PARECER NORMATIVO 4,
DE 10 DE DEZEMBRO DE 2018, SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL - MEF 33663
- AD
Normas Gerais de Direito
Tributário. Responsabilidade Tributária. Solidariedade. Art. 124, I, Ctn. Interesse Comum. Ato Vinculado Ao Fato Jurídico
Tributário. Ato Ilícito. Grupo Econômico Irregular. Evasão e Simulação Fiscal.
Atos que Configuram Crimes. Planejamento Tributário Abusivo. Não Oposição ao
Fisco de Personalidade Jurídica Apenas Formal. Possibilidade.
A responsabilidade tributária
solidária a que se refere o inciso I do art. 124 do CTN decorre de interesse
comum da pessoa responsabilizada na situação vinculada ao fato jurídico
tributário, que pode ser tanto o ato lícito que gerou a obrigação tributária
como o ilícito que a desfigurou.
A responsabilidade solidária
por interesse comum decorrente de ato ilícito demanda que a pessoa a ser
responsabilizada tenha vínculo com o ato e com a pessoa do contribuinte ou do
responsável por substituição. Deve-se comprovar o nexo causal em sua
participação comissiva ou omissiva, mas consciente, na configuração do ato
ilícito com o resultado prejudicial ao Fisco dele advindo.
São atos ilícitos que ensejam
a responsabilidade solidária: (i) abuso da personalidade jurídica em que se
desrespeita a autonomia patrimonial e operacional das pessoas jurídicas
mediante direção única ("grupo econômico irregular"); (ii) evasão e
simulação e demais atos deles decorrentes; (iii) abuso de personalidade
jurídica pela sua utilização para operações realizadas com o intuito de
acarretar a supressão ou a redução de tributos mediante manipulação artificial
do fato gerador (planejamento tributário abusivo).
O grupo econômico irregular
decorre da unidade de direção e de operação das atividades empresariais de mais
de uma pessoa jurídica, o que demonstra a artificialidade da separação jurídica
de personalidade; esse grupo irregular realiza indiretamente o fato gerador dos
respectivos tributos e, portanto, seus integrantes possuem interesse comum para
serem responsabilizados. Contudo, não é a caracterização em si do grupo
econômico que enseja a responsabilização solidária, mas sim o abuso da
personalidade jurídica.
Os atos de evasão e simulação
que acarretam sanção, não só na esfera administrativa (como multas), mas também
na penal, são passíveis de responsabilização solidária, notadamente quando
configuram crimes.
Atrai a responsabilidade
solidária a configuração do planejamento tributário abusivo na medida em que os
atos jurídicos complexos não possuem essência condizente com a forma para
supressão ou redução do tributo que seria devido na operação real, mediante abuso
da personalidade jurídica.
Restando comprovado o
interesse comum em determinado fato jurídico tributário, incluído o ilícito, a
não oposição ao Fisco da personalidade jurídica existente apenas formalmente
pode se dar nas modalidades direta, inversa e expansiva. Dispositivos Legais:
art. 145, § 1º, da CF; arts. 110, 121, 123 e 124, I,
do CTN; arts. 71 a 73 da Lei nº 4.502, de 30 de
novembro de 1964; Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976; arts.
60 e 61 do Decreto-Lei nº 1.598. de 26 de dezembro de 1977; art. 61 da Lei nº
8.981, de 1995; arts. 167 e 421 do Código Civil. e-processo 10030.000884/0518-42
Relatório
Edita-se o presente Parecer
Normativo, nos termos dos incisos III e XXV do art. 327 da Portaria MF nº 430,
de 9 de outubro de 2017, e inciso III do art. 6º da Portaria RFB nº 2217, de 19
de dezembro de 2014, para solucionar a Consulta Interna nº 2, de 29 de junho de
2018, apresentada pela Coordenação-Geral de Fiscalização (Cofis).
Ela decorre das discussões travadas no âmbito do Grupo de Estudos Temáticos
(GET) a que se refere a Portaria RFB nº 3.157, de 13 de novembro de 2017, sobre
o tema "responsabilidade tributária".
2. A consulente informa que
se trata da "possibilidade de atribuição de responsabilidade ao terceiro
que praticou atos ilícitos em conjunto com o contribuinte, com fundamento no
art. 124, I, do Código Tributário Nacional (CTN)." Especificando um pouco
mais a consulta, cita a situação da prática de atos ilícitos por terceiros que
concorrem para a ocorrência da sonegação de tributos.
3. É relatado que "o
art. 124, I, do Código Tributário Nacional, tem sido utilizado nos lançamentos,
em regra, como norma autônoma e suficiente para atribuir responsabilidade
tributária nas seguintes situações: i) grupos econômicos; ii) sociedades em
comum; iii) casos em que houve fraude ou conluio".
4. Reconhece, no entanto, a
falta de uniformidade na interpretação do referido dispositivo, não obstante a
existência, segundo ela, de "recentes decisões (judiciais) reconhecendo a
aplicação do art. 124, I do CTN nas situações envolvendo confusão patrimonial,
interposição de pessoas físicas e jurídicas, fraudes, indícios da prática de
atos e negócios jurídicos que propiciem o esvaziamento patrimonial em
detrimento dos interesses fazendários".
5. A consulente entende ser
possível a responsabilização pelo art. 124, I, do CTN a terceiro que tenha
praticado atos ilícitos, citando jurisprudência do Conselho Administrativo de
Recursos Fiscais (CARF), desde que esteja cabalmente comprovada a concorrência
para a prática do ato ilícitos, nos seguintes termos:
Por fim, é importante frisar
que a construção de um robusto conjunto probatório é ponto de partida
fundamental para a configuração do interesse comum. Isto porque, de acordo com
a doutrina aqui citada, a responsabilidade prevista no art. 124, I, é uma
solidariedade de fato. Assim, a Fiscalização deve discriminar de maneira
detalhada a conduta de cada participante e demonstrar a prática de atos
ilícitos em conjunto com vistas à evasão fiscal.
6.Ao cabo, formula os
seguintes questionamentos:
37.1. O art. 124 do CTN
admite a responsabilização solidária por débitos tributários entre componentes
do mesmo grupo econômico quando restar comprovada a existência de liame
inequívoco entre as atividades desempenhadas por seus integrantes mediante comprovação
de confusão patrimonial ou de outro ato ilícito contrário às regras
societárias?
37.2. O art. 124, I, é
hipótese de responsabilidade capaz de atrair a sujeição passiva de terceiros
que tenham praticado atos ilícitos tributários em conjunto com o contribuinte
ou com o substituto tributário?
37.3. Em caso afirmativo, tem
interesse comum na situação que constitui o fato gerador da obrigação principal
a pessoa que por seus atos ou omissões concorre para a prática de infração à
legislação tributária?
Fundamentos
Notas Introdutórias
7. A sujeição passiva
decorrente de responsabilidade tributária (inciso II do parágrafo único do art.
121 do CTN) é tema sensível no ordenamento jurídico tributário. Sua regulação
no CTN não foi precisa. Atualmente, a responsabilização tributária ocorre em
regra, mas não necessariamente, em dois momentos: no lançamento tributário ou
no redirecionamento da execução fiscal. Na primeira, a atuação é efetuada, em
âmbito federal, pelo Auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil. É
fundamental, assim, que no âmbito da administração tributária federal haja
uniformidade nesta seara, em prol do princípio da segurança jurídica.
8. A relação material da
obrigação tributária é distinta da relação de responsabilização tributária a
terceiro: a primeira decorre da incidência da regra-matriz
de incidência tributária ao fato lícito e a segunda decorre da incidência da regra-matriz de responsabilidade tributária a um fato,
muitas vezes ilícito (não obstante na substituição tributária a responsabilização
já ocorrer automaticamente com o fato jurídico tributário).
9. A consulta que originou o
presente Parecer Normativo trata da responsabilidade tributária a que se refere
o art. 124, I, do CTN, a seguir transcrito:
Artigo 124. São solidariamente
obrigadas:
I - as pessoas que tenham
interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação
principal;
II - as pessoas expressamente
designadas por lei.
Parágrafo único. A
solidariedade referida neste artigo não comporta benefício de ordem.
