O RODÍZIO DE AUDITORES
INDEPENDENTES E O GERENCIAMENTO DE RESULTADOS EM INSTITUIÇÕES BANCÁRIAS: UMA
ANÁLISE ECONOMÉTRICA DE 1997 A 2013 - MEF33545 - IR
MONARA
REIS SILVA BRANDÃO *
LEANDRO
LIMA RESENDE **
LUIZ
KENNEDY CRUZ MACHADO ***
1. INTRODUÇÃO
A Contabilidade é uma ciência
social aplicada e tem como função básica informar e auxiliar os usuários na
tomada de decisão. Segundo Iudícibus (2004), o
principal objetivo da Contabilidade caracteriza-se pelo fornecimento de
informações econômicas para os vários usuários, de modo a auxiliar nas tomadas
de decisões. Podem-se identificar esses usuários como sendo administradores,
entidades governamentais, funcionários, investidores, emprestadores de recursos,
entre outros.
Na medida em que esta ciência
foi evoluindo, viu-se a necessidade de se identificarem quais seriam as
premissas básicas que a orientaria. Dessa forma, criaram-se os princípios
contábeis, sendo estes normas padronizadas para os registros contábeis. Tais
normas foram introduzidas pela publicação da Lei nº 6.404, no ano de 1976.
Porém, devido ao advento da globalização e em atendimento às necessidades da
sociedade brasileira, muitas modificações já foram feitas até os dias de hoje,
como, por exemplo, a criação das Leis nºs 11.638/07 e
11.941/09. Esta mudança da legislação teve como objetivo harmonizar as normas
contábeis com as normas internacionais de contabilidade, emitidas pelo International Accounting
Standards Board (Iasb).
Segundo Santos e Grateron (2003), os princípios e normas contábeis
apresentam algumas características, entre elas, podem-se destacar:
• Existência de múltiplas
estimativas.
• Flexibilidade, arbitrariedade
e subjetividade na aplicação.
• Diferentes, porém válidas interpretações
dos princípios e normas contábeis.
• Conceito base de Imagem
Fidedigna pouco claro ou indeterminado.
• Cuidados da administração na
aplicação de princípios como prudência, confrontação de receitas e despesas e
uniformidade.
Esses princípios e normas
contábeis precisam ser auditados. Dessa forma, a Lei nº 6.404, no ano de 1976,
também introduziu a auditoria independente para as Companhias Abertas no
Brasil, a qual consiste, segundo Reis (2009, p. 18), “no exame das operações,
atividades e sistemas de determinada empresa, com vistas a verificar se são
executados ou funcionam em conformidade com determinados objetivos, orçamentos,
regras e normas”. Assim, a auditoria deve verificar se há uma exatidão dos
registros contábeis, evidenciando se refletem adequadamente a situação
patrimonial da empresa.
Diante das características das
normas contábeis, citadas anteriormente, pode-se perceber que elas são de ordem
subjetiva, possibilitando brechas no momento da realização das demonstrações.
Dessa forma, alguns gestores e contadores conseguem manipular, de forma legal,
informações em prol de interesses particulares. Assim, as demonstrações
financeiras publicadas podem não representar de maneira fidedigna a realidade
da entidade, mesmo estando em consonância com as leis vigentes. O conceito que
expressa essa manipulação é o gerenciamento de resultados, conhecido também
como Earnings Management na literatura
internacional.
O gerenciamento de resultados,
segundo Goulart (2007, p. 30), “pode ser entendido como uma forma de
interferência de interesses específicos dos preparadores de demonstrações
contábeis no conteúdo ou na forma de apresentação e divulgação de informações
por parte das empresas”. Assim, o gerenciamento, mesmo não sendo fraude ou ato
ilícito, afeta negativamente a função das demonstrações financeiras, pois elas
devem fornecer informações úteis e confiáveis para aqueles que as utilizam seja
para qual for seu fim. Por esses motivos, alguns autores rejeitam a prática de
gerenciamento de resultados.
Em função do exposto acima,
pode-se atrelar que essas brechas acabaram levando algumas organizações a
cometerem tais gerenciamentos, o que acabou entrando em falência e/ou
envolvendo-se em escândalos. Há evidências de que há tal gerenciamento, segundo
Bispo (2010), ocorre um pouco antes e logo após a abertura de capital.
Perante a onda de escândalos
contábeis que estavam ocorrendo, a partir da segunda metade da década de 1990,
envolvendo grandes empresas e bancos, viu-se a necessidade de algumas mudanças nas
normas contábeis brasileiras. Dessa forma, foi introduzido o rodízio de firmas
de auditoria pelo Banco Central do Brasil (Bacen) em
março de 1996 pela Resolução nº 2.267. Posteriormente, em maio de 1999, esta
norma foi adotada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), por meio da
Instrução nº 308, como uma resposta à sociedade para demonstrar que tais
instituições estavam atentas à fiscalização.
