LEI ORGÂNICA MUNICIPAL - PROCESSO
LEGISLATIVO - PRINCÍPIO DA SIMETRIA - ART. 172 DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE
MINAS GERAIS - QUÓRUM PARA DELIBERAÇÕES - MAIORIA SIMPLES - REGRA GERAL -
INEXISTÊNCIA DE EXCEÇÃO - OBSERVÂNCIA OBRIGATÓRIA - DECISÃO DO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF33557 - BEAP
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Não bastasse estar sedimentado junto ao STF que o princípio da simetria incide
no processo legislativo, de forma que estão os entes federativos vinculados às
diretrizes estabelecidas pela CR/88, a Constituição do Estado de Minas Gerais é
expressa em seu art. 172 ao estabelecer que a Lei Orgânica do Município deverá
observar os princípios da Constituição Federal e Estadual.
-
Se inexistente na Constituição Federal ou mesmo Estadual exceção à regra da
maioria simples para as deliberações legislativas acerca de determinada
matéria, não pode a Lei Orgânica estabelecer a exigência de quórum diferenciado
para sua aprovação.
AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE Nº 1.0000.11.074137-8/000 - Comarca de ...
Requerente : Prefeito
do Município de ...
Requerido : Presidente
da Câmara Municipal de ...
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda a ÓRGÃO
ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do
Desembargador HERCULANO RODRIGUES , incorporando neste o relatório de fls., na
conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, EM JULGAR PROCEDENTE
A REPRESENTAÇÃO, POR MAIORIA. ABSTIVERAM-SE DE VOTAR OS DES. SILAS VIEIRA E
OLIVEIRA FIRMO.
Belo
Horizonte, 27 de fevereiro de 2013.
SELMA MARQUES
Relatora
N O T A S T A Q U I G R Á F I C A S
DESª. SELMA MARQUES - Cuida-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade
ajuizada pelo Prefeito Municipal de ... contra o inciso VII, do art. 26 da Lei
Orgânica Municipal, ao fundamento de que o texto legal não observa o princípio
da simetria no tocante ao processo legislativo.
Afirma que a arguição de inconstitucionalidade
merece prosperar na medida em que afrontado o modelo de processo legislativo
estabelecido tanto pelo art. 47 da Constituição Federal, como pelo art. 55 da
Constituição Estadual.
Destaca que o primeiro
dispositivo consigna que as deliberações de cada Casa do Congresso, Câmara dos
Deputados e Senado Federal, bem como de suas respectivas Comissões, serão
tomadas por maioria de votos, presente a maioria absoluta de seus membros.
Assinala que, por seu turno, a
segunda regra aludida determina que as deliberações da Assembleia Legislativa,
bem como de suas respectivas Comissões, serão tomadas por maioria de votos,
presente a maioria de seus membros.
Registra que o art. 172 da
Constituição do Estado de Minas Gerais determina que a Lei Orgânica Municipal
deverá observar os princípios da Constituição da República e os da Constituição
Estadual, sendo, assim, inconteste sua submissão ao processo legislativo
traçado nas Cartas mencionadas.
Assevera, frente às premissas
elencadas, ser inconstitucional o quórum especial exigido pelo art. 26, inciso
VII, da Lei Orgânica do Município de ... .
Às ff. 86/89, foi indeferida a
medida liminar pleiteada, em face da não demonstração do perigo na demora, caso
apenas ao final fossem julgados procedentes os pedidos articulados.
Às ff. 96/100, a Câmara
Municipal apresentou as informações pertinentes, defendendo a
constitucionalidade do ato legislativo atacado.
Por seu turno, às ff. 135/140,
manifesta-se a i. Procuradoria Geral de Justiça pelo acolhimento do pedido.
Pois bem.
Conforme relatado, a demanda foi
proposta contra o art. 26, VII, da Lei Orgânica do Município de ..., que
estabelece:
“Art. 26. Dependerá de voto
favorável da maioria absoluta dos membros da Câmara a aprovação das seguintes
matérias:
VII - autorização de
empréstimos”.