(grifou-se)
9.1. Primeiro, deve-se
esclarecer que o disposto no inciso I do art. 124 do CTN é forma de
responsabilização tributária autônoma desde que haja interesse comum na
situação que constitua o fato gerador da obrigação principal, conforme explica
Marcos Vinicius Neder:
Cumpre observar, nesse passo,
que a norma de solidariedade albergada pelo art. 124 do CTN é uma espécie de
responsabilidade tributária, apesar de o dispositivo legal estar localizado
topograficamente entre as normas gerais previstas no capítulo de Sujeição
Passiva e, por conseguinte, fora do capítulo específico que regula a
responsabilidade tributária. Decerto a organização dos dispositivos acerca da
responsabilidade no Código segue uma orientação lógica, mas as reflexões sobre
tal conjunto normativo devem considerar princípios constitucionais que atuam,
especificamente, sobre o tema, como o da capacidade contributiva e da vedação
ao confisco. (1)
9.2. Esse posicionamento é
compartilhado por Araújo, Conrado e Vergueiro, para quem:
Assim, fixamos o entendimento
de que, no caso do inciso I (refere-se ao art. 124), o próprio CTN é o
instrumento legislativo que estabelece que, em havendo interesse comum na
situação que constitua o fato jurídico tributário, é possível que o crédito
tributário seja exigido de forma solidária. Portanto, ele próprio atende o
princípio da legalidade em matéria de responsabilidade tributária. (2)
9.3. É ainda o entendimento de
Rubens Gomes de Souza, que incluiu expressamente a solidariedade como hipótese
de responsabilidade por transferência:
TRANSFERÊNCIA: Ocorre quando
a obrigação tributária depois de ter surgido contra um a pessoa determinada
(que seria o sujeito passivo direto), entretanto em virtude de um fato
posterior transfere-se para outra pessoa diferente (que será o sujeito passivo
indireto). As hipóteses de transferência, como dissemos, são três:
a) SOLIDARIEDADE: é a
hipótese em que as duas ou mais pessoas sejam simultaneamente obrigadas pela
mesma obrigação. (...) (3)
10. Cabe observar que a
responsabilização tributária pelo inciso I do art. 124 do CTN (doravante
simplesmente denominada "responsabilidade solidária") não pode se dar
de forma indiscriminada, sem uma delimitação clara do seu alcance. Ela não se
confunde com a responsabilidade tributária de que trata o art. 135 do CTN, não
obstante em algumas situações poderem estar presentes os elementos de ambas as
responsabilidades. Seu signo distintivo é o interesse comum, e é por ele que a
presente análise se inicia.
Sobre o Interesse Comum
11. A terminologia
"interesse comum" é juridicamente indeterminada. A sua delimitação é
o principal desafio deste Parecer Normativo. Ao analisá-la, normalmente a
doutrina e a jurisprudência dispõem que esse interesse comum é jurídico, e não
apenas econômico.
11.1. O interesse econômico
aparentemente seria no sentido de que bastaria um proveito econômico para
ensejar a aplicação do disposto no inciso I do art. 124 do CTN.
11.2. O interesse jurídico,
por sua vez, se daria pelo vínculo jurídico entre as partes para a realização
em conjunto do fato gerador. Para tanto, as pessoas deveriam estar do mesmo
lado da relação jurídica, não podendo estar em lados contrapostos (como comprador
e vendedor, por exemplo).
11.3. Ambas as construções
doutrinárias são falhas e não devem ser aplicadas no âmbito da RFB, pois
tenta-se interpretar um conceito indeterminado com outro conceito
indeterminado.
12. Como norma geral à
responsabilidade tributária, o responsável deve ter vínculo com o fato gerador
ou com o sujeito passivo que o praticou. Segundo Ferragut:
O legislador é livre para
eleger qualquer pessoa como responsável, dentre aqueles pertencentes ao
conjunto de indivíduos que estejam (i) indiretamente vinculadas ao fato
jurídico tributário ou (ii) direta ou indiretamente vinculadas ao sujeito que o
praticou. Esses limites fundamentam-se na Constituição e são aplicáveis com a
finalidade de assegurar que a cobrança de tributo não seja confiscatória e
atenda à capacidade contributiva, pois, se qualquer pessoa pudesse ser obrigada
a pagar tributos por conta de fatos praticados por outras, com quem não
detivessem qualquer espécie de vínculo (com a pessoa ou com o fato), o tributo
teria grandes chances de se tornar confiscatório, já que poderia incidir sobre
o patrimônio do obrigado, e não sobre a manifestação de riqueza ínsita ao fato
constitucionalmente previsto. Se o vínculo existir, torna-se possível a
recuperação e a preservação do direito de propriedade e do não-confisco.(4)
12.1. Exemplificando: na
responsabilidade por substituição tributária, o vínculo deve ser com o fato
tributário, quando é própria, ou com a pessoa, quando atua como agente de
retenção, não obstante na maioria dos casos conter ambos os vínculos. Já na
responsabilização cujo antecedente é um ato ilícito, o vínculo com a pessoa
está sempre presente, como se vê na lista das que podem ser responsabilizadas
pelos arts. 134 e 135 do CTN.
13. Voltando-se à
responsabilidade solidária, o interesse comum ocorre no fato ou na relação
jurídica vinculada ao fato gerador do tributo. É responsável solidário tanto
quem atua de forma direta, realizando individual ou conjuntamente com outras
pessoas atos que resultam na situação que constitui o fato gerador, como o que
esteja em relação ativa com o ato, fato ou negócio que deu origem ao fato
jurídico tributário mediante cometimento de atos ilícitos que o manipularam.
Mesmo nesta última hipótese está configurada a situação que constitui o fato
gerador, ainda que de forma indireta.
14. Para se chegar a essa
conclusão, deve-se levar em conta que a interpretação do inciso I do art. 124
do CTN não pode estar dissociada do princípio da capacidade contributiva
contida no § 1º do art. 145 da Constituição Federal (CF), o qual deve ser
aplicado pelo seu duplo aspecto: (i) substantivo, em que a graduação do caráter
pessoal do imposto ocorre "segundo a capacidade econômica"; (ii)
adjetivo, na medida em que é facultado à administração tributária "identificar
o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte".
14.1. Ora, não se pode
cogitar que o Fisco, identificando a verdadeira essência do fato jurídico no
mundo fenomênico, não responsabilizasse quem tentasse ocultá-lo ou manipulá-lo
para escapar de suas obrigações fiscais.
14.2. Na linha aqui adotada,
ocorrendo atuação conjunta de diversas pessoas relacionadas a ato, a fato ou a
negócio jurídico vinculado a um dos aspectos da regra-matriz
de incidência tributária (principalmente mediante atuação ilícita), está
presente o interesse comum a ensejar a responsabilização tributária solidária,
conforme preconizado por Araújo, Conrado e Vergueiro:
Por esse entendimento,
haveria uma extensão da interpretação a ser dada ao interesse comum, tomando
como presente se houver a realização conjunta do fato jurídico tributário ou na
hipótese de comprovação da atuação com fraude ou conluio.
(...)
Sem prejuízo dessas
colocações, é preciso admitir: como a expressão "interesse comum" é,
em si, vaga (e, por conseguinte, abrangente), seria possível entendê-la a
partir de outros critérios - como os que governam, nos termos do art. 50 do
Código Civil, a desconsideração da personalidade jurídica; "interesse
comum", nesse contexto, poderia decorrer (i) da "identidade de
controle na condução dos negócios" (definido pela identidade do corpo
diretivo de empresas envolvidas em situação de afirmado "grupo de
fato"), (ii) da "confusão patrimonial" (outro elemento de
referência comum nos casos de grupo de fato) e (iii) da detecção de eventual
fraude (derivada, por exemplo, da ocultação ou da simulação de negócios
jurídicos).(5)
15.Apesar de neste parecer
concordar-se com a linha da consulente no sentido de ser possível a
responsabilização pelo inciso I do art. 124 do CTN para situação de ilícitos,
em geral, ele não implica que qualquer pessoa possa ser responsabilizada. Esta
deve ter vínculo com o ilícito e com a pessoa do contribuinte ou do responsável
por substituição, comprovando-se o nexo causal em sua participação comissiva ou
omissiva, mas consciente, na configuração do ato ilícito com o resultado
prejudicial ao Fisco dele advindo.
16. Não é qualquer interesse
comum que pode ensejar a aplicação do disposto no inciso I do art. 124 do CTN.
O interesse deve ser no fato ou na relação jurídica relacionada ao fato
jurídico tributário, como visto acima. Assim, o mero interesse econômico, sem
comprovação do vínculo com o fato jurídico tributário (incluídos os atos
ilícitos a ele vinculados) não pode caracterizar a responsabilização solidária,
não obstante ser indício da concorrência do interesse comum daquela pessoa no
cometimento do ilícito. Transcreve-se elucidativo trecho de julgado do CARF:
O interesse comum de que
trata o artigo 124, inciso I, do CTN é sempre jurídico, não devendo ser
confundido com "interesse econômico", "sanção", "meio
de justiça" etc.
