NOTA 63, DE 01 DE OUTUBRO DE 2018, PROCURADORIA-GERAL DA FAZENDA NACIONAL E COORDENADORIA-GERAL DA REPRESENTAÇÃO JUDICIAL DA FAZENDA NACIONAL - MEF33189 - AD

 

 

Documento público. Ausência de sigilo.

 

Recurso Especial nº 1.221.170/PR Recurso representativo de controvérsia. Ilegalidade da disciplina de creditamento prevista nas IN SRF nº 247/2002 e 404/2004. Aferição do conceito de insumo à luz dos critérios de essencialidade ou relevância.

 

Tese definida em sentido desfavorável à Fazenda Nacional. Autorização para dispensa de contestar e recorrer com fulcro no art. 19, IV, da Lei nº 10.522, de 2002, e art. 2º, V, da Portaria PGFN nº 502, de 2016.

 

Nota Explicativa do art. 3º da Portaria Conjunta

 

PGFN/RFB nº 01/2014.

 

I

 

Objetivo da presente Nota Explicativa

 

1. Trata-se da análise do julgamento do Recurso Especial (RESP) nº 1.221.170/PR,[1] submetido à sistemática dos recursos repetitivos de que tratam os arts. 1.036 e seguintes do nCPC, no qual o Superior Tribunal de Justiça (STJ) assentou as seguintes teses "(a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Lei nº 10.637/2002 e 10.833/2003; e (b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte."

 

2. Pretende-se, nesta Nota Explicativa, formalizar a orientação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN quanto à dispensa de contestação e recursos nos processos judiciais que versem acerca da matéria julgada em sentido desfavorável à União, bem como delimitar a extensão e o alcance do julgado, viabilizando a adequada observância da tese por parte da Secretaria da Receita Federal do Brasil - RFB.

 

II

 

Breve relato da controvérsia

 

3. O STJ, apreciando a matéria sujeita à análise, decidiu desfavoravelmente à Fazenda Nacional, consoante se irá detalhar no tópico da delimitação do julgado.

 

4. Por meio do Memorando SEI nº 15/2018/CASTJ/PGACET/PGFN-MF, de 08 de junho de 2018, a Secretaria da Receita Federal do Brasil foi cientificada quanto à publicação do acórdão do RESP nº 1.221.170/PR, em 24 de abril de 2018, e da provável inclusão da matéria na lista de dispensa de contestar e recorrer, porquanto os Embargos de Declaração opostos em face do acórdão visam apenas ao esclarecimento de que a tese firmada não afasta as hipóteses em que a própria legislação veda o creditamento. Não foram encaminhadas, até a presente data, a esta Coordenação-Geral, quaisquer considerações ou questionamentos quanto à extensão, ao alcance ou à operacionalização do cumprimento da decisão, na forma do art. 2º, §2º, da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 01/2014.

 

5. É o relato da controvérsia. Passa-se à apreciação.

 

III

 

Delimitação do julgado

 

6. Consoante já relatado, o STJ julgou o RESP 1.221.170/RS, submetido à sistemática dos arts 1.036 e seguintes do nCPC, desfavoravelmente à Fazenda Nacional, definindo que a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF nº 247/2002 e 404/2004, uma vez que compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, conforme definido nas Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003. Definiu-se também que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item - bem ou serviço - para desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte.

 

7. A empresa recorrente, no caso submetido à apreciação do STJ, pretendia a adoção de conceito de insumo para os elementos, diretos e indiretos, necessários à fabricação de produtos e a prestação e serviços de modo a alcançar os custos gerais de fabricação e despesas gerais comerciais, que seriam, na visão da empresa recorrente, imprescindíveis para toda a atividade produtiva, conquanto não estivessem diretamente relacionados à sua atividade final. Sustentava que as balizas interpretativas previstas nas Instruções Normativas da SRF nº 247/2002 e 404/2004, as quais restringiam o direito de crédito aos insumos que fossem diretamente agregados ao produto final, ou que se desgastassem com o contato físico com o produto ou serviço final, impediriam que se alcançasse a não-cumulatividade pretendida pelas Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003.

 

8. Entendia a recorrente que o regime das referidas Instruções Normativas seria justificável para tributo cuja materialidade seja a industrialização de produtos, que seria justamente o caso do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), porém não se aplicaria na hipótese do PIS e da COFINS, que têm como materialidade a receita bruta.

 

9. A Fazenda Nacional defendeu a concepção restritiva adotada nos normativos, inclusive, destacando que sua adoção impediria que fosse desnaturada a hipótese material de incidência das contribuições incidentes sobre o faturamento, de modo que passassem a incidir sobre o lucro. Ressaltou-se que a interpretação restritiva encontrava ressonância na jurisprudência do próprio STJ.

 

10. Sucessivamente, acaso não prevalecessem os critérios adotados pelas Instruções Normativas da SRF nº 247/2002 e 404/2004, pugnou a Fazenda Nacional por uma interpretação intermediária, aferindo-se a essencialidade do custo diante da efetiva agregação de valor ao produto ou serviço final, de maneira que, se subtraído o bem ou serviço, o produto final deixaria de existir ou não seria mais útil.

 

11. Cumpre destacar que, conquanto o STJ tenha entendido pela ilegalidade da

 

interpretação restritiva do conceito de insumo, não proibiu toda e qualquer regulamentação feita em âmbito administrativo. O que o julgado estabeleceu é que a regulamentação levada a efeito pelas Instruções Normativas da SRF nº 247/2002 e 404/2004 fere a lógica da sistemática da não-cumulatividade prevista na legislação de regência para as contribuições ao PIS e da COFINS, que se baseiam no faturamento/receita, frustrando, portanto, a intenção contida nas leis, ao adotar a lógica da não-cumulatividade prevista para o IPI e o ICMS.

 

12. Com efeito, considerou-se que interpretação restritiva do conceito de insumo inviabilizaria a tributação exclusiva do valor agregado do bem ou serviço, como determina o comando legal contido no art. 3º, II, da Lei nº 10.637/2002 e no art. 3º, II, Lei nº 10.833/2003.

 

13. Conforme se depreende da Exposição de Motivos da Medida Provisória (MP) nº 66/2002, a qual foi convertida na Lei nº 10.637/2002, a norma visava a uma ampla reestruturação na cobrança das contribuições sociais incidentes sobre o faturamento. Buscava-se, de forma gradual, introduzir a cobrança em regime de valor agregado - inicialmente com o PIS/Pasep para, posteriormente, alcançar a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Segundo o STJ, a interpretação restritiva adotada pela Administração Fazendária inviabilizaria essa sistemática introduzida pelas leis referidas.

