ABUSIVO ATRASO NO PAGAMENTO DAS VERBAS RESCISÓRIAS - DANO MORAL DEVIDO - DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO - MEF33505 - LT

 

 

PROCESSO TRT/RO Nº 00305-2015-038-03-00-2

 

Recorrente      :  (1) Almaviva Participações Ltda.

                             (2) Kimberle Pereira Vigilato

Recorridos      :  Os Mesmos

 

E M E N T A

 

                ABUSIVO ATRASO NO PAGAMENTO DAS VERBAS RESCISÓRIAS. DANO MORAL DEVIDO. Restando comprovado que, à época da propositura da ação, a mora no pagamento das verbas rescisórias já contava com mais de cinco meses, resta evidente a prática patronal lesiva e abusiva, atingindo a dignidade do trabalhador, sendo devida, portanto, a indenização por dano moral por ele pretendida.

                Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, figurando, como partes, aquelas acima identificadas.

 

R E L A T Ó R I O

 

                O Juiz da 4ª Vara do Trabalho de Juiz de Fora, Léverson Bastos Dutra, pela sentença de fls. 326/331, julgou parcialmente procedentes os pleitos da exordial, para condenar a ré ao pagamento das parcelas discriminadas a fl. 331.

                A ré interpôs recurso ordinário, fls. 332/336, defendendo a invalidade da prova emprestada. Ademais, pretende a reforma da sentença quanto ao marco definido em relação ao início do vínculo de emprego e às horas extras.

                Contrarrazões às fls. 341/345.

                A reclamante apresentou recurso adesivo, fls. 347/357, pugnando pelo deferimento de diferenças salariais, vale-refeição, multas dos artigos 467 e 477 da CLT, danos morais por assédio moral e pela mora salarial e honorários advocatícios contratuais.

                A ré não apresentou contrarrazões.

                É o relatório.

 

                JUÍZO DE CONHECIMENTO

                Verifico que é regular a representação das recorrentes, consoante procurações e substabelecimento de fls. 81/82 (ré) e fls. 15 (autora).

                O apelo da ré foi apresentado dentro do octídio que se seguiu à ciência da parte acerca da sentença. A autora, ainda, protocolizou seu apelo no prazo e juntamente com as contrarrazões.

                A ré providenciou o preparo, conforme GRU e GFIP retratadas às fls. 336v/338.

                Conheço dos recursos interpostos, eis que preenchidos os requisitos intrínsecos e extrínsecos de admissibilidade.

                Conheço, também, das contrarrazões da autora, apresentadas a tempo e modo.

 

                JUÍZO DE MÉRITO

                RECURSO DA RÉ

                VALORAÇÃO DA PROVA EMPRESTADA

                Irresigna-se a reclamada em razão da “valoração da prova emprestada”, ao fundamento de que “as pretensões obreiras foram deferidas unicamente graças à apresentação de Atas de Audiências referentes a outros processos” (fls. 332v). Prossegue afirmando que “o Juízo supervalorizou estes documentos e não observou que a Reclamante não produziu qualquer prova específica quanto ao próprio contrato de trabalho” (fls. 332v).

                Pois bem.

                Pela análise detalhada do presente processo verifico que não foram juntadas aos autos quaisquer atas de outras demandas, valendo-se o juízo primevo, na verdade, de seus “arquivos pessoais” para entender pelo vínculo de emprego já no processo de seleção.

                De todo modo, registro, por importante, que, no caso específico da Almaviva, ora reclamada, em razão das inúmeras ações já apreciadas, esta d. Turma já está familiarizada com a controvérsia, não tendo as informações colhidas de outras ações e citadas na sentença em nada destoado daquela que se repete em todos os demais feitos, o que atrai a aplicação do disposto no artigo 375 do NCPC.

                Apelo desprovido.

 

                PROCESSO SELETIVO

                A recorrente não se conforma com a decisão de primeiro grau, que determinou a integração ao contrato de trabalho da autora do período correspondente ao treinamento, condenando-a ao pagamento das verbas respectivas. Sustenta que tal lapso temporal se refere a uma das fases do processo seletivo.

                Este Colegiado, no julgamento de diversas lides envolvendo a ré dos presentes autos digitais (Almaviva), firmou seu entendimento no sentido de que o período destinado ao treinamento dos empregados deve ser anotado na CTPS, tendo em vista que houve disponibilidade e sujeição do trabalhador às determinações da empregadora, conforme dispõe o artigo 4º da CLT.

