AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS
MORAIS E MATERIAIS - ENCHENTE OCASIONADA POR FORTE CHUVA - MUNICÍPIO -
RESPONSABILIDADE OBJETIVA - ARTIGO 37, § 6º - CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA -
REQUISITOS NÃO PREENCHIDOS - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO - SENTENÇA MANTIDA -
DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF33488 - BEAP
- Mantém-se a sentença que julga
improcedente o pedido inicial formulado em ação de indenização movida contra o
Município de ... e contra a Copasa quando não
configurada, na hipótese em apreço, a responsabilidade civil do ente público,
face à ausência dos requisitos necessários, segundo a dicção do artigo 37, §
6º, da Constituição da República.
APELAÇÃO
CÍVEL Nº 1.0027.08.176485-7/001 - Comarca de ...
Apelantes : ...
e outros
Apelados : Município
de ..., Companhia de Saneamento de Minas Gerais - Copasa
MG
A
C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a
3ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na
conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO
RECURSO.
DES.
KILDARE CARVALHO
Relator
V
O T O
Trata de recurso de apelação
interposto por ... e outro contra a r. sentença de
fls. 117/123, que julgou improcedente o pedido inicial formulado nos autos da
ação de indenização movida em desfavor do Município de ... e da Companhia de
Saneamento de Minas Gerais - Copasa.
Inconformados, pugnam os
apelantes pela reforma da sentença, a fim de que seja o pedido inicial julgado
procedente para condenar a apelada a lhes pagar a pretendida indenização a
título de danos materiais e morais. Para tanto, aduzem, em apertada síntese,
serem os apelados responsáveis pelos danos por si experimentados, em razão da
negligência em suas condutas. Insiste não haver dúvida quanto ao nexo de
causalidade entre a conduta atribuída aos réus e os prejuízos suportados.
Invocam, ainda, dispositivos do Estatuto das Cidades e do Código de Defesa do
Consumidor para sustentar a inversão do ônus da prova, o qual deve recair sobre
a Copasa e sobre o Município de ....
Sem preparo, eis que concedidos
aos recorrentes os benefícios da assistência judiciária gratuita.
Contrarrazões
apresentadas pelo Município de ... às fls. 154/167, e pela Copasa
às fls. 190/191.
Manifestação da Procuradoria de
Justiça à fl. 197, pela desnecessidade de sua intervenção no feito.
Este o relatório, passo ao voto.
Conheço do recurso, uma vez
atendidos os requisitos formais necessários para sua admissão.
Cinge-se a controvérsia posta em
debate em aferir se, no caso em tela, resta configurada a responsabilidade e o
consequente dever de o Município de ... e da Copasa
indenizar os autores/apelantes pelos danos que estes alegam ter sofrido em
razão dos estragos causados em sua residência pelo forte enchente ocorrida no
dia 17.09.2008.
Logo, a análise do caso passa,
necessariamente, pela leitura do artigo 37, § 6º, da Constituição da República,
in verbis:
“Art. 37. A administração
pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 6º As pessoas jurídicas de
direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos
responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a
terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de
dolo ou culpa;”
Pois bem, como se colhe da
leitura da peça vestibular, para sustentarem o seu pedido, narram os autores,
em suma, que, em razão de atos e omissões perpetradas pelos requeridos, no que
se refere aos serviços seguros na tubulação e redes de água e esgoto que servem
o bairro onde moram, tiveram sua residência invadida por enchentes, pelo que
entendem devem ser o Município de ... e a Copasa
condenados a lhes pagarem indenização a título de danos de ordem moral e
material.
E para julgar improcedentes os
pedidos, dando ensejo à interposição deste apelo, entendeu o douto magistrado
singular, em resumo, não ter sido a falta de rede pluvial ou de esgoto
motivadora da tragédia, nem mesmo sua deficiência, mas, sim, a anormalidade do
índice pluviométrico daquele fatídico dia, pelo que não há que se
responsabilizar o Poder Público por fatores que refogem ao controle humano.
De uma análise detida do caso em
comento, sem desconhecer o teor das alegações dos apelantes, tenho que a
hipótese é de confirmação da sentença, pelo que não prospera a insurreição
traduzida nas extensas razões recursais de fls. 126/149.
Isto porque, de uma leitura
atenta de todas as peças que instruem o processado, não vejo, tal como
manifestado pelo douto magistrado singular, sem desconhecer a existência dos
danos alegados pelos recorrentes, um nexo de causalidade entre aqueles e a
conduta atribuída aos agentes estatais, não se configurando, desta forma, a
responsabilidade da administração e o dever de indenizar.
Como é por todos sabido, para a
configuração da responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar, é
necessária a prática de um ato ilícito, a ocorrência de um dano e a existência
de um nexo de causalidade entre este e aquele.