 

14. Consoante se depreende do Acórdão publicado, os Ministros do STJ adotaram a interpretação intermediária, considerando que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância. Dessa forma, tal aferição deve se dar considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item para o desenvolvimento da atividade produtiva, consistente na produção de bens destinados à venda ou de prestação de serviços.

 

15. Deve-se, pois, levar em conta as particularidades de cada processo produtivo, na medida em que determinado bem pode fazer parte de vários processos produtivos, porém, com diferentes níveis de importância, sendo certo que o raciocínio hipotético levado a efeito por meio do "teste de subtração" serviria como um dos mecanismos aptos a revelar a imprescindibilidade e a importância para o processo produtivo.

 

16. Nesse diapasão, poder-se-ia caracterizar como insumo aquele item - bem ou serviço utilizado direta ou indiretamente - cuja subtração implique a impossibilidade da realização da atividade empresarial ou, pelo menos, cause perda de qualidade substancial que torne o serviço ou produto inútil.

 

17. Observa-se que o ponto fulcral da decisão do STJ é a definição de insumos como sendo aqueles bens ou serviços que, uma vez retirados do processo produtivo, comprometem a consecução da atividade-fim da empresa, estejam eles empregados direta ou indiretamente em tal processo. É o raciocínio que decorre do mencionado "teste de subtração" a que se refere o voto do Ministro Mauro Campbell Marques.

 

18. Convém destacar desde já que, se, por um lado, a decisão do STJ, no recurso repetitivo ora examinado, afastou o critério mais restritivo adotado pelas Instruções Normativas SRF nº 247/2002 e 404/2004, por outro lado, igualmente, repeliu que fosse adotado critério demasiado elastecido, o qual iria desnaturar a hipótese de incidência das contribuições do PIS e da COFINS. Destarte, entendeu o STJ que o conceito de insumos, para fins da não-cumulatividade aplicável às referidas contribuições, não corresponde exatamente aos conceitos de "custos e despesas operacionais" utilizados na legislação do Imposto de Renda.

 

19. Assim, impende ressaltar que uma das balizas do julgado é a de que não serão todas as despesas realizadas com a aquisição de bens e serviços para o exercício da atividade empresarial precípua direta ou indiretamente que serão consideradas insumos, para fins de creditamento do PIS/COFINS.

 

20. Destacou-se, na decisão, que a não-cumulatividade do PIS/COFINS, diferentemente do que ocorre com o IPI e o ICMS, é uma criação legal, possuindo, pois, as características que as leis lhes conferem, de forma que não se poderiam transplantar as características e conclusões próprias daqueles impostos, na medida em que, para tais tributos, a não-cumulatividade seria diversa.

 

21. Nesse contexto, constata-se do Voto do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, relator do RESP nº 1.221.170/PR, que o creditamento do IPI/ICMS vincular-se-ia ao montante recolhido nas operações anteriores, porque os fatos geradores desses impostos são, respectivamente, a industrialização e a circulação de mercadorias. No caso do PIS e da COFINS, o creditamento, em verdade, seria um desconto, já que essas contribuições possuem como fato gerador o próprio faturamento da empresa ou entidade a ela equiparada.

 

22. Ainda segundo o Ministro Napoleão, adotando-se o entendimento esposado por Hugo de Brito Machado em parecer, o creditamento não consistiria em benefício fiscal, tampouco seria causa de suspensão ou exclusão do crédito tributário, nem representaria dispensa do cumprimento de obrigações acessórias, de forma que não precisaria ser necessariamente interpretado de forma literal ou restritiva, como está no art. 111 do CTN.

 

23. Fundamental para compreensão do julgado é o voto da Ministra Regina Helena Costa, a qual destacou a sistemática da não-cumulatividade, no texto original da Constituição de 1988, veio expressamente contemplada para dois impostos: o imposto sobre produtos industrializados (IPI) e o imposto sobre circulação de mercadorias e serviços (ICMS). Nesse passo, a não-cumulatividade quanto aos impostos representaria autêntica aplicação do princípio constitucional da capacidade contributiva, objetivando impedir que o tributo se torne um "gravame cada vez mais oneroso nas várias operações de circulação de produto ou mercadoria, de prestação dos aludidos serviços e de industrialização de produtos, deixando-os proibitivos."

 

24. Nesse contexto, a regra da não-cumulatividade para o IPI e o ICMS colima evitar a incidência de imposto sobre imposto na carga de tributos multifásicos, que são aqueles exigíveis em operações sucessivas). Desse modo, com o intuito de evitar a "tributação em cascata", estabelece-se um sistema de créditos que poderá ser usado como forma de pagamento do tributo.

 

25. Ainda, no esclarecimento da Ministra Regina Helena Costa, para tributos com outra configuração, como no caso das contribuições do PIS e da COFINS, ainda que também lhes seja aplicável o princípio da capacidade contributiva, por ostentarem a materialidade de imposto, a não-cumulatividade deve revestir de sistema distinto.

 

26. Ora, essencial para a compreensão do julgado é observar que foi ressaltada a diferença entre a sistemática da não-cumulatividade para o IPI e o ICMS e para as contribuições do PIS/COFINS. Isso porque o sistema das contribuições ao PIS e da COFINS não é aquele que garante o crédito de tributo pago anteriormente.

 

27. Destarte, conquanto em ambos casos de não-cumulatividade se vislumbre o objetivo de evitar a tributação em cascata, tratando-se de contribuições cuja base de cálculo é a receita bruta ou faturamento, como não há uma conexão direta com determinado produto ou mercadoria, a técnica da não-cumulatividade a se observar é a de base sobre base, encontrando-se o tributo a pagar por meio da aplicação da alíquota sobre a diferença entre as receitas auferidas e determinadas despesas.

 

28. O precedente do STJ buscou, então, a definição de insumo para fins da não-cumulatividade de que trata as Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, de modo a conferir eficácia a esse sistema. Isso porque a mencionadas leis não definem o que deve ser considerado como insumo para fins da sistemática de não-cumulatividade. Entendeu o STJ, contudo, que, não obstante a adoção de conceito indeterminado de insumos pelas mencionadas leis, delas é possível extrair balizas, na medida em que nem se poderia adotar conceituação demasiado ampla, como seria a da legislação do Imposto de Renda (IR), tampouco assaz restritiva, como a do IPI, a ponto de comprometer a sistemática da não-cumulatividade.

