IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - LEI
Nº 8.429/92 - ART. 37, § 4º, CF - MEF33479 - BEAP
ISMAEL
FERNANDES OLIVEIRA *
Discorrer sobre improbidade administrativa
é algo extremamente importante, por se tratar de um tema de muita complexidade
e relevância, devido à sua íntima relação com os atos do administrador público.
Antes de qualquer coisa, é
preciso que façamos uma abordagem sobre os elementos que formam a estrutura do
ato de improbidade administrativa e, a partir daí, conceituá-lo.
Em conformidade com o que
prescreve o art. 37, § 4º, do Texto Constitucional, atos de improbidade
administrativa são aqueles passíveis de sanções pela carga de ilicitude e
ilegalidade que neles estão inseridos. Tais atos podem ser dissecados em três
grupos, a saber: aqueles que se caracterizam pelo enriquecimento ilícito;
aqueles que se caracterizam pela lesão ao erário (dinheiro público); e aqueles
que se caracterizam pela configuração de ofensa aos princípios da administração
pública.
Obviamente, quando o Estado
elege condutas ímprobas e estabelece punições àqueles que as praticam, surgirão
inúmeras discussões e questionamentos sobre os limites de aplicação dessa lei,
especialmente no tocante ao princípio constitucional da segurança jurídica.
Dúvidas sobre o que é legal ou
ilegal, sobre quais atos serão passíveis de punição, quais os tipos de sanção e
suas consequências são perguntas a ser respondidas. Saber se todo e qualquer
deslize do administrador se enquadraria na tipificação de ato de improbidade
administrativa e, portanto, se seria passível das sanções elencadas no art. 12
e incisos da Lei nº 8.429/92.
Estas penas se caracterizam pela
severidade em sua aplicação e cabe aqui apresentá-las ao leitor, in verbis:
“Art. 12. Independentemente das
sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica,
está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que
podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do
fato: (Redação dada pela Lei nº 12.120, de 2009).
I - na hipótese do art. 9º,
perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento
integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos
direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três
vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder
Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou
indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio
majoritário, pelo prazo de dez anos;
II - na hipótese do art. 10,
ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos
ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função
pública, suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos, pagamento de
multa civil de até duas vezes o valor do dano e proibição de contratar com o
Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,
direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual
seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos;
III - na hipótese do art. 11,
ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão
dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até
cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar
com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios,
direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual
seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.
Parágrafo único. Na fixação das
penas previstas nesta lei o juiz levará em conta a extensão do dano causado,
assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente”.
Tendo em vista o rigor da lei na
aplicação das punições, é perfeitamente justificável a discussão que se
levanta, pois estamos tratando de sanções que afetarão inúmeros direitos e
garantias fundamentais daqueles que cometerem quaisquer das infrações previstas
na referida lei, ao passo que, o objetivo precípuo da lei é buscar atender e
satisfazer os anseios da coletividade que deseja, incansavelmente, uma
administração pública honesta, transparente e proba.
Um conceito raso que podemos
obter é que improbidade administrativa é o resultado de uma sequência de atos
ilícitos praticados pelo administrador público e que revelam, em si mesmos, sua
má administração.
Fato é que a seara da
administração pública é muito vasta e, por essa razão, fomenta o crescimento de
“ervas daninhas” que, certamente, irão se aproveitar das circunstâncias e das
oportunidades para realizarem seus objetivos. São transgressores da lei que
operam sem escrúpulos e continuarão agindo dessa forma se não forem contidos.
Para isso, surge a lei.
Para o professor de Direito
Administrativo Fábio Medina Osório, “nem toda a forma de má gestão pública e,
portanto, nem toda ilegalidade, configura, automaticamente, improbidade
administrativa”. E, ainda, “é necessário identificar os atos de improbidade a
partir de dois pilares fundamentais, quais sejam, as graves desonestidades
funcionais e as graves ineficiências funcionais”.
Historicamente, o Brasil não é
exceção quando falamos em má administração de dinheiro público, favorecimentos
pessoais, nepotismos, “mensalão”, imoralidade e falta
de idoneidade do gestor público. Tudo isso se viu na Roma antiga e caminhou
lado a lado com o poder até os dias atuais.
Entretanto, a evolução histórica
da Administração Pública tem assumido contornos relevantes tanto no que diz
respeito à boa gestão pública, quanto nos conceitos caracterizadores da má
administração pública.
