIVEIRA FARIAS FERNANDES **

JOSÉ WILSON NUNES FERNANDES ***

 

 

                1. INTRODUÇÃO

                A Lei nº 6.404/1976, denominada de Lei das Sociedades Anônimas, quando publicada, gerou, à época, insegurança quanto aos impactos tributários no resultado e patrimônio das empresas brasileiras. Em 1977, portanto um ano após a promulgação da Lei das S/A, o Governo da União, por meio do Decreto-Lei nº 1.598/1977, criou o Livro de Apuração do Lucro Real (Lalur), com o intuito de disciplinar os procedimentos tributários originados da Lei das S/A.

                O Lalur, escriturado a partir do resultado apurado pela Contabilidade, ajusta-o aos interesses fiscais por meio de adições, exclusões e compensações. Deste modo, o Lalur é composto de duas partes: na parte “A”, demonstra-se como o ajuste ao resultado contábil é efetuado; e, na parte “B”, escrituram-se valores que impactarão a apuração do lucro tributável em períodos futuros.

                Quando da promulgação da Lei das Sociedades Anônimas e, especificamente, a partir de 1977, com a promulgação do Decreto-Lei nº 1.598, o Lalur era em papel e as partes A e B dividiam o livro. Ademais, sua eficácia era voltada aos ajustes na base de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas, em especial, as tributadas na modalidade denominada Lucro Real.

                A sistemática originada pela escrituração dos ajustes fiscais no Lalur e, com isto possibilitando conciliar interesses fiscais aos societários, funcionou bem, pois a aceitação geral permitiu por mais de três décadas sua operacionalização. O avanço histórico ocorreu, assim, em 2007, com a publicação da Lei nº 11.638, que atualizou a Lei das S/A e possibilitou que a Contabilidade efetuada no Brasil incursionasse em direção aos procedimentos internacionais liderados pelo International Accounting Standad Board (Iasb); também causou insegurança quanto aos impactos tributários nos resultados e patrimônio das empresas brasileiras.

                Embora a ideia fosse de que a incursão da Contabilidade brasileira aos preceitos internacionais não causasse impactos tributários, desta vez a complexidade das mudanças era maior do que a que ocorrera em 1976 e, em princípio, os técnicos da Receita Federal do Brasil (RFB), entidade que administra os tributos no Brasil, não sabiam como proceder para mitigar a insegurança contábil-jurídico-fiscal que o novo panorama causara.

                Para amenizar o impacto imediato das mudanças contábeis originadas da conversão da Contabilidade brasileira às normas internacionais, e com reflexo no patrimônio e resultado das empresas, o Governo da União promulgou a Lei nº 11.941/2009, que, visando assegurar a neutralidade tributária, instituiu o Regime Tributário de Transição (RTT). Deste modo, as empresas, quando preparavam as suas declarações de impostos, faziam, ou não, a opção pelo RTT, e as que fizessem não sofreriam qualquer impacto tributário fruto da convergência, pois a opção pelo RTT permitia voltar juridicamente ao panorama fiscal anterior ao da convergência.

                É possível perceber a insegurança contábil-jurídico-fiscal pela qual o País perpassava. Diante disto, a RFB criou grupo de auditores para que trabalhassem no sentido de adaptar a legislação tributária ao novo panorama. Este grupo de trabalho propôs inúmeras ações, às quais culminou com a promulgação da Lei nº 12.973/2014, que teve como objetivo, além de extinguir o regime provisório (RTT), adaptar à legislação tributária os critérios contábeis advindos da convergência da Contabilidade brasileira às normas internacionais.

                Diante disto, o Lalur foi retomado para conciliar os interesses fiscais ao processo de convergência da Contabilidade brasileira, porém agora não mais em papel e, sim, eletronicamente, assim fazendo parte de obrigação acessória denominada de Escrituração Contábil Fiscal (ECF) a ser informada pelas empresas à RFB.

                Por outro lado, justifica-se a pesquisa ao se buscar demonstrar a possibilidade de conciliar os interesses fiscais aos societários, quando estes privilegiam a essência econômica dos fatos. Neste sentido, Maia (2011) entende que a ciência contábil é moldada e desenvolvida sob a influência direta de inúmeros fatores ambientais que a cercam, não sendo possível desvincular as práticas contábeis dos seguintes fatores: sistema legal, político, tributário, econômico, cultural e histórico de um país. Ball (2006) ratifica o entendimento quando afirma que a Contabilidade é moldada por fatores econômicos e políticos.

                Diante deste contexto, aflora a seguinte questão norteadora: Quais são as ações de ajustes destacadas pela Receita Federal do Brasil entre os procedimentos contábeis originados da adoção das normas internacionais de contabilidade e as orientações fiscais?

                Em face do contexto antes exteriorizado, o objetivo da presente pesquisa é explicar o modus operandi das principais ações de ajustes entre os procedimentos contábeis originados da adoção das normas internacionais de contabilidade e as orientações fiscais emanadas da Receita Federal do Brasil.

                Com o objetivo de alicerçar teoricamente, o trabalho progride em direção ao referencial teórico, versando inicialmente sobre a evolução da legislação societária e normas internacionais de contabilidade, em seguida pelos entendimentos da Receita Federal do Brasil sobre estas normas.

 

                2. REFERENCIAL TEÓRICO

                2.1 Histórico da legislação societária e as normas internacionais de contabilidade

                Embrionariamente, a Contabilidade no Brasil e os relatórios que hoje são conhecidos e divulgados tiveram origem no Decreto-Lei nº 2.627, de 26 de setembro de 1940, fortemente influenciado pela Escola Europeia de Contabilidade, o qual orientou a divulgação do Balanço Patrimonial no formato horizontal ou vertical que hoje é adotado, além de trazer em seu escopo a Demonstração dos Lucros e Perdas, hoje denominada Demonstração do Resultado.

                Trinta e seis anos após o Decreto-Lei nº 2.627/1940, ou seja, em 15 de dezembro de 1976, foi promulgada a Lei nº 6.404, também conhecida como Lei das Sociedades Anônimas, esta amplamente influenciada pela Escola Norte-Americana de Contabilidade e, além de normatizar o mercado de ações, também inovou em relação aos relatórios contábeis, entre os quais trouxe em seu escopo a Demonstração de Origem e Aplicações de Recursos (Doar) hoje, na prática acadêmica e profissional, substituída, em grande parte, pela Demonstração dos Fluxos de Caixa (DFC) (CONSENZA; LAURENCEL, 2011).