 

29. A respeito da impossibilidade de adoção do conceito de insumos adotado pela legislação própria do IPI, releva transcrever excerto do voto do Ministro Mauro Campbell Marques,[2] também bastante elucidativo para compreensão do entendimento firmado:

 

" (...) não há respaldo legal para que seja adotado conceito excessivamente restritivo de ‘utilização na produção’ (terminologia legal), tomando-o por ‘aplicação ou consumo direto na produção’ e para que seja feito uso na sistemática do Pis/Pasep e Cofins não-cumulativos, do mesmo conceito de ‘insumos’ adotado pela legislação própria do IPI.

 

(...) Isto porque quando o legislador deseja importar tal conceituação de ‘insumos’ para fins de cálculo de benefícios fiscais, ou faz expressamente, como o fez, v.g., na hipótese do crédito presumido de IPI, como ressarcimento das contribuições ao Pis/Pasep e à Cofins, previsto no art. 1º, da Lei n. 9.363/96.

 

Na suso citada lei, há expressa previsão para que sejam utilizados subsidiariamente os conceitos de produção, matéria-prima, produtos intermediários e material de embalagem previstos na legislação do IPI.

 

(...)

 

Diferentemente, nas leis que tratam do Pis/Pasep e Cofins não-cumulativos não há menção a qualquer arcabouço normativo em vigor para se colher o conceito de "insumos’.

 

Na mesma linha de raciocínio, outras razões também se me afiguram suficientes a impedir a utilização do conceito de ‘insumos’ previsto para a legislação do IPI. Vejamos.

 

(...)

 

Por sua vez, a não-cumulatividade da contribuição ao Pis e da Cofins instituída pelas Leis 10.637 e 10.833 - ainda que a expressão utilizada pelo legislador seja idêntica - apresenta perfil totalmente diverso daquela pertinente ao IPI, visto que a previsão legal possibilita a dedução dos valores de determinados bens e serviços suportados pela pessoa jurídica dos valores a serem recolhidos a título dessas contribuições, calculados pela aplicação da alíquota correspondente sobre a totalidade das receitas por elas auferidas. Como se verifica, na técnica de arrecadação dessas contribuições, não há propriamente um mecanismo não-cumulativo, decorrente do creditamento de valores das entradas de bens que sofrerão nova incidência em etapa posterior da cadeia produtiva, nos moldes do que existe para aquele imposto (IPI).

 

(...) Ou seja, esses tributos não têm sua materialidade restrita apenas aos bens produzidos, mas sim à aferição de receitas, cuja amplitude torna inviável sua vinculação ao valor exato da tributação incidente em cada etapa anterior do ciclo produtivo. Note-se também que, para fins de creditamento do Pis e da Cofins, admite-se que a prestação de serviços seja considerada como insumo, o que já leva à conclusão de que as próprias Leis 10.637/3003 e 10.833/3003 elasteceram a definição de ‘insumos’, não se limitando apenas aos elementos físicos que compõem o produto.

 

(...)

 

Não se trata, portanto, de desonerar a cadeia produtiva, mas sim o processo produtivo de um determinado produtor ou a atividade-fim de determinado prestador de serviço.

 

(...)

 

Assim, a restrição pretendida pelas Instruções Normativas para o conceito de insumos aos elementos consumidos no processo operacional, além de ir de encontro à própria essência do princípio da não-cumulatividade, acaba por gerar ampliação da carga tributária das contribuições em comento.

 

Dessa forma, é inexorável a conclusão de que os referidos atos normativos fazendários, ao validarem o creditamento apenas quando houver a efetiva incorporação do insumo ao processo produtivo de fabricação e comercialização de bens ou prestação de serviços, adotando o conceito de insumos com acepção restrita, em analogia à conceituação adotada pela legislação do IPI, acabaram por extrapolar os termos do ordenamento jurídico hierarquicamente superior, in casu, as leis 10.637/2002 e 10.833/2002, pois vão de encontro à finalidade da sistemática de não-cumulatividade da contribuição para o Pis e da Cofins." (grifos ausentes no original)

 

30. Se por um lado o critério para aferição de insumos próprio da legislação de IPI revela-se inadequado, por outro, igualmente o seria adotar a legislação do imposto de renda. Sobre o ponto, cumpre também destacar que o Ministro Mauro Campbell Marques também explica a impossibilidade de utilização exclusiva da legislação do IRPJ, com o objetivo de encontrar o conceito de "insumos", dentro da sistemática da não-cumulatividade do PIS/COFINS. Confira-se:

 

"(...) não compartilho do entendimento pela possibilidade de utilização isolada da legislação do IR para alcançar a definição de ‘insumos’ pretendida. Reconheço, no entanto, que o raciocínio desenvolvido já ilumina o caminho para a solução da controvérsia ao elencar a essencialidade ao processo produtivo como atributo utilizável no conceito de ‘insumos’ e a desvinculação das definições próprias do IPI.

 

Como já mencionei, o legislador, quando deseja importar a conceituação de ‘insumos’ para fins de cálculo de benefícios fiscais, o faz expressamente, como fez, v.g., na hipótese do crédito presumido de IPI, como ressarcimento das contribuições ao PIS/PASEP e à COFINS, previsto no art. 1º, da Lei 9.363/96.

 

Na já referida lei, além da expressa previsão para que sejam utilizados subsidiariamente os conceitos de produção, matéria-prima, produtos intermediários e material de embalagem previstos na legislação do IPI, também há a previsão para o uso dos conceitos de receita operacional bruta colhidos da legislação do IR. (...)

 

Diferentemente, e já mencionei isso quando afastei a utilização da legislação do IPI para alcançar a conceituação pretendida, nas leis que tratam do PIs/Pasep e Cofins não-cumulativos não há menção a qualquer arcabouço normativo em vigor para se colher o conceito de ‘insumos’.

