INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS - GRAU DE CULPA ELEVADO DO OFENSOR - MAJORAÇÃO DO VALOR FIXADO - DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO - MEF33841 - LT

 

 

PROCESSO TRT/RO Nº 01064-2014-080-03-00-3

 

Recorrentes      :  1 - Rio Branco Alimentos S.A.

                               2 - Liliane Gonçalves Nunes

Recorridos        :  Os Mesmos

 

                EMENTA: INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. GRAU DE CULPA ELEVADO DO OFENSOR. MAJORAÇÃO DO VALOR FIXADO. O valor da indenização por danos morais deve ser obtido por meio de juízo de equidade, considerando-se a extensão da lesão, o grau de culpa do ofensor, o bem jurídico tutelado e a situação econômica das partes, dentre outros elementos. No caso, o grau de culpa do ofensor foi determinante para aumentar o sofrimento da trabalhadora durante o período de convalescença e para a própria ocorrência do acidente. Assim, a indenização deve ser fixada em consideração desses relevantes e determinantes elementos que acarretaram o acidente e aumentaram desnecessariamente o dano experimentado pela vítima.

                Vistos, etc.

R E L A T Ó R I O

 

                O MM. Juiz Sérgio Alexandre Resende Nunes, da Vara do Trabalho de Patrocínio, pela r. sentença de fls. 449/453, cujo relatório adoto e a este incorporo, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, para condenar a reclamada ao pagamento das parcelas constantes da parte conclusiva do decisum.

                Recurso ordinário interposto pela reclamada às fls. 455/472, arguindo preliminar de nulidade da sentença por cerceio de defesa, insurgindo-se quanto à condenação de horas in itinere; adicional de insalubridade; intervalo para recuperação térmica; indenização por danos morais em razão do acidente de trabalho e honorários relativos às perícias médica e de segurança do trabalho. Reitera requerimento de compensação/dedução de forma genérica. Pede exclusão da determinação para recolhimentos de INSS e imposto de renda, porque as parcelas da condenação são indevidas.

                Custas processuais e depósito recursal às fls. 470/471.

                Recurso ordinário adesivo interposto pelo reclamante às fls. 483/486, versando sobre adicional de insalubridade relativo a agente umidade de 01/01 a 01.04.2014; quantidade de horas extras relativas ao intervalo para recuperação térmica; aumento do valor da indenização por danos morais.

                Contrarrazões pelo reclamante às fls. 474/482 e pela reclamada às fls. 488/493.

                Dispensado o parecer prévio do Ministério Público do Trabalho, a teor do art. 82 do Regimento Interno deste Regional.

                É o relatório.

 

                JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

                Conheço do recurso ordinário interposto pela reclamada e do adesivo interposto pela reclamante, pois preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade.

 

                JUÍZO DE MÉRITO

                Os recursos serão analisados em conjunto em parte das matérias que lhes forem comuns.

 

                RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA

                PRELIMINAR DE NULIDADE DA SENTENÇA POR CERCEIO DE DEFESA

                Em síntese, a reclamada argui preliminar de nulidade da sentença por cerceio de defesa por discordar do contradita acolhida em relação à testemunha que indicou.

                Alega que a testemunha esclareceria fatos imprescindíveis ao deslinde da causa, por conhecer as circunstâncias fáticas que envolvem a lide, de modo que o acolhimento de sua contradita significa ofensa à ampla defesa, ao devido processo legal e ao contraditório.

                Requer a decretação de nulidade da sentença, determinando-se a reabertura da instrução para que a testemunha seja ouvida.

                Analiso.

                A prova testemunhal só pode ser fornecida por pessoa imparcial em relação aos fatos subjacentes da causa de pedir, além de não ter interesse no litígio.

                Entretanto, a testemunha indicada pela reclamada é o mesmo coordenador apontado pela testemunha Jéssica como sendo a chefia que exigia a prestação de trabalho, ignorando insensivelmente a ocorrência do acidente de trabalho e sua relação com as queixas da autora sobre não conseguir realizar as tarefas na seção de abate.