                A incerteza sobre o impacto tributário da Lei das S/A sobre o resultado e o patrimônio das empresas foi dissipada com a criação do Lalur advindo do Decreto-Lei nº 1.598/1977, o qual permitia conciliação, a partir do resultado contábil, com os interesses tributários. Esta conciliação dava-se por meio de ajustes de valores em adições, exclusões e compensações de prejuízos anteriores sobre o resultado contábil.

                Partindo do resultado apurado na Demonstração do Resultado, este estava escriturado na parte A do Lalur e ajustado por adições de despesas, as quais o Fisco, por força legal, não aceitava. Portanto, estas despesas precisavam ser adicionadas na apuração do lucro, que seria alvo de tributação, já que antes diminuíra o resultado. A regra geral era de que as despesas relacionadas às atividades das empresas eram dedutíveis na apuração da base de cálculo do Imposto de Renda (IR), portanto, outras despesas que não tinham estas características deveriam ser adicionadas na apuração do Lucro Real.

                Por outro lado, receitas não tributadas ou tributadas de forma exclusiva na fonte, por exemplo, e incluídas na apuração do resultado, deveriam ser excluídas da base de cálculo dos impostos, conforme se exemplifica no Quadro 1.

 

Quadro 1 - Apuração do Lucro Real - Parte A do Lalur

 

1 - Resultado Contábil

$ 100.000,00

2 - (+) Adição

$ 20.000,00

3 - (-) Exclusão

$ 10.000,00

4 - (-) Compensação de Prejuízos

0

5 - = Lucro Real

$ 110.000,00

Fonte: Dados da pesquisa, 2017.

 

                O Quadro 1 exemplifica a adição de uma despesa considerada indedutível e a exclusão de uma receita que não seria tributada na apuração do lucro tributável. Desta maneira, tornou-se possível conciliar os interesses fiscais ao resultado societário por meio das adições e exclusões contabilizadas no Lalur.

                O Lalur, de forma parcial, também possibilitava ajustes à base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) — de forma parcial, porque o objetivo inicial do Lalur era voltado à apuração da base de cálculo do IR. Assim, para cálculo dos IRs e da CSLL, restava aplicar a alíquota do Imposto de Renda e da referida contribuição sobre a base de cálculo. Diante disto, observa-se que o referido livro de apuração do lucro tributável acenava por reformas.

                Trinta e um anos após a promulgação da Lei nº 6.404/1976 — Lei das S/A — em 27 de dezembro de 2007, foi promulgada a Lei nº 11.638, cujo objetivo fora de adequar os procedimentos contábeis brasileiros aos padrões internacionais adotados nos principais mercados do mundo (CONSENZA; LAURENCEL, 2011). A atualização da Lei das Sociedades Anônimas, por meio da Lei nº 11.638/2007, não teve influência significativa das escolas tradicionais de Contabilidade.

                A incursão da Contabilidade brasileira aos padrões internacionais é expressa por Almeida et al., (2014, p. 36), quando afirmam que, “no ano de 2000, um grupo de especialistas voltado à Contabilidade criou projeto de lei que culminou na Lei nº 11.638/2007, inaugurando, desta maneira, formal e legalmente, o itinerário para a convergência da Contabilidade brasileira em direção às IFRS”.

                O Brasil acompanhou e, em certo ponto, também liderou a incursão da Contabilidade aos padrões internacionais. O International Accounting Standart Board (Iasb), entidade sem fins lucrativos, fundada em 1973 e sediada em Londres (Inglaterra), tem a missão de desenvolver normas que propiciem transparência, responsabilidade e eficiência aos mercados financeiros do mundo, deste modo, servindo ao interesse público; e fomentar a confiança em longo prazo para a economia global (LEUZ, 2010).

                O Iasb conduz o processo de desenvolvimento das normas internacionais de Contabilidade por meio da emissão do International Financial Report Standart (IFRS) e estes, por serem alicerçados em princípios, são considerados padrões e, com isto, conseguem harmonizar globalmente a informação financeira em mercados integrados (JOOS; LEUNG, 2013).

                Esses fatos foram originados por força do Regulamento nº 1.606/2002 de emissão da União Europeia (EU), o qual exigiu que todas as empresas que tivessem ações cotadas em bolsa de qualquer país da EU, a partir de 2005, deveriam ter seus relatórios de acordo com as IFRS emanadas do Iasb (LOURENÇO; CASTELO BRANCO, 2015).

                Em 2005, o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) editou a Resolução nº 1.055, que criou o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), com o objetivo de traduzir, interpretar e adaptar as IFRS ao cenário contábil-econômico-financeiro brasileiro. Neste sentido, Silva et al. (2014, p. 394) explicam que “no Brasil, os IFRS são jurisdicionados por meio dos diversos pronunciamentos técnicos, orientações e interpretações emitidos pelo CPC, os quais, após a aprovação pelos órgãos reguladores ou normatizadores, tais como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) ou Conselho Federal de Contabilidade (CFC), passam a ser imponíveis à escrituração e às demonstrações contábeis das pessoas jurídicas sujeitas à regularização ou normatização”.

                Por outro lado, Silva et al. (2014) explicam que, diferente da Europa, que determinou em 2005 a adoção integral das IFRS, no Brasil ocorreram duas fases: (i) fase de transição, a partir de 2008, com pacote parcial de IFRS; e (ii) a plena adoção do IFRS, a partir de 2010.

                Por oportuno, o Canadá adotou plenamente as IFRS, em 2011, e o México e a Rússia, em 2012. Apesar de as IFRS não serem de aceitação completa nos Estados Unidos da América do Norte (EUA), as revistas científicas norte-americanas voltadas à Contabilidade são as que, em relação aos demais países, mais publicam artigos voltados ao tema IFRS. Registra-se também que, desde 2007 a Securities and Exchange Commisson (SEC) deixou de exigir a reconciliação das demonstrações contábeis em IFRS para US GAAP pelas empresas estrangeiras (DASKE et al., 2013).

