A OPERACIONALIZAÇÃO DO SISTEMA DE SUPRIMENTO DE FUNDO NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – MEF33917 - BEAP

 

 

ADÍLSON DUARTE DA COSTA *

 

 

                INTRODUÇÃO

                Determina o § 3º, do art. 164, da Constituição Federal, que todo pagamento da Administração Pública seja efetuado por meio de instituições financeiras oficiais e por tesouraria ou pagadoria regularmente instituída, conforme dispõe o art. 65 da Lei Federal nº 4.320, de 17 de março de 1964. No entanto, excepcionalmente, podem ser utilizados os sistemas de suprimento de fundo na Administração Pública, para os casos de despesas expressamente definidas em lei, respeitando-se as previstas em regulamentos próprios.

                O caráter de excepcionalidade desse sistema, exigido pela legislação, deve ser rigorosamente observado. Portanto, as despesas rotineiras (que possam ser processadas normalmente), previsíveis (que já constam da Lei Orçamentária Anual, em suas respectivas dotações e identificadas até o nível exigido pela classificação da Portaria Interministerial nº 163/00) e submetidas, se for o caso, ao procedimento licitatório, não poderão ser processadas nesse sistema, conforme já decidiu o Tribunal de Contas da União, Acórdão 1.276/2008, Rel. Min. Valmir Campelo, DOU de 08.07.08.

 

                DEFINIÇÃO

                O suprimento de fundo é um procedimento que consiste na entrega de numerário ao servidor, sempre precedida de empenho na dotação própria, para a realização de despesas que não possam subordinar-se ao processo normal de aplicação, conforme estabelece o art. 68 da Lei Federal nº 4.320/64. Essa excepcionalidade a que se refere a legislação pode ser ilustrada, como, por exemplo, no caso de um motorista que, durante uma viagem com uma  ambulância, dentro do programa de tratamento fora do domicílio, necessita repará-la imediatamente para que o serviço de socorro por ele prestado se efetive a tempo. Seria, pois, impossível, nessa hipótese, exigir desse motorista e da própria Administração Pública a formalização, prévia ou concomitante, de um processo administrativo para efetuar pesquisa de preço e emitir empenho prévio em nome da oficina que lhe prestou os serviços mecânicos.

                Também é inconcebível exigir que as despesas até determinado montante somente sejam efetivadas após a realização de processo administrativo, incluindo a licitação, o empenho, o pagamento e a liquidação, quando o seu custo tende a ser maior do que eventuais prejuízos que possam acontecer se for observado o processo normal de sua realização. Ou seja, as despesas de pequeno vulto no processo rotineiro de aplicação são, em regra, menores do que os custos incorridos, se realizadas todas as etapas desse. Nesse sentido, já decidiu o próprio Tribunal de Contas da União, conforme também exarado no Acórdão 1.276/2008, Rel. Min. Valmir Campelo, DOU de 08.07.08.

 

                A OPERACIONALIZAÇÃO DO SISTEMA DE SUPRIMENTO DE FUNDO

                É necessário que a Administração Pública, inclusive a municipal, tenha regulamento próprio para a materialização do suprimento de fundo, estabelecendo normas claras para a sua execução, incluindo as hipóteses, os critérios, as despesas que poderão ser efetuadas e a respectiva prestação de contas. A responsabilidade do ordenador da despesa, nesse caso, é primária, mesmo se existir a delegação de competências para subordinados.

                O art. 45 do Decreto Federal nº 93.872/86, que regulamenta o suprimento de fundos para o Governo Federal, estabelece que a sua concessão é de responsabilidade do ordenador da despesa.

                Os incisos I, II e III, do art. 45, do citado dispositivo legal, elencam quais hipóteses de despesas podem ser realizadas por esse processo, estando, dentre elas: para o atendimento de eventualidades, inclusive em viagens e com serviços que exijam pronto pagamento; quando forem feitas em caráter sigiloso e, ainda, para a destinação de pequeno vulto, entendendo-se como tais aquelas cujo valor, em cada caso, não ultrapassar limite estabelecido em portaria do Ministro da Fazenda.