 

De outro ângulo, a utilização da legislação do IR também encontra o óbice do excessivo alargamento do conceito de ‘insumos’ ao equipará-lo ao conceito contábil de ‘custos e despesas operacionais’ que abarca todos os custos e despesas que contribuem para produção de uma empresa, perdendo a conceituação uma desejável proximidade ao processo produtivo e à atividade-fim, que é o que se intenta desonerar, passando-se a desonerar o produto como um todo e não especificamente o processo produtivo. Como já mencionei, não se trata de desonerar a cadeia produtiva ou o produtor, mas o processo produtivo de determinado produtor ou a atividade-fim de determinado prestador de serviço.

 

O intuito de desoneração da cadeia produtiva leva a um conceito restritivo de ‘insumos’, a exemplo do IPI. A desoneração do produtor, independentemente da especificidade de sua atividade, leva a um conceito ampliativo de ‘insumos’, a exemplo das ‘despesas e custos operacionais’ do IR. Já desoneração do processo produtivo, da atividade específica desempenhada e daquilo que lhe é essencial, leva ao conceito desejável de ‘insumos’, que foi o objetivado pela lei.

 

Com efeito, o conceito de ‘insumos’ não é próprio da legislação do Imposto de Renda que faz uso de termos jurídico-contáveis, a exemplo dos termos ‘Custos de mercadorias ou serviços’ e ‘Despesa Operacional’. Sob o signo ‘Despesas Operacionais’ se encontra uma miríade de despesas que sequer se aproximam de um conceito formulado pelo senso comum de ‘insumos’.

 

(...)

 

De fato, o excesso da amplitude do conceito já foi identificado em doutrina, ao admitir a exclusão do creditamento em relação às aquisições destinadas aos setores administrativos.

 

(...)

 

Além disso, a base de cálculo das contribuições ao PIs/Pasep e Cofins é a receita bruta da venda de bens e serviços nas operações em conta própria ou alheia e todas as demais receitas auferidas pela pessoa jurídica (art. 1º da Lei 10.637/2002)

 

A exclusão do ‘Custo das mercadorias ou serviços’ e das ‘Despesas Operacionais’ da base de cálculo das contribuições ao Pis/Pasep e Cofins, sob o pretexto de serem considerados ‘insumos’, acaba por modificá-la por inteiro ao ponto de ser tributado somente o Lucro Operacional (corresponde ao lucro relacionado ao objeto social da empresa) somado às Receitas não Operacionais (receitas não relacionadas diretamente com o objetivo social da empresa), desnaturando as contribuições e aproximando a sua base de cálculo àquela do Imposto de Renda - IR e da Contribuição sobre o Lucro Líquido - CSLL.

 

De observar que a base de cálculo do Imposto de Renda nada mais é que o Lucro Operacional somado ao Resultado não Operacional (diferença entre Receitas não Operacionais e Despesas não Operacionais) com as inclusões e exclusões previstas para a apuração do Lucro Real.

 

Se esse fosse o objetivo do legislador, já teria produzido lei que assim o determinasse expressamente. Seria muito mais simples, pois significaria a aplicação de conceitos já sedimentados em doutrina e jurisprudência. Não o fez. Preferiu adotar o signo ‘insumos’ para definir o que pode ser abatido da base de cálculo para efeito da não-cumulatividade. Fez uso de um conceito jurídico indeterminado. Isso demonstra o intuito do legislador de não abater da base de cálculo das contribuições ao PIS/COFINS todo e qualquer Custo ou Despesa Operacional, como deseja parte da doutrina e como decidiu o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF em acórdão já aqui referido." (grifos ausentes no original)

 

31. Diante da inexistência de definição do conceito de insumos nas Lei nº 10.637/2002 e 10.833/2003, as Instruções Normativas nº 247/2002 e 404/2004, para autorizar o creditamento de insumos, traduziram o conceito de impostos incidentes sobre operações que tenham por objeto bens, no caso do IPI, por isso a disciplina seria ilegal. A Ministra Regina Helena Costa destacou em seu voto que existiria um claro descompasso entre o sistema de não-cumulatividade estabelecido para as contribuições cuja base de cálculo é a receita bruta ou faturamento e a disciplina estabelecida pela Administração Tributária nas referidas Instruções Normativas, ao conceituar insumos com inspiração na disciplina do IPI.

 

32. Assim, a vedação ao creditamento de despesas que seriam insumos ofenderia a sistemática da não-cumulatividade das leis e comprometeria, por conseguinte, o próprio princípio da capacidade contributiva, porque terminaria acarretando, na prática, a CUMULATIVIDADE das mencionadas contribuições. Propôs, então, a Ministra Regina Helena Costa que o conceito de insumos - considerado indeterminado - para fins da não-cumulatividade decorrente da disciplina legal seja extraído segundo critérios de essencialidade ou relevância:

 

"penso seja possível extrair das leis disciplinadoras dessas contribuições o conceito de insumos segundo critérios da ESSENCIALIDADE ou RELEVÂNCIA, vale dizer, considerando-se a importância do item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte."

 

33. O julgado abriu margem para que sejam considerados insumos elementos que, mesmo indiretamente repercutam no produto ou prestação de serviços. A Fazenda Nacional sustentava que insumo seria elemento que, em razão da sua função direta exercida sobre o produto ou serviço a em andamento ou sobre o produto em fabricação, repercute no produto final ou na prestação de serviço final, e do qual decorrerá a receita ou faturamento objeto da incidência da contribuição do PIS e da COFINS.

 

34. Da adoção dos critérios de essencialidade ou relevância pode-se afirmar que não é qualquer despesa genérica realizada dentro do processo produtivo que irá gerar o creditamento para fins de não-cumulatividade das contribuições do PIS e da COFINS.

 

35. O STJ, seguindo o voto da Ministra Regina Helena Costa adotou a posição intermediária quanto ao conceito de insumo, ao adotar os critérios de relevância e essencialidade - também adotadas no CARF - e afastando o conceito de insumo da legislação do IPI e IRPJ. De acordo com o voto da Ministra Regina Helena estabeleceu-se o critério de relevância - mais abrangente que o de pertinência adotado pelo Ministro Mauro Campbell Marques. Os Ministros Mauro Campbell Marques e Napoleão Nunes Maia Filho realinharam os seus votos para acompanhar Ministra Regina Helena Costa.