O principal objetivo do rodízio
de empresas de auditoria foi com o intuito de preservar a ética e independência
dos auditores independentes, bem como a eliminação dos erros e fraudes
contábeis que estão relacionadas com a auditoria externa das demonstrações
contábeis. A alegação dos defensores do rodízio é de que os relacionamentos
prolongados entre as empresas auditadas e os auditores geram resultados
viciados.
O
presente estudo foca em instituições bancárias, em que, segundo Saunders (2000) apud Santos (2007), pode-se destacar
que elas são entidades especiais, com regulamentação específica, voltadas para
a atividade de intermediações e que perturbações ou interferências importantes
podem produzir efeitos prejudiciais para o restante da economia. As operações
de crédito, segundo Fuji (2004), representam a principal fonte de receitas das
instituições bancárias, principalmente após o Plano Real, ante o cenário de
estabilização monetária e queda de receitas. Com este cenário, cresceu a
importância de um adequado reconhecimento das perdas prováveis e um consistente
dimensionamento do risco de crédito.
Neste
contexto, a questão problema que se objetiva a responder neste trabalho é: Qual
é o impacto do Rodízio de Auditores Independentes no gerenciamento de
resultados em instituições bancárias? Sendo assim, o objetivo deste
trabalho é verificar se o rodízio de auditores independentes interfere no
gerenciamento de resultados contábeis em instituições bancárias do Brasil.
A
carência na produção científica de estudos, na área do rodízio de empresas de
auditoria, e o gerenciamento de resultados são grandes, principalmente em
relação a bancos. A maioria dos trabalhos acadêmicos existentes é voltada para
as companhias abertas não bancárias. Dessa forma, devido aos grandes escândalos
contábeis envolvendo grandes corporações, a necessidade de estudos nessa área
torna-se essencial.
Assim,
tal estudo pode ser justificado por abordar um tema de grande relevância,
atingindo os resultados financeiros publicados pelas instituições bancárias,
com ampla influência no mercado brasileiro. Por fim, este estudo será realizado
em dois bancos, um privado e outro de economia mista.
2.
REVISÃO BIBLIOGRÁFICA
2.1
Auditoria Independente
De
acordo com Pacheco et al. (2004) apud
Bassetti (2011), embora a origem da auditoria seja
muito discutida por especialistas, torna-se essencial relacioná-la com o início
das atividades econômicas desenvolvidas pelo ser humano. Dessa forma, segundo Ricardino e Carvalho (2003), é difícil determinar o
surgimento do primeiro trabalho de auditoria independente no Brasil. Mas tem-se
como o primeiro fato registrado sobre auditoria o balanço da São Paulo Tramway Light and Power
Company, feito entre junho de 1899 e dezembro de
1902, certificado pela empresa canadense de Auditoria Clarkson
& Cross — atualmente Ernst & Young.
Ainda
de acordo com Ricardino e Carvalho (2003), a primeira
empresa de auditoria a se instalar no Brasil foi a Deloitte Touche
Tohmatsu, no Rio de Janeiro, no ano de 1911. Mas,
naquela época, o País estava longe de ter preocupações com o respectivo
assunto. Os primeiros trabalhos sobre ele apenas surgiram a partir de 1928.
Segundo
Reis (2009), a auditoria consiste no exame das operações, atividades e sistemas
de determinada organização, com o intuito de verificar se são executados ou
funcionam em conformidade com determinados objetivos, orçamentos, regras e
normas contábeis. Ainda de acordo com Reis (2009), auditoria é o ato de
confrontar a condição – situação encontrada – com o critério – situação que
deve ser normas e procedimentos predeterminados. A definição dos critérios de
auditoria é de fundamental importância para a realização dos exames.
O
Instituto dos Auditores Independentes do Brasil (Ibracon)
(1998, p. 23) define que “o objetivo de uma auditoria das demonstrações
contábeis é habilitar o auditor a expressar uma opinião sobre se as demonstrações
foram preparadas, em todos seus aspectos relevantes, de acordo com uma
estrutura conceitual identificada para relatórios contábeis.”. Segundo Becker et al. (1998) apud Martinez e Reis
(2010), a auditoria reduz as assimetrias de informação existentes entre os
gestores e os demais interessados na organização, possibilitando que os que se
encontram externos à organização acreditem nas suas demonstrações financeiras.