                Com a convergência para os IFRS, o Brasil passou a fazer parte de um sistema de informação financeira global, possibilitando, desta maneira, confiabilidade na comparação e transparência, que possibilitou acréscimo na qualidade da informação contábil, e também resultou em benefícios para as empresas, além da redução de custo do capital, maior liquidez com menor spread e mitigação de erros (SILVA et al., 2014).

                Destaca-se que, em cada uma das fases da adaptação das IFRS ao panorama contábil brasileiro, ocorreram ajustes locais, como a proibição da reavaliação de ativos não circulantes, procedimentos para o registro contábil de doações e subvenções, definição do termo “equivalente de caixa”, etc. Mas o grande desafio ao Brasil foi o consequente e possível impacto fiscal das IFRS no resultado e patrimônio das empresas.

                O processo de adoção das normas internacionais de Contabilidade não se restringiu à Contabilidade, mas avançou na esfera da legislação tributária. A Lei nº 11.941, promulgada em 27 de maio de 2009, teve como objetivo, entre outros, assegurar a neutralidade tributária originada da adoção das normas internacionais e, em seu bojo, surgiu o Regime Tributário de Transição (RTT). Este regime tributário orientava que, quando a empresa fizesse opção da declaração dos impostos pelo RTT, a apuração retroagia e considerava os métodos e critérios fiscais anteriores aos procedimentos decorrentes das normas internacionais.

                Este regime provisório fazia-se necessário, pois requeria tempo e estudos pelas autoridades tributárias brasileiras para assimilar e normatizar a tributação das empresas em face das consequências da adoção das normas internacionais de Contabilidade. Desta forma, o RTT permitiu que a convergência aos IFRS fosse equilibradamente operacionalizada em relação aos efeitos tributários, sem maiores sobressaltos aos contribuintes.

                Em contraponto, Silva et al. (2014) explicam que o RTT trouxe limitações e inseguranças. Assim, destacam: (i) dissociação entre os valores constantes na escrituração contábil societária e os valores contábeis a serem considerados para efeitos fiscais; (ii) exigência de controle em duplicidade das contas, já que, para fins fiscais, os valores contábeis considerados eram os que estavam em sinergia com as orientações fiscais antes da convergência, ou seja, vigentes até 31 de dezembro de 2007; e (iii) insegurança jurídica e aumento de litígio.

                Denota-se que o RTT, como regime provisório e de transição, necessitava ser extinto e as autoridades fiscais deveriam se manifestar de forma definitiva sobre os impactos tributários no patrimônio e resultado das empresas brasileiras e originados da convergência às normas internacionais.

 

                2.2 Orientações fiscais emanadas da Receita Federal do Brasil

                A Receita Federal do Brasil (RFB) constituiu Grupo de Trabalho (GT) por meio da Portaria nº 2.345/2011 e composto por auditores fiscais, sob a coordenação de representante da Coordenação Geral de Tributação e da Coordenação Geral de Fiscalização, cujo objetivo fora propor instrumento jurídico que revogasse o RTT e definisse tratamento tributário a ser aplicado aos critérios contábeis emanados do novo ordenamento contábil brasileiro.

                Os objetivos traçados pelo referido GT são expressos por Silva et al. (2014, p. 396) como: (i) analisar os impactos tributários decorrentes dos novos critérios contábeis; (ii) verificar se os novos critérios contábeis poderiam ser adotados para fins tributários; (iii) analisar os ajustes a serem efetuados para os critérios contábeis que não puderem ser aceitos para fins tributários; (iv) propor forma de controle dos ajustes; e (v) elaborar minuta de ato legal com as alterações necessárias à legislação tributária.

                Conciliar o resultado societário, já incorporados os preceitos advindos da convergência da Contabilidade brasileira às normas internacionais com os interesses fiscais, foi desafio do GT. Deste modo, foram ouvidas, pelo referido GT, diversas entidades, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), Banco Central do Brasil (Bacen), o Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC), entre outras (SILVA et al., 2014).

                O modelo conciliatório que prevaleceu foi o que permite ajustes em livro eletrônico extracontábil, o qual ajusta o resultado societário com adições, exclusões e compensações permitidas pela legislação tributária, ou seja, o Livro de Apuração do Lucro Real (e.Lalur), só que não mais em papel, mas em formato eletrônico — isto para apurar a base de cálculo do Imposto de Renda quanto à base de cálculo da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Diante disto, também foi criado, em formato eletrônico, o Livro de Apuração da Contribuição Social (e.Lacs).

                Com a natural evolução dos mecanismos de registros dos fatos que impactam a apuração e o controle dos tributos no Brasil, a Receita Federal do Brasil (RFB), por meio das Instruções Normativas RFB nº 1.397/2013 e nº 1.422/2013, instituiu a obrigação acessória denominada Escrituração Contábil Fiscal (ECF) em substituição à Declaração de Informações da Pessoa Jurídica (DIPJ). A ECF passou a recepcionar, eletronicamente, o e.Lalus e o e.Lacs. O Quadro 2, em seguida, demonstra as adições, exclusões e compensações que impactam a base de cálculo do IR e da CSLL.

 

Quadro 2 - Apuração do Lucro Real da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido

 

e.LALUR

$

e.LALCS

 

1 - Resultado Contábil

100.000,00

Resultado Contábil

100.000,00

2 - (+) Adição

20.000,00

2 - (+) Adição

20.000,00

3 - (-) Exclusão

10.000,00

3 - (-) Exclusão

10.000,00

4 - (-) Compensação de Prejuízos

0

4 - (-) Compensação

0

5 - = Lucro Real

110.000,00

5 - = Base de Cálculo CSLL

110.000,00

Fonte: Dados da pesquisa, 2017.

 

                Ao criar os livros eletrônicos e.Lalur e o e.Lacs, a RFB encontrou maneira de conciliar os procedimentos contábeis originados da convergência da Contabilidade brasileira aos preceitos emanados pelo Iasb e sacramentados por meio das IFRS. Isto ocorreu quando da promulgação da Lei nº 12.973/2014. Neste sentido, Silva et al. (2014) explicam que a Lei nº 12.973, promulgada dia 13 de maio de 2014, além de extinguir o RTT, adaptou a legislação tributária às normas internacionais de Contabilidade.