 

36. Com a edição das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, o legislador infraconstitucional elencou vários elementos que como regra integram cadeias produtivas, considerando-os, de forma expressa, como ensejadores de créditos de PIS e COFINS, dentro da sistemática da não-cumulatividade. Há, pois, itens dentro do processo produtivo cuja indispensabilidade material os faz essenciais ou relevantes, de forma que a atividade-fim da empresa não é possível de ser mantida sem a presença deles, existindo outros cuja essencialidade decorre por imposição legal, não se podendo conceber a realização da atividade produtiva em descumprimento do comando legal. São itens que, se hipoteticamente subtraídos, não obstante não impeçam a consecução dos objetivos da empresa, são exigidos pela lei, devendo, assim, ser considerados insumos.

 

37. Há bens essenciais ou relevantes ao processo produtivo que nem sempre são nele diretamente empregados. O conceito de insumo não se atrela necessariamente ao produto, mas ao próprio processo produtivo.

 

38. Não devem ser consideradas insumos as despesas com as quais a empresa precisa arcar para o exercício das suas atividades que não estejam intrinsicamente relacionadas ao exercício de sua atividade-fim e que seriam mero custo operacional. Isso porque há bens e serviços que possuem papel importante para as atividades da empresa, inclusive para obtenção de vantagem concorrencial, mas cujo nexo de causalidade não está atrelado à sua atividade precípua, ou seja, ao processo produtivo relacionado ao produto ou serviço.

 

39. Vale dizer que embora a decisão do STJ não tenha discutido especificamente sobre as atividades realizadas pela empresa que ensejariam a existência de insumos para fins de creditamento, na medida em que a tese firmada refere-se apenas à atividade econômica do contribuinte, é certo, a partir dos fundamentos constantes no Acórdão, que somente haveria insumos nas atividades de produção de bens destinados à venda ou de prestação de serviços. Desse modo, é inegável que inexistem insumos em atividades administrativas, jurídicas, contábeis, comerciais, ainda que realizadas pelo contribuinte, se tais atividades não configurarem a sua atividade-fim.

 

40. Nota-se, pois, que o STJ, ao definir pela utilização dos critérios de essencialidade e relevância, segundo a importância do item para o desenvolvimento da atividade-fim da empresa, no intuito de obter o conceito de insumos para fins da não-cumulatividade prevista pela legislação do PIS/COFINS, aludiu à aferição objetivamente considerada, afastando, destarte, que o item seja subjetivamente considerado sob a ótica da empresa ou do empresário.

 

41. Consoante se observa dos esclarecimentos do Ministro Mauro Campbell Marques, aludindo ao "teste de subtração" para compreensão do conceito de insumos, que se trata da "própria objetivação segura da tese aplicável a revelar a imprescindibilidade e a importância de determinado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo contribuinte". Conquanto tal método não esteja na tese firmada, é um dos instrumentos úteis para sua aplicação in concreto.

 

42. Insumos seriam, portanto, os bens ou serviços que viabilizam o processo produtivo e a prestação de serviços e que neles possam ser direta ou indiretamente empregados e cuja subtração resulte na impossibilidade ou inutilidade da mesma prestação do serviço ou da produção, ou seja, itens cuja subtração ou obste a atividade da empresa ou acarrete substancial perda da qualidade do produto ou do serviço daí resultantes.

 

43. O raciocínio proposto pelo "teste da subtração" a revelar a essencialidade ou relevância do item é como uma aferição de uma "conditio sine qua non" para a produção ou prestação do serviço. Busca-se uma eliminação hipotética, suprimindo-se mentalmente o item do contexto do processo produtivo atrelado à atividade empresarial desenvolvida. Ainda que se observem despesas importantes para a empresa, inclusive para o seu êxito no mercado, elas não são necessariamente essenciais ou relevantes, quando analisadas em cotejo com a atividade principal desenvolvida pelo contribuinte, sob um viés objetivo.

 

44. Decerto, sob a ótica do produtor, não haveria sentido em fazer despesa desnecessária (que não fosse relevante ou essencial do ponto de vista subjetivo, como se houvesse uma menor eficiência no seu processo produtivo), mas adotar o conceito de insumo sob tal prisma implicaria elastecer demasiadamente seu conceito, o que foi, evidentemente, rechaçado no julgado. Esse tipo de despesa - importante para o produtor - configura custo da empresa, mas não se qualifica como insumo dentro da sistemática de creditamento de PIS/COFINS. Ainda que se possa defender uma importância global desse tipo de custo para a empresa, não há importância dentro do processo produtivo da atividade-fim desempenhada pela empresa.

 

45. Com efeito, importa destacar que não foi a intenção do legislador autorizar ampla desoneração fiscal, mas buscar a tributação do valor agregado do bem ou serviço, diminuindo os efeitos da tributação em cascata, para aumentar a horizontalidade na produção. Não é por outro motivo que a importância ou não do item deve ser aferida de forma objetiva, analisando-se a atividade econômica desenvolvida e aqueles elementos que lhe são essenciais ou relevantes, quais sejam, aqueles que fazem parte - direta ou indiretamente - do processo produtivo - cuja ausência acarrete na impossibilidade da prestação do serviço ou da produção ou que lhe torne inúteis.

 

46. O objetivo da adoção da sistemática não-cumulativa para o PIS/COFINS, conforme destacado no voto da Ministra Assusete Magalhães e também do Ministro Og Fernandes, ao citar as Exposições de Motivos das Medidas Provisórias que resultaram nas Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, foi estimular a eficiência econômica, com geração de condições para um crescimento da economia mais acelerado, vislumbrando-se a sistemática não-cumulativa como instrumento para correção de distorções relevantes que seriam decorrência da cobrança cumulativa do tributo, a exemplo de vertificalização artificial de empresas, em detrimento da distribuição da produção entre um número maior de empresas mais eficientes de menor porte. Seria, nesse contexto, modelo que proporcionaria maior competitividade dos produtos nacionais.

 

47. Demais disso, ainda nessa linha de raciocínio, é possível extrair do julgado que, conquanto os critérios de relevância e essencialidade não sejam sinônimos, para fins da não-cumulatividade das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003, possuem sentido muito próximos.

 

Essencialidade e relevância, conquanto sejam diferentes, no sentido da interpretação do julgado, são conceitos bastante aproximados, de forma que não se possa conceber o produto ou serviço sem aquele item, seja porque impossível a prestação do serviço ou a produção, seja porque da ausência do item decorra inutilidade do produto ou serviço.

 

48. A Ministra Regina Helena Costa esclareceu em seu voto que o item atende ao critério da essencialidade quando configura elemento estrutural e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço ou, minimamente, quando sua falta prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência. É, portanto, essencial é o item, dentro do processo produtivo, do qual dependa "intrínseca e fundamentalmente" o produto ou serviço.