No
que se refere ao aspecto legal, a regulação da atividade de auditoria só
ocorreu a partir de 1965 e apenas foi fortalecido em 1976, com a Lei nº 6.404 –
Lei das Sociedades por Ações. Segundo Ricardino e
Carvalho (2003), esta mesma lei estabeleceu a obrigatoriedade da Auditoria
Independente para as sociedades e as demonstrações contábeis de grupos que
incluem sociedades. De acordo com tal legislação, os profissionais que exercem
a auditoria independente devem estar registrados na CVM. A CVM também foi
criada no ano de 1976 pela Lei nº 6.385, com a responsabilidade de normatizar
os procedimentos contábeis e os trabalhos de auditoria das empresas de capital
aberto, como também exercer as funções de fiscalização, semelhantes à Securitiesand Exchange Commision
(SEC) norte-americana (PACHECO, OLIVEIRA E GAMBA, 2010).
Por
meio da Instrução nº 308/99, a CVM prevê o registro e o exercício da atividade
de auditoria independente no âmbito do mercado de valores mobiliários, como
também define os deveres e as responsabilidades dos administradores das
organizações auditadas no relacionamento com os auditores independentes. Em
relação à atuação do auditor independente, Cunha et
al. (2009) afirmam que a referida instrução pretende garantir sua
independência em frente à empresa auditada e à qualidade de sua auditoria. A
instrução impede que os auditores independentes prestem serviços de consultoria
à empresa auditada e que mantenham títulos mobiliários dela (ou de controladas)
e também prescreve penalidades como advertências, multas e suspensão e
cancelamento de registro para o caso de má atuação (ASSUNÇÃO E CARRASCO, 2008).
A
Resolução nº 3.198/2004, do Bacen, determina, em seu
artigo primeiro, que devem ser auditadas por auditores independentes
registrados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), desde que atendam aos
requisitos mínimos a serem fixados pelo Banco Central do Brasil, as
demonstrações contábeis, inclusive notas explicativas das instituições
financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do
Brasil, exceto as sociedades de crédito ao microempreendedor; das câmaras e
prestadores de serviços de compensação e de liquidação [...].
2.2
Rodízio de Auditores Independentes
Perante
a onda de escândalos contábeis ocorridos a partir da segunda metade da década
de 1990 que o assunto rodízio de “auditores independentes” passou a ser foco de
discussão no mercado. Desde então, várias medidas foram tomadas por entidades
reguladoras.
A
Instrução nº 308 também estabelece em seu art. 31 a respeito do rodízio de
auditores independentes, na qual o auditor deve ser substituído depois de cinco
anos no máximo e só poderá ser recontratado após três anos. Para ser mais
específica, a instrução estabelece que: “O Auditor Independente - Pessoa Física
e o Auditor Independente - Pessoa Jurídica não podem prestar serviços para um
mesmo cliente, por prazo superior a cinco anos consecutivos, contados a partir
da data desta Instrução, exigindo-se um intervalo mínimo de três anos para a
sua recontratação.” (Art. 31, Instrução CVM número 308, 1999)
Esta
instrução pretende evitar o relacionamento em longo prazo entre auditor e
empresa auditada, por acreditar-se que um longo relacionamento pode colocar em
risco a qualidade da prestação deste serviço, como também, de acordo com
Assunção e Carrasco (2008), ela pretende contribuir para a diminuição da independência
do primeiro em relação ao segundo na execução de seu trabalho. Esta
obrigatoriedade também foi instituída pelo Banco Central em março de 1996 por
meio da Resolução nº 2.267.
Em
adição ao rodízio, a Resolução nº 3.170/2004 do Bacen
obriga instituições financeiras com patrimônio superior ou igual a R$
1.000.000.000,00 (um bilhão de reais) a constituírem comitês independentes de
auditoria. Eles são responsáveis pelo apontamento e supervisão de auditores
externos. Como seus membros têm mandato fixo, em adição ao rodízio de
auditores, há uma rotatividade no comitê de auditoria. Esse mandato fixo dos
membros do comitê deve ser no máximo cinco anos e no mínimo três.
Porém,
em 11 de setembro de 2008, houve uma mudança em relação ao rodízio. Os bancos e
demais instituições supervisionadas pelo Bacen foram
dispensadas do rodízio de auditoria independente. A Resolução do Conselho
Monetário Nacional (CMN) nº 3.606/2008 modificou o art. 9º da Resolução nº
3.198/2004, do CMN, alterando o conceito de “auditor independente”. Pela
resolução de 2004, o rodízio deveria ser da empresa de auditoria, mas, pela
nova resolução, o rodízio será apenas do responsável técnico e sobre a equipe
de auditores independentes das empresas contratadas (Quadro 1).