O interesse econômico,
reconhecemos, até pode servir de indício para a caracterização de interesse
comum, mas, isoladamente considerado, não constitui prova suficiente para
aplicar a solidariedade. E também não é suficiente que a pessoa tenha tido
participação furtiva como interveniente num negócio jurídico, ou mesmo que seja
sócio ou administrador da empresa contribuinte, para que a solidariedade seja
validamente estabelecida.
Pelo contrário, a comprovação
de que o sujeito tido por solidário teve interesse jurídico, o que se faz com a
demonstração cabal da relação direta e pessoal dele com a prática do ato ou
atos que deram azo à relação jurídico tributária, é requisito fundamental para
fins de aplicação de responsabilidade solidária.(6)
17. Ao caracterizar o
interesse comum como sendo aquele relacionado com algum vínculo ao fato
jurídico tributário, pode-se criar a falsa impressão de que neste parecer se
alinharia à tese de que o interesse comum seria o que se denominou interesse
jurídico, o que não é verdade.
17.1. Em muitas situações,
mormente quando se está diante de cometimento de atos ilícitos, estes se
configuram na medida em que a essência do verdadeiro fato jurídico esteve
artificialmente escondida ou manipulada por determinadas pessoas. Não haveria,
assim, propriamente um vínculo jurídico formalizado. Há, isso sim, um vínculo
que se torna jurídico, ao menos em âmbito tributário, no momento em que há a
imputação de responsabilidade.
17.2. É por isso, ainda, que
se é bastante crítico à tese de que o interesse comum seria um interesse
jurídico, consubstanciado no fato de as pessoas constituírem do mesmo lado de
uma relação jurídica (ambos compradores ou vendedores, por exemplo), não
podendo estar em lados contrapostos. Isso seria verdade numa situação normal,
ou seja, na ocorrência de um negócio jurídico lícito, cuja forma representa
fielmente a sua essência. A partir do momento em que essas partes se reúnem
para cometimento de ilícito, é evidente que elas não estão mais em lado
contrapostos, mas sim em cooperação para afetar o Fisco numa segunda relação
paralela àquela constante do negócio jurídico.
18. Na linha até aqui
desenvolvida, deve-se ter o cuidado de avaliar qual ilícito pode ensejar a
responsabilização solidária, pois ele deve repercutir em âmbito tributário.
Conforme Andréa Darzé:
No que se refere à
responsabilidade tributária, o que se nota é que não é qualquer ilícito que
poderá ensejar a atribuição de sanção dessa natureza; deve ser fato que
representa obstáculo à positivação da regra-matriz de
incidência, nos termos inicialmente fixados. Descumprido dever que, direta ou
indiretamente, dificulte ou impeça a arrecadação de tributos, irrompe uma
relação jurídica de caráter sancionatório,
consubstanciada na própria imputação da obrigação que inclui no seu objeto o
valor do tributo. Com isso, o ordenamento positivo pune o infrator e
desestimula a prática de atos dessa natureza. (7)
19. Destarte, além do
cometimento em conjunto do fato jurídico tributário, pode ensejar a
responsabilização solidária a prática de atos ilícitos que englobam: (i) abuso
da personalidade jurídica em que se desrespeita a autonomia patrimonial e
operacional das pessoas jurídicas mediante direção única ("grupo econômico
irregular"); (ii) evasão e simulação fiscal e demais atos deles decorrentes,
notadamente quando se configuram crimes; (iii) abuso de personalidade jurídica
pela sua utilização para operações realizadas com o intuito de acarretar a
supressão ou a redução de tributos mediante manipulação artificial do fato
gerador (planejamento tributário abusivo).
Grupo Econômico Irregular
20. O primeiro questionamento
da consulta interna que ensejou o presente Parecer Normativo foi: "o art.
124, do CTN, admite a responsabilização solidária por débitos tributários entre
componentes do mesmo grupo econômico quando restar comprovada a existência de
liame inequívoco entre as atividades desempenhadas por seus integrantes
mediante comprovação de confusão patrimonial ou de outro ato ilícito contrário
às regras societárias?".
20.1. Na jurisprudência e na
doutrina, a hipótese mais tratada para a responsabilização solidária é para o
que se denominou "grupo econômico", especificamente quando há abuso
da personalidade jurídica em que se desrespeita a autonomia patrimonial e
operacional das pessoas jurídicas mediante direção única.
20.2. Todavia, a terminologia
"grupo econômico" deve ser lida com cuidado, pois é plurívoca. O seu conceito não pode ser dado de forma
aleatória, genérica, para qualquer situação. É a regra-matriz
específica que determina o antecedente jurídico que gera uma sanção como
consequente jurídico. Pode ocorrer de em uma determinada situação os requisitos
para a configuração do que se denomina "grupo econômico" sejam mais
restritos, ou mesmo distintos, do que em outra.
21. Já se adianta que os
grupos econômicos formados de acordo com os Capítulos XX e XXI da Lei nº 6.404,
de 15 de dezembro de 1976, em que há pleno respeito à personalidade jurídica de
seus integrantes (mantendo-se a autonomia patrimonial e operacional de cada um
deles), não podem sofrer a responsabilização solidária, salvo cometimento em
conjunto do próprio fato gerador. Vide o seguinte julgado do STJ:
PROCESSUAL CIVIL E
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC CONFIGURADA.
VIOLAÇÃO DOS ARTS. 124 E 174 CTN. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. GRUPO ECONÔMICO.
CONFUSÃO PATRIMONIAL. PRESCRIÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 7 DO STJ. 1. Os
Embargos de Declaração merecem prosperar, uma vez que presentes um dos vícios
listados no art. 535 do CPC. Na hipótese dos autos, o acórdão embargado não
analisou a tese apresentada pela ora embargante. Dessa forma, presente o vício
da omissão. 2. No caso dos autos, o Tribunal de origem assentou que: não merece
reproche a conclusão do juízo a quo no que tange à
responsabilização solidária de pessoas físicas (por meio da desconsideração da
personalidade jurídica) e jurídicas integrantes do mesmo grupo econômico de
empresas devedoras, quando existe separação societária apenas formal e pessoas
jurídicas do grupo são usadas para blindar o patrimônio dos sócios em comum,
como é o caso das excipientes, e de outras empresas do grupo." 3. O
Superior Tribunal de Justiça entende que a responsabilidade solidária do art.
124 do CTN não decorre exclusivamente da demonstração da formação de grupo
econômico, mas demanda a comprovação de práticas comuns, prática conjunta do
fato gerador ou, ainda, quando há confusão patrimonial. 4. O Tribunal ordinário
entendeu pela responsabilidade solidária da empresa não pela simples
circunstância de a sociedade pertencer ao mesmo grupo econômico do sujeito
passivo originário. Antes, reconheceu a existência de confusão patrimonial,
considerando haver entre as sociedades evidente identidade de endereços de sede
e filiais, objeto social, denominação social, quadro societário, contador e
contabilidade. 5. As questões foram decididas com base no suporte fático-probatório
dos autos, de modo que a conclusão em forma diversa é inviável no âmbito do
Recurso Especial, ante o óbice da Súmula 7 do STJ. 6. Embargos de Declaração
acolhidos com efeitos integrativos. (grifou-se) (8)
22. Desta feita, não é a
caracterização em si do grupo econômico que enseja a responsabilização
solidária, mas sim o abuso da personalidade jurídica de pessoa jurídica, a qual
existe apenas formalmente, uma vez que inexiste autonomia patrimonial e
operacional. Nesta hipótese, a divisão de uma empresa em diversas pessoas
jurídicas é fictícia. A direção e/ou operacionalização de todas as pessoas
jurídicas é única. O que se verifica nesta hipótese é a existência de um grupo
econômico irregular, terminologia a ser utilizada no presente Parecer Normativo.
23. Pelo art. 123 do CTN,
"as convenções particulares, relativas à responsabilidade pelo pagamento
de tributos, não podem ser opostas à Fazenda Pública, para modificar a
definição legal do sujeito passivo das obrigações tributárias correspondentes."
O seu objetivo é exatamente impedir que uma convenção particular possa alterar
um aspecto da regra-matriz de incidência tributária
ou de responsabilidade tributária. Vale dizer, contratos ou estatutos sociais
que não refletem a essência dos negócios não podem ser óbice à
responsabilização tributária solidária.
23.1. A unidade de direção e
de operação das atividades empresariais de mais de uma pessoa jurídica
demonstra a artificialidade da existência de distintas personalidades
jurídicas. E é essa empresa real, unificada, que realiza o fato gerador dos
respectivos tributos.
23.2. Mesmo parcela da
doutrina reticente com a possibilidade de responsabilização solidária do grupo
econômico legítimo reconhece sua possibilidade quando ocorre a hipótese ora tratada.