O cerne da causa de pedir
deduzida diz respeito à ofensa ao princípio da simetria em relação às
Constituições Federal e Estadual, enquanto diplomas balizadores do processo
legislativo, do qual não pode se afastar o ente municipal.
Não se olvida que é
característica inerente ao Estado Federal uma pluralidade de fontes normativas
com âmbito de aplicação diferenciado, podendo ser estabelecidas normas centrais
e locais, conforme a fonte de origem e o âmbito de aplicação. O conjunto entre
elas, normas centrais e normas locais, sendo ambas consideradas normas
jurídicas parciais, forma a ordem jurídica total.
Por certo numa ordem total se
torna por vezes delicado dizer quais as normas que têm aplicação central,
abarcando estados e municípios, e quais se aplicam apenas à estrutura do ente
respectivo dotado de maior amplitude dentro do esquema federativo traçado pelo
constituinte. Todavia, por certo, aquelas inseridas dentro do texto
constitucional, seja a Constituição Federal, seja a Constituição Estadual, no
mais das vezes, a-se torna obrigatória para os entes
que estão sobre sua tutela.
Na
tentativa de se buscar uma síntese quanto ao tema, vale colacionar a seguinte
lição doutrinária, em muito embasada nos ensinamentos de Raul Machado Horta,
que, embora inicialmente abarcando apenas a relação União Estado-membro, deve
ser também estendida em relação aos municípios:
“A Constituição da República
Federativa do Brasil é a lei fundamental de todo o Estado Federal, quando, por
exemplo, estatui normas centrais, cuja validade abrange todo o território
nacional e todas as unidades componentes da Federação.
“Disto se conclui que parte das
ordens jurídicas parciais é fruto de algo imposto pelas normas centrais, não na
parte em que estruturam a União, mas sim na parte em que definem um modelo de
organização política que deve ser obedecido perante estados-membros.
“Raul Horta Machado, sobre as
chamadas normas centrais, releva que elas ‘ultrapassam a organização da União,
para alcançar a estruturação constitucional do Estado-membro’ (...). Alerta,
ainda, que tanto maior a presença de normas centrais no texto constitucional
federal, maior será a tendência para um federalismo centralizador, fazendo da
Constituição Federal uma Constituição Total. Nesse sentido, o autor emprega o
termo Constituição Total não no sentido de junção de ordens parciais locais e
centrais, como alhures mencionado, mas sim para designar o trecho da
Constituição Federal composto por normas que se aplicam aos estados-membros:
‘(...). A Constituição Total, no sentido em que preconizamos o emprego do
termo, deve ser entendida como o setor da Constituição Federal formado pelo
conjunto das normas centrais, selecionadas pelo constituinte, para ulterior
projeção no Estado-membro, sem organizá-lo integralmente. A Constituição total
é parte da Constituição Federal e não dispõe de existência formal autônoma fora
desse documento.
“De fato, sabe-se que, em um
Estado Federal, a sua Constituição é formada, em boa parte, por normas centrais,
de preordenação. Tais normas de antemão já
disciplinam de que forma os estados-membros e municípios devem se organizar. Ou
seja, quanto mais normas de preordenação, menor a
capacidade do legislador decorrente, seja ele constituinte (elaboração de constituições
estaduais), seja ele ordinário (leis).
“Não é tarefa fácil identificar
quais normas da Constituição Federal representam um óbice à inovação pelos
estados-membros, que devem repeti-las em suas Constituições. A identificação de
tais normas não raras vezes decorre de decisões eminentemente políticas por
parte da Corte Constitucional, que vai apontar qual seria o espaço livre de
atuação do Legislativo estadual. E tais decisões não raras vezes são embasadas
no princípio da simetria federativa, que visa à reprodução de modeles federais
para serem aplicados às demais entidades da Federação.