Quadro
1 - Resolução nº 3.606/2008 versus a Resolução nº 3.198/2004
Atual - Resolução nº 3.606/2008 |
Anterior – Resolução nº 3.198/2004 |
As instituições financeiras e demais
instituições autorizadas a funcionar pelo Bacen,
exceto as sociedades de crédito ao microempreendedor e as câmaras e
prestadores de serviços de compensação e de liquidação, devem proceder à
substituição do responsável técnico, diretor, gerente, supervisor e qualquer
outro integrante, com função de gerência, da equipe envolvida nos trabalhos
de auditoria, depois de emitidos pareceres relativos a, no máximo, cinco
exercícios sociais completos. |
As instituições financeiras e demais
instituições autorizadas a funcionar pelo Bacen,
exceto as sociedades de crédito ao microempreendedor e as câmaras e
prestadores de serviços de compensação e de liquidação, devem proceder à
substituição do auditor independente contratado, no máximo, após emitidos
pareceres relativos a cinco exercícios sociais completos. |
Fonte: Cunha et al. (2009).
Em relação à nova resolução, a
CVM, por meio da Deliberação nº 549/2008, dispôs sobre a rotatividade dos
auditores independentes no âmbito do mercado de valores mobiliários e deliberou
a facultatividade para as companhias abertas da substituição de seus atuais
auditores independentes até a data de emissão do parecer de auditoria para as
demonstrações financeiras relativas ao exercício social a se encerrar em 2011.
Entretanto, as companhias abertas que quiserem substituir seus auditores
independentes anterior ao ano de 2011 deverão contar normalmente, como antes, o
prazo de cinco anos como instituído na Instrução nº 308/1999, da CVM, a partir
da contratação. Essa modificação para o exercício de 2008 foi realizado para
não comprometer o processo de adaptação das instituições financeiras aos novos
dispositivos da Lei das Sociedades por Ações, introduzidos pela Lei nº
11.638/2007. Esse novo critério sobre o rodízio tende a reduzir os custos de
contratação de auditorias externas.
Ainda em relação à
facultatividade dos auditores independentes, Cunha et
al. (2009) explicita que:
“A Comissão de Valores
Mobiliários facultou a rotatividade dos auditores independentes, em virtude da
Lei nº 11.638/07, que implementou alterações relevantes na contabilidade das
companhias que deverão ser introduzidas até o exercício social de 2010, com a
adoção plena das normas internacionais de contabilidade (IFRS), de forma a
permitir aos auditores uma melhor avaliação sobre as informações contábeis
divulgadas em observância ao novo arcabouço normativo alinhado às normas
internacionais de contabilidade”.
De acordo com o mencionado por
Azevedo e Costa (2012), os opositores da rotatividade de auditores
independentes defendem que a qualidade da auditoria não é apenas decorrente da
independência, mas envolve outros fatores, como o conhecimento específico sobre
o cliente, diminuído na mudança. Já os defensores alegam que longos mandatos
levam a uma maior intimidade com o cliente, reduzindo a independência, bem como
defendem que o rodízio assegura aos auditores independentes maiores incentivos
a não ceder às pressões dos gestores, por meio da manutenção do “compromisso e
comprometimento” dos auditores com a independência e ética na execução dos
trabalhos de auditoria.
2.3. Gerenciamento de Resultados
Gerenciamento de resultados pode
ser definido, segundo Decourt, Martinewski
e Pietro Neto (2007) apud Silva e Bezerra (2010), como a “manipulação
dos dados com o objetivo de atender aos interesses do administrador e, não dos
acionistas de modo geral”, sendo uma prática reprovada e não sendo desejável
pelos investidores, pois tal gerenciamento mascara a realidade patrimonial.
Azevedo e Costa (2012) também afirmam que tal prática advém de escolhas
contábeis por razões oportunistas, interferindo no resultado da instituição,
geralmente expropriando de algum outro investidor, credor ou governo. Dessa
forma, o único a ser beneficiado pela assimetria de informação seria o gestor.
Segundo Martinez (2008), o
gerenciamento de resultados é uma maneira de tratar a diferença que há entre a
contabilidade pelo regime de caixa e a contabilidade pelo regime de
competência. Essa diferença entre o lucro líquido e o fluxo de caixa
operacional é chamada de accruals
(acumulações). Esses accruals (acumulações)
podem ser definidos como todas as contas de resultado que entraram na
computação do lucro, mas não necessariamente afetaras a movimentação de
disponibilidades. Os accruals podem ser
divididos em discricionários (discretionary accruals) e não discricionários (non
discretionary accruals).