Segundo Betina Grupenmacher:
Acreditamos ser irrelevante
que o grupo econômico tenha sido juridicamente constituído, ou que a sua
existência seja apenas factual, o que é relevante é o propósito para o qual se
deu a criação de estrutura tendente a prática de atos de cooperação
empresariais. Certamente em havendo confusão patrimonial, fraudes comprovadas,
abuso de direito e má-fé com prejuízo a terceiros - credores privados ou
públicos -, neste caso sim poder-se-á admitir a existência de planejamento tributário
ilícito, impondo-se a solidariedade quanto à responsabilidade pelo recolhimento
do tributo.(9) (grifou-se)
24. Por fim, uma variável
para a criação do grupo irregular é a corriqueira situação de confusão
patrimonial com o intuito de fraude a credores, principalmente à Fazenda
Nacional. Seu objetivo é não só a manipulação da ocorrência dos fatos geradores
futuros, mas também ocultar os reais sócios do empreendimento e/ou esvaziar o
patrimônio referente ao passivo tributário. Como o ilícito tributário não
precisa ser diretamente o cometimento do fato jurídico, mas sim a ele
vinculado, trata-se de hipótese de existência de grupo a ensejar a
responsabilização solidária de seus integrantes, conforme já decidido pelo STJ:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO.
OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC NÃO CONFIGURADA. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DA
PRETENSÃO DE REDIRECIONAMENTO. INOCORRÊNCIA. GRUPO ECONÔMICO DE FATO E CONFUSÃO
EMPRESARIAL EM FRAUDE AO FISCO. CONFIGURAÇÃO. ABUSO DE PERSONALIDADE. PESSOAS
JURÍDICAS QUE PERTENCEM AO MESMO GRUPO. EXISTÊNCIA DE CONGLOMERADO FINANCEIRO.
REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ.
VIOLAÇÃO DOS ARTS. 124, 128 E 174 DO CTN E 50 DO CC. NÃO OCORRÊNCIA. FUNDAMENTO
NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF.
1. A solução integral da
controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 1.022
do CPC/2015.2. O Tribunal de origem, soberano na análise das circunstâncias
fáticas e probatórias da causa, concluiu que as empresas e pessoas físicas envolvidas
no caso constituem uma única sociedade de fato, submetida a uma mesma cadeia de
comando, além da ocorrência de confusão patrimonial com o objetivo de fraudar o
Fisco. Rever tais entendimentos, que estão atrelados aos aspectos
fático-probatórios da causa, é inviável em Recurso Especial, tendo em vista a
circunstância obstativa decorrente do disposto na Súmula 7/STJ.3. A existência
de fundamento do acórdão recorrido não impugnado - quando suficiente para a
manutenção de suas conclusões - impede a apreciação do Recurso Especial.
Aplicação, por analogia, da Súmula 283/STF.(10)
25. Nessa toada, há que se
ter a comprovação pela fiscalização da existência de grupo irregular, que,
repita-se, não se confunde com o grupo econômico de fato legítimo. Deve-se comprovar
o cometimento do ilícito societário, mesmo que por prova indireta ou
indiciária, pois mero interesse econômico no lucro não é passível de
responsabilização solidária. Não obstante, cabe observar que a distribuição
disfarçada de lucros a que se referem os arts. 60 e
61 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26 de dezembro de 1977 (11), denota a existência
de abuso de personalidade jurídica a caracterizar grupo econômico irregular.
Cometimento de Ilícito Tributário Doloso
Vinculado Ao Fato Gerador. Evasão Fiscal. Atos Que Configuram Crimes.
26. Preliminarmente,
esclareça-se um fato: não é qualquer ilícito que pode ensejar a
responsabilidade solidária. Ela deve conter um elemento doloso a fim de
manipular o fato vinculado ao fato jurídico tributário (vide item 13.1), uma
vez que o interesse comum na situação que constitua o fato gerador surge
exatamente na participação ativa e consciente de ilícito com esse objetivo(12).
Há, portanto, em seu antecedente a ocorrência do ato ilícito, que
necessariamente implica também a comprovação de vínculo entre todos os sujeitos
passivos solidários.
26.1. O elemento doloso, por
sua vez, constitui-se na vontade consciente de realizar o elemento do tipo
ilícito. Seria a fraude, no sentido latu da palavra.
26.2. Como exaustivamente
visto no presente parecer, o mero interesse econômico não pode ensejar a
responsabilização solidária. Do mesmo modo, há que estar presente vínculo não
só com o fato, mas também com o contribuinte ou com o responsável por
substituição (vide item 15). Mera assessoria ou consultoria técnica, assim, não
tem o condão de imputar a responsabilidade solidária, salvo na hipótese de
cometimento doloso, comissivo ou omissivo, mas consciente, do ato ilícito.
27. Não é o objetivo do
presente Parecer Normativo proceder a um conceito fechado dos ilícitos
tributários a ensejar a responsabilização solidária nem citá-los de forma
exaustiva. A sua configuração demanda análise criteriosa no caso concreto.
Entretanto, pode-se dizer que os ilícitos tributários que acarretam uma sanção,
não só na esfera administrativa (como multas), mas também na penal, são
ilícitos passíveis de responsabilização solidária. Por isso algumas ilicitudes
na seara tributária podem ser citadas para fins de responsabilização solidária.
27.1. Casos típicos de
ilícitos tributários são as condutas de sonegação, fraude (strictu
sensu) e conluio contidas nos arts.
71 a 73 da Lei nº 4.502, de 30 de novembro de 1964:
Artigo 71. Sonegação é tôda ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar,
total ou parcialmente, o conhecimento por parte da autoridade fazendária:
I - da ocorrência do fato
gerador da obrigação tributária principal, sua natureza ou circunstâncias
materiais;
II - das condições pessoais
de contribuinte, suscetíveis de afetar a obrigação tributária principal ou o
crédito tributário correspondente.
Art. 72.
Fraude é tôda
ação ou omissão dolosa tendente a impedir ou retardar, total ou parcialmente, a
ocorrência do fato gerador da obrigação tributária principal, ou a excluir ou
modificar as suas características essenciais, de modo a reduzir o montante do impôsto devido a evitar ou diferir o seu pagamento.
Art. 73.
Conluio é o ajuste doloso
entre duas ou mais pessoas naturais ou jurídicas, visando qualquer dos efeitos
referidos nos arts. 71 e 72.
27.2. Apesar de a sonegação e
a fraude (no sentido strictu sensu
de que trata o art. 72 da Lei nº 4.502, de 1964) englobarem, em regra, a
simulação, esta tem um espectro de incidência mais abrangente. Se o conceito de
sonegação fiscal está ligada diretamente ao lançamento, a simulação pode
ocorrer em outras hipóteses, como no reconhecimento de direito creditório,
desde que presentes os seus elementos caracterizadores, consoante art. 167 do
Código Civil:
Artigo 167. É nulo o negócio
jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na
substância e na forma.
§ 1º. Haverá simulação nos
negócios jurídicos quando:
I - aparentarem conferir ou
transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem,
ou transmitem;
II - contiverem declaração,
confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
III - os instrumentos
particulares forem antedatados, ou pós-datados.
§ 2º. Ressalvam-se os
direitos de terceiros de boa-fé em face dos contraentes do negócio jurídico
simulado.
27.3. Diversas condutas
criminosas, cuja repercussão no âmbito tributário decorre do próprio elemento
doloso da conduta, podem ensejar a responsabilização solidária por cometimento
de atos ilícitos, quais sejam: (i) contra a ordem tributária, definidos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990
(13); (ii) contra a Previdência Social, definidos nos arts.
168-A e 337-A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código
Penal)(14); (iii) de contrabando e descaminho, definidos nos arts. 334 e 334-A do Código Penal. Não é à toa que a
constatação desses fatos enseja representação fiscal para fins penais.
27.4. Do mesmo modo, outras
condutas criminosas com repercussão em âmbito tributário podem ensejar a
responsabilização solidária, tais como: falsidade de títulos, papéis e
documentos públicos; "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e
valores definidos no art. 1º da Lei nº 9.613, de 3 de março de 1998; os contra
a Administração Pública Federal, em detrimento da Fazenda Nacional e contra
administração pública estrangeira. Contudo, ao contrário dos crimes
relacionados no item supra, para esses a fiscalização deve trazer elementos comprobatórios
contendo o nexo causal entre a conduta delituosa e a sua repercussão no âmbito
tributário.
27.5. Outro exemplo é a
ocorrência da hipótese a que se refere o art. 61 da Lei nº 8.981, de 1995(15),
cujo fato gerador demanda pagamento a beneficiário não identificado ou sem
causa. Caso a sua ocorrência surja em decorrência de cometimento de ilícito
tributário, há claro interesse comum da pessoa que efetua o pagamento
(substituto tributário), de quem recebe (contribuinte) e, de quem,
eventualmente, intermedeie a operação (conluio).