                E, como coordenador, ela, testemunha contraditada, tem poder de admitir e dispensar, sendo chefe de supervisores e demais funcionários, exercendo, pois, cargo de confiança, o que também denuncia seu interesse em defender a posição da reclamada.

                Nesse compasso, está claro que o coordenador tem “ (...) interesse no litígio” (art. 447, §3º, inciso II, do CPC) por exercer cargo de confiança e porque foi indicado como o agente executor da conduta antijurídica impingida à reclamada, o que sustenta o acolhimento da contradita.

                Faço o registro de que o pedido recursal é específico quanto à escuta do coordenador como testemunha, nada tendo sido requerido para que fosse ouvida na condição de informante, seja no decorrer da audiência (fl. 447v) ou no recurso.

                Nego provimento.

 

                HORAS IN ITINERE

                Insurge-se a reclamada quanto à condenação de horas in itinere, dizendo que não houve a supressão de seu pagamento em norma coletiva, mas a limitação de sua quantidade, assinalando que outros direitos foram assegurados. Aponta o fornecimento gratuito do transporte como ausência de prejuízo para os empregados, além de proporcionar uma maior comodidade.

                Assim, pede o reconhecimento da validade da negociação coletiva, nos termos do art. 7º, inciso XXVI, da CF/1988.

                Alega que é incontroversa a existência de transporte público regular no trajeto. Destaca que não foi comprovado o tempo de trajeto objeto da condenação.

                Decido.

                É incontroverso que o local de trabalho da autora situa-se na zona rural, devendo ser presumido tratar-se de local de difícil acesso e não servido por transporte público.

                Nesse diapasão, fica com o empregador o encargo de comprovar a existência do transporte público regular.

                Entretanto, embora tenha alegado no seu recurso tratar-se de questão incontroversa, verifico que é uma alegação vazia, pois a tese da inicial foi vazada em sentido contrário (item 2.1 da causa de pedir, fl. 03).

                Acrescento que o fato de a ré localizar-se próxima a uma autoestrada não implica a existência de transporte público regular, uma vez que, em geral, os ônibus que nela circulam são os intermunicipais e interestaduais, cujos horários são restritos e as tarifas são inacessíveis para o dispêndio diário. Ou seja, presume-se, conforme acima já explicitado, que a reclamada, por estar estabelecida na zona rural, fica em local de difícil acesso e não servido por transporte público regular.

                Pontuo que na prova documental nada consta sobre a existência de transporte público urbano regular cumprindo o trajeto do trevo da cidade de Patrocínio até a reclamada.

                Vencida essa questão, passo ao exame da norma coletiva.

                Ficou pactuado que até o limite de duas horas por dia o tempo de trajeto não seria considerado para fins de integração da duração da jornada (por exemplo, cláusula 21 do ACT/2012, fl. 199).

                O ajuste coletivo não pode prevalecer por suprimir o direito previsto na segunda parte do §2º do art. 58 da CLT e, ao revés da alegação recursal, não se trata de mera limitação do tempo de trajeto computável na duração da jornada. A negociação coletiva simplesmente exclui o direito à integração das duas primeiras horas de trajeto, o que a invalida, nos termos do item I da Súmula 41 do TRT desta Região, in verbis:

 

                HORAS IN ITINERE - NORMA COLETIVA.

                I - Não é válida a supressão total do direito às horas “in itinere” pela norma coletiva.

                II - A limitação desse direito é válida, desde que a fixação do tempo de transporte não seja inferior à metade daquele despendido nos percursos de ida e volta para o trabalho”.(RA 188/2015, disponibilização: DEJT/TRT3/Cad. Jud. 25, 26 e 27.08.2015)

 

                E, a respeito da duração do trajeto a ser integrado na duração da jornada, consta de forma expressa na ata de fl. 447 a declaração das partes no sentido de que “do trevo de saída de Patrocínio até a reclamada o trajeto dura 18- 20min”, acrescentando o juízo de 1º grau que há vários anos tem julgado essa questão, sempre estabelecendo essa mesma duração (fl. 451).

                O fornecimento gratuito do transporte não altera o resultado do julgamento, tratando-se na verdade de premissa para a integração do tempo na duração da jornada (parte final do §2º do art. 58 da CLT).

                Não provejo.