Os accruals
não discricionários seriam os exigidos de acordo com a realidade do negócio. Já
os accruals discricionários seriam
artificiais, tendo como propósito “gerenciar” o resultado contábil (MARTINEZ,
2008). Dessa forma, consideram-se os accruals
discricionários como uma proxy empírica para
detectar o gerenciamento de resultado.
O termo Earnings
Management, geralmente utilizado na literatura, consiste no gerenciamento
de resultados dentro dos limites legais, considerando-se a discricionariedade e
a flexibilidade permitidas pelas normas e práticas contábeis (FUJI, 2004).
Em relação ao gerenciamento em
instituições bancárias, Goulart (2007) afirma que a transparência é uma das
bases para um sistema financeiro sólido, razão pela qual os bancos centrais de
diversos países e órgãos internacionais defendem a divulgação das informações
evidenciando adequadamente sua respectiva situação patrimonial, financeira e de
resultados, além de outros aspectos como a estrutura organizacional, controles
internos e gestão de riscos. O mesmo autor expõe que a perda estimada para
créditos de liquidação duvidosa (PCLD) é um potencial instrumento para
gerenciamento de resultados por parte dos bancos.
2.4. Perda Estimada para
Créditos de Liquidação Duvidosa
O art. 183 da Lei nº 6.404/1976,
alterado pela Lei nº 11.638/2007, no seu item I-b, determina que empresas sob a
forma de sociedades anônimas deverão avaliar suas aplicações em direitos e
títulos de crédito pelo “valor de emissão, atualizado conforme disposições
legais ou contratuais, ajustado ao valor provável de realização, quando este
for inferior”. A diferença entre esses dois valores constitui na “perda
estimada para créditos de liquidação duvidosa - PECLD” ou “provisão para
devedores duvidosos”, que assim era chamada antes da adoção às normas
internacionais de contabilidade.
Fuji e Carvalho (2005)
classificam a provisão para créditos de liquidação duvidosa como sendo uma das
contas que envolvem estimativas de perdas e, por conseguinte, caracteriza-se
pela subjetividade e julgamento. Os parâmetros para a constituição da provisão
para perdas são definidos pela Resolução CMN nº 2.682/1999, de 21 de dezembro
de 1999, que prevê que as operações de crédito devem ser classificadas por
ordem crescente de risco de acordo com uma escala de nove níveis. Essa
resolução da CMN tem como base o Acordo de Basileia de 1988. A norma contempla
parâmetros específicos para a classificação, como a determinação de, que após
determinado tempo de atraso, o crédito deva ser reclassificado ou baixado, conforme
o caso. Dessa forma, segundo Dantas (2012), a administração deve utilizar
critérios consistentes e verificáveis, com base em informações internas e
externas.
Como regra geral, a resolução
CMN nº 2.682/1999 prevê que a classificação das operações de crédito deverá ser
revista mensalmente, ocasião na qual serão classificadas de acordo com a
quantidade de dias em atraso, conforme pode ser observado no Quadro 2.
Quadro
2 - Classificação das operações de crédito por níveis de risco em função do
atraso e percentual de Perda Estimada para Créditos de Liquidação Duvidosa
Classificação do nível de risco |
Atraso |
PECLD sobre o valor das operações |
“AA” |
Sem |
- |
“A” |
Até |
0,5% |
“B”, no mínimo |
Entre |
1,0% |
“C”, no mínimo |
Entre |
3,0% |
“D”, no mínimo |
Entre |
10,0% |
“E”, no mínimo |
Entre |
30,0% |
“F”, no mínimo |
Entre |
50,0% |
“G”, no mínimo |
Entre |
70,0% |
“H” |
Superior |
100% |
Fonte: Adaptado da Resolução CMN nº
2.682/99.
Segundo
Goulart (2007), a discricionariedade sobre a perda estimada para créditos de
liquidação duvidosa e seus efeitos em relação à solidez do sistema bancário tem
sido objeto de debate entre profissionais, acadêmicos e reguladores. Embora o
processo de determinação do nível de estimativa para que decorram tais perdas,
necessariamente, de um julgamento da administração, isso não pode ser usado
para manipular os resultados ou enganar partes envolvidas. Dantas (2012)
destaca a relevância de demonstrações financeiras apropriadas tanto para os
investidores quanto para a própria solidez do sistema bancário.
Segundo Alali
e Jaggi (2010) apud Dantas (2012), há uma
crença generalizada no mercado de que os administradores dos bancos usam
extensivamente a PECLD para manipular os resultados divulgados, o que tem sido
foco de preocupação dos reguladores. Essa concentração pode ser justificada,
segundo Kanagaretnam, Lobo e Mathieu
(2003) apud Dantas (2012), pelo fato de essas perdas estimadas
representarem os maiores accruals
(acumulações) dos bancos, desempenhando papel fundamental nas decisões dos
gestores sobre eventuais manipulações contábeis.