27.6. As situações trazidas à
baila são exemplificativas, mas todas passíveis de responsabilização solidária,
a depender da comprovação do elemento doloso no caso concreto. Colaciona-se
julgado do CARF que está alinhado, regra geral, com o aqui disposto:
TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO
POR HOMOLOGAÇÃO. AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO E DE PAGAMENTO. LANÇAMENTO DIRETO.
DECADÊNCIA. TERMO INICIAL. ART. 173, INCISO I, DO CTN.
Em se tratando de tributo
sujeito a lançamento por homologação cujo pagamento não foi antecipado pelo
contribuinte e não tendo havido sequer a apresentação de declarações, deve ser
aplicado o prazo quinquenal estabelecido no art. 173, I, do CTN, por não haver
qualquer atividade a ser homologada.
ARBITRAMENTO DO LUCRO.
IMPRESTABILIDADE DA ESCRITURAÇÃO.
Impõe-se o arbitramento do
lucro quando a escrituração a que estiver obrigado o contribuinte revelar
evidentes indícios de fraudes ou contiver vícios, erros ou deficiências que a
tornem imprestável para identificar a efetiva movimentação financeira,
inclusive bancária.
MULTA QUALIFICADA.
A constatação de interposição
de pessoas e da prática reiterada de atos tendentes a ocultar ou dificultar o
conhecimento e a cobrança dos débitos tributários dá causa à exasperação da multa.
(...)
IMPOSTO SOBRE A RENDA RETIDO
NA FONTE - IRRF - PAGAMENTOS A BENEFICIÁRIOS NÃO IDENTIFICADOS.
Por força de norma legal
expressa, os pagamentos a beneficiários não identificados, ou cuja causa não
reste comprovada, sujeitam-se à tributação exclusivamente na fonte.
(...)
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA.
ART. 124 DO CTN. INTERESSE COMUM.
O artigo 124 do CTN trata de
solidariedade que pode atingir o contribuinte (pessoa que tem relação com o
fato gerador) e o responsável (pessoa assim indicada por lei), a depender da
configuração do interesse comum (inciso I) ou da indicação da expressa previsão
em lei (inciso II). No caso do artigo 124, I, o interesse comum ali referido é
jurídico e não meramente econômico. O interesse jurídico comum deve ser direto,
imediato, na realização do fato gerador que deu ensejo ao lançamento, e resta
configurado quando as pessoas participam em conjunto da prática dos atos
descritos na hipótese de incidência. Essa participação em conjunto pode ocorrer
tanto de forma direta, quando as pessoas efetivamente praticam em conjunto o
fato gerador, quanto indireta, em caso de confusão patrimonial, quando ambas
dele se beneficiam em razão de sonegação, fraude ou conluio. Havendo provas de
omissões na contabilidade e da interposição de pessoas, revelando que o
imputado responsável era na verdade administrador e proprietário de fato da
contribuinte, é de se manter sua responsabilização com base no artigo 124, I,
do CTN. (16)
28. Em suma, deve haver
severa atuação da administração tributária para se coibir a ocorrência de
ilícitos tributários cometidos dolosamente com o objetivo de fraudar o Fisco,
principalmente nas situações exemplificadas no presente Parecer Normativo.
Planejamento tributário
abusivo. Ocorrência da operação antes do fato gerador
29. A responsabilização
solidária pela constatação de planejamento tributário abusivo é uma variável em
relação à do cometimento de ato simulado. Vide julgado do CARF que entende
serem tais operações fruto de simulação:
Simulação - conjunto
probatório - Se o conjunto probatório evidencia que os atos formais praticados
(reorganização societária) divergiam da real intenção subjacente (compra e
venda), caracteriza-se a simulação, cujo elemento principal não é a ocultação
do objetivo real, mas sim a existência de objetivo diverso daquele configurado
pelos atos praticados, seja ele claro ou oculto. (...) Ausência de motivação
extra tributária - O princípio da liberdade de auto-organização, mitigado que
foi pelos princípios constitucionais da isonomia tributária e da capacidade
contributiva, não mais endossa a prática de atos sem motivação negocial, sob o argumento de exercício de planejamento
tributário. (17)
30. Contudo, há a especificidade
de se tratar de atos jurídicos complexos que não possuem essência condizente
com a forma para supressão ou redução do tributo que seria devido na operação
real (abuso de forma). Por tal motivo desenvolve-se esse tema de forma
específica, inclusive pelo fato de que tais operações são normalmente
realizadas antes da ocorrência do fato jurídico tributário.
30.1. O interesse comum resta
caracterizado na medida em que a personalidade jurídica não está em consonância
com as prescrições legais do direito privado, tampouco corresponde ao resultado
econômico desejado. Em verdade, trata-se de atos anormais de gestão, que
atentaram contra o próprio objeto social da sociedade e cujos efeitos não podem
e não devem ser opostos ao Fisco.
30.2. O planejamento
tributário abusivo ora tratado é o que envolve diversas pessoas jurídicas
existentes com o único fito de reduzir ou suprimir tributo. A personalidade
jurídica não cumpre a função social esperada da empresa, conforme arts. 116, parágrafo único (18), e 154 (19) da Lei nº
6.404, de 15 de dezembro de 1976, c/c art. 421 do Código Civil (20). Ora, nem o
objetivo de obter lucro essa pessoa jurídica tem, pois esta apenas serve como
meio para uma economia ilegítima para pagamento de tributo, contrariando o já
mencionado princípio da capacidade contributiva. E daí se verifica a comunhão
do interesse comum de todas elas, as quais não deixam de compor modalidade de
grupo econômico irregular.
31. Utilizando os conceitos
desenvolvidos por Marco Aurélio Greco(21), diversas operações societárias
merecem uma atenção particular, pois podem restar caracterizados abuso de
direito a ensejar um planejamento tributário ilegítimo (22).
32. Como ocorrido em outras
situações, o presente Parecer Normativo não tem por objetivo relacionar, de
forma exaustiva, todas os negócios jurídicos que podem ser considerados
planejamento tributário abusivo, até por depender da sua conformação e
comprovação no caso concreto. Mas citam-se três situações típicas em que se
configura o interesse comum para a responsabilização solidária, as quais podem
estar todas presentes num mesmo planejamento: operações estruturadas em
sequência, as realizadas com uso de sociedades-veículo e as que têm por
objetivo o deslocamento da base tributável.
32.1. As operações
estruturadas em seqüência referem-se àquelas que
contêm etapas em que cada uma, pretensamente isolada, corresponde a um tipo de
ato ou deliberação societária ou negocial encadeado
com a subsequente com o fito de reduzir ou suprimir tributo devido. Cada etapa
dessa cadeia de operações estruturadas só faz sentido caso exista a etapa
anterior e caso seja também deflagrada a operação posterior. Conforme Greco:
Sob esta denominação estão as
step transactions, vale
dizer, aquelas sequências de etapas em que cada uma corresponde a um tipo de
ato ou deliberação societária ou negocial encadeado
com o subseqüente para obter determinado efeito
fiscal mais vantajoso. Neste caso, cada etapa só tem sentido se existir a que
lhe antecede e se for deflagrada a que lhe sucede.
(...)
Na medida em que o conjunto
de operações corresponde apenas a uma pluralidade de meios para atingir um
único fim, a verificação das alterações relevantes deve ser feita não apenas
considerando os momentos anterior e posterior a cada etapa mas, principalmente,
os momentos anterior e posterior ao conjunto de etapas.(23)
32.2. A empresa-veículo (conduit company) é uma pessoa
jurídica intermediária utilizada apenas para servir como canal de passagem de
um patrimônio ou de dinheiro sem que tenha efetivamente outra função dentro do
contexto. Muito comum é a utilização de Sociedade de Propósito Específico para
tanto. Em regra, ela se apresenta na estruturação de operações e em que há a
utilização das mais diversas pessoas jurídicas, em direção única, com o fito de
suprimir ou reduzir tributo devido.
32.3. Já o deslocamento da
base tributária ocorre mediante utilização de pessoas jurídicas distintas com o
propósito de transferir receitas ou despesas entre uma e outra de forma
artificial, sem substrato na realidade das atividades por elas desenvolvidas.
33. Enfim, nessas hipóteses
em que há desproporção entre a forma jurídica adotada e a intenção negocial, com vistas a desfigurar ou manipular o fato
jurídico tributário, está configurado o interesse comum a ensejar a
responsabilização solidária. Cita-se mais um paradigmático julgado do CARF, que
corrobora o aqui exposto:
RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA.
INTERESSE COMUM. ASPECTOS ECONÔMICO E JURÍDICO.