 

                ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

                A reclamada não se conforma com a condenação relativa ao adicional de insalubridade, dizendo que o agente frio foi eliminado com o uso dos EPIs fornecidos e efetivamente usados.                                        Impugna, ainda, a medição da temperatura do ambiente de trabalho, dizendo que aquela medida nos termômetros da reclamada refere-se a todo o ambiente e não ao posto de trabalho da autora, pedindo seja considerado ambiente frio aquele até 4ºC. Alega, ainda, que o perito não esclareceu o método utilizado para medir o agente insalubre frio.

                Examino.

                Na diligência pericial (fls. 320/321), constatou o perito que as luvas fornecidas (poliamida, nitrílicas e látex) não protegem contra o frio e da mesma forma as botas fornecidas, que não eram térmicas.

                A reclamada, por sua vez, não infirmou a verificação pericial, nada comprovando no sentido de que as luvas ou a bota fossem capazes de proteger do frio.

                A respeito da temperatura medida (9,7ºC), cai no vazio a alegação da reclamada no sentido de que não foi demonstrado o método utilizado para sua apuração, sendo certo que o perito considerou a própria medição efetuada na reclamada (fl. 320 e resposta ao esclarecimento 2 da série da reclamada, fl. 352). Assinalo, ademais, que a temperatura medida refere-se ao posto de trabalho da autora em que foi considerada a presença do agente insalubre.

                Descabe falar em caracterização do agente frio com base na temperatura até 4ºC, porquanto a temperatura igual ou menor que 12ºC é considerada artificialmente fria na zona climática em que o trabalho foi prestado (4ª zona climática subsequente). O perito considerou o mapa oficial do MTB o mapa “Brasil Climas” do IBGE e o art. 253 da CLT para formar sua conclusão. Os dados oficiais e a legislação apontados sustentam a conclusão sobre a presença do agente insalubre frio (fls. 320 e 352v/353).

                Não acolho a pretensão recursal de reduzir o grau do adicional, pois o agente apurado garante o direito ao percentual de 20%, ficando, assim, afastada a pretensão de fixação de percentual menor.

                Nego provimento.

                INTERVALO PARA RECUPERAÇÃO TÉRMICA - HORAS EXTRAS

                A reclamada recorre para excluir o deferimento de horas extras pela incorreta concessão de intervalo para recuperação térmica, dizendo que a autora não trabalhou em câmara fria ou revezando de ambiente frio para o quente e vice-versa, tampouco ficou na câmara fria por mais de 1 hora e 40 minutos contínuos.

                Em caso de manutenção da condenação, pede a dedução dos intervalos concedidos declarados no depoimento pessoal da reclamante e nas declarações da testemunha ouvida.

                Pronuncio-me.

                Entretanto, ao contrário da assertiva recursal e nos termos da Súmula 438, do TST, a reclamante trabalhou em ambiente frio (9,7ºC) na desossa de paleta durante toda a jornada (fl. 315 do laudo), tendo o juízo de 1ª instância considerado, pelo exame crítico do depoimento pessoal da autora em cotejo com as declaração da testemunha ouvida a seu pedido, que foram concedidos dois intervalos de 20 minutos.

                A reclamada não logrou êxito em comprovar outros intervalos para recuperação térmica, especialmente porque confessou a anotação dos intervalos de recuperação térmica em planilha, mas não a exibiu nos autos.

                Assim e considerando-se a duração da jornada e do intervalo intrajornada, bem como a concessão de dois intervalos para recuperação térmica, outro intervalo para recuperação térmica deveria ter sido concedido, mas não foi.

                A neutralização do agente frio pelo uso de EPIs, além de afastada pela apuração da prova pericial, não elide a necessidade da concessão dos intervalos, conforme dispõe o art. 253, parágrafo único, da CLT.

                Nesse caminho, a condenação encontra sustentação na prova da irregular concessão dos intervalos para recuperação térmica.

                Descabe falar em dedução dos intervalos concedidos, pois a condenação decorre justa e exatamente da constatação de que a quantidade concedida foi inferior à devida, limitando-se a condenação à diferença.

                Desprovejo.