                Considera-se, portanto, que o período destinado ao treinamento insere-se no contrato de trabalho, eis que o empregado já se encontra, de fato, à inteira disposição do empregador, submetido às suas ordens, ainda que, porventura, não tenha contato com clientes. Trata-se, pois, de mero período de experiência que, por óbvio, integra o vínculo empregatício para todos os fins.

                Por todo o exposto, deve ser mantida a decisão hostilizada, por seus próprios e jurídicos fundamentos, consoante autoriza o art. 895, §1º, inciso IV, da CLT:

                PERÍODO DE TREINAMENTO - INTEGRAÇÃO AO CONTRATO DE TRABALHO. O período de treinamento que antecede a contratação formal, estando o candidato ao emprego subordinado ao poder diretivo do empregador, integra o contrato de trabalho, ainda que não haja efetivo atendimento a clientes e que seja prevista a possibilidade de reprovação. Trata-se, do ponto de vista jurídico, de período de experiência. (TRT da 3.ª Região; Processo: 00472-2010-037-03-00-2 RO; Data de Publicação: 09.06.2011; Órgão Julgador: Turma Recursal de Juiz de Fora; Relator: Luiz Antonio de Paula Iennaco; Revisor: Heriberto de Castro; Divulgação: 08.06.2011. DEJT. Página 125)

 

                Sob a ótica da ementa jurisprudencial acima, será dirimida a presente contenda.

                A discussão versada nos autos gira em torno do reconhecimento do vínculo laboral em período de treinamento, uma vez que a autora narrou ter prestado serviços à ré em período anterior ao anotado em sua CTPS, qual seja, a partir de 09.10.2013.

                A ré, por sua vez, admitiu o comparecimento da obreira no referido período, porém, para participar de processo seletivo, sem que houvesse promessa de emprego, subordinação ou cumprimento de jornada.

                Da prova oral citada no decisum, consubstanciada no depoimento pessoal da reclamada e de informações prestadas por testemunha da ré, extraem-se os elementos configuradores da relação de emprego, nos moldes do art. 3º da CLT, tais como a subordinação, pessoalidade, não eventualidade. Se não, veja-se (fls. 327):

 

                Por oportuno, revendo meus arquivos pessoais, destaco:

 

                - Processo nº 0000215-96.2013.503.0038 declarou o preposto da Almaviva que o treinamento durou em média 23 dias, no qual aprendeu a reclamante a operar o sistema em que trabalharia, como também a lidar com clientes. Disse ainda que a primeira ré cobrava comprometimento e atenção da autora, que se reportava ao instrutor, recebendo ajuda de custo e alimentação;

                - nos autos de nº 0000198-60.2013.503.0038 disse a preposta que, tanto no período de treinamento, quanto após a contratação, continuou o reclamante realizando as mesmas atividades, já naquele outro recebendo ordens dos instrutores;

                - no mesmo sentido as declarações do preposto no Processo nº 0000215-96.2013.503.0038, para quem a primeira ré cobrava comparecimento e atenção da autora, que se reportava ao instrutor de treinamento, recebendo ajuda de custo e alimentação;

                - por fim, nos autos de nº 0001620-70.2013.503.0038 declarou a Sra. JOCELY APARECIDA DE SOUZA — testemunha a rogo da ré — que havia controle de horário pelo instrutor durante o curso, esclarecendo que, embora fosse possível o interessado na vaga sair antes do horário previsto, é certo que este não seria contratado caso assim fizesse, afirmando que havia um login para todos os candidatos durante o processo seletivo.

 

                Também a testemunha ouvida nesta ação disse que “recebia ordens do instrutor durante o treinamento, empregado da Almaviva” (fl. 312).

                Ora, se o trabalhador, antes da contratação, cumpre horário e é treinado para o trabalho a ser realizado em favor da empregadora, seu contrato de trabalho já está vigorando.

                O aperfeiçoamento do empregado interessa em primeiro lugar ao empregador, que se utiliza de todo o conhecimento e capacidade técnica do obreiro em prol do empreendimento. Quanto mais capacitada a mão de obra, melhor o resultado do empregador, melhor sua colocação no hanking em relação à concorrência e maior o seu lucro.

                Se a capacitação beneficia o empregador, havendo nesse período a subordinação do trabalhador às regras da empresa e ao cumprimento de jornada, cabe ao Direito do Trabalho agasalhar o empregado e assegurar-lhe os direitos decorrentes do contrato de trabalho, reconhecendo o início do pacto laboral a partir do momento em que iniciado o treinamento, até mesmo porque não basta apresentar-se à empresa e sujeitar-se ao treinamento, tendo sido necessário atender à convocação da ré para estar apto a ele.