Segundo Medina Osório, “a
própria ideia de corrupção, enquanto uso de poderes públicos para alcançar
interesses privados, que é uma concepção atual defendida por grandes
instituições internacionais, dentro desta perspectiva, sem dúvida alguma, a
evolução revela que também há variáveis significativas e houve o incremento das
preocupações do ponto de vista da pauta dos atores políticos no plano
internacional, inclusive, a partir dos anos 60. Houve uma profusão da
literatura sobre corrupção pública, sobretudo a partir do escândalo Nixon, nos
Estados Unidos, com a proliferação dos códigos de conduta”.
Em entrevista à revista
“Consultor Jurídico”, o posicionamento do advogado e professor de Direito
Administrativo Fábio Medina Osório nos traz alguns esclarecimentos. Para ele,
um dos maiores especialistas na matéria, muitas dessas ações são propostas de
forma açodada, sem que o Ministério Público e outros órgãos fiscalizadores
sopesem a probabilidade de êxito do processo. Vejamos abaixo alguns trechos da
entrevista:
“O processo tem que ter
compromisso com a efetividade. O ajuizamento da ação de improbidade
administrativa tem que ter em vista a sua plausibilidade, razoabilidade, a sua
eficácia futura”.
“A profusão de ações de
improbidade administrativa no Brasil não significa necessariamente que agentes
públicos estão cometendo pencas de graves irregularidades em suas gestões”.
Para o advogado, muitas vezes o
administrador não tem idéia de que seu ato pode ser
classificado como grave. Medina alerta que o uso desmedido das ações pode gerar
um efeito contrário ao pretendido:
“Não são todas as transgressões
que merecem o mesmo remédio. Pode-se acabar matando o paciente ou
desmoralizando o próprio remédio se ele é utilizado para tudo”.
Vejamos a seguir a entrevista do
professor Medina na íntegra e que trata da matéria:
Recentes
decisões do Superior Tribunal de Justiça afastam a possibilidade de se aplicar
a responsabilidade objetiva para condenação de agente públicos por improbidade
administrativa. São decisões razoáveis?
Sim. A improbidade
administrativa está submetida ao regime jurídico do Direito Administrativo
sancionador, porque a definição do ilícito e a cominação das sanções passam
pelo Direito Administrativo. Se ele define os tipos sancionadores da
improbidade e, ao mesmo tempo, comina sanções, temos um Direito Administrativo
punitivo em jogo.
Logo, não se trata de matéria
cível...
Não. Mas, em alguns momentos, a
improbidade foi apontada como matéria cível, de forma equivocada. Na verdade,
trata-se de matéria de direito punitivo, que envolve a tutela de direitos
fundamentais difusos da sociedade que são agredidos pelo ato ilícito. Por outro
lado, envolve também a proteção dos direitos fundamentais dos acusados.
Portanto, o pressuposto da responsabilidade subjetiva é inafastável
e vem sendo aceito pela jurisprudência dos tribunais superiores e dos tribunais
regionais.
Ou seja, para a condenação
por improbidade administrativa é necessário que haja dolo ou culpa do agente
público?
Sem dúvida. A Constituição
Federal estabelece que a ação de regresso só é possível quando há dolo ou
culpa. Se até mesmo para as hipóteses de mero ressarcimento é exigível dolo ou
culpa, muito mais quando se trata de imposições de sanções que afetam direitos
fundamentais, como os direitos políticos. As sanções são graves, como perda do
cargo público, multas civis pesadas, proibição de contratar com a administração
pública. Portanto, é correta a orientação que foi sedimentada no STJ.
Se qualquer ato irregular fosse
enquadrado como ilícito de improbidade administrativa, agentes públicos não
poderiam mais tomar decisões, certo?
Essa discussão diz respeito ao
direito ao erro por parte do administrador público. Profissionais de qualquer
área têm o direito de errar. O administrador público também precisa ter margens
juridicamente toleráveis para o erro, até para que ele possa assumir riscos e
inovar. A inovação está ligada ao risco, ao erro. Isso é importante para que a
administração pública não se paralise e se torne excessivamente burocrática.
Não tolerar o erro, nesses casos, pode fazer com que a administração seja
blindada pela burocracia excessiva, uma patologia que não inibe fraudes. Ao
contrário! Muitas vezes as fraudes acontecem debaixo da fachada da legalidade.
Portanto, é fundamental que se estimule o debate sobre o direito ao erro.
O direito ao erro já é uma
figura jurídica discutida nos tribunais?