 

                INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ACIDENTE DE TRABALHO. RESPONSABILIDADES OBJETIVA E SUBJETIVA. CULPA EXCLUSIVA

                A reclamada pede exclusão da indenização por danos morais em razão do acidente de trabalho, dizendo que sempre zelou pela segurança no local de trabalho e saúde de seus empregados, prevenindo acidentes de trabalho. Culpa a reclamante de forma exclusiva pelo acidente, dizendo que a mesma praticou ato inseguro e garantindo que a distância entre os postos de trabalho é suficiente para realizar as manobras do trabalho.

                E, em caso de não ser reconhecida a culpa exclusiva da vítima, pede a declaração de que houve culpa recíproca.

                Não se conforma a ré, ainda, com o fundamento da decisão recorrida no sentido de que a atividade é de risco, analisando-se o caso à luz da responsabilidade objetiva. Assevera que a análise da questão sobre o prisma do dever geral de cautela não pode acarretar sua responsabilidade objetiva, porque esta decorre da lei ou da atividade.

                Entende a recorrente que não há nenhum dano a ser reparado diante da recuperação da capacidade laboral e inexistência de sequela incapacitante.

                A reclamada apregoa que não existe nexo causal entre o acidente e o trabalho no seu estabelecimento, negando ter praticado conduta antijurídica.

                Examino.

                É incontroverso que a autora sofreu acidente de trabalho, conforme se confere da prova documental (fl. 152, dentre outras), o que afasta por inteiro a alegação recursal de ausência de nexo entre o acidente e o trabalho.

                O dano moral não se mede materialmente, como sugere a reclamada nas suas razões recursais, sendo aferível em face de mera comprovação de ofensa de ordem moral.

                Descabe, assim, falar em comprovação do dano de ordem moral.

                O legislador fixou, de forma extraordinária, a responsabilidade independente de culpa, como se infere do parágrafo único art. 927 do Código Civil:

 

                Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

 

                Sobre o tema, trago a lição da professora Maria Helena Diniz, in Código Civil Anotado, São Paulo: Saraiva, 2003, págs. 579/580:

 

                A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade. (...) Substitui-se a culpa pela ideia do risco. Essa responsabilidade civil objetiva funda-se na teoria do risco criado pelo exercício de atividade lícita, mas perigosa, como produção de energia nuclear ou produtos químicos; manuseio de máquinas ou a utilização de veículos”.

 

                Para Sebastião Geraldo de Oliveira, “consideram-se risco, para fins de responsabilidade civil objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do Código Civil, as atividades que expõem os empregados a uma maior probabilidade de sofrer acidentes, comparando-se com a média dos demais trabalhadores” (Indenizações por acidente do trabalho ou doença ocupacional. 5 ed. São Paulo: LTr, 2009, p. 118).

                Sobre essa objetivação da responsabilidade na esfera do contrato de trabalho, faço referência ao que diz Maurício Godinho Delgado:

 

                “Com os avanços produzidos pela Carta Magna, a reflexão jurídica tem manifestado esforços dirigidos a certa objetivação da responsabilidade empresarial por danos acidentários. Tal tendência à objetivação, evidentemente, não ocorre no campo dos danos morais e à imagem que não tenha relação com a infortunística do trabalho. De fato, essencialmente na seara da infortunística é que as atividades laborativas e o próprio ambiente de trabalho tendem a criar para o obreiro, regra geral, risco de lesões mais acentuado do que o percebido na generalidade de situações normalmente vivenciadas pelos indivíduos na sociedade”. (in Curso de Direito do Trabalho, 2003, LTr, São Paulo, 3ª Edição, p. 614).

 

                Dentro dos parâmetros acima mencionados, constato que a atividade em que a reclamante trabalhava enquanto sofreu o acidente denota o risco anormal de acidentes. Isso porque a desossa não era feita em mesa, na horizontal, mas sim na vertical (os animais vinham na linha de produção pendurados por um gancho), de modo que os suínos balançavam enquanto os trabalhadores deveriam separar-lhe as peças com facas amoladas e afiadas, mantendo-se com os braços elevados, dificultando sobremaneira a precisão dos cortes a serem feitos com a faca (fotografia de fl. 419).