“Como consequência, há ordens
jurídicas parciais locais que contemplam normas parciais centrais, reproduzindo
no plano local o que existe no plano central.
“Nesse caso, entramos no tema
das normas constitucionais federais que devem ser necessariamente reproduzidas
perante a ordem local, ou mesmo de normas constitucionais federais (...).
“(...)
“(...) Na linguagem de Raul
Machado Horta, as normas de repetição não se confundem com as normas de
imitação, já que as primeiras são incorporadas pelos estados-membros não por
sua livre escolha, mas sim por determinação constitucional federal, e também de
acordo com decisões do Supremo Tribunal Federal”. (Marcelo Lablanca
Corrêa de Araújo. Jurisdição Constitucional e Federação: O princípio da
simetria na jurisprudência do STF. Rio de Janeiro: Elsevier,
2009, pp. 24/26).
No tocante ao princípio da
simetria, impende destacar que, inobstante haver precedente remoto do STF,
ADI-MC 56, em sentido diverso não “demorou muito para o Supremo Tribunal
Federal mudar sua jurisprudência e manter o entendimento que havia sob a égide
da Constituição pretérita, que expressamente indicava que os estados-membros
deveriam respeitar os princípios da Carta Federal, incluindo as normas sobre o
processo legislativo”.
“Segundo o Supremo Tribunal
Federal, atualmente o princípio da simetria aplica-se para conformar a livre
esfera de atuação do legislador constituinte e ordinário estadual, ficando
estabelecido, por várias vezes, que as normas básicas do processo legislativo
federal devem ser reproduzidas no processo legislativo estaual
e municipal. Veja-se, a exemplo, o seguinte julgado: ‘Já se firmou o
entendimento desta Corte no sentido de que, também em face da atual
Constituição, as normas básicas da Carta Magna Federal sobre processo
legislativo, como as referentes às hipóteses de iniciativa reservada, devem ser
observadas pelos Estados-membros”. (ADI 1.201/RO)”. (Marcelo Labanca Corrêa de Araújo. Ob. cit., p. 87).
Demais, não bastassem as
considerações tecidas que praticamente sedimentaram, forte no princípio da
simetria, que deverão o processo legislativo municipal e estadual, observar o
modelo federal, determina expressamente o art. 172, da Constituição do Estado
de Minas Gerais, que a Lei Orgânica municipal deverá observar as diretrizes
fixadas pela Constituição da República e pela Constituição Estadual.
Neste ínterim, cumpre destacar o
teor do art. 55 da Constituição Estadual, segundo o qual as deliberações da
Assembleia Legislativa, bem como de suas Comissões, serão tomadas por maioria
de votos presentes, da maioria de seus membros, bem como o teor do art. 47 da
Constituição Federal, que estabelece maioria simples para as deliberações do
Senado Federal, da Câmara dos Deputados e das respectivas Comissões.
Note-se, em observância à defesa
apresentada pela Câmara Municipal, que, em ambos os dispositivos, o quórum de
maioria simples é excepcionado apenas quando houver autorização neste sentido
das respectivas Cartas. Contudo, em relação à lei que porventura vier a
autorizar a tomada de empréstimo pelo Executivo, inexiste qualquer disposição
que possa afastar a regra geral no sentido de que as deliberações devam ser
tomadas por maioria simples.
Isto posto, julgo procedentes os
pedidos iniciais para declarar a inconstitucionalidade do art. 26, VII, da Lei
Orgânica do Município de ....
Façam-se as comunicações
pertinentes.
É como voto.
O SR. DES. AFRÂNIO VILELA:
V
O T O
O Prefeito do Município de ...
ajuizou a presente ação direta de inconstitucionalidade em face do inciso VII,
do artigo 26 da Lei Orgânica Municipal, redigido nos seguintes termos:
“Artigo 26. Dependerá de voto
favorável da maioria dos membros da Câmara Municipal a aprovação das seguintes
matérias:
VII - autorização de
empréstimos.