 

49. Já o item relevante, ainda no escólio da Ministra Regina Helena Costa, é aquele cuja finalidade, conquanto não seja indispensável à elaboração do próprio produto ou serviço integra o processo de produção, ou pelas singularidades de cada cadeia produtiva ou por imposição legal. Nesse passo, a Ministra entendeu que o critério da relevância seria mais abrangente que o da pertinência (que havia sido proposto pelo Ministro Mauro Campbell Marques), na medida que esta seria caracterizada pelo emprego na produção ou na execução do serviço.

 

50. Outro aspecto que pode ser destacado na decisão do STJ é que, ao entender que insumo é um conceito jurídico indeterminado, permitiu-se uma conceituação diferenciada, de modo que é possível que seja adotada definição diferente a depender da situação, o que não configuraria confusão, diferentemente do que alegava o contribuinte no Recurso Especial.

 

51. O STJ entendeu que deve ser analisado, casuisticamente, se o que se pretende seja considerado insumo é essencial ou relevante para o processo produtivo ou à atividade principal desenvolvida pela empresa. Vale ressaltar que o STJ não adentrou em tal análise casuística já que seria incompatível com a via especial.

 

52. Determinou-se, pois, o retorno dos autos, para que observadas as balizas estabelecidas no julgado, fosse apreciada a possibilidade de dedução dos créditos relativos aos custos e despesas pleiteados pelo contribuinte à luz do objeto social daquela empresa, ressaltando-se as limitações do exame na via mandamental, considerando as restrições atinentes aos aspectos probatórios.

 

53. Vale ressaltar que tal análise casuística é voltada para o julgador do caso concreto nas instâncias ordinárias, mas não para Administração. Ainda que o precedente, além de traçar as balizas a serem adotadas pelas instâncias ordinárias do Poder Judiciário, também deva ser observado pela Administração, isso não conduz ao entendimento de que seria impossível a regulamentação administrativa.

 

54. Em verdade, conforme já salientado no bojo da presente manifestação, o precedente do STJ reputou ilegal a sistemática adotada nas INs SRF 247/2002 e 404/2004, por ferirem a sistemática da não-cumulatividade prevista nas Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003. O julgado, todavia, não asseverou a impossibilidade de regulamentação na seara administrativa.

 

55. Entende-se possível a regulamentação para fins de aplicação da não-cumulatividade prevista para o PIS e para a COFINS, desde que observados os parâmetros do precedente do STJ. Com efeito, uma regulamentação calcada nas balizas do julgado, considerando os critérios de relevância e essencialidade dos elementos para os processos produtivos, para definição dos itens que ensejarão créditos dentro da sistemática das contribuições do PIS e da COFINS não-cumulativos, revela-se, em verdade, salutar, na medida em que pode conferir uniformidade no tratamento de contribuintes que desenvolvem a mesma atividade produtiva, evitando-se distorções concorrenciais e garantindo-se maior segurança jurídica.

 

56. Outrossim, uma nova disciplina que contemple as diretrizes traçadas no julgado do STJ é também desejável do ponto de vista da redução da litigiosidade, já que a ausência de um critério objetivo por parte da Administração pode resultar em um excesso de questionamentos judiciais - sobretudo nas instâncias ordinárias - para que se determine quais elementos poderiam ser considerados insumos ou não dentro da sistemática da não-cumulatividade.

 

57. Decerto não foi o objetivo do precedente do STJ ampliar a litigiosidade nas instâncias ordinárias, na medida em que se pretendeu com a tese adotada lançar luzes para solução das diversas controvérsias existentes. Sendo assim, a regulamentação administrativa que incorpore o que restou consagrado e debatido no bojo do Resp nº 1.221.170/PR contribui para dirimir a miríade de conflitos existentes sobre a aplicação da sistemática da não-cumulatividade das contribuições do PIS e da COFINS.

 

58. Vale mencionar que existe discussão acerca da constitucionalidade da sistemática não cumulativa, tendo em vista que no Recurso Extraordinário nº 607.642/RJ foi reconhecida a repercussão geral da constitucionalidade da Medida Provisória nº 66/2002 (convertida na Lei nº 10.637/2002) no tocante ao ponto que introduziu a não-cumulatividade para a contribuição ao PIS, incidente sobre o faturamento das pessoas jurídicas prestadoras de serviço, com a respectiva majoração da alíquota, tendo em vista a possibilidade de aproveitamento de créditos (Tema 337). Embora o tema submetido à repercussão geral esteja relacionado à presente Nota, não impede as considerações ora formuladas.

 

59. Registra-se também a existência do RE nº 841.979/PE, no qual se discute a

 

constitucionalidade do §12 do art. 195 da Constitucional Federal, dentro da sistemática de repercussão geral (Tema 756), também pendente de julgamento.[3] O viés da discussão nesse caso, ainda que a Fazenda Nacional saia vencedora, não impacta no conceito de insumos definido pelo STJ, já que a discussão relativa ao referido Recurso Extraordinário consiste no exame da possibilidade de a legislação impor restrição à sistemática do creditamento, não se discutindo a interpretação a ser conferida a essas restrições impostas pela legislação. Não há, portanto, óbices à elaboração da presente Nota Explicativa, enquanto pendente o julgado, nos termos do art. 19, V, da Lei nº 10.522/2002.

 

60. Por fim, é importante mencionar que, embora não esteja tão claro no Acórdão[4], constando apenas no Voto da Ministra Assusete Magalhães, não devem ser enquadradas como insumo as despesas cujo creditamento é, de forma expressa, vedado por lei. Ressalvam-se, pois, do entendimento firmado pelo STJ, as vedações e limitações de creditamento previstas em lei.

 

61. Destaca-se, nesse ponto, excerto do voto da Ministra Assusete Magalhães: "Pela perspectiva da zona de certeza negativa, quanto ao que seguramente se deve excluir do conceito de ‘insumo’, para efeito de creditamento do PIS/COFINS, observa-se que as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003 trazem vedações e limitações ao desconto de créditos. Quanto às vedações, por exemplo, o art. 3º, §2º, de ambas as Leis impede o crédito em relação aos valores de mão de obra pagos a pessoa física e aos valores de aquisição de bens e serviços não sujeitos ao pagamento das contribuições. Já como exemplos de limitações, o art. 3º, §3º, das referidas Leis estabelece que o desconto de créditos aplica-se, exclusivamente, em relação aos bens e serviços adquiridos de pessoas jurídicas domiciliadas no País e aos custos e despesas pagos ou creditados a pessoas jurídicas também domiciliadas no território nacional."