São solidariamente obrigadas
aquelas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da
obrigação principal. Pessoas atuando de maneira concorrente, valendo-se de
construções artificiais e ardilosas para se esquivar de obrigações tributárias,
são atraídas para o pólo passivo da obrigação
tributária, vez que se caracteriza o interesse tanto econômico quanto jurídico,
implicando na solidariedade prevista no art. 124, inciso I do CTN.
(...)
No caso em debate, a fratura
é tão exposta que se mostra suficiente, por si só, a imputação com base no art.
124, inciso I do CTN.
Não se pode ignorar que o
interesse econômico, por si só, não se mostra suficiente para a inclusão no pólo passivo da relação obrigacional tributária. Também há
que restar demonstrado o vínculo jurídico, consubstanciado na atuação em
conjunto, concorrente, que se amolda à hipótese de incidência prevista na norma
tributária.
E a atuação em conjunto pode
se materializar de diversas maneiras, dentre as quais no caso tratado nos
presentes autos, no qual se demonstra claramente que as pessoas físicas
valeram-se de artifícios para se esquivar das obrigações tributárias, com
utilização de estratagemas ardilosos e construções fictícias, (...).
O interesse jurídico resta
caracterizado na medida em que a construção empreendida pelas pessoas físicas
foi em conjunto, concorrente, visando deliberadamente revestir os rendimentos
auferidos de uma imunidade tributária inexistente, e repassar tais recursos aos
reais beneficiários, sócios de diferentes empresas de um mesmo grupo familiar.
Restou comprovada nos autos,
para além de qualquer dúvida, a participação ativa, individual e concatenada
dos responsáveis solidários na prática dos ilícitos tributários. (grifou-se)
(24)
34. Ressalte-se, por fim, que
para a responsabilização solidária há que restar comprovado o abuso da
personalidade jurídica cuja existência é fictícia ou utilizada para uma
sequência de transação com o fito de reduzir ou suprimir tributo. Esse nexo
causal entre a artificialidade da personalidade jurídica e a operação em
conjunta deve estar demonstrado, mesmo que mediante conjunto de provas
indiciárias. Contudo, deve-se estabelecer que a pessoa jurídica ou física
responsabilizada é partícipe direta e consciente da simulação.
Efeitos da não oposição ao
Fisco da personalidade jurídica existente apenas formalmente
35. Após avaliar as situações
que imputam a responsabilidade solidária em relação ao abuso de personalidade
jurídica, deve-se verificar quais pessoas jurídicas podem sofrer tal
consequência tributária, notadamente quando da ocorrência de grupo econômico
irregular.
36. Trata-se de situação
análoga à desconsideração da personalidade jurídica em que a ficção jurídica
consubstanciada numa pessoa distinta dos seus sócios é desfeita. Há a
responsabilização desses pelos atos por eles realizados, principalmente quando
presente o elemento doloso, nos termos do item 15 supra. Existe a sua previsão
legal no art. 50 do Código Civil (CC):
Artigo 50. Em caso de abuso
da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela
confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do
Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de
certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens
particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
36.1. A responsabilização
solidária pode se dar exatamente no abuso de personalidade jurídica, nos moldes
da definição contida no dispositivo legal supra. Isso poderia se fazer chegar à
conclusão, como muitos fizeram, que o Fisco aplica exatamente o art. 50 do CC
para as hipóteses aqui tratadas. Não é a tese aqui aceita.
36.2. Não obstante a
organicidade que se deve conferir ao direito, a responsabilidade tributária não
se confunde com a civil. A primeira tem como objeto o interesse público e deve
ser vista em conjunto com as formalidades ao direito tributário -
principalmente em relação à constituição do crédito tributário-, e os
privilégios legais daí decorrentes.
36.3. Os conceitos contidos
no direito privado podem e devem ser aproveitados no âmbito do direito
tributário, salvo se chocarem com disposição expressa da legislação tributária.
Ressalte-se que o art. 110 do CTN impede à lei tributária de "alterar a
definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito
privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal,
pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou
dos Municípios". Em outras palavras, pode alterar aquela contida em lei
ordinária, como o Código Civil. Não há, assim, que se falar propriamente em
desconsideração da personalidade jurídica.
37. Na hipótese da
responsabilidade tributária, há a aplicação do disposto no art. 123 do CTN,
sendo o mais correto se dizer que a personalidade jurídica existente apenas
formalmente não pode ser oposta ao Fisco, para fins tributários. Todavia, nada
impede que os estudos relacionados à desconsideração da personalidade jurídica
sejam utilizados para o similar caso realizado pelo Fisco, nos termos do
presente Parecer Normativo.
38. Desse modo, utilizando-se
a mais moderna construção relacionada à desconsideração da personalidade
jurídica, pode-se dizer que há três efeitos da não oposição da personalidade
jurídica formal ao Fisco: direta, inversa e expansiva.
38.1. Na direta, ocorre a
clássica hipótese de desconsideração da personalidade para responsabilizar os
seus sócios. Deve-se ressalvar que não obstante a responsabilização solidária
pelo inciso I do art. 124 do CTN não demandar que esse sócio seja
necessariamente administrador, como ocorre com a responsabilização a que se
refere o art. 135 do CTN, exige-se comprovação de sua ativa participação no ato
vinculado ao fato jurídico tributário, incluído o ato ilícito a ele vinculado
(vide item 15).
38.2. Na inversa, imputa-se a
responsabilidade solidária àquela pessoa jurídica por ato cometido por sócio ou
outra sociedade controladora ou coligada. Consta expressamente no ordenamento
jurídico no § 2º do art. 133 do Código de Processo Civil. Ocorre quando a
pessoa jurídica apenas existe para utilização da sua fictícia personalidade por
sócios ou administradores para fins de cometimento de ato vinculado ao fato
gerador, inclusive ilícito. É muito comum para o deslocamento de base
tributável e/ou do patrimônio àquela pessoa jurídica. Segundo o STJ:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL.
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO MONITÓRIA. CONVERSÃO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. COBRANÇA.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRATUAIS. TERCEIROS. COMPROVAÇÃO DA EXISTÊNCIA DA
SOCIEDADE. MEIO DE PROVA. DESCONSIDERAÇÃO INVERSA DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
OCULTAÇÃO DO PATRIMÔNIO DO SÓCIO. INDÍCIOS DO ABUSO DA PERSONALIDADE JURÍDICA.
EXISTÊNCIA. INCIDENTE PROCESSUAL. PROCESSAMENTO. PROVIMENTO.
(...)
3. A personalidade jurídica e
a separação patrimonial dela decorrente são véus que devem proteger o
patrimônio dos sócios ou da sociedade, reciprocamente, na justa medida da
finalidade para a qual a sociedade se propõe a existir.
4. Com a desconsideração
inversa da personalidade jurídica, busca-se impedir a prática de transferência
de bens pelo sócio para a pessoa jurídica sobre a qual detém controle,
afastando-se momentaneamente o manto fictício que separa o sócio da sociedade
para buscar o patrimônio que, embora conste no nome da sociedade, na realidade,
pertence ao sócio fraudador. (...)(25)
38.3. Na expansiva, a
desconsideração não seria apenas para alcançar seus sócios formais, mas também
aqueles ocultos, inclusive por intermédio de outras pessoas jurídicas (numa
junção com a desconsideração inversa). É uma situação que ocorre, em regra, com
os grupos econômicos irregulares. Segundo Denise Lucena:
Nestes casos (grupos
econômicos de fato), a teoria da desconsideração expansiva da personalidade
jurídica é de grande utilidade, uma vez que permite o alcance, não só das
pessoas dos sócios que cometem a infração, mas também de outras empresas de que
eles participem com intuito claro de fraudar o Fisco.(26)
39. Desse modo, restando
cabalmente comprovado o interesse comum em determinado fato jurídico
tributário, incluídos os ilícitos aqui tratados, a não oposição ao Fisco da
personalidade jurídica existente apenas formalmente pode se dar nas modalidades
direta, inversa e expansiva.