3. METODOLOGIA
A presente pesquisa
caracteriza-se como sendo descritiva, na qual, segundo Gil (2006), tem como
objetivo classificar, narrar e descrever sobre as características de
determinada população. Quanto à abordagem, ela se caracteriza como sendo
quantitativa, pois tem como finalidade a relação entre as variáveis. A análise
quantitativa caracteriza-se pela objetividade das informações por meio da
utilização de técnicas estatísticas para o tratamento dos dados a fim de
generalização dos resultados buscados (VERGARA, 2008).
Os dados foram anuais coletados
no site da CVM e inflacionados, ou seja, trazidos a valor presente até o
ano de 2013, pelo Índice Geral de Preços – Disponibilidade Interna (IGPDI),
coletado no site do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipeadata). O período de pesquisa compreende os anos entre
1997 e 2013.
As instituições que foram
objetos de estudo são dois bancos múltiplos, sendo o maior banco de economia
mista e o segundo maior de capital privado, escolhidos em relação ao seu ativo
total (BANCO CENTRAL DO BRASIL, 2014). O motivo pela não escolha de estudar o
maior banco múltiplo de capital privado se deu em função de ele ter passado por
um processo relevante de fusão no período compreendido no estudo.
A análise de regressão linear
múltipla foi utilizada como principal método de estudo. Para este trabalho, o
modelo utilizado foi o modelo proposto por Fugi (2004), o qual foi adaptado,
pois foi inserida uma variável dummy, sendo
expresso por: (Figura 1)
Figura 1
DespDevDuv
= a0 + a1Res + a2P+ a3Op.Cred + a4Audit + u |
Em
que:
(a)
DespDevDuv = Despesas - Perdas estimadas para
créditos de liquidação duvidosa;
(b)
a0 = intercepto;
(c)
Res = Resultado Líquido do Exercício, excluindo as
perdas estimas para créditos de liquidação duvidosa;
(d)
P = Passivo Exigível;
(e)
Op.Cred = Operações de crédito;
(f)
Audit = variável dummy,
que representa a auditoria independente, incorporado no modelo com valor 1 no
ano da troca da empresa de auditoria e valor 0 para os demais anos; e
(g)
u = erro.
Utilizou-se
o software Gretl a fim de realizar a regressão
múltipla ajustada pelo método dos mínimos quadrados ordinários e obter os
resultados fornecidos pelos dados amostrais.
4.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
A
partir dos dados coletados, foi possível estimar o modelo de regressão, o qual
obteve um resultado significativo para os dois bancos. Porém, algumas variáveis
não foram significativas para o modelo, sendo ele ajustado, e os resultados se
encontram na Tabela 1 e 2.
Tabela 1 - Modelo
Ajustado: Mínimos Quadrados Ordinários - Banco de capital privado
Modelo Mínimos
Quadrados Ordinários |
|||
Variável
dependente: DespDevDuv |
|||
Variáveis Independentes |
Coeficiente |
razão-t |
p-valor |
Resultado |
-0,475216 |
-28,8684 |
<0,00001*** |
Auditoria |
1.001.940 |
2,3172 |
0,03504** |
R-quadrado |
0,986612 |
P-valor(F) |
8,92e-15 |
Fonte: Dados do trabalho (2014)
Nota: * significativo a 10% **
significativo a 5% *** significativo a 1%
Tabela 2 - Modelo
Ajustado: Mínimos Quadrados Ordinários - Banco de economia mista
Modelo Mínimos
Quadrados Ordinários |
|||
Variável
dependente: DespDevDuv |
|||
Variáveis Independentes |
Coeficiente |
razão-t |
p-valor |
Constante |
-5.883.340 |
-3,7861 |
,00227*** |
Resultado |
-0,836359 |
-8,2297 |
<0,00001*** |
Operação de Crédito |
0,259666 |
5,5884 |
0,00009*** |
Auditoria |
2.556.570 |
2,0985 |
0,05597* |
R-quadrado |
0,880107 |
P-valor(F) |
2,96e-06 |
Fonte: Dados do
trabalho (2014)
Nota: *
significativo a 10% ** significativo a 5% *** significativo a 1%
Segundo a Tabela 1, o
coeficiente de determinação do modelo (R2) foi de, aproximadamente, 98,7%, com
uma significância inferior a 1%.
Em
relação ao Banco de economia mista, o coeficiente de determinação do modelo
(R2) foi de, aproximadamente, 88%, com uma significância inferior a 1%,
conforme a Tabela 2.
