AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA - AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PREJUÍZO AO ERÁRIO, DO
ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, DOLO E/OU MÁ-FÉ DO AGENTE PÚBLICO - IMPROCEDÊNCIA DA
AÇÃO - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF33939 - BEAP
1. A má-fé é premissa do ato
ilegal e ímprobo. 2. A ilegalidade, por isso mesmo, só adquire status de
improbidade quando a conduta antijurídica fere os princípios constitucionais da
Administração Pública, coadjuvada pela má-fé do administrador. 3. A improbidade
administrativa, mais que um ato ilegal, deve traduzir necessariamente, a falta
de boa-fé, a desonestidade, incomprovada nos autos. 4. Apelo improvido.
APELAÇÃO
CÍVEL Nº 1.0116.06.007700-9/001 - Comarca de...
Apelante