                A atividade é de risco porque o trabalhador lida perigosamente com facas amoladas e afiadas, já que deve atingir peças que balançam enquanto são cortadas, sendo o ritmo de serviço dirigido pela velocidade com que os animais se deslocam na nória (transportador aéreo onde são pendurados animais para abate/desossa, etc. - Visualizados na fotografia de fl. 316).

                A própria descrição do acidente demonstra que ele aconteceu sem ser possível apontar qualquer pessoa responsável, dentre os presentes, pelo acontecido. Note-se que o trabalhador, ao lado da autora, ao efetuar normalmente o corte na peça em que trabalhava, a atingiu, uma vez que a peça de carne ofereceu resistência ao corte.

                Portanto, o fato de a reclamada optar por realizar sua atividade frigorífica, efetuando o abate, corte e desossa dos animais enquanto eles balançam, é fundamental para criar o risco anormal.

                Fica, assim, caracterizada a responsabilidade objetiva relativa à industrialização frigorífica, atividade que a reclamada optou por executar, realizando abate, corte, limpeza e desossa dos animais com maquinário que imprime maior risco para os trabalhadores.

                E, ademais, além da responsabilidade objetiva, cabe, ainda, pontuar a responsabilidade subjetiva da reclamada.

                O perito verificou na diligência, cujo informante foi o técnico de segurança do trabalho (fl. 418v), que a distância entre os postos de trabalho era inadequada na época do acidente, por não preservar a segurança na realização da atividade, contrariando expressamente a NR-12. Esta, no seu item 12.8.1, exige a distância mínima entre máquinas de modo a garantir a segurança dos trabalhadores durante o trabalho, bem como deve permitir a movimentação dos segmentos corporais em face da natureza da tarefa.

                Em outras palavras, era necessária estabelecer uma distância entre os postos de trabalhos em que a mão que o empregado utiliza para cortar pudesse deslocar-se para área vazia após o corte de uma peça de carne que oferece resistência.

                E esta regra não foi observada pela empresa.

                Diante de todo o exposto, ficam afastadas as alegações recursais acerca da existência de culpa exclusiva da vítima ou culpa recíproca, sendo exclusivamente da reclamada a culpa pelo acidente, além de atuar em atividade cujo risco anormal concorre diretamente para o acontecimento de acidentes, nos termos do art. 927, parágrafo único, do Código Civil.

                Desprovejo.

 

                RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DE HONORÁRIOS PERICIAIS. RECOLHIMENTOS PREVIDENCIÁRIOS E DE IMPOSTO DE RENDA. DEDUÇÃO.

                A recorrente entende que não é devedora de honorários relativos às perícias médica e de segurança do trabalho, negando culpa no acidente de trabalho. Requer sua redução em caso de serem invertidos os ônus de sucumbência.

                Reitera requerimento de compensação/dedução de forma genérica.

                Pede exclusão da determinação para recolhimentos de INSS e imposto de renda, porque as parcelas da condenação são indevidas.

                Avalio.

                Ficou claramente comprovada a sucumbência da reclamada nos pedidos que desencadearam a realização das perícias médica e de segurança do trabalho, o que lhe impõe o encargo de pagar pela realização da prova.

                O valor fixado — R$ 1.500,00 — não é elevado ou abusivo, sendo, ademais, compatível com o trabalho realizado, razão por que fica mantido.

                No que respeita ao pedido de dedução/compensação de forma genérica, não há fundamento jurídico para se acolher tal pretensão. Esclareço que a condenação baseou-se na verificação de responsabilidade objetiva e de culpa, além de decorrer da verificação de que a reclamada não efetuou qualquer pagamento sob o título da condenação.

                Portanto, se a reclamada nada pagou a título de danos morais, descabe falar em compensação ou dedução.

                E, finalmente, sobre os recolhimentos de INSS e imposto de renda, pontuo que, tendo sido mantidas as condenações relativas às parcelas sobre as quais eles incidem, é medida consectária a determinação do seu pagamento, tal como constou da decisão recorrida.

                Desprovejo.