Doutrinariamente, é uma proposta
explícita que fizemos no livro Teoria da Improbidade Administrativa. Mas, sem
dúvida, tem perpassado a pauta dos tribunais nas discussões sobre a
responsabilidade subjetiva de agentes públicos. Na área penal, a discussão
sobre categorias relacionadas ao “erro” são mais frequentes. Daí a importância
também do paralelo permanente com os princípios penais.
Há hipóteses em que pode ser
dispensada a culpa ou o dolo para condenação de um agente público por
improbidade administrativa?
Em nenhuma hipótese. É
necessário que esteja presente o dolo ou a culpa — e a culpa tem de ser grave,
na minha visão. É preciso investigar e provar. Os órgãos investigativos
colegitimados para a ação de improbidade têm instrumentos de investigação
poderosos. Basta notar que o Ministério Público é o principal protagonista nas
ações punitivas da improbidade. Há instrumentos como o inquérito civil, no qual
se pode formular ampla dilação probatória. O investigado, o administrador, o
cidadão se encontra até em posição bastante frágil nesse momento, de tal modo
que não é possível cogitar do abandono desse tipo de pressuposto que é inerente
ao Estado Democrático de Direito e um princípio humanitário.
A discussão sobre improbidade
administrativa caminha de mãos dadas com a discussão do foro por prerrogativa
de função, que é fortemente atacado por entidades como a Associação dos
Magistrados Brasileiros. Qual a opinião do senhor sobre o foro privilegiado?
Considero necessário o foro por
prerrogativa de função porque ele protege a independência das autoridades. O
foro existe na área criminal e deve existir por analogia na área da improbidade
administrativa. Não é razoável supor que um juiz de primeiro grau possa vir a
julgar um ministro de tribunal superior decretando sua perda do cargo ou
suspensão dos direitos políticos, quando essa autoridade hierarquicamente
superior tem prerrogativa correlata na área criminal. Podemos discutir de forma
mais ampla a prerrogativa de foro. Mas, se houver a prerrogativa na área criminal,
tem que ser arrastada por analogia também para o campo da improbidade
administrativa.
Por quê?
O Direito Administrativo
sancionador pressupõe a aplicação dos princípios penais de forma simétrica para
equacionar os direitos fundamentais em jogo.
Sem a prerrogativa de foro uma
autoridade como o presidente do Banco Central, por exemplo, depois de implantar
determinada medida econômica, pode ser acionado em diversas instâncias e ser
obrigado a se defender em processos espalhados por todo o país...
Por isso, digo que a
prerrogativa protege a independência das autoridades, a segurança jurídica e a
harmonia do sistema. Se em uma ponta há um governador eleito democraticamente
com milhões de votos, na outra há o risco de que, pela responsabilidade de tomada
de decisões, ele venha a responder múltiplas ações de improbidade
administrativa. Isso vale também para o presidente da República e outras
autoridades. Se a autoridade tiver de responder pelo mesmo fato em diversas
instâncias, terá enfraquecida sua independência e isso criará um cenário de
insegurança jurídica colossal, que pode inclusive atrasar o desenvolvimento do
país. Ao contrário do objetivo que seria combater a impunidade, o fim da
prerrogativa de foro pode gerar um ambiente hostil no sentido do enfraquecimento
das instituições.
Qualquer ilegalidade pode ser
classificada como improbidade administrativa?
Não. A improbidade é uma
ilegalidade qualificada pela gravidade, pela tipicidade e pela interface com
outros normativos. Em primeiro lugar, pelos valores constitucionais agredidos
pelo ato, há uma gravidade intrínseca. Em segundo lugar, pelo processo de
tipicidade, há uma limitação inequívoca aos comandos proibitivos. Os tipos
sancionadores da improbidade têm que ser interpretados em consonância com
outras normas subjacentes à própria lei de improbidade. Por exemplo, a
improbidade urbanística ou ambiental decorre da prévia inobservância das normas
de Direito Urbanístico ou Ambiental. Improbidade associada às fraudes
licitatórias pressupõe não apenas a Lei nº 8.429/1992, mas a legislação e os
normativos que regem as licitações. É preciso que uma proibição exista e que
possa ser racionalmente rastreável, previsível, para
os destinatários. Se a proibição só se materializa no momento do julgamento, da
interpretação da norma por parte do julgador, ela é uma proibição imprevisível.
A punição, nesses casos, acaba se transformando em uma forma de retroatividade
da lei.
Mas as proibições e
respectivas punições não estão todas descritas na lei que tipifica a improbidade
administrativa?