Síntese
Conclusiva
40. De todo o exposto,
conclui-se:
a) a responsabilidade
tributária solidária a que se refere o inciso I do art. 124 do CTN decorre de
interesse comum da pessoa responsabilizada na situação vinculada ao fato
jurídico tributário, que pode ser tanto o ato lícito que gerou a obrigação
tributária como o ilícito que a desfigurou;
b.1) a responsabilidade
solidária por interesse comum decorrente de ato ilícito demanda que a pessoa a
ser responsabilizada tenha vínculo com o ato e com a pessoa do contribuinte ou
do responsável por substituição; deve-se comprovar o nexo causal em sua
participação comissiva ou omissiva, mas consciente, na configuração do ato
ilícito com o resultado prejudicial ao Fisco dele advindo;
b.2) o mero interesse
econômico, sem comprovação do vínculo com o fato jurídico tributário (incluídos
os atos ilícitos a ele vinculados) não pode caracterizar a responsabilização
solidária, não obstante ser indício da concorrência do interesse comum daquela
pessoa no cometimento do ilícito;
b.3) são atos ilícitos que
ensejam a responsabilidade solidária: (i) abuso da personalidade jurídica em
que se desrespeita a autonomia patrimonial e operacional das pessoas jurídicas
mediante direção única ("grupo econômico irregular"); (ii) evasão e
simulação e demais atos deles decorrentes; (iii) abuso de personalidade
jurídica pela sua utilização para operações realizadas com o intuito de
acarretar a supressão ou a redução de tributos mediante manipulação artificial
do fato gerador (planejamento tributário abusivo);
c.1) não é a caracterização
em si do grupo econômico que enseja a responsabilização solidária, mas sim o
abuso da personalidade jurídica; os grupos econômicos formados de acordo com os
Capítulos XX e XXI da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, em que há pleno
respeito à personalidade jurídica de seus integrantes (mantendo-se a autonomia
patrimonial e operacional de cada um deles), não podem sofrer a
responsabilização solidária, salvo cometimento em conjunto do próprio fato
gerador
c.2) o grupo econômico
irregular decorre da unidade de direção e de operação das atividades
empresariais de mais de uma pessoa jurídica, a qual demonstra a artificialidade
da separação jurídica de personalidade; esse grupo irregular realiza
indiretamente o fato gerador dos respectivos tributos e, portanto, seus
integrantes possuem interesse comum para serem responsabilizados;
c.3) uma variável para a
criação do grupo irregular é a corriqueira situação de confusão patrimonial com
o intuito de fraude a credores, principalmente a Fazenda Nacional; seu objetivo
é não só a manipulação da ocorrência dos fatos geradores futuros, mas também
ocultar os reais sócios do empreendimento e/ou esvaziar o patrimônio referente
ao passivo tributário;
c.4) deve-se comprovar o
cometimento do ilícito societário, mesmo que por prova indireta ou indiciária,
pois mero interesse econômico no lucro não é passível de responsabilização
solidária; não obstante, cabe observar que a distribuição disfarçada de lucros
a que se referem os arts. 60 e 61 do Decreto-Lei nº
1.598, de 26 de dezembro de 1977, denota a existência de abuso de personalidade
jurídica a caracterizar grupo econômico irregular;
d.1) não é o objetivo do
presente Parecer Normativo proceder a um conceito fechado dos ilícitos
tributários a ensejar a responsabilização solidária nem citá-los de forma
exaustiva; a sua configuração demanda análise criteriosa no caso concreto.
Entretanto, pode-se dizer que os ilícitos tributários que acarretam uma sanção,
não só na esfera administrativa (como multas), mas também na penal, são ilícitos
passíveis de responsabilização solidária;
d.2) os atos de evasão e
simulação que acarretam sanção, não só na esfera administrativa (como multas),
mas também na penal, são passíveis de responsabilização solidária, notadamente
quando configuram crimes; casos típicos de ilícitos tributários são as condutas
de sonegação, fraude (strictu sensu)
e conluio contidas nos arts. 71 a 73 da Lei nº 4.502,
de 30 de novembro de 1964, bem como as condutas criminosas de que tratam os
itens 27.3 e 27.4;
d.3) outro exemplo de
responsabilização solidária é a ocorrência hipótese a que se refere o art. 61
da Lei nº 8.981, de 1995, cujo fato gerador demanda pagamento a beneficiário
não identificado ou sem causa; caso a sua ocorrência surja em decorrência de
cometimento de ilícito tributário, há claro interesse comum da pessoa que
efetua o pagamento (substituto tributário), de quem recebe (contribuinte) e, de
quem, eventualmente, intermedeie a operação (conluio);
e.1) atrai a responsabilidade
solidária a configuração do planejamento tributário abusivo na medida em que os
atos jurídicos complexos não possuem essência condizente com a forma para
supressão ou redução do tributo que seria devido na operação real mediante
abuso da personalidade jurídica;
e.2) o planejamento tributário
abusivo ora tratado é o que envolve diversas pessoas jurídicas existentes com o
único fito de reduzir ou suprimir tributo; a personalidade jurídica não cumpre
a função social esperada da empresa;
e.3) para a responsabilização
solidária há que restar comprovado o abuso da personalidade jurídica cuja
existência é fictícia ou utilizada para uma sequência de transação com o fito
de reduzir ou suprimir tributo; esse nexo causal entre a artificialidade da
personalidade jurídica e a operação conjunta deve estar demonstrado, mesmo que
mediante conjunto de provas indiciárias;
e.4) deve-se estabelecer que
a pessoa jurídica ou física responsabilizada é partícipe direto e consciente da
simulação;
f.1) restando comprovado o
interesse comum em determinado fato jurídico tributário, incluídos os ilícitos
aqui tratados, a não oposição ao Fisco da personalidade jurídica existente
apenas formalmente pode se dar nas modalidades direta, inversa e expansiva;
f.2) na direta, ocorre a
clássica hipótese de desconsideração da personalidade para responsabilizar os
seus sócios; para tanto, exige-se comprovação de sua ativa participação no ato
vinculado ao fato jurídico tributário, incluído o ato ilícito a ele vinculado
(vide item 15);
f.3) na inversa, imputa-se a
responsabilidade solidária àquela pessoa jurídica por ato cometido por sócio ou
outra sociedade controladora ou coligada; ocorre quando a pessoa jurídica
apenas existe para utilização da sua fictícia personalidade por sócios ou
administradores para fins de cometimento de ato vinculado ao fato jurídico
tributário, inclusive ilícito;
f.4) na expansiva, a
desconsideração não seria apenas para alcançar seus sócios formais, mas também
aqueles ocultos, inclusive por intermédio de outras pessoas jurídicas (numa
junção com a desconsideração inversa).
(1) NEDER, Marcos Vinícus. Solidariedade de Direito e de Fato - Reflexões
acerca de seu Conceito in NÉDER, Marcos Vinícius; FARRAGUT, Maria Rita.
Responsabilidade Tributária. São Paulo: Dialética, 2007, p. 32
(2) ARAUJO, Juliana Furtado
Costa; CONRADO, Paulo Cesar; VERGUEIRO, Camila Campos. Responsabilidade
tributária. São Paulo: Revista dos tribunais, 2017, p. 43
(3) SOUZA, Rubens Gomes de.
Compêndio de Legislação Tributária.
(4) FERRAGUT, Maria Rita.
Responsabilidade tributária e o Código Civil de 2002. São Paulo: Noeses, 2013, p. 294
(5) ARAUJO, Juliana Furtado
Costa; CONRADO, Paulo Cesar; VERGUEIRO, Camila Campos. Responsabilidade
tributária. São Paulo: Revista dos tribunais, 2017, p. 47 e 173.
(6) CARF, Acórdão nº
1201-001.974, Rel. Luis Henrique Marotti Toselli.
(7) DARZÉ, Andréa M.
Responsabilidade tributária Solidariedade e Subsidiariedade.
São Paulo: Noeses, 2010, p. 96
(8) STJ, Edcl
no AgRg no Resp nº
1.511.682/PE, 2ª Turma, Rel. Min. Herman Benjamin, DJ
8/11/2016.
(9) GRUPENMACHER, B. T.
Responsabilidade tributária de grupos econômicos. In: QUEIROZ, M. E.; BENÍCIO
JÚNIOR, B. C. (Coords.). Responsabilidade de Sócios e
Administradores nas Autuações Fiscais. São Paulo: Foco Fiscal, 2014. p. 65
(10) STJ, REsp 1665094/PE, Rel. Ministro
Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/06/2017
(11) Art
60 - Presume-se distribuição disfarçada de lucros no negócio pelo qual a pessoa
jurídica:
I - aliena, por valor
notoriamente inferior ao de mercado, bem do seu ativo a pessoa ligada;
II - adquire, por valor
notoriamente superior ao de mercado, bem de pessoa ligada;
III - perde, em decorrência
do não exercício de direito à aquisição de bem e em benefício de pessoa ligada,
sinal, depósito em garantia ou importância paga para obter opção de aquisição;
IV - a parte das variações
monetárias ativas (art.18) que exceder as variações monetárias passivas (art.
18, parágrafo único). (Redação dada pelo Decreto-lei nº 2.064, de 1983)
V - empresta dinheiro a
pessoa ligada se, na data do empréstimo, possui lucros acumulados ou reservas
de lucros;
VI - paga a pessoa ligada
aluguéis, royalties ou assistência técnica em montante que excede notoriamente
do valor de mercado.