 

                RECURSO ORDINÁRIO ADESIVO DA RECLAMANTE

                ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

                A reclamante requer o deferimento de adicional de insalubridade relativo a agente umidade de 01/01 a 01.04.2014, dizendo que o perito constatou sua presença ao verificar que, no setor de miúdos e triparia, os trabalhadores ficam com as mãos e antebraços constantemente molhados.

                Analiso.

                Realmente o perito considerou a presença do agente insalubre umidade porque as mãos e os antebraços ficavam sempre molhados quando a reclamante trabalhou no setor de miúdos e triparia, mencionando o anexo 10, I, da NR-15 como substrato para o enquadramento (fls. 321 e 322).

                No entanto, a norma regulamentadora estabelece o agente umidade para locais constantemente alagados ou encharcados, situação ausente no local de trabalho da autora.

                O fato de as mãos e os antebraços ficarem sempre molhados não configura o risco de dano à saúde objeto do item I do Anexo 10 da NR-15, pois este decorre do fato de todo o ambiente produzir umidade a partir do chão (locais alagados ou encharcados) ou das paredes e teto (locais encharcados).

                Nesse compasso, o enquadramento efetuado pelo perito não deve ser confirmado, pois em desconformidade com a clareza da norma regulamentadora.

                Nego provimento.

 

                INTERVALOS DE RECUPERAÇÃO TÉRMICA

                A reclamante requer a fixação de quatro intervalos para recuperação térmica e não os três considerados na decisão de 1ª instância, isto é, dois concedidos no curso contratual e um objeto da condenação.

                Explica a autora que a duração de sua jornada lhe garante quatro intervalos, pedindo aumento da condenação de um para dois intervalos.

                Analiso.

                O intervalo postulado é aquele constante do art. 253 da CLT, devendo ser concedidos 20 minutos depois de 1 hora e 40 minutos contínuos de labor.

                De forma detalhada, a reclamante explica que iniciava a jornada às 7h e a encerrava às 17h, com intervalo intrajornada de 01 hora, sendo necessária a concessão de intervalo de recuperação térmica às 8h40min, às 10h40min, às 13h40min e às 15h40min.

                Ocorre que a reclamante, embora tenha mencionado o gozo de uma hora de intervalo, a desconsiderou para fins de apurar o tempo contínuo de labor.

                Assim, diante da interrupção da jornada no decorrer do intervalo de almoço, o qual era desfrutado normalmente entre 11h/12h, 11h30min/12h30min ou 12h/13h (fls. 140 e seguintes), verifico ser indevido o intervalo das 10h40min ou das 13h40min, conforme o horário em que tiver ocorrido o gozo do intervalo.

                Diante do exposto, entendo que corretamente foi fixada a quantidade de três intervalos na decisão recorrida, o que sustenta a condenação relativa a um intervalo, já que dois foram concedidos no curso contratual.

                Desprovejo.

 

                VALOR DA INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E ESTÉTICOS DECORRENTES DE ACIDENTE DE TRABALHO - (matéria comum).

                A reclamada aponta a repercussão do dano e a concorrência de culpa da trabalhadora como fatores para reduzir a indenização fixada em R$ 10.000,00.

                A reclamante, por sua vez, pede o aumento do valor da indenização. Aponta como elemento para medir a extensão do dano a cicatriz de 12 cm no antebraço e redução de sensibilidade em local próximo da lesão mesmo depois de decorridos 04 anos do acidente. Ressalta, ainda, a incompatibilidade entre o valor da indenização e a boa situação econômica da reclamada, bem como destaca a culpa desta consistente na conduta de seus prepostos após o acidente, ocasião em que não deram importância às suas reclamações no sentido de não conseguir executar o serviço.

                Examino.

                A culpa da autora não ficou comprovada, sendo certo que o acidente decorreu do risco da própria atividade e da culpa exclusiva da reclamada em não seguir as regras de segurança, só o fazendo após o acidente.

                As consequência físicas do acidente estão registradas no laudo médico (fls. 376/379).

                Ao contrário da assertiva da empresa, a extensão do dano não é pequena, pois a autora sentiu dor por conta do corte que atingiu o nervo ulnar esquerdo e sentiu temor por sua saúde ao ter de se submeter à cirurgia. Possui uma cicatriz de 12 cm no antebraço esquerdo, além de ter perdido parte da sensibilidade na região do nervo ulnar e adquiriu discreta dificuldade em adução do 4º e 5º dedos da mão esquerda.