Assim,
a partir das regressões, realizaram-se os cálculos para identificação da
existência, ou não, do gerenciamento de resultados nas instituições bancárias
utilizadas no estudo exposto nas Tabelas 3 e 4.
Tabela 3 - Resultado
do gerenciamento do Banco de capital privado
Valores em mil reais |
Período
Anterior |
Período Posterior |
Total |
||
Capital Privado |
1999 |
2000 |
2001 |
2002 |
|
PECLD
conforme Demonstração Financeira |
5.400.518,41 |
3.827.728,09 |
4.626.726,78 |
5.379.407,74 |
19.234.381,0 |
PECLD
estimado pela regressão |
3.480.332,98 |
2.292.551.38 |
2.991.787,44 |
3.934.622,79 |
12.699.094,6 |
Gerenciamento |
1.920.185,43 |
1.535.176,71 |
1.634.939,34 |
1.444.784,95 |
6.535.286,4 |
%
do gerenciamento |
35,55% |
40,10% |
35,34% |
26,86% |
33,98% |
|
2004 |
2005 |
2006 |
2007 |
|
PECLD
conforme Demonstração Financeira |
3.103.794,34 |
3.145.467,55 |
5.147.126,13 |
8.640.446,80 |
20.036.834,8 |
PECLD
estimado pela regressão |
3.105.301,62 |
3.647.124,19 |
4.216.964,58 |
8.804.106,41 |
19.773.496,8 |
Gerenciamento |
(1.507,28) |
(501.656,64) |
930.161,55 |
(163.659,61) |
263.338 |
%
do gerenciamento |
-0,05% |
-15,95% |
18,07% |
-1,89 |
1,31% |
|
2009 |
2010 |
2011 |
2012 |
|
PECLD
conforme Demonstração Financeira |
12.680.548,80 |
8.964.636,62 |
9.871.222,31 |
10.383.299,93 |
41.899.707,7 |
PECLD
estimado pela regressão |
9.886.329,83 |
8.393.547,64 |
8.756.489,44 |
8.899.999,94 |
35.936.366,9 |
Gerenciamento |
2.794.218,97 |
571.088,98 |
1.114.732,87 |
1.483.299,99 |
5.963.340,8 |
% do gerenciamento |
22,03% |
6,37% |
11,29% |
14,28% |
14,23% |
Fonte: Dados da pesquisa.
Tabela 4 - Resultado
do gerenciamento do Banco de economia mista
Valores em mil reais |
Período
Anterior |
Período Posterior |
Total |
||
Valores
em mil reais |
1999 |
2000 |
2001 |
2002 |
|
Banco
de Economia Mista |
14.164.641,97 |
2.231.335,17 |
3.502.722,04 |
6.472.384,32 |
26.371.083,50 |
PECLD
conforme Demonstração Financeira |
12.327.554,94 |
1.167.050,52 |
319.829,99 |
5.155.137,19 |
18.969.572,60 |
PECLD
estimado pela regressão |
1.837.087,03 |
1.064.284,65 |
3.182.892,05 |
1.317.247,13 |
7.401.510,90 |
Gerenciamento |
12,97% |
47,69% |
90,87% |
20,35% |
28,07% |
%
do gerenciamento |
2004 |
2005 |
2006 |
2007 |
|
|
7.863.348,35 |
8.267.855,32 |
10.800.329,80 |
8.286.367,64 |
35.217.901,10 |
PECLD
conforme Demonstração Financeira |
7.375.886,22 |
6.155.616,52 |
9.770.683,91 |
7.639.970,20 |
30.942.156,90 |
PECLD
estimado pela regressão |
487.462,10 |
2.112.238,80 |
1.029.645,89 |
646.397,44 |
4.275.744,42 |
Gerenciamento |
6,19% |
25,55% |
9,53% |
7,80% |
12,14% |
Fonte: Dados da pesquisa
Podem
ser identificados na Tabela 3 indícios do gerenciamento de resultado do banco
de capital privado, considerando dois anos anteriores à troca de auditoria e
dois anos posteriores à troca de auditoria. Os valores que se encontram na
linha da PECLD estimado pela regressão é uma previsão da regressão.
Analisando a tabela anterior,
observa-se que, nos anos entre 2000 e 2001, do Banco capital privado, há
evidências de que o gerenciamento foi amenizado, pois, no ano de 2000, houve
evidência de um gerenciamento de 40,10% das perdas para aumentar o lucro e em
2001 essa porcentagem caiu para um gerenciamento de 35,34% das perdas,
possivelmente também visando aumentar o lucro. Já nos anos entre 2005 e 2006,
2010 e 2011, o gerenciamento não foi amenizado, apresentando no ano de 2005 um
gerenciamento de -15,95% das despesas para diminuir o lucro e, em 2006, essa
porcentagem aumentou para um gerenciamento de 18,07% das perdas, provavelmente
objetivando também aumentar o lucro.