(...)
O dispositivo impugnado, ao
exigir maioria absoluta para edição de leis ordinárias, mormente de cunho
meramente autorizativo, afronta o princípio da
simetria, preconizado no artigo 172 da Constituição Mineira, que estabelece, in
verbis:
“A Lei Orgânica pela qual se
regerá o Município será votada e promulgada pela Câmara Municipal e observará
os princípios da Constituição da Republica e os desta Constituição”.
Sobre as deliberações dos textos
legislativos, a CR/88 e a CEMG, em seus artigos 47 e 55, respectivamente,
preveem que:
“Art. 47. Salvo disposição
constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas comissões
serão tomadas por maioria de votos, presente a maioria de seus membros” -
CR/88.
“Art. 55. Salvo disposição
constitucional em contrário, as deliberações da Assembleia Legislativa e de
suas comissões serão tomadas por maioria de votos, presente a maioria de seus
membros” - CEMG.
O dispositivo impugnado versa
sobre autorização de empréstimo, inexistindo no texto da Constituição da
República ou da Constituição Mineira regramento dispondo sobre a exigência de
quórum qualificado.
Assim, a inovação do processo
legislativo traduz afronta ao princípio da simetria, impondo-se, desta feita, o
reconhecimento da inconstitucionalidade do texto impugnado, na forma requerida
na exordial.
Isso posto, adoto integralmente
o judicioso voto sufragado pela eminente relatora, Desembargadora Selma
Marques, para julgar procedente o pedido e declarar a inconstitucionalidade do
inciso VII, do artigo 26 da Lei Orgânica do Município ... .
O SR. DES. EDGARD PENNA AMORIM:
V
O T O
Na sessão de 12 de dezembro p.p., pedi vista dos autos para melhor exame da matéria.
Após fazê-lo, verifico que a em.
Relatora, secundada pelos ems. Pares que me
antecederam, declaram a inconstitucionalidade do inc. VII do art. 26 da Lei
Orgânica do MUNICÍPIO DE ..., cujo teor é o seguinte:
Art. 26. Dependerá de voto
favorável da maioria dos membros da Câmara Municipal a aprovação das seguintes
matérias:
(...)
VII - autorização de empréstimos
(...).
Segundo o entendimento
perfilhado pelo voto condutor, o dispositivo questionado, ao estabelecer quórum
diverso daquele previsto no art. 47 da Constituição da República e no art. 55
da Constituição do Estado, afrontaria o princípio da simetria, estampado no
art. 172 deste último diploma constitucional, “in verbis”:
Art. 172. A Lei Orgânica pela
qual se regerá o Município será votada e promulgada pela Câmara Municipal e
observará os princípios da Constituição da República e os desta Constituição.
(Destaque deste voto).
“Data venia”
deste respeitável entendimento, convenço-me da inexistência do censurado vício
de inconstitucionalidade, pelas razões que passo a aduzir.
Sabe-se que a autonomia dos
Municípios foi amplamente fortalecida após o advento da Constituição da
República de 1988, sobretudo à luz dos arts. 1º e 18,
que lhes outorgaram o “status” de ente federativo, e dos arts.
29 e 30, que lhes conferiram poderes para elaborar a própria Lei Orgânica, além
de outras competências legislativas, respeitadas, porém, as normas centrais
estampadas no Texto Constitucional de 1988. Acerca das aludidas normas, que
limitam a atuação do poder constituinte derivado e encerram um plexo de regras
que devem ser observadas tanto pelas Constituições Estaduais quanto pelas Leis
Orgânicas dos Municípios, recolhe-se da obra de RAUL MACHADO HORTA:
As normas constitucionais
federais, que, transpondo o objetivo primário de organizar a Federação, vão
alcançar o ordenamento estadual, com maior ou menor intensidade, demonstram a
existência de uma forma especial de normas na Constituição Federal, que
denominamos normas centrais. As normas centrais podem exteriorizar-se nos ‘princípios
desta Constituição’, na referência da Constituição de 1988, que retomou a
linguagem da reforma de 1926, ou ‘os seguintes princípios’, na redação da
Constituição de 1946, num caso e no outro, mediante enumeração exaustiva. As
normas centrais abrangem as normas de competência deferidas aos Estados e as
normas de preordenação, estas últimas quando a
Constituição Federal dispuser no seu texto sobre Poder do Estado, titular de
Poder ou instituição estadual.