                Não serão destinados recursos nas seguintes hipóteses: aos responsáveis por dois suprimentos de fundos; ao servidor que tenha a guarda ou a utilização do material a adquirir, salvo na hipótese de inexistência na repartição de outro servidor; ao responsável que, esgotado o prazo, não tenha prestado contas da aplicação de recursos recebidos.

 

                DETERMINAÇÃO DOS VALORES PARA A CONCESSÃO DE SUPRIMENTO DE FUNDOS E OS DESTINADOS AO PAGAMENTO DE DESPESAS DE PEQUENO VULTO

                Os valores para a concessão de suprimento de fundos, bem como o limite máximo para despesas de pequeno vulto, no caso do Governo Federal serão fixados em portaria do Ministro de Estado da Fazenda, conforme prevê o § 4º, do citado art. 45, do Decreto Federal nº 93.872/86.

                Por força da Portaria nº 95/02, do Ministério da Fazenda, tais valores foram limitados aos seguintes: a) 5% (cinco por cento) do valor estabelecido na alínea “a”, do inciso “I”, do art. 23, da Lei nº 8.666/93, para execução de obras e serviços de engenharia; e b) 5% (cinco por cento) do valor estabelecido na alínea “a”, do inciso “II”, do art. 23, da Lei acima citada, para outros serviços e compras em geral.

                Somente em casos excepcionais e a critério da autoridade superior, desde que caracterizada a necessidade devidamente fundamentada, é que poderão ser concedidos suprimentos de fundos em valores superiores aos fixados.

                Quanto aos valores destinados ao pagamento de despesas de pequeno vulto, a citada Portaria nº 95/02 estabeleceu: a) o percentual de 0,25% do valor constante na alínea “a”, do inciso II, do art. 23, da Lei nº 8.666/93, como limite máximo, no caso de compras e outros serviços; e b) de 0,25% do valor constante na alínea “a”, do inciso I, do art. 23, da Lei mencionada, no caso de execução de obras e serviços de engenharia. Esses limites se referem a cada despesa, proibido, assim, o fracionamento de despesa ou do documento comprobatório para adequação a esse valor.

                A Administração Municipal poderá estabelecer critérios, condições e valores para a concessão de suprimento de fundos, observando as suas peculiaridades.

 

                O SUPRIMENTO DE FUNDOS E A LEI DE LICITAÇÕES

                A despesa executada por meio de suprimento de fundos, procedimento de excepcionalidade dentro do processo normal de aplicação do recurso público, como já salientado, deverá, na mesma forma que no processo licitatório, observar os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da igualdade, além de garantir a aquisição mais vantajosa para a Administração Pública.

                O sistema de suprimento de fundo não exclui a exigência do procedimento licitatório na hipótese em que os valores de compra ou contratação de serviços assim os exigir; isso porque não há permissão legal para aquisição de bens e serviços por meio do regime de adiantamento cujos valores excedam os patamares de dispensa, conforme determina a Lei nº 8.666/93.

                Para a modalidade de licitação aplicável ou para a caracterização de despesa, devem-se computar todas as aquisições realizadas num mesmo exercício financeiro, observando-se o valor total dos dispêndios previstos ao longo do respectivo exercício financeiro.

                Assim, algumas considerações são necessárias para identificar se as despesas a serem pagas por meio de suprimento de fundo estariam sujeitas, em função do valor, aos princípios da licitação pública. Para a verificação dessa hipótese, consideram-se todas as contratações de mesma natureza - referentes ao mesmo objeto (obra, serviço ou compra) ou a objetos similares - que possam ser realizadas conjunta ou concomitantemente, no mesmo local (art. 23, § 5º, c/c art. 24, I e II, da Lei nº 8.666/93).