Também
se pode observar na Tabela 3 que nos anos que precedem o processo de troca de
empresa de auditoria, bem como nos anos posteriores, percebe-se que, mesmo sem
a troca de empresa de auditoria, há evidências de um gerenciamento de resultado
em relação à variável PECLD. Porém, devido a pequena quantidade de variáveis
que influenciam o gerenciamento utilizado no estudo, não se pode afirmar que há
o gerenciamento de resultados, apenas pode-se afirmar que há indícios de tal
gerenciamento.
Podem-se identificar na Tabela 4
evidências do gerenciamento de resultado do banco de economia mista, também
considerando dois anos anteriores à troca de auditoria e dois anos posteriores.
Observa-se que, nos anos entre 2000 e 2001, do Banco de economia mista o
gerenciamento não foi amenizado, pois, no ano de 2000, houve um gerenciamento
de 47,69% das perdas para aumentar o lucro e, em 2001, essa porcentagem
aumentou para um gerenciamento de 90,87% das perdas, possivelmente também
visando aumentar o lucro. Já nos anos entre 2005 e 2006, o gerenciamento foi
amenizado, apresentando no ano de 2005 um gerenciamento de 25,55% das perdas
para aumentar o lucro e, em 2006, essa porcentagem diminuiu para um
gerenciamento de 9,53% das perdas, provavelmente objetivando aumentar o lucro.
Assim como no banco de capital
privado, nos anos em que não ocorreu a troca de empresa de auditoria, também
houve evidências de um gerenciamento de resultados em relação à variável PECLD.
Também não se pode afirmar que houve de fato tal gerenciamento devido à pequena
quantidade de variáveis utilizadas no modelo.
Dessa forma, conforme a análise
dos resultados, a hipótese de que, no ano da troca de auditoria independente,
houve evidências de que o gerenciamento de resultados tenha sido amenizado foi
negada. Por isso, pode-se afirmar que, no ano do rodízio de auditoria, não
necessariamente haverá amenização do gerenciamento de resultados. Mas, pode-se
afirmar que há evidências do gerenciamento em todos os períodos analisados.
5. CONCLUSÃO
O estudo teve por objetivo
analisar se o rodízio de auditores independentes interfere no gerenciamento de
resultados contábeis em instituições bancárias do Brasil. Para tanto,
efetuou-se a pesquisa com a aplicação do modelo de regressão linear múltipla de
Fuji (2004), objetivando identificar gerenciamentos de resultados por meio da
conta de perdas estimadas para crédito de liquidação duvidosa. A partir desta
regressão, foi comprovada evidência da existência do gerenciamento de
resultados nos dois bancos estudados, como também foi constatado que o rodízio
de empresas de auditoria e a conta de perdas para créditos de liquidação
duvidosa influenciam o gerenciamento.
O
estudo mostrou evidências de que, no ano em que ocorreu a troca das empresas de
auditoria independente, não necessariamente houve uma redução no percentual do
gerenciamento de resultado.
Pôde-se perceber que tal estudo
apresenta algumas limitações devido ao pequeno número de bancos utilizados e ao
pequeno número de variáveis utilizadas no modelo. Dessa forma, concluiu-se que
os resultados das instituições financeiras apresentam apenas evidências de que
há gerenciamento de resultado por meio da conta perda estimada para crédito de
liquidação duvidosa, mas de forma que não necessariamente haverá amenização no
ano em que há o rodízio. Ou seja, não se pode afirmar que de fato há tal
gerenciamento devido às limitações do estudo. Também não se pode generalizar o
resultado encontrado para outros bancos, pois o estudo se restringe a apenas
duas instituições bancárias.
Entre possíveis sugestões para
pesquisas futuras, cabe ressaltar a incorporação de outros modelos para a
captura do gerenciamento de resultados em instituições financeiras,
incorporando modelos, como, por exemplo, o de Jones, Jones Modificado e o
modelo KS.
6. REFERÊNCIAS
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* Aluna do
curso de Ciências Econômicas com Ênfase em Controladoria da Universidade
Federal de Alfenas (Unifal-MG) - Campus Varginha/ MG
** Professor do
Instituto de Ciências Sociais Aplicadas da Universidade Federal de Alfenas (Unifal-MG) - Campus Varginha (MG)
*** Doutorando
em Administração pela Universidade Federal de Lavras (Ufla)
(Fonte:
RBC nº 233)
BOIR6093—WIN/INTER
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