A Lei nº 8.429/1992 (Lei de
Improbidade Administrativa) regulamenta o parágrafo 4º do art. 37 da
Constituição Federal. Portanto, para que ocorra a improbidade prevista
constitucionalmente, é necessário um processo de adequação que passa não apenas
pela Lei nº 8.429, mas também por toda uma normatização que não aparece
explicitamente na 8.429, e que envolve a regulação dos atos dos agentes
públicos, o chamado Direito da função pública. Para julgar a regularidade de um
concurso público ou de uma despesa indevida, por exemplo, o juiz não pode
deixar de lado a legislação que preside os concursos públicos, inclusive normas
constitucionais, assim como leis orçamentárias para o tema das despesas
públicas. Por isso, eu defino a lei que tipifica a improbidade como uma espécie
de lei em branco, porque os tipos são preenchidos também por outras normas
setoriais. Trata-se de normas sancionadoras em branco.
O
bloqueio de bens de um agente público acusado por improbidade administrativa
pode recair sobre o patrimônio adquirido antes de ele ter cometido pelo qual
responde?
Em princípio, não se pode
descartar que o bloqueio atinja bens adquiridos anteriormente se houver
necessidade de restituição ao erário e a comprovação do montante devido. Mas o
cálculo tem de ser correto porque não pode ocorrer um bloqueio genérico, sem
correlação com a lesão aos cofres públicos.
Na prática, a acusação tem
feito essa correlação antes de pedir o bloqueio ou a indisponibilidade dos
bens?
Não existem estatísticas a
respeito disso, mas há processos nos quais se observa que a indisponibilidade
dos bens atinge todo o patrimônio da pessoa acusada sem que haja sequer um
cálculo adequado da lesão ao erário. Há superestimativas desconectadas da
realidade. Nem sempre a autoridade investigativa se preocupa em apurar
corretamente o prejuízo aos cofres públicos. O mais impressionante é que as
autoridades investigadoras dispõem de poderosos instrumentos para busca de
provas, tais como inquérito civil ou processos administrativos. Ainda assim, as
lacunas parecem frequentes.
O senhor pode dar um exemplo?
Em um caso de fraude à licitação
é preciso que a acusação leve em consideração se o serviço foi efetivamente
prestado. Esse é apenas um exemplo de como a apuração da lesão aos cofres
públicos tem de ser feita de modo mais científico, mais consistente do que
normalmente é feita pelos órgãos investigativos. Em ações com mais de um réu,
por exemplo, o bloqueio de bens para ressarcir os cofres públicos tem de ser
proporcional à participação de cada um no ato ilícito. E tem de ser bloqueado
apenas aquilo que garanta o ressarcimento ao erário e o pagamento das demais
penalidades previstas, como a multa civil. O que não se pode fazer é bloquear o
patrimônio de forma desproporcional com relação ao dano e à presença de vários
réus.
Não existem estatísticas
sobre a eficácia das ações de improbidade administrativa, mas no cotidiano o
senhor verifica muitos abusos nas acusações?
Parece-me que existe um campo
muito grande para o arbítrio no manejo das ações de improbidade administrativa.
A própria dinâmica formal da Lei nº 8.429 permite espaços aparentemente
discricionários de atuação.
Por quê?
Penso que os tipos sancionadores
previstos na lei são amplos, ambíguos e impregnados de conceitos excessivamente
indeterminados. E existe uma tendência de ações midiáticas. O processo punitivo
de maneira geral, e as ações de improbidade em particular, têm assumido essa
dimensão de espetáculo público, ou seja, de execração pública dos acusados. De um
lado, é algo próprio da República a exposição das pessoas a esse desgaste. Mas,
por outro lado, tais iniciativas podem gerar também distorções, agentes
públicos buscando uma exposição excessiva na mídia, ganhando espaços
corporativos de suposto prestígio junto aos seus colegas, quando não fomentando
ambições políticas internas ou externas. A lei de improbidade tem se prestado a
muitos abusos.
Há má-fé ou falta
amadurecimento?
A ação de improbidade
administrativa tem que ser muito mais amadurecida, principalmente pelas
instituições fiscalizadoras, fortalecendo os mecanismos investigativos com
investigações idôneas. Talvez devêssemos nos inspirar na cultura
anglo-saxônica. Quando se propõe uma ação como essa, ela tem que ser
absolutamente plausível, consistente, que tenha uma perspectiva de êxito. Nossa
cultura não é assim. No Brasil a cultura é de ajuizar a ação e ver no que dá.