                Destaca-se que a legislação considera nulo e de nenhum efeito o contrato verbal com a Administração Pública - parágrafo único, do art. 60, da Lei Federal nº 8.666 - salvo o de pronto pagamento e de pequenas compras, assim entendidas aquelas cujo valor não supera 5% (cinco por cento) do limite estabelecido no art. 23, inciso II, alínea “a”, do citado diploma legal, feitas em regime de adiantamento. Infere-se, pois, que esse dispositivo fixa o valor máximo para as despesas feitas por meio de contratações informais, mas não se correlacionam, em princípio, com aquelas decorrentes de suprimento de fundo.

                Constituem fracionamento de despesa, se forem utilizadas por meio de suprimento de fundos, diversas aquisições de bens e serviços de mesma natureza no mesmo exercício, se o valor global superar os limites definidos pelos incisos I ou II, do art. 24, da Lei Federal nº 8.666/93, conforme Acórdão do Tribunal de Contas da União nº 2.557/2009, Relator Ministro Valmir Campelo, publicado no DOU de 06.11.09.

                Destaca-se que, para as aquisições de maior vulto, impõe-se a observância do necessário planejamento, excluindo, nessa hipótese, a possibilidade de utilização do suprimento de fundo previsto no art. 68 da Lei nº 4.320/64.

 

                CONTABILIZAÇÃO E PRESTAÇÃO DE CONTAS DOS RECURSOS DO SUPRIMENTO DE FUNDOS

                Quanto à contabilização, o suprimento de fundos será incluído nas contas de responsabilidade do próprio ordenador da despesa. Na hipótese de haver restituições, por falta de aplicação total ou parcial, ou pela utilização indevida, deverá ser feito o lançamento de estorno de despesa ou de receita orçamentária, caso recolhidas após o encerramento do exercício, conforme menciona o § 1º, do citado art. 45, do Decreto Federal nº 93.872/86.

                Destacam-se algumas recomendações para a correta aplicação dos recursos por meio do regime de adiantamento, entre elas: não será aceita aplicação diversa daquela especificada no ato de concessão e na nota de empenho; os recibos para fins de comprovação da despesa devem preencher os requisitos mínimos para a sua regularidade e legalidade; os serviços e os bens fornecidos deverão ser descritos com clareza; para fins de liquidação da despesa, deverá ser exigido o atestado de que os serviços foram executados e os materiais entregues e recebidos pelo controle interno ou por quem o tenha liquidado, observando-se a  segregação de funções; os reais valores; a data da emissão e a idoneidade dos documentos comprobatórios. Quando se tratar de recibo avulso de pessoa física, muito comum no caso de serviços prestado por taxista, é necessário averiguar o nome do prestador, o número do CPF e da carteira de identificação, a inscrição junto ao INSS e o endereço completo.

                Para fins de comprovação e prestação de contas, deverão ser considerados os valores repassados e as despesas realizadas, demonstrando, de forma clara e objetiva, a responsabilidade do servidor suprido.

                A prestação de contas da aplicação do suprimento de fundos é obrigatória. Na hipótese de sua ausência, deverá o ordenador de despesa instaurar a competente tomada de contas administrativa a quem der causa, sem prejuízo para as demais apurações de responsabilidades administrativas ou penais cabíveis. Somente após a aprovação da respectiva prestação de contas é que será dada a baixa de responsabilidade.

 

                CONCLUSÃO

                A avaliação de desempenho do sistema de suprimento de fundos aferirá os aspectos de economicidade, eficiência, eficácia e efetividade de programas e ações executadas, voltados para um contínuo e dinâmico processo de identificação das melhores alternativas para o seu alcance em nível institucional. Para a consecução deste objetivo, as informações devem ser consolidadas e, se for preciso, complementadas por notas explicativas, que contenham pelo menos a identificação, características e procedimentos adotados, essenciais das prestações de contas geradas pela Contabilidade Pública, de modo a facilitar, por parte dos seus usuários e por toda a sociedade, a interpretação necessária, acompanhada do processo orçamentário e sua respectiva análise. Não se pode olvidar do papel fundamental que o controle interno tem no acompanhamento da operacionalização desse sistema na Administração Pública.

 

 

* Contador, advogado, auditor independente, especialista em Controle Externo na Administração Pública Contemporânea e em Poder Legislativo pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Articulista e colaborador do BEAP.

 

 

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