                O acidente aconteceu no dia 21.03.2013 (fl. 377) e a reclamante continuou laborando até o dia anterior à cirurgia realizada no dia 16.04.2013 (fls. 151/152 e 377), sendo certo que deveria ter-se licenciado, conforme se confere das consequências causadas pelo corte sofrido (fl. 38).

                Nesse compasso e pelo exame visual das fotografias de fls. 64/68 (anteriores à cirurgia), verifico a veracidade das alegações obreiras ao informar na petição inicial a investida do técnico de segurança da reclamada para evitar o seu afastamento do trabalho depois do acidente.

                Pelo exposto, a culpa da reclamada decorre, ainda, de sua conduta negligente ao deixar de apurar de forma mais adequada as condições de saúde da autora imediatamente depois do acidente, afinal ela teve um corte causado por faca contaminada pelo corte em suínos. A sequência dos fatos revela o descaso da reclamada em relação à reclamante, sendo certo que ela tem o dever de zelar pelo empregado em caso de acidente de trabalho.

                Diante da gravidade da culpa concorrendo para o próprio acidente e do desprezo em promover um atendimento médico específico para o caso, não constato razões para reduzir o valor fixado, mas, ao contrário, vejo para aumentar.

                A testemunha (fl. 447) prestou declarações no sentido de que, no retorno da autora depois do afastamento decorrente do acidente de trabalho, o técnico de segurança e o coordenador ficavam zombando das reclamações da autora no sentido de não conseguir executar o serviço por conta do braço machucado, dizendo que ela “estava fazendo corpo mole” (fl. 447).

                E o perito constatou que a recuperação é lenta nos casos de lesões de nervos periféricos, o que consubstancia as reclamações da autora, revelando novamente a atitude de completo descaso da reclamada com questão séria relativa à saúde de sua empregada.

                Ademais, o perito esclareceu que se a reclamante tivesse sido afastada desde o início do acidente, teria tido mais conforto clínico (resposta ao quesito 7 da série do reclamante - fl. 379), sendo certo que ela continuou trabalhando por imposição da reclamada, conforme já explicitei acima.

                Portanto, a maior extensão do dano decorre de culpa da reclamada.

                Diante da indesculpável conduta da reclamada, considero que a intensidade de sua culpa é elemento importante na fixação do valor da indenização e considerando-se, ademais, sua situação econômica (capital social de mais de R$ 26.000.000,00, fl. 81v).

                Nego provimento ao recurso da reclamada e provejo o da reclamante no aspecto, a fim de elevar o valor da indenização por “danos morais e estéticos” para R$ 20.000,00.

 

                CONCLUSÃO

                Conheço do recurso ordinário interposto pela reclamada, rejeito a preliminar de nulidade do processo por cerceio de defesa e, no mérito, nego provimento ao apelo.

                Conheço do recurso adesivo interposto pela reclamante e, no mérito, dou-lhe provimento para majorar a indenização por “danos morais e estéticos” para R$ 20.000,00.

                Elevo o valor da condenação para R$ 26.000,00, com custas de R$ 520,00, pela reclamada.

 

                FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,

                O Tribunal Regional do Trabalho pela sua Décima Turma, por unanimidade, conheceu do recurso ordinário interposto pela reclamada; rejeitou a preliminar de nulidade do processo por cerceio de defesa; e, no mérito, sem divergência, negou provimento ao apelo. Unanimemente, a d. Turma conheceu do recurso adesivo interposto pela reclamante e, no mérito, por maioria de votos, deu-lhe provimento para majorar a indenização por “danos morais e estéticos” para R$ 20.000,00, vencido, neste aspecto, o Exmo. Desembargador Paulo Maurício Ribeiro Pires. Elevado o valor da condenação para R$ 26.000,00, com custas de R$ 520,00, pela reclamada.

                Belo Horizonte, 14 de dezembro de 2016.

 

TAISA MARIA MACENA DE LIMA

RELATORA

 

(TRT/3ª R./ART., DJ/MG, 19.12.2016)

 

BOLT7632—WIN/INTER

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