                Em seguida, serão descritas as principais orientações fiscais extraídas da Lei nº 12.973/2014 quanto ao entendimento da RFB na contabilização dos fatos econômicos impactados pela convergência da Contabilidade brasileira aos procedimentos internacionais e, de forma especial, quanto à receita, ao ajuste ao valor presente, à avaliação ao valor justo, ao arrendamento mercantil e ao imobilizado.

 

                2.2.1 Receitas

                O CPC 30 expressa que a receita é caracterizada como “o ingresso bruto de benefícios econômicos durante o período proveniente das atividades ordinárias da entidade, que resultam no aumento do seu patrimônio líquido, exceto as contribuições dos proprietários”. Diante disto, observa-se que na receita não estão inclusos impostos nem o aporte de capital pelos proprietários. O tratamento tributário da receita foi um dos aspectos que mais despertou interesse do GT da RFB e, com isto, a Lei nº 12.973/2014 unificou o conceito de receita para fins tributários nas diversas modalidades de tributação, mas este entendimento distanciou conceitualmente receita sob o entendimento contábil pós-convergência.

                O entendimento fiscal expresso na Lei nº 12.973/2014 sobre receita bruta expressa que esta compreende: (i) o produto na venda de bens nas operações de conta própria; (ii) o preço da prestação de serviços em geral; (iii) o resultado auferido nas operações de conta alheia; e (iv) as receitas da atividade ou objeto principal não classificadas nas demais categorias acima.

                A inclusão das receitas da atividade ou objeto principal da pessoa jurídica no item IV amplia o conceito de receita na esfera tributária, neste sentido, Silva et al. (2014) afirmam que esta inclusão tenderá a diminuir divergências conceituais referentes a algumas espécies de receitas que suscitavam dúvidas no âmbito tributário.

                Diante disto, a Lei nº 12.973/2014 não incorporou no arcabouço tributário nacional o conceito de receita definido no Pronunciamento Técnico nº 30 emitido pelo CPC, o qual não inclui valores não pertencentes à empresa como alguns tributos, em especial o Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISQN) que são impostos, como dito no vocabulário cotidiano contábil, por dentro, ou seja, estão inclusos na receita.

                Por último, a RFB justifica que a receita bruta tributária, e ao ser deduzida desta, os impostos incidentes sobre vendas (p. ex. ICMS e ISS), os descontos incondicionais concedidos, vendas canceladas e os juros originados do Ajuste ao Valor Presente (AVP) resultam na receita líquida tributária e, esta, por sua vez, é a receita contábil definida no CPC 30 (SILVA et al., 2014).

 

                2.2.2 Ajuste ao Valor Presente de Ativos e Passivos (AVP)

                A Lei das S/A, atualizada pela Lei nº 11.638/2007, trouxe novas maneiras de avaliar ativos e passivos de realizações em longo prazo, ou em curto, desde que o efeito seja relevante. Assim, este instrumento jurídico orienta que nestas circunstâncias é necessária a realização do ajuste ao valor presente. Deste modo, os juros futuros destas transações são trazidos ou calculados ao valor presente na data de encerramento das demonstrações financeiras.

                O CPC emitiu o pronunciamento técnico CPC 12, que orienta procedimentos referentes ao ajuste ao valor presente, também aprovado pela CVM por meio da Deliberação nº 564/2008 e pelo CFC por meio da Resolução nº 1.151/2009. O objetivo destes procedimentos é evitar vieses nos relatórios contábeis em função dos juros futuros presentes nas transações a prazo.

                O Fisco brasileiro, por meio da Lei nº 12.973/2014, não deu entendimento sobre o AVP em sintonia com o CPC 12 e sob o argumento de que é relevante o grau de subjetividade associado às taxas de juros utilizadas. Diante disto, o art. 9º da Lei nº 12.973/2014 expressa que estes juros serão tributados juntamente com a receita a que se referem, ou seja, a receita bruta de vendas e prestação de serviços.

                Os auditores da RFB justificam o procedimento anterior ao afirmarem que, caso isto não ocorresse, poderia ocorrer antecipação ou postergação de pagamento do IR e da CSLL, pois as receitas financeiras decorrentes do AVP poderiam ser reconhecidas em período de apuração diverso daquele inicialmente determinado pelos critérios contábeis vigentes antes da convergência (SILVA et al., 2014).

                Entende-se, portanto, que o AVP deverá compor a receita bruta demonstrada na Demonstração do Resultado do Exercício (DRE) e não reconhecido pro rata tempore, ou seja, proporcional ao tempo, como despesa ou receita financeira na medida em que o tempo decorrente da transação a prazo transcorra em obediência ao regime de competência.

 

                2.2.3 Avaliação com Base no Valor Justo (AVJ)

                O valor justo, como o nome sugere, resulta do valor transacionado sem que as partes envolvidas não influenciem a transação. Portanto é o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada entre participantes do mercado na data da mensuração (CPC, 46).

                A consequência contábil do AVJ é a de que, se ocorrer aumento de valor de ativos, a contrapartida credora será um ganho e, no caso de diminuição, será perda. Caso se trate de passivo e ocorra diminuição, a contrapartida representará um ganho e, se ocorrer aumento, a contrapartida representará uma perda, portanto com influência no resultado das empresas. Admite-se também o registro no grupo Patrimônio Líquido, na conta Ajuste de Avaliação Patrimonial.

                A Lei nº 12.973/2014, em seu art. 14, manifestou entendimento de que a perda somente poderá ser computada na determinação do lucro tributável à medida que o ativo for realizado, ou quando o passivo for liquidado ou baixado, e desde que a redução no valor do ativo ou aumento no valor do passivo seja evidenciada contabilmente em subconta vinculada ao ativo ou passivo.

                Quanto ao ganho, o art. 13 da Lei nº 12.973/2014 permitiu o diferimento da tributação, desde que o aumento no valor do ativo ou redução no valor do passivo sejam evidenciados contabilmente em subconta vinculada ao ativo ou passivo. E, assim, o ganho decorrente da AVJ será tributado na medida em que o ativo for realizado ou quando o passivo for liquidado ou baixado.