‘Princípios desta Constituição’,
‘Princípios constitucionais’, ‘Normas de competência e Normas de preordenação’ limitam e condicionam o poder de organização
do Estado e configuram as diferentes modalidades de normas centrais da
Constituição Federal. (“In” Direito constitucional. 3ª ed. Belo Horizonte: Del
Rey, 2002, p. 333.)
Na espécie, a norma questionada
trata do quórum para aprovação de matéria afeta ao processo legislativo
municipal, o qual, a meu aviso, não constitui princípio constitucional ou norma
de preordenação de observância obrigatória por parte
dos Estados-Membros e dos Municípios.
De fato, é bem verdade que a
Carta de 1967, com as alterações da Emenda n.º 1, de 17.10.69, elevou o
processo legislativo à condição de princípio constitucional, conforme se
depreende do seu art. 13, “in verbis”:
Art. 13. Os Estados
organizar-se-ão e reger-se-ão pelas Constituições e leis que adotarem,
respeitados, dentre outros princípios estabelecidos nessa Constituição, os
seguintes:
I - os mencionados no item VII
do artigo 10;
II - a forma de investidura nos
cargos eletivos;
III - o processo legislativo;
IV - a elaboração do orçamento,
bem como a fiscalização orçamentária e a financeira, inclusive a da aplicação
dos recursos recebidos da União e atribuídos aos municípios;
V
- as normas relativas aos funcionários públicos, inclusive a aplicação aos
servidores estaduais e municipais dos limites máximos de remuneração
estabelecidos em lei federal;
VI - a proibição de pagar a
deputados estaduais mais de oito sessões extraordinárias.
VII - a emissão de títulos da
dívida pública de acordo com o estabelecido nesta Constituição;
VIII - a aplicação aos deputados
estaduais do disposto no artigo 35 e seus parágrafos, no que couber; e
IX - a aplicação, no que couber,
do disposto nos itens I a III do artigo 114 aos membros dos Tribunais de
Contas, não podendo o seu número ser superior a sete.
§ 1º Aos Estados são conferidos
todos os poderes que, explícita ou implìcitamente, não lhes sejam vedados por
esta Constituição.
(...) (Destaques deste voto.)
Ocorre que, após o advento do
Texto Constitucional de 1988 — que, na lição de RAUL MACHADO HORTA (“op. cit.”,
p. 332), eliminou os excessos centralizadores do ordenamento constitucional
anterior, mediante a adoção da técnica da autonomia controlada —, o processo legislativo
deixou de ser concebido como princípio (cf. especialmente inc. VII do art. 34),
a permitir o convencimento de que, desde então, a matéria pode ser objeto de
disciplina pelos Estados-membros — e também pelos Municípios —, em face dos
poderes reservados a este ente autônomo, conforme disposição do art. 25 do
mesmo diploma constitucional:
Art. 25. Os Estados organizam-se
e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios
desta Constituição.
§ 1º São reservadas aos Estados
as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição.
(...).
A propósito do fortalecimento da
autonomia dos entes federados no ordenamento constitucional vigente,
mencione-se a lição de MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO:
As regras estabelecidas para o
processo legislativo no plano federal não seriam obrigatórias para os Estados
Federados. Não há na Constituição em vigor norma equivalente ao art. 200 da
Emenda n.º 1/69, o qual incorporava, no que coubesse, ao Direito Constitucional
estadual, as disposições constantes da Lei Magna federal. Ora, por julgamento
unânime da doutrina e da jurisprudência, um dos pontos em que essa incorporação
cabia era exatamente o processo legislativo, ex vi do art. 13, III, da
Emenda nº 1/69.