                A prova oral apontou para o aproveito da mão de obra da autora em período de experiência, que a ré convenientemente chamou de “processo de seleção”, para verificar qual empregado o atendia melhor, descartando os demais “candidatos” sem ônus. No entanto, o tempo em que o empregado está à disposição é considerado como de trabalho e, desse modo, a reclamante já era empregada da empresa quando da participação no suposto processo de seleção.

                Recurso desprovido.

 

                HORAS EXTRAS

                O Sentenciante fixou a jornada da reclamante, durante o período de treinamento (de 09.10.2013 a 11.11.2013), das 15h às 21h30min. Assim, deferiu as horas extras excedentes à 8ª diária e 44ª semanal, assim como 01ª hora de intervalo intrajornada, durante 06 dias na semana.

                A ré defende que não houve vínculo de emprego no período. Aduz que, de todo modo, a autora não prestou as horas extras declinadas na exordial, sendo que eventual sobrelabor foi devidamente remunerado.

                Analiso.

                Como já analisado, o labor prestado de 09.10.2013 a 11.11.2013 integra o contrato de trabalho da autora, não prosperando a escusa de lapso destinado a processo seletivo.

                Logo, nos termos do item I da Súmula 338 do TST, era ônus da ré juntar aos autos os pertinentes registros de ponto. Assim não agindo, à falta de outros elementos de prova, deve ser presumida a veracidade da jornada declinada na exordial.

                Desprovejo.

 

                SALDO DE SALÁRIO

                Alega a recorrente que, conforme consta nos campos 50 e 95 do TRCT, o saldo de salário devido foi corretamente pago.

                Analisando o TRCT de fl. 26, verifico que a última remuneração da autora foi de R$ 724,00, sendo que, no campo 50, “saldo de 30/dias Salário”, consta o valor de R$ 482,67.

                Todavia, sob o código 95, rubrica “Outras Verbas H. Atestado até 15 dias”, a parte percebeu o importe de R$ 193,07.

                Assim, a acionada efetivamente adimplindo R$ 675,74, restando ainda R$ 48,26.

                Dou parcial provimento, para fixar o valor devido a título de desconto salarial indevido para R$48,26.

 

                RECURSO DA AUTORA

                DIFERENÇA SALARIAL

                Sustenta a autora que a ré efetuava pagamento inferior ao devido, eis que, conforme cláusula terceira da CCT anexa, como operadora de telemarketing deveria receber R$ 1.041,73, e não R$ 724,00.

                No entanto, a Almaviva tem por objeto social a prestação de serviços de telemarketing, teleatendimento e de informática.

                Logo, não se aplica a ela os CCT’s firmados pelo SINTTEL/MG com o Sindicato das Empresas de Asseio e Conservação do Estado de Minas Gerais (fls. 28/32).

                Desprovejo.

 

                VALE-REFEIÇÃO

                Alega a autora que, quando da sua admissão, foi informada que receberia vale-refeição de R$ 9,83 referente aos dias trabalhados. Enuncia que não há qualquer comprovação de fato extintivo, modificativo e impeditivo do seu direito e requer o pagamento do benefício durante todo o contrato de trabalho.

                Examino.

                Não há qualquer prova nos autos de que a 1ª ré tenha se obrigado a pagar R$ 9,83 de vale-refeição, não trazendo o contrato de fls. 117 qualquer referência a tal título.

                Na verdade, a recorrente pretende auferir a vantagem estabelecida na CCT de fls. 28/32 (cláusula sétima, fl. 29), que, como antes analisado, não se aplica à relação travada entre as partes.

                Desprovejo.

                MULTAS DOS ARTIGOS 467 E 477 DA CLT

                A recorrente defende ser devida a multa do art. 477/CLT, eis que a homologação da rescisão não ocorreu no prazo legal. Assevera, ainda, que há parcelas rescisórias incontroversas, motivo pelo qual também é devida a penalidade do art. 467/CLT.

                O TRCT de fls. 26/27 dá conta de que a autora foi dispensada em 30.09.2014, tendo cumprido aviso prévio trabalhado até 30.10.2014, sendo que a reclamada, neste dia, efetivou o pagamento do acerto rescisório.

                Assim, foi observado o prazo disposto na alínea a do §6º do art. 477 da CLT.

                Ainda que a homologação tenha ocorrido a destempo, aplica-se o entendimento enunciado na Súmula 48 deste Regional:

 

                MULTA DO § 8º DO ART. 477 DA CLT. FALTA DE PAGAMENTO DAS VERBAS RESCISÓRIAS NO PRAZO LEGAL. CABIMENTO.

                A aplicação da multa prevista no § 8º do art. 477 da CLT está restrita à falta de pagamento das verbas rescisórias no prazo fixado pelo § 6º.