Mas o processo já é uma pena autônoma, é uma pena tremenda, porque gera efeitos
aflitivos, custos enormes para as partes, danos morais e a mácula da
improbidade. Aliás, o processo como penalidade autônoma parece ser uma
alternativa eleita por vários fiscalizadores, uma forma de escapar ao rigor do
judiciário no controle das garantias. A mentalidade talvez seja a seguinte: já
que no judiciário não se consegue condenar a qualquer custo, melhor começar a
punir através do processo.
O que pode ser feito para
mudar esse quadro?
A Justiça tem de refrear esse
ímpeto acusatório e principalmente as ações puramente midiáticas. O Judiciário
tem o compromisso de se descongestionar, não permitir ações temerárias e coibir
o abuso do direito de ação, por parte de quem quer que seja. Inclusive de
instituições altamente respeitadas, como é o caso do Ministério Público. O MP,
por sua vez, detém instrumentos para aprofundar a investigação e buscar todos
os elementos necessários ao reconhecimento da plausibilidade da ação. Mas nem
sempre isso é feito e a responsabilidade é jogada para o Judiciário.
Mas com a pacificação do
entendimento dos tribunais de que é preciso haver dolo para a caracterização da
improbidade administrativa, não é possível que as ações sem fundamento diminuam
de volume?
Quando a Corte Superior pacifica
determinado entendimento, parece-me altamente recomendável que os juízes de primeiro
grau, os tribunais ordinários, sigam aquele entendimento até que ele seja
revisto. A obediência a decisões de tribunais superiores privilegia o princípio
da segurança jurídica, que tem sido muito arranhado e desprezado em múltiplas
ocasiões no Brasil. Quanto ao problema do dolo ou da culpa, penso que não é o
tema central das discussões. Casos que retratem culpa grave ou erros grosseiros
podem ser apanhados pela lei de improbidade.
Quais
as maiores lacunas que existem na Lei de Improbidade Administrativa para
combater a má gestão no Brasil?
As maiores lacunas estão menos
na lei e mais nas instituições. A lei tem que ser interpretada como instrumento
que visa coibir hipóteses extremas de desonestidade e de ineficiência. O
processo tem que ter compromisso com a efetividade. O ajuizamento da ação tem
que ter em vista a sua plausibilidade, razoabilidade, a sua eficácia futura. A
ação não pode se mostrar fora desses marcos institucionais. No entanto, há uma
fragmentação absurda de ações, uma falta de humildade do Ministério Público
brasileiro na fixação dos critérios para articular esse direito punitivo. O que
pensa um promotor é muitas vezes totalmente diferente do que pensa o promotor
vizinho, que está na mesma comarca. Os estados têm que estar mais entrelaçados
entre si, o Ministério Público Estadual tem de trabalhar melhor com Ministério
Público Federal para firmar entendimentos que possam ser balizadores das
expectativas de conduta dos cidadãos. A interpretação larga, sem critérios
balizadores, não deixa de ser uma fórmula para aplicação retroativa da lei, ou
seja, uma roupagem para o arbítrio intolerável.
Por quê?
Porque você está criando uma
proibição a partir do intérprete da lei. O destinatário da punição, muitas
vezes, não tinha idéia de que seu ato seria
classificado como grave. Não são todas as transgressões que merecem o mesmo
remédio. Pode-se acabar matando o paciente ou desmoralizando o próprio remédio
se ele é utilizado para todas as transgressões. Também se pode especular sobre
improbidade dos fiscalizadores no manejo abusivo de ações de improbidade. Se a
acusação maneja uma ação de improbidade, destrói um mega investimento, ocasiona
prejuízos materiais para uma amplitude de funcionários, e aquela ação se revela
inconsistente, porque não cogitar que se trate também neste caso de uma
hipótese de improbidade. O rigor da lei tende a ganhar uma via de mão dupla.
Assim como a margem de atuação do administrador público não é ilimitada de
ação, a margem da autoridade fiscalizadora tampouco é. Ela tem que se mover
dentro das regras do Estado de Direito. Se ela transbordar e atuar
abusivamente, pode ser responsabilizada. Aliás, essa é a tendência mundial:
ampliação das responsabilidades dos agentes fiscalizadores.
(Fonte:
http://www.conjur.com.br/2011-jan-23/entrevista-fabio-medina-osorio-especialista-direito-administrativo)
* Bacharel -
Direito da PUC Minas. Colaborador do BEAP
BOCO9251—WIN
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