Mas, de qualquer forma, o art.
25 da Carta vigente manda os Estados, ao organizarem-se, observarem os
princípios do ordenamento federal.
O
STF tem decido no sentido da simetria entre o processo legislativo da União e o
dos Estados e Municípios. É o que resulta de jurisprudência iniciada na Ação
Direta de Inconstitucionalidade nº 216-PB, relatada pelo Min. Celso de Mello
(RTJ, 146:388).
Certamente, o art. 25 da Lei
Magna em vigor manda que os Estados, ao organizarem-se, observem os princípios
da Carta federal. Entretanto, não os enuncia. No Direito anterior, por força do
art. 200 da Emenda Constitucional n. 1/69, era expresso ser o processo
legislativo federal incorporado ao Direito Estadual, e, por via reflexa, ao
Direito Municipal.
Ora, gozando os Estados de
autonomia, sendo as exceções de se interpretarem restritivamente, parece
descabido o posicionamento da Suprema Corte. Com efeito, não se atina com a
razão de ser a cópia do processo legislativo federal um princípio obrigatório
para os Estados. Quando muito se poderia ver como ‘princípio’ a necessidade de
deliberação da Assembleia Legislativa sobre os projetos de lei, evitando-se o
modelo da Constituição castilhista do Rio Grande do Sul, ao tempo da primeira
República. Assim, não haveria por que os Estados ficarem presos ao modelo
federal. (“In” Do processo legislativo. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p.
253.)
A partir de tais premissas,
infirmado o caráter principiológico do processo
legislativo, só se consideram como de observância obrigatória pelos
Estados-membros e pelos Municípios as normas que dizem respeito à iniciativa
reservada e a alguns aspectos da elaboração legislativa — a exemplo do veto e
sanção —, por decorrerem elas dos princípios do Estado Democrático de Direito
(cf. JOSÉ AFONSO DA SILVA. Curso de direito constitucional positivo. 34ª ed.
São Paulo: Malheiros, 2011, p. 616). Como o objurgado inc. VII do art. 26 da
Lei Orgânica do MUNICÍPIO DE ... tratou unicamente do quórum para aprovação de
matéria afeta ao interesse local — autorização de empréstimos —, não vislumbro
a apontada antinomia do dispositivo com a norma do art. 172 da Constituição
Estadual.
Finalmente, embora a posição que
tem prevalecido no âmbito do exc. Supremo Tribunal
Federal seja no sentido de que as normas afetas a processo legislativo editadas
pelos entes federados se sujeitam à simetria para com a Constituição da
República, constato que, no julgamento da ADI nº 2.872/PI (sob a relatoria do
em. Min. EROS GRAU, publicado no DJe de 05.09.2011),
a excelsa Corte apreciou novamente a matéria e refletiu sobre a possível
necessidade de mudança daquele entendimento. Por oportuno, peço vênia para
transcrever o excerto de um dos votos vencidos, da lavra do em. Min. MENEZES
DIREITO:
Também eu entendo que o
princípio da simetria deve comportar modulação. É que não se pode deixar a
liberdade dos estados-membros limitada no regime federativo quando divergem das
regras da Constituição Federal naqueles pontos em que se não configura nenhuma
violação de direito público vinculado à realização do ideal social e da
organização estatal. Veja-se, assim, que, por exemplo, é pertinente a aplicação
do princípio da simetria naqueles múltiplos casos em que se invade a
competência privativa do Poder Executivo com relação à produção legislativa
parlamentar. É que, nestes casos, existe, sem dúvida, uma questão fundamental
para a organização do estado, qual seja, a necessidade de preservar-se
indissolúvel na federação o princípio basilar da separação de poderes.