                O Fisco argumenta que o valor do ativo ou passivo a ser avaliado, é realizado com base em critérios subjetivos. Assim, a evidenciação em subconta do ganho ou perda decorrente da AVJ representa condição necessária ao diferimento da tributação do ganho ou à dedutibilidade da perda. Atendida tal condição, o ganho passa a ser tributado ou a perda torna-se dedutível, conforme a realização do ativo ou liquidação do passivo correspondente. Por fim, informa-se que, ao se divulgarem os relatórios contábeis, não se faz necessária a evidenciação destes elementos em subcontas (SILVA et al., 2014).

 

                2.2.4 Arrendamento Mercantil

                O que caracteriza o arrendamento mercantil ou leasing é a existência de acordo pelo qual o arrendador transmite ao arrendatário, em troca de um pagamento ou série de pagamentos, o direito de usar um ativo por um período de tempo acordado (CPC, 06).

                O arrendamento mercantil, como regra, possui duas essências econômicas: a primeira (i) é a de um aluguel, pois os riscos e benefícios característicos da propriedade não estão presentes. Deste modo, a essência é de aluguel e assim é denominado de arrendamento mercantil operacional; por outro lado, (ii) se houver substancial transferência destes riscos e benefício, a essência é de uma compra e venda a prazo e, deste modo, denominado Arrendamento Mercantil Financeiro.

                Diante disto, o entendimento anterior teve reflexo imediato na forma de contabilização das operações de arrendamento mercantil financeiro. Por outro lado, o que privilegiou por longo tempo a forma e, não, a essência, foi a contabilização pela arrendatária das contraprestações apropriadas e pagas como despesa para que a base de cálculo dos tributos e a distribuição de lucros fossem menor e, deste modo, o ativo arrendado não fazia parte do patrimônio da arrendatária.

                As empresas arrendatárias obrigadas a observar o pronunciamento CPC 06 passaram a registrar na Contabilidade o bem em seu ativo e com isto alteraram a forma de reconhecimento de custos ou despesas de depreciação relativa ao bem arrendado no lugar do valor da contraprestação. Depreende-se, assim, que os novos critérios contábeis relacionados às operações de arrendamento mercantil criaram desafios em face da sistemática prevista na legislação tributária, o que requisitou orientações e entendimentos.

                O arrendamento operacional em nada foi impactado pela Lei nº 12.973/2014, porém o art. 2º da referida Lei manteve a dedutibilidade fiscal das parcelas pagas originadas da transação caracterizada como arrendamento financeiro. Mas, em relação ao encargo de depreciação, amortização ou exaustão do bem adquirido na modalidade de leasing financeiro, esta foi vedada na apuração dos impostos, portanto deverá ser adicionado o respectivo encargo no período de apuração em que ele for apropriado como custo de produção ou despesa.

                O art. 48 da Lei nº 12.973/2014 expressa que as despesas financeiras incorridas e de responsabilidade da arrendatária, inclusive o AVP, não são dedutíveis na apuração do lucro fiscal, já que estes são considerados como componentes do valor da prestação. Por fim, os artigos 53 a 55 da supracitada Lei vedam à empresa arrendatária a utilização do crédito decorrente da depreciação do bem arrendado, quando da apuração das contribuições PIS/Pasep e Cofins pelo regime não cumulativo.

 

                2.2.5 O Imobilizado

                O que caracteriza os bens do grupo não circulante — imobilizado é a tangibilidade destes ativos, destinados à manutenção das atividades das empresas e a expectativa de fluxo positivo de caixa por eles gerada, a propriedade não tem relevância em sua caracterização, mas a ascensão e o controle sobre o bem são fundamentais para caracterizá-los (Lei nº 11.638/2007).

                Quanto ao processo de reconhecimento, mensuração e evidenciação de ativos não circulantes – imobilizado, estes estão contemplados no CPC 27 e a legislação tributária, por meio da Lei nº 12.973/2014, manifestou entendimentos sobre os seguintes itens: (i) custos de empréstimos, (ii) custos de desativação, (iii) perda por desvalorização, e a (iv) depreciação.

                Em relação aos custos de empréstimos quando, p.ex., originado de recursos fornecidos por instituição de crédito e destinado à construção de um bem do imobilizado, o CPC 20 orienta que os encargos financeiros devem integrar o custo de construção deste ativo.

                Ao contabilizar os juros como ativo imobilizado, o reconhecimento como despesas ocorrerá quando o bem for realizado por meio da depreciação. A Resolução CFC nº 1.177/2009 explica que, se o ativo estiver em uso, os juros deverão ser reconhecidos como despesa financeira e, caso contrário, ou seja, se estiver em construção, a contabilização deverá ser como custo do ativo que está sendo construído. Silva et al. (2014) expressam entendimento de que esta capitalização posterga o reconhecimento dos encargos financeiros no resultado do período em que são incorridos para o momento da realização do ativo imobilizado.

                A Lei nº 12.973/2014, em seu art. 2º, expressa o entendimento fiscal de que os juros pagos ou incorridos pelo contribuinte terão aceitação fiscal, portanto, dedutíveis da base de cálculo do IR e da CSLL em obediência ao regime de competência e que os juros associados a empréstimos para financiar construção de bens do imobilizado podem ser contabilizados como custo deste ativo, desde que incorridos até que o referido bem esteja pronto para uso.

                Quanto aos custos de desativação ou desmontagem de um bem do ativo não circulante - imobilizado, o CPC 27 admite que a estimativa inicial dos custos de desativação deverá fazer parte do custo ativo imobilizado. O Fisco entende que este procedimento é semelhante a uma provisão que passará a integrar o custo do imobilizado (SILVA et al., 2014).

                Diante do entendimento anterior, o art. 45 da Lei nº 12.973/2014 não aceita como dedutível da base de cálculo do IR e da CSLL a provisão originada a custos de desativação, desmontagem e remoção de ativos imobilizados, porém a aceita como despesa dedutível desta base de cálculo quando da efetiva realização dos custos de desmontagem, desativação ou remoção.