VII - realiza com pessoa
ligada qualquer outro negócio em condições de favorecimento, assim entendidas
condições mais vantajosas para a pessoa ligada do que as que prevaleçam no
mercado ou em que a pessoa jurídica contrataria com terceiros; (Incluído pelo
Decreto-lei nº 2.065, de 1983) (...) Artigo 61. Se a pessoa ligada for sócio
controlador da pessoa jurídica, presumir-se-á distribuição disfarçada de lucros
ainda que os negócios de que tratam os itens I a VII do artigo 60 sejam realizados
com a pessoa ligada por intermédio de outrem, ou com sociedade na qual a pessoa
ligada tenha, direta ou indiretamente, interesse. (Redação dada pelo
Decreto-lei nº 2.065, de 1983)
(12) A situação aqui é
distinta da responsabilidade tributária a que se refere o art. 135 do CTN, cuja
configuração do ato ilícito pode se dar tanto por condutas dolosas como
culposas, conforme consta do Parecer PGFN/CRJ/CAT/Nº55/2009: "A respeito
da necessidade de presença de ato doloso por parte do administrador ou da suficiência
da presença de culpa, deve-se observar que, ao contrário do que defende parte
da doutrina , a jurisprudência maciça do STJ exige tão-só
a presença de "infração de lei" (= ato ilícito), a qual, pela teoria
geral do Direito, pode ser tanto decorrente de ato culposo como de ato doloso
(não obstante alguns poucos acórdãos referirem expressamente à necessidade de
prova do dolo, em contraposição à imensa maioria que exige somente a
culpa)."
(13) Artigo 1º Constitui
crime contra a ordem tributária suprimir ou reduzir tributo, ou contribuição
social e qualquer acessório, mediante as seguintes condutas: (Vide Lei nº
9.964, de 10.4.2000)
I - omitir informação, ou
prestar declaração falsa às autoridades fazendárias;
II - fraudar a fiscalização
tributária, inserindo elementos inexatos, ou omitindo operação de qualquer
natureza, em documento ou livro exigido pela lei fiscal;
III - falsificar ou alterar
nota fiscal, fatura, duplicata, nota de venda, ou qualquer outro documento
relativo à operação tributável;
IV - elaborar, distribuir,
fornecer, emitir ou utilizar documento que saiba ou deva saber falso ou
inexato;
V - negar ou deixar de
fornecer, quando obrigatório, nota fiscal ou documento equivalente, relativa a
venda de mercadoria ou prestação de serviço, efetivamente realizada, ou
fornecê-la em desacordo com a legislação.
Pena - reclusão de 2 (dois) a
5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. A falta de
atendimento da exigência da autoridade, no prazo de 10 (dez) dias, que poderá
ser convertido em horas em razão da maior ou menor complexidade da matéria ou
da dificuldade quanto ao atendimento da exigência, caracteriza a infração
prevista no inciso V.
Artigo 2º Constitui crime da
mesma natureza: (Vide Lei nº 9.964, de 10.4.2000)
I - fazer declaração falsa ou
omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos, ou empregar outra fraude, para
eximir-se, total ou parcialmente, de pagamento de tributo;
II - deixar de recolher, no
prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado,
na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres
públicos;
III - exigir, pagar ou
receber, para si ou para o contribuinte beneficiário, qualquer percentagem
sobre a parcela dedutível ou deduzida de imposto ou de contribuição como
incentivo fiscal;
IV - deixar de aplicar, ou
aplicar em desacordo com o estatuído, incentivo fiscal ou parcelas de imposto
liberadas por órgão ou entidade de desenvolvimento;
V - utilizar ou divulgar
programa de processamento de dados que permita ao sujeito passivo da obrigação
tributária possuir informação contábil diversa daquela que é, por lei,
fornecida à Fazenda Pública.
Pena - detenção, de 6 (seis)
meses a 2 (dois) anos, e multa.
(14) Artigo 168-A. Deixar de
repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no
prazo e forma legal ou convencional: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena - reclusão, de 2 (dois)
a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 1º. Nas mesmas penas
incorre quem deixar de: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
I - recolher, no prazo legal,
contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido
descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do
público; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
II - recolher contribuições
devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos
relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; (Incluído pela Lei nº
9.983, de 2000)
III - pagar benefício devido
a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados
à empresa pela previdência social. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 2º. É extinta a
punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o
pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações
devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do
início da ação fiscal. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000) (...)
Artigo 168-A. Deixar de
repassar à previdência social as contribuições recolhidas dos contribuintes, no
prazo e forma legal ou convencional: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
Pena - reclusão, de 2 (dois)
a 5 (cinco) anos, e multa. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 1º. Nas mesmas penas
incorre quem deixar de: (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
I - recolher, no prazo legal,
contribuição ou outra importância destinada à previdência social que tenha sido
descontada de pagamento efetuado a segurados, a terceiros ou arrecadada do
público; (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
II - recolher contribuições
devidas à previdência social que tenham integrado despesas contábeis ou custos
relativos à venda de produtos ou à prestação de serviços; (Incluído pela Lei nº
9.983, de 2000)
III - pagar benefício devido
a segurado, quando as respectivas cotas ou valores já tiverem sido reembolsados
à empresa pela previdência social. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
§ 2º. É extinta a
punibilidade se o agente, espontaneamente, declara, confessa e efetua o
pagamento das contribuições, importâncias ou valores e presta as informações
devidas à previdência social, na forma definida em lei ou regulamento, antes do
início da ação fiscal. (Incluído pela Lei nº 9.983, de 2000)
(15) Artigo 61. Fica sujeito
à incidência do Imposto de Renda exclusivamente na fonte, à alíquota de trinta
e cinco por cento, todo pagamento efetuado pelas pessoas jurídicas a
beneficiário não identificado, ressalvado o disposto em normas especiais.
§ 1º. A incidência prevista
no caput aplica-se, também, aos pagamentos efetuados ou aos recursos entregues
a terceiros ou sócios, acionistas ou titular, contabilizados ou não, quando não
for comprovada a operação ou a sua causa, bem como à hipótese de que trata o §
2º, do art. 74 da Lei nº 8.383, de 1991. (...)
(16) CARF, Acórdão nº
1401-002.654, Rel. Livia de Carli
Germano, 12-6-18)
(17) Acórdão nº104-21.675,
junho de 2006)
(18) O acionista controlador
deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e
cumprir sua função social, e tem deveres e responsabilidades para com os demais
acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que
atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender.
(19) O administrador deve
exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins
e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da
função social da empresa.
(20) A liberdade de contratar
será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
(21) GRECO, Marco Aurélio.
Planejamento Tributário. SP: Dialética, 2008
(22) Dentre tais operações,
citam-se: (a) Operações estruturadas em seqüência (step transactions), (b) Operações
invertidas, (c) Operações entre partes relacionadas; (d) Uso de
sociedades-veículo (conduit companies,
sociedades aparentes; sociedades fictícias; sociedades efêmeras; interpostas
pessoas); (e) Deslocamento da base tributável; (f) Substituições jurídicas; (g)
Neutralização de efeitos indesejáveis; (h) Ingresso de sócio seguido de cisão
seletiva; (i) Ágio de si mesmo; (j) Empréstimo ao invés de investimento; (k)
Operações interestaduais de ICMS sem trânsito; (1) Criação de distribuidoras e
base de cálculo do IPI; (m) Autonomização de
operações; (n) Outras (ato normal de gestão, negócios indiretos ou fiduciários,
redesenhos societários sucessivos, operações recíprocas).
(23) GRECO, Marco Aurélio.
Planejamento Tributário. SP: Dialética, 2008, p. 392-3.
(24) CARF, Acórdão
nº9101-003.378, Rel designado Rafael Vidal de Araújo,
5/2/2018.
(25) Resp nº 1.647.362, Rel. Min. Nancy Andrighi, DJe 10/08/2017.
(26) DENISE, Lucena. A
Responsabilidade Solidária no Caso dos Grupos Econômicos de Fato. In: QUEIROZ,
M. E.; BENÍCIO JÚNIOR, B. C. (Coords.).
Responsabilidade de Sócios e Administradores nas Autuações Fiscais. São Paulo:
Foco Fiscal, 2014. p. 93
EDUARDO GABRIEL DE GÓES VIEIRA FERREIRA FOGAÇA
Auditor-Fiscal da RFB
MIRZA MENDES REIS
Coordenadora da Copen
FERNANDO MOMBELLI
Coordenador-Geral de Tributação
LUIZ FERNANDO TEIXEIRA NUNES
Subsecretário de Tributação e Contencioso
JORGE ANTONIO DEHER RACHID
Secretário da Receita Federal do Brasil
MEF_33663
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