(...)
O tema da autonomia dos
estados-membros, no plano de suas Constituições e mesmo da legislação ordinária
ou complementar, vai exigir em algum momento que esta Suprema Corte repense a
orientação estrita que vem adotando. É que, em muitos casos, como em matéria de
saúde pública ou de educação, há peculiaridades que devem ser respeitadas e
que, por isso, não podem ficar sob o padrão da simetria com disposição da
Constituição Federal.
(...)
No presente caso, o constituinte
estadual dispôs que serão leis complementares o Estatuto dos Servidores
Públicos Civis e dos Servidores Militares, a Lei Orgânica do Magistério Público
estadual, a Lei Orgânica da Administração Pública, o Estatuto da Polícia Civil,
o Estatuto Administrativo do Fisco estadual.
Vê-se que, quando à organização
e ao funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, a
Constituição Federal prevê apenas lei, com o que estaria afastada, pelo
princípio da simetria, a exigência de lei complementar (art. 144, § 7º, da
Constituição Federal). (...)
Tenho que essa legislação
ordinária, no âmbito federal, que dispensa o quórum mais rigoroso da lei
complementar, não impede, pelo princípio da simetria, que, na competência dos
estados-membros, seja possível exigir lei complementar. Anote-se que a
legislação substantiva sobre a matéria guarda a matriz federal e, por isso,
somente se torna aberto o campo legislativo estadual no âmbito da competência
que lhe é própria que não pode invadir aquela que está posta na União. Mas isso
não quer dizer, pelo menos na minha avaliação, que não possa o constituinte estadual
impor que seja adotada espécie normativa prevista no processo legislativo
federal. A exigência que se faz na Constituição Federal diz especificamente com
a legislação federal, não com a legislação estadual. Não me parece razoável que
esse princípio da simetria chegue ao ponto de inviabilizar a opção do
constituinte estadual sobre uma das espécies normativas disponíveis na
Constituição Federal. Em que essa opção violentaria a organização nacional? Em
que essa opção atacaria algum princípio sensível do estado nacional organizado
sob a forma federativa? Em nada, absolutamente nada. Ao contrário, estreitando
o princípio da simetria, que é construção jurisprudencial, dar-se-á mais
sentido e força à federação brasileira, forma de estado escolhida pelo constituinte
desde a Proclamação da República.
No
mesmo diapasão, mencione-se o entendimento perfilhado pela em. Min.ª CÁRMEN
LÚCIA:
Então, na verdade, o princípio
da simetria não pode coagir, em qualquer momento, o que está posto no artigo 18
da Constituição, que dá cumprimento ao artigo 1º no sentido de que a União, os
Estados, Distrito Federal e municípios, todos autônomos, ou seja, todos dotados
de competência exclusiva.
(...)
Aqui, estamos diante de um caso
de processo legislativo e processo é regra, não é princípio. Processo é modo.
Portanto, não vejo como os constituintes estaduais não poderem tratar
diferentemente no sentido da adoção dessa específica matéria.
Fiz um levantamento inclusive na
doutrina de Raul Machado Horta, que foi quem mais tratou do assunto da
federação, até o Professor José Afonso da Silva, por exemplo, e todos se
encaminham exatamente, especificamente para dizer que processo legislativo não
sendo princípio não quebra simetria, porque a simetria se fixa pelos
princípios, em que pesem os precedentes deste Supremo Tribunal Federal.
Por todo o exposto, renovadas as
vênias à em. Relatora e aos demais ems. integrantes
da Turma Julgadora que a acompanharam, julgo improcedente a representação.
Súmula -
JULGARAM PROCEDENTE, POR MAIORIA. ABSTIVERAM-SE DE VOTAR OS DES. SILAS VIEIRA E
OLIVEIRA FIRMO.
BOCO9268—WIN/INTER
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