 

62. Dessa forma, verifica-se que as despesas que possuem regras específicas contidas nas Leis nº 10.637/2002, 10.833/2003 e 10.865/2005, as quais impedem o creditamento de PIS/COFINS, não devem ser abrangidas pelo conceito de insumo, mesmo que, eventualmente, utilizando-se os critérios de essencialidade e relevância ao objeto social do contribuinte, pudesse ser defendida sua importância para o processo produtivo. Deve prevalecer o disposto na própria legislação, que impõe vedação e limite ao creditamento.

 

63. Imperioso salientar que a leitura açodada do Acórdão não pode levar à conclusão de que tais vedações poderiam ser ignoradas, ampliando-se, além dos limites legais, o conceito de insumo, a pretexto de serem adotados os critérios aludidos no precedente do STJ. Tal pretensão, além de contrariar frontalmente a legislação, não estaria abarcada pela extensão do julgado.

 

IV

 

Repercussão do entendimento no âmbito administrativo

 

64. Feitas essas considerações, conclui-se que, por força do disposto nos §§ 4º, 5º e 7º do art. 19, da Lei nº 10.522, de 2002, a Secretaria da Receita Federal do Brasil deverá observar o entendimento do STJ de que:

 

"(a) é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF ns. 247/2002 e 404/2004, porquanto compromete a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Lei nº 10.637/2002 e 10.833/2003; e

 

(b) o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.

 

65. Considerando a pacificação da temática no âmbito do STJ sob o regime da repercussão geral (art. 1.036 e seguintes do CPC) e a consequente inviabilidade de reversão do entendimento desfavorável à União, a matéria apreciada enquadra-se na previsão do art. 19, inciso IV, da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002[5] (incluído pela Lei nº 12.844, de 2013), c/c o art. 2º, V, da Portaria PGFN nº 502, de 2016, os quais autorizam a dispensa de contestação e de interposição de recursos, bem como a desistência dos já interpostos, por parte da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

 

66. O entendimento firmado pelo STJ deverá, ainda, ser observado no âmbito da Secretaria da Receita Federal do Brasil, nos termos dos §§ 4º, 5º e 7º do art. 19, da Lei nº 10.522, de 2002[6], cumprindo-lhe, inclusive, promover a adequação dos atos normativos pertinentes (art. 6º da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 01, de 2014).

 

67. Por fim, cumpre esclarecer que o precedente do STJ apenas definiu abstratamente o conceito de insumos para fins da não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS. Destarte, tanto a dispensa de contestar e recorrer, no âmbito da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, como a vinculação da Secretaria da Receita Federal do Brasil estão adstritas ao conceito de insumos que foi fixado pelo STJ, o qual afasta a definição anteriormente adotada pelos órgãos, que era decorrente das Instruções Normativas da SRF nº 247/2002 e 404/2004.

 

68. Ressalte-se, portanto, que o precedente do STJ não afasta a análise acerca da subsunção de cada item ao conceito fixado pelo STJ. Desse modo, tanto o Procurador da Fazenda Nacional como o Auditor-Fiscal que atuam nos processos nos quais se questiona o enquadramento de determinado item como insumo ou não para fins da não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS estão obrigados a adotar o conceito de insumos definido pelo STJ e as balizas contidas no RESP nº

 

1.221.170/PR, mas não estão obrigados a, necessariamente, aceitar o enquadramento do item questionado como insumo. Deve-se, portanto, diante de questionamento de tal ordem, verificar se o item discutido se amolda ou não na nova conceituação decorrente do Recurso Repetitivo ora examinado.

 

V

 

Encaminhamentos

 

69. Ante o exposto, propõe-se seja autorizada a dispensa de contestação e recursos sobre o tema em enfoque, com fulcro no art. 19, IV, da Lei nº 10.522, de 2002, c/c o art. 2º, V, da Portaria PGFN nº 502, de 2016, nos termos seguintes: 1.31 - PIS/COFINS

 

r) conceito de insumo tal como empregado nas Leis 10.637/02 e 10.833/03 para o fim de definir o direito (ou não) ao crédito de PIS e COFINS dos valores incorridos na aquisição. Resumo: o STJ decidiu que é ilegal a disciplina de creditamento prevista nas Instruções Normativas da SRF nº 247/2002 e 404/2004, na medida em que comprometeria a eficácia do sistema de não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS, tal como definido nas Lei nº 10.637/2002 e 10.833/2003. Além disso, decidiu que o conceito de insumo deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância, ou seja, considerando-se a imprescindibilidade ou a importância de determinado item - bem ou serviço - para o desenvolvimento da atividade econômica desempenhada pelo Contribuinte.

 

Observação 1. Observa-se que o STJ adotou a interpretação intermediária acerca da definição de insumo, considerando que seu conceito deve ser aferido à luz dos critérios de essencialidade ou relevância. Deve-se, pois, levar em conta as particularidades de cada processo produtivo, na medida em que determinado bem pode fazer parte de vários processos produtivos, porém, com diferentes níveis de importância. Vale destacar que os critérios de essencialidade e relevância estão esclarecidos no voto da Ministra Regina Helena Costa, de maneira que se entende como critério da essencialidade aquele que "diz com o item do qual dependa, intrínseca e fundamentalmente, o produto ou serviço", a)"constituindo elemento essencial e inseparável do processo produtivo ou da execução do serviço" ou "b) quando menos, a sua falta lhes prive de qualidade, quantidade e/ou suficiência".

 

Por outro lado, o critério de relevância "é identificável no item cuja finalidade, embora não indispensável à elaboração do próprio produto ou à prestação do serviço, integre o processo de produção, seja: a) "pelas singularidades de cada cadeia produtiva" b) seja "por imposição legal."