Sobre o conceito de
responsabilidade civil, tenho por oportuna a lição de Hélio Borghi,
em seu artigo intitulado “Responsabilidade Civil: breves reflexões doutrinárias
sobre o Estado no direito brasileiro”. Confira-se:
“uma obrigação de ordem natural
a que determinada pessoa, física ou jurídica, esta de direito público ou de
direito privado, chamada aqui de agente ativo, tem, diante de outra pessoa
também física ou jurídica, denominada de agente passivo, de reparar um prejuízo
que lhe tenha causado, com a geração de danos das mais variadas ordens,
materiais, morais, afetivos, pessoais etc., a fim de repor a situação das
partes ao estado anterior em que antes do fato causador do dano estavam, ou ao
menos fazê-las chegar o mais próximo possível disso.” (in
Responsabilidade Civil - Estudos em homenagem ao professor Rui Geraldo Camargo
Viana. São Paulo, 2009. Revista dos Tribunais. Coordenação de Rosa Maria de
Andrade Nery e Rogério Donnini; p. 236.)
Sobre a responsabilidade civil
do Estado, disciplinada pelo artigo 37, § 6º, da Constituição da República,
importante mencionar a clássica lição do mestre Hely
Lopes Meirelles, para quem “para obter a indenização basta que o lesado acione
a Fazenda Pública e demonstre o nexo causal entre o fato lesivo (comissivo ou
omissivo) e o dano, bem como seu montante. Comprovados esses dois elementos,
surge naturalmente a obrigação de indenizar.” (in Direito Administrativo
Brasileiro, Malheiros Editores, 18ª ed., p. 563)
Fixadas essas premissas,
partamos para o caso concreto.
Da leitura da peça e da petição
recursal, depreende-se que os estragos causados na residência dos apelantes,
bem como o sofrimento deles decorrente, têm como causa a enchente ocasionada no
Município de ..., em razão da forte chuva que caiu no dia 17.09.2008.
Ocorre que — repita-se — sem
desconhecer a realidade narrada pelos autos, não se pode, em hipóteses como a
presente, fechar os olhos para a ausência de prova capaz de atestar,
efetivamente, o nexo de causalidade entre os danos acontecidos e um ato cuja
prática possa ser atribuída aos réus/apelados.
Vale
dizer, os boletins de ocorrência lavrados nos dias 20.09.2008, três dias após a
tragédia, e 30.03.2009, não trazem em seu bojo qualquer elemento de prova capaz
de atribuir aos réus a responsabilidade pelos prejuízos alegados.
Desta forma, não comprovado o nexo
de causalidade entre o(s) ato(s) praticado(s) pelos agentes públicos e os danos
experimentados pela parte autora, não resta configurada a responsabilidade
civil do Estado e o consequente dever de indenizar, impondo-se, assim, a
improcedência dos pedidos inaugurais.
Pelo exposto, nego provimento ao
recurso, mantendo, assim, intocável o comando da r.
sentença de fls. 117/123.
Custas recursais pelos
apelantes, observados, contudo, o disposto no artigo 12, da Lei nº 1.060/50.
DESA. ALBERGARIA COSTA - (REVISORA)
V
O T O
Em juízo de revisão, conheço do
recurso de apelação, uma vez que presentes os pressupostos de admissibilidade.
A controvérsia cinge-se à
análise da responsabilidade do Município de ... e da Companhia de Saneamento de
Minas Gerais - Copasa pelos danos causados à
residência dos apelantes, em decorrência de uma enchente ocorrida na cidade em
17.09.2008.
Os apelantes apontaram como
causa dos danos suportados em razão do forte temporal ocorrido, o fato de a
Administração não ter promovido obras de escoamento na região.
Revelada, pois, uma omissão do
Poder Público, a questão posta em julgamento deverá ser examinada sob o prisma
da responsabilidade subjetiva, pois, embora sejam os apelados pessoa jurídica
de direito público arroladas no art. 37, § 6º da CF/88, “a responsabilidade
civil do Estado, no caso de conduta omissiva, só se desenhará quando presentes
estiverem os elementos que caracterizam a culpa”¹.
Sendo assim, no tocante à
responsabilidade subjetiva, a Administração não deve indenizar sempre e em
qualquer caso o dano experimentado pelo particular, pois se exige a comprovação
do nexo de causalidade entre a execução de um serviço ou sua ineficiência, o
prejuízo causado a um terceiro e a culpa da administração.
Comprovado que a causa do dano
se deu em virtude de outras circunstâncias, como a culpa exclusiva da vítima, a
força maior, o caso fortuito ou culpa de terceiros, a responsabilidade da
Administração será excluída ou, em determinados casos, atenuada.
Feitas tais considerações e volvendo
à hipótese dos autos, como bem ressaltado pelo eminente Relator, o temporal
ocorrido superou os padrões da normalidade e caracterizou situação excepcional
imprevisível, verdadeiro caso fortuito.
Se
houvessem precipitações habituais e regulares no Município, competiria à
Administração realizar obras de ampliação de galerias pluviais, ou seja,
providenciar meios para evitar os danos provocados pelas chuvas, sob pena de
ser responsabilizado.
No entanto, não podem o
Município e tampouco a Copasa ser responsabilizados
por danos ocorridos por uma enchente eventual de evidente anormalidade, marcada
pela ocorrência anormal de ventos e pedras de granizo, fato absolutamente
imprevisível pelo Poder Público.
Com tais considerações,
acompanho o eminente Relator e NEGO PROVIMENTO ao recurso, permanecendo
inalterada a sentença.
Custas na forma da Lei.
É como voto.
DES. ELIAS CAMILO SOBRINHO - De
acordo com o Relator.
Súmula -
“NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.”
BOCO9257—WIN/INTER
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