                Quanto à perda por desvalorização prevista no CPC 01, também denominado de teste de Impairment, o objetivo é garantir que ativos não estejam com valor contábil superior ao de realização por uso ou venda. Neste sentido, Silva et al., (2014) explicam que este teste visa verificar se o valor contábil do ativo é superior ao seu valor recuperável, seja pelo uso ou pela venda, caso seja, aquela perda deverá ser reconhecida. A premissa subjacente a este teste é que nenhum ativo que integra o patrimônio da entidade poderá estar avaliado por um valor que supere o seu valor recuperável, pois, caso isto ocorra, ter-se-á uma perda que deverá ser reconhecida.

                O entendimento fiscal realizado por meio da Lei nº 12.973/2014, e expresso no art. 32 da referida Lei, veda a dedutibilidade da despesa da perda por desvalorização, por outro lado permite a dedutibilidade da parcela da perda não revertida quando ocorrer a venda ou baixa do ativo imobilizado.

                O CPC 27, que orienta sobre a depreciação de ativos imobilizados, expressa que esta deve refletir o padrão de consumo pela empresa dos benefícios econômicos futuros gerados por estes ativos e o método de cálculo da depreciação deve acompanhar a vida útil do ativo e diante disto orienta que os seguintes fatores devem ser reconhecidos quanto ao método de depreciação a ser usado:

                a) capacidade de produção física do bem;

                b) quantidade de horas/máquinas utilizada;

                c) soma dos dígitos crescentes ou decrescentes originada da obsolescência técnica;

                d) vida útil esperada do bem.

                O entendimento fiscal expresso na Lei nº 12.973/2014 é de que a depreciação será fixada, calculada e contabilizada, em função do prazo de vida útil em que a empresa espera utilizar economicamente o bem. Portanto, ratifica o método linear ou de cotas constantes e ratifica as taxas utilizadas e previstas na Instrução Normativa SRF nº 162, de 31 de dezembro de 1998.

                Porém, o entendimento fiscal permite ao contribuinte usar outro método de depreciação que não o de cotas constantes, porém imputa à empresa a prova da adequação deste outro método às condições de depreciação dos seus bens, além de que a empresa deverá ajustar no e.Lalur parte A e parte B as diferenças a maior ou a menor quando usar método diferente do linear. Por fim, a RFB, nos Artigos 2º e 119 da Lei nº 12.973/2014, permite que, para fins fiscais ativos, imobilizados a cujo valor de aquisição seja inferior a R$1.200,00, sejam contabilizados como custo ou despesa.

 

                3. METODOLOGIA

                Por meio de pesquisa bibliográfica, buscou-se entender os principais aspectos voltados ao trabalho e emanados da incursão da Contabilidade brasileira às normas internacionais lideradas pelo Iasb, de forma especial, os relacionados à receita, ao ajuste ao valor presente, à avaliação ao valor justo, ao arrendamento mercantil e ao imobilizado.

                Destaca-se que as principais fontes bibliográficas de pesquisa foram os Pronunciamentos Contábeis emitidos pelo CPC e o entendimento fiscal e coercitivo sobre as normas internacionais de contabilidade originados da Receita Federal do Brasil e expressos na Lei nº 12.973/2014.

                Após o entendimento anterior, foram comparados e confrontados estes entendimentos com as manifestações fiscais originadas da Lei nº 12.973/2014, a qual deu orientações aos procedimentos contábeis direcionados à incursão da Contabilidade brasileira nas normas internacionais.

                Por fim, foram sugeridas ações de ajustes entre os principais procedimentos contábeis originados da adoção das normas internacionais de contabilidade adotadas no Brasil e as orientações fiscais emanadas pela Receita Federal do Brasil sob alicerce da Lei nº 12.973/2014.

                4. ANÁLISE DOS RESULTADOS

                4.1 Receita

                Inicia-se com a receita, pois o CPC 30 expressa que a receita é “o ingresso bruto de benefícios econômicos durante o período proveniente das atividades ordinárias da entidade que resultam no aumento do seu patrimônio líquido, exceto as contribuições dos proprietários”. Diante disto, observa-se que na receita não estão inclusos impostos nem o aporte de capital pelos proprietários.

                Por outro lado, o entendimento fiscal expresso na Lei nº 12.973/2014 sobre receita diz que esta compreende: (i) o produto na venda de bens nas operações de conta própria; (ii) o preço da prestação de serviços em geral; (iii) o resultado auferido nas operações de conta alheia; e (iv) as receitas da atividade ou objeto principal não classificadas nas demais categorias acima.

                Enquanto o CPC 30 não entende, p. ex., impostos como componentes da receita, a RFB tem entendimento contrário. Diante disto, sugere-se como ação conciliatória que a Contabilidade e seu processo de reconhecimento e mensuração adote o entendimento emanado da RBF, inclusive com reflexo nas obrigações acessórias Escrituração Contábil Fiscal (ECF) e Escrituração Contábil Digital (ECD), porém, quando a evidenciação ou publicação na Demonstração do Resultado (DR) inicie com: 1 - Receita Líquida de Vendas, ou seja, valor líquido dos impostos, descontos condicionais, devoluções e ajuste ao valor presente. Deste modo estará conciliando os interesses.

 

                4.2 Ajuste ao Valor Presente de Ativos e Passivos (AVP)

                O CPC 12 orienta procedimentos referentes ao AVP com o objetivo de evitar vieses nos relatórios contábeis em função dos juros futuros presentes nas transações a prazo. O Fisco brasileiro, por meio da Lei nº 12.973/2014, não deu o mesmo entendimento sobre o AVP e sob o argumento de que é relevante o grau de subjetividade associado às taxas de juros utilizadas. Diante disto, o art. 9º da Lei nº 12.973/2014 expressa que estes juros serão tributados juntamente com a receita a que se referem, ou seja, a receita bruta de vendas de mercadorias/produtos e prestação de serviços.

                Com a ação conciliatória entre os interesses conflitantes, sugere-se que o reconhecimento do fato econômico, quando relevante, seja ao valor presente e os juros ativos ou passivos sejam reconhecidos pro rata tempore em sintonia com o regime de competência e este reconhecimento inicial seja adicionado ou excluído na parte A do e.Lalur e e.Lacs, conforme se tratar de operação com ativos ou passivos da empresa.

 

                4.3 Avaliação com Base no Valor Justo (AVJ)

                A consequência contábil do AVJ é de que, se ocorrer aumento de valor de ativos, a contrapartida credora será um ganho e, no caso de diminuição, será perda. Caso se trate de passivo e ocorra diminuição, a contrapartida representará um ganho e, se ocorrer aumento, a contrapartida representará uma perda, portanto com influência no resultado das empresas.

                A Lei nº 12.973/2014, no art. 14, manifestou entendimento de que a perda somente poderá ser computada na determinação do lucro tributável na medida em que o ativo for realizado, ou quando o passivo for liquidado ou baixado, e desde que a redução no valor do ativo ou aumento no valor do passivo sejam evidenciados contabilmente em subconta vinculada ao ativo ou passivo.

                Como sugestão de ação conciliatória, sugere-se que o sistema de informação contábil reconheça e avalie ativos e passivos ao valor justo e a contrapartida devedora (perda) seja adicionada na parte A do e.Lalur e e.Lacs e a contrapartida credora (ganho) excluída também na parte A dos livros fiscais eletrônicos antes citados.

                À medida que o ativo for sendo realizado via depreciação ou o passivo for pago, ajusta-se excluindo e adicionando paulatinamente na parte A do e.Lalur ou e.Lacs, além de que, somente para efeitos fiscais, seja criada subconta vinculada ao ativo ou ao passivo avaliados pelo valor justo. A evidenciação deverá ser feita por única conta e valor.

 

                4.4 Arrendamento mercantil financeiro

                Sugere-se como ação conciliatória que, no caso de arrendamento mercantil financeiro, cuja essência econômica é de uma transação de compra e venda a prazo, a empresa arrendatária registre o bem no ativo e a obrigação no passivo. As contraprestações pagas sejam excluídas na parte A do e.Lalur e do e.Lacs e assim o benefício fiscal seja usufruído, porém, a despesa ou custo da depreciação do bem arrendado seja adicionado, também, na parte A dos livros antes citados.

 

                4.5 Imobilizado

                4.5.1 Custos nos empréstimos

                Como sugestão conciliatória entre os procedimentos societários e fiscais, que os juros originados de empréstimos a ativos imobilizados em construção sejam incorporados a este ativo e excluídos na parte A do e.Lalur e e.Lacs, e a parcela referente a estes juros que compõem o ativo, quando ocorrer a despesa ou custo com depreciação, seja adicionada na parte A do e.Lalur e e.Lacs. Se o ativo estiver em uso, o reconhecimento da despesa financeira será direto ao resultado e com ampla aceitação fiscal.

 

                4.5.2 Desativação ou desmontagem de ativo não circulante

                Sugere-se que, quando for possível ter certeza e de forma preferencial, por meio de contrato, que ocorrerão custos de desativação de um bem do ativo imobilizado, e esta estimativa for confiável, esta provisão seja realizada com o cuidado de adicioná-la na parte A do e.Lalur e do e.Lacs para efeito de apuração da base de cálculo do IR e da CSLL. Quando da efetiva realização dos custos com desmontagem, desativação ou remoção, este valor deverá ser excluído na parte A do e.Lalur e e.Lacs.

 

                4.5.3 Teste de Impairment

                Propõe-se que o teste de Recuperabilidade seja efetuado independente da visão fiscal, porém a perda por desvalorização deverá inicialmente ser adicionada na base de cálculo da apuração do IR e da CSLL por meio de adição no e.Lalur e e.Lacs. Por outro lado, na apuração do ganho de capital originado da venda deste imobilizado, a parcela da perda não revertida será dedutível na base de cálculo dos impostos.

 

                4.5.4 Depreciação

                Sugere-se, como ação conciliatória entre o entendimento fiscal e o societário emanado do CPC 27, que o reconhecimento da depreciação reflita o padrão de consumo dos benefícios econômicos futuros gerados por estes ativos e, com isto, acompanhe a vida útil do ativo. Para este julgamento, deverá ser estimulado quanto ao uso de um dos seguintes métodos: (i) linear ou cotas constantes, (ii) soma dos dígitos crescentes ou decrescentes, (iii) quantidade produzida ou (iv) quantidade de horas trabalhadas.

                Porém, a atenção deverá ser redobrada quando a empresa adotar método de apuração e contabilização diferente do linear ou cotas constantes, que é o parâmetro fiscal. Deste modo, se o valor contabilizado for maior que o parâmetro fiscal, a diferença deverá ser adicionada na parte A do e.Lalur e e.Lacs e, se for menor, excluído também na parte A dos referidos livros eletrônicos fiscais.

 

                4.5.5 Imobilizado de pequeno valor - R$1.200,00

                Sugere-se exercício de julgamento por parte do profissional da Contabilidade quanto ao reconhecimento como despesa ou imobilizado de ativos de longa duração com valor igual ou inferior a R$ 1.200,00. Ao contabilizar como despesa, corre-se o risco de perder de vista este bem, pois a conta que o registrará será encerrada na apuração do resultado e, com isto, poderá ocorrer perda no controle da existência física e contábil do bem; por outro lado, será analisada a relação custo versus benefício em reconhecê-lo como ativo não circulante — imobilizado, pois deverá existir ficha de controle patrimonial e o respectivo cálculo mensal da depreciação, porém ocorrerá maior controle sobre o bem; deste modo, requisita julgamento.

                Por oportuno, evidencia-se que valores excluídos da base de cálculo dos tributos e que influenciarão na apuração futura dos tributos, estes deverão estar controlados na parte B do e.Lalur e e.Lacs. É possível sintetizar as principais ações conciliatórias entre as orientações societárias expressas nos CPCs e o entendimento fiscal conforme o Quadro 3.

 

Quadro 3 - Resumo da conciliação societária com a fiscal

 

 

VISÃO SOCIETÁRIA

VISÃO FISCAL

AÇÃO CONCILIATÓRIA

1. Receita

Não inclui impostos

Inclui, entre outros, os impostos

Evidenciar a partir da receita liquida

2. Ajuste ao Valor Presente

Ativos e passivos de longo prazo ao valor presente

Não permitiu devido ao grau de subjetividade associado às taxas de juros utilizadas.

Ajustar no e.Lalur e e.Lacs

3. Avaliação com Base no Valor Justo

Avaliar ativos e passivos ao valor justo

A perda somente poderá ser computada na determinação do lucro tributável na medida em que o ativo for realizado, ou quando o passivo for liquidado ou baixado

Ajustar no e.Lalur e e.Lacs

4. Arrendamento Mercantil Financeiro

O bem no ativo e a obrigação no passivo

Contraprestações pagas sejam excluídas na parte A do e.Lalur e do e.Lacs

Ajuste no e.Lalur e e.Lacs

5. Imobilizado - 5.1 Custos dos empréstimos

Contabilizado no imobilizado enquanto o bem está sendo construído, após a construção: despesa

Bem construído: despesa financeira. Em construção: pode imobilizar

 

Se imobilizar excluir no e.Lalur e.Lacs a despesa financeira

Depreciação: adicionar no e.Lalur e e.Lacs

5. Imobilizado - 5.2 Desmontagem de imobilizado

Se houver certeza (contrato): provisionar

Provisão não aceita para fins fiscais

Provisionar e adicionar a despesa no e.Lalur e e.Lacs

5. Imobilizado - 5.3 Impairment

Realizar o teste de recuperabilidade e sendo necessário, reconhecê-lo

Despesa indedutível para efeitos fiscais

Realizar e, se for o caso, adicionar a despesa na parte A do e.Lalur e e.Lacs

5. Imobilizado - 5.4 - Depreciação

Usar método que reflita o padrão de consumo dos benefícios econômicos futuros gerados por esses ativos e, com isso, acompanhar a vida útil do ativo.

Método linear ou em quotas constantes

Valor da depreciação superior ou inferior ao método linear, ajustar no e.Lalur e e.Lacs

5. Imobilizado - 5.5 - Pequeno Valor

Contabilizar no ativo não circulante

Admite a contabilização como custo ou despesa

Requisita julgamento

Fonte: Dados da pesquisa, 2017.

 

 

                5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

                Esta pesquisa teve como objetivo sugerir ações de ajustes entre os principais procedimentos contábeis, em especial a receita, ao ajuste ao valor presente, a avaliação ao valor justo, o arrendamento mercantil e o imobilizado, advindos da adoção das normas internacionais de Contabilidade no Brasil e as orientações fiscais expressas na Lei nº 12.973/2014.

                Foi possível observar que o referido instrumento legal não acatou pacificamente os procedimentos contábeis originados da convergência da Contabilidade brasileira às normas internacionais, fato compreensível ao se considerar o compromisso arrecadatório, como, por exemplo, o conceito de receita em que o CPC 30 não admite inclusão de valores não pertencentes à entidade, como, por exemplo, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é o tipo de imposto por dentro, ou seja, está imputado à receita de vendas de mercadorias. Por outro lado, a Lei nº 12.973/2014 o aceita pacificamente ao conceituar receita bruta.

                Exemplifica-se também a não aceitação fiscal da perda por desvalorização originada do teste de Recuperabilidade (Impairment) em que o entendimento fiscal não considera dedutível na apuração dos impostos as despesas decorrentes da perda por ausência de recuperabilidade.

                Por outro lado, a legislação fiscal aceita pacificamente as despesas voltadas aos custos dos empréstimos em que permite a dedutibilidade, tanto como custo do imobilizado quanto despesa financeira, além de admitir também outro método de depreciação que não seja o linear e, deste modo, o valor maior ou menor que o parâmetro fiscal deverá ser adicionado ou excluído na base de cálculo dos impostos por meio de adições ou exclusões nos livros fiscais e.Lalur ou e.Lacs.

                Diante disto, ratifica-se que o profissional da Contabilidade deve gerenciar o processo contábil composto pela tríade: reconhecimento, mensuração e evidenciação, privilegiando a essência econômica quando conflitar com os interesses fiscais, e conciliar grande parte destas divergências por meio de adições ou exclusões escrituradas nos livros fiscais e.Lalur e e.Lacs.

                Por fim, sugerem-se pesquisas que envolvam outros temas contemplados pela Contabilidade Societária e normatizados pelos procedimentos emanados do CPC e as respectivas orientações fiscais originadas da Lei nº 12.973/2014, como os investimentos em coligadas e controladas, além, por exemplo, dos voltados à combinação de negócios.

                Os procedimentos conciliatórios sugeridos pela legislação fiscal, em maioria, são executados em livros extras como e.Lalur e o e.Lacs. Daí, pesquisar empiricamente as empresas e estes livros fiscais é desafio ao pesquisador. Neste sentido, evidencia-se este fato como uma das significantes limitações deste trabalho.

 

                6. REFERÊNCIAS

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                ______. Lei nº 11.638, de 28 de dezembro de 2007. Altera e revoga dispositivos da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, e da Lei nº 6.385, de 7 de dezembro de 1976. Disponível em: http:<//www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11638.htm>. Acesso em: 18 jan. 2017.

                ______. Lei nº 11.941, de 27 de maio de 2009. Altera a legislação tributária federal relativa ao parcelamento ordinário de débitos tributários e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Mpv/mpv627.htm>. Acesso em: 30 jan. 2017.

                ______. Lei nº 12.973/2014. Altera a legislação tributária federal relativa ao Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas - IRPJ, à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, à Contribuição para o PIS/PASEP e à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS; revoga o Regime Tributário de Transição e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/Mpv/mpv627.htm>. Acesso em: 10 jan. 2017.

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* Contador, professor universitário (UFPA/Famaz/FMN Ananindeua (PA)), mestre em Controladoria FEA/USP, consultor do Ministério da Educação na área da Contabilidade e perito-contador federal.

** Contadora, mestra em Administração pela Universidade de São Caetano do Sul e doutoranda em Administração na Universidade da Amazônia.

*** Contador, mestre em Administração, coordenador do curso de Ciências Contábeis da Faculdade Metropolitana da Amazônia (Famaz).

 

 

(Fonte: RBC nº 230)

 

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