 

                Também não há parcelas rescisórias incontroversas não adimplidas, motivo pelo qual não é devida a multa do art. 467/CLT.

                Nada a prover.

 

                DANOS MORAIS E MATERIAIS - ASSÉDIO MORAL

                A reclamante sustenta que sofreu advertências verbais da supervisora de Call Center de nome Fernanda, sofrendo perseguições e bulling. Diz que, em razão de discussão com a superior, chegou a desmaiar e ser encaminha a hospital. Salienta que recebia quadro com metas superiores à dos demais empregados e pugna pela condenação da ré ao pagamento de indenizações por danos morais e materiais.

                Pois bem.

                Faz parte do poder diretivo do empregador a aplicação de penalidades, efetivamente não sendo comprovado qualquer excesso cometido por sua superior hierárquica.

                A única testemunha ouvida, Lucas Adriano Viana Ferreira, arregimentado pela obreira, declarou que a reclamante tinha bom relacionamento com seus colegas e com a chefia. Também disse que “no geral, Fernanda e reclamante mantinham relacionamento educado, embora em algumas vezes houvesse rispidez contra esta; às vezes na discussão a rispidez era mútua” (fls. 312).

                Assim, o tratamento descortês, que não era a regra, ocorria de forma mútua. Ademais, não foi esclarecido o que era dito pela supervisora para que se possa aferir eventual excesso.

                Inexiste, outrossim, qualquer comprovação de tratamento díspar da reclamante no tocante ao cumprimento de metas.

                Nada a prover.

 

                MORA SALARIAL

                Alega a autora que foi dispensada sem justa causa e não recebeu suas verbas rescisórias, fato que lesou seus direitos e causou constrangimento e humilhação.

                Decido.

                A reparação por danos morais decorrentes do contrato de trabalho pressupõe ato ilícito ou erro de conduta do empregador ou de preposto seu, além do prejuízo suportado pelo trabalhador e do nexo de causalidade entre a conduta injurídica do primeiro e o dano experimentado pelo último, nos moldes da legislação vigente que rege a espécie (arts. 5º, V e X e 7º, XXVIII, ambos da CRFB/88, bem como dos artigos 186, 187, 927, 932, III, 944, 949 e 950, do CC/02).

                Entendo que a mora no pagamento das verbas rescisórias, em regra, não enseja indenização por danos morais, porquanto o ordenamento jurídico prevê consequências específicas para a quitação extemporânea, v.g., acréscimo de juros de mora e incidência de multa legal.

                No entanto, em casos de atraso contumaz ou de efetiva prova de que a mora gerou impontualidade nas suas obrigações financeiras da parte, resolve-se o inadimplemento pela reparação em danos materiais. Esse é o caso desses autos, em que se constata que o atraso no pagamento do acerto rescisório já contava com quase cinco meses por ocasião da propositura da presente demanda.

                Nestes termos, provejo o recurso para condenar a empresa a pagar, a título de danos morais em face de mora salarial, o valor de R$ 2.000,00.

 

                HONORÁRIOS CONTRATUAIS

                Aplica-se ao caso o entendimento contido na Súmula n.º 37 deste Regional:

 

                POSTULADO DA REPARAÇÃO INTEGRAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PERDAS E DANOS. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 389 E 404 DO CÓDIGO CIVIL. É indevida a restituição à parte, nas lides decorrentes da relação de emprego, das despesas a que se obrigou a título de honorários advocatícios contratados, como dano material, amparada nos arts. 389 e 404 do Código Civil.

 

                Desprovejo.

 

                CONCLUSÃO

                Conheço dos recursos. No mérito, dou parcial provimento ao apelo da autora, condenando a ré a pagar, a título de danos morais, o valor de R$ 2.000,00, e provejo parcialmente aquele apresentado pela ré, para fixar o valor devido a título de desconto salarial indevido em R$ 48,26. Mantenho o valor arbitrado à condenação, eis que ainda compatível.

                Fundamentos pelos quais,

                O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela 11ª Turma, à unanimidade, conheceu dos recursos; no mérito, sem divergência, deu parcial provimento a ambos os apelos, sendo, ao da autora, para condenar a ré a pagar, a título de danos morais, o valor de R$ 2.000,00; quanto ao da ré, para fixar o valor do desconto salarial indevido em R$ 48,26; mantido o valor arbitrado à condenação, eis que ainda compatível.

                Belo Horizonte, 08 de novembro de 2016.

 

JULIANA VIGNOLI CORDEIRO

Desembargadora Relatora

 

(TRT/3ª R./ART., DJ/MG, 02.12.2016)

 

BOLT7580—WIN/INTER

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