 

Observação 2. Se, por um lado, a decisão do STJ, no RESP nº 1.221.170/PR, afastou o critério mais restritivo adotado pelas Instruções Normativas SRF nº 247/2002 e 404/2004, por outro lado, igualmente, repeliu que fosse adotado critério demasiado elastecido, o qual iria desnaturar a hipótese de incidência das contribuições do PIS e da COFINS. Entendeu o STJ que o conceito de insumos, para fins da não-cumulatividade aplicável às referidas contribuições, não corresponde exatamente aos conceitos de "custos e despesas operacionais" utilizados na legislação do Imposto de Renda. Desse modo, não serão todas as despesas realizadas com a aquisição de bens e serviços para o exercício da atividade empresarial precípua do contribuinte direta ou indiretamente que serão consideradas insumos. Ainda que se observem despesas importantes para a empresa, inclusive para o seu êxito no mercado, elas não são necessariamente essenciais ou relevantes, quando analisadas em cotejo com a atividade desenvolvida, sob um viés objetivo. A análise da essencialidade deve ser objetiva, dentro de uma visão do processo produtivo, e não subjetiva, considerando a percepção do produtor ou prestador de serviço.

 

Observação 3. Conquanto o STJ tenha entendido pela ilegalidade da interpretação restritiva do conceito de insumo, não proibiu toda e qualquer regulamentação feita em âmbito administrativo. O que o julgado estabeleceu é que a regulamentação levada a efeito pelas Instruções Normativas da SRF nº 247/2002 e 404/2004 fere a lógica da sistemática da não-cumulatividade prevista na legislação de regência para as contribuições ao PIS e da COFINS.

 

Observação 4. Ressalvam-se do entendimento firmado pelo STJ, as vedações e limitações de creditamento previstas em lei. Destarte, as despesas que possuem regras específicas contidas nas Leis nº 10.637/2002, 10.833/2003 e 10.865/2005, as quais impedem o creditamento de PIS/COFINS, não devem ser abrangidas pelo conceito de insumo, mesmo que, eventualmente, utilizando-se os critérios de essencialidade e relevância ao objeto social do contribuinte, pudesse ser defendida sua importância para o processo produtivo.

 

Observação 5. Destaque-se que tanto o Procurador da Fazenda Nacional como o Auditor-Fiscal que atuam nos processos nos quais se questiona o enquadramento de determinado item como insumo ou não para fins da não-cumulatividade da contribuição ao PIS e da COFINS estão obrigados a adotar o conceito de insumos definido pelo STJ e as balizas contidas no RESP nº 1.221.170/PR, mas não estão obrigados a, necessariamente, aceitar o enquadramento do item questionado como insumo. Deve-se, portanto, diante de questionamento de tal ordem, verificar se o item discutido se amolda ou não na nova conceituação decorrente do Recurso Repetitivo ora examinado. Precedente: RESP nº 1.221.170/PR (temas 779 e 780)

 

70. Sugere-se que a presente Nota Explicativa, uma vez aprovada, seja remetida à RFB para os fins da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 01/2014.

 

71. Propõe-se, ainda, que sejam realizadas as alterações pertinentes na gestão de matérias no Sistema de Acompanhamento Judicial - SAJ, assim como a inclusão do tema na lista de dispensa de contestar e recorrer disponível na internet.

 

72. Por derradeiro, recomenda-se ampla divulgação da presente Nota Explicativa no âmbito desta Procuradoria-Geral.

 

Documento assinado eletronicamente

 

FLÁVIA PALMEIRA DE MOURA COELHO

 

Procuradora da Fazenda Nacional

 

De acordo. À consideração superior.

 

Documento assinado eletronicamente

 

FILIPE AGUIAR DE BARROS

 

Coordenador-Geral da Representação Judicial

 

Aprovo. Encaminhe-se conforme proposto.

 

Documento assinado eletronicamente

 

CLAUDIO XAVIER SEEFELDER FILHO

 

Procurador-Geral Adjunto de Consultoria e Estratégia da Representação Judicial e Administrativa Tributária

 

[1] Temas nº 779 e 780, sendo as questões submetidas a julgamento as discussões acerca do conceito de insumo tal como empregado nas Leis 10.637/02 e 10.833/03 para o fim de definir o direito (ou não) ao crédito de PIS e COFINS dos valores incorridos na aquisição.

 

[2] Convém mencionar que se trata de excerto do voto proferido pelo Ministro Mauro Campbell Marques nos autos do RESP nº 1.246.317/MG, o qual foi transcrito em seu voto no RESP nº 1.221.170/PR, para compreensão do entendimento acerca do tema.

 

[3] Na realidade, além dos temas 337 e 756, cumpre registrar a existência de outros Recursos Extraordinários também submetidos à técnica da Repercussão Geral, cujo mérito tangencia e se relaciona com as questões nos citados Recursos Extraordinários. São eles o RE 570122 (Tema 34), RE nº 599.316 (tema 244) e o RE nº 587108 (tema 179).

 

[4] Razão pela qual a CASTJ opôs embargos de declaração da decisão ora examinada, de modo a integrar o precedente, de modo a fazer constar da sua ementa que não podem ser consideradas como insumos as despisas para as quais a legislação traga previsão de regra específica.

 

[5] Art. 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional autorizada a não contestar, a não interpor recurso ou a desistir do que tenha sido interposto, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese de a decisão versar sobre: (...) IV - matérias decididas de modo desfavorável à Fazenda Nacional pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de julgamento realizado nos termos do art. 543-B da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil; (Incluído pela Lei nº 12.844, de 2013) (...)".

 

[6]"§ 4º A Secretaria da Receita Federal do Brasil não constituirá os créditos tributários relativos às matérias de que tratam os incisos II, IV e V do caput, após manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nos casos dos incisos IV e V do caput. (Redação dada pela Lei nº 12.844, de 2013) § 5o As unidades da Secretaria da Receita Federal do Brasil deverão reproduzir, em suas decisões sobre as matérias a que se refere o caput, o entendimento adotado nas decisões definitivas de mérito, que versem sobre essas matérias, após manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nos casos dos incisos IV e V do caput. (Redação dada pela Lei nº 12.844, de 2013) § 7o Na hipótese de créditos tributários já constituídos, a autoridade lançadora deverá rever de ofício o lançamento, para efeito de alterar total ou parcialmente o crédito tributário, conforme o caso, após manifestação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional nos casos dos incisos IV e V do caput. (Incluído pela Lei nº 12.844, de 2013)".

 

NOTA: CRJ/PGACET/PGFN-MF nº 63/2018 disponibilizada no portal da Receita Federal do Brasil, acesso em 01.10.2018.

 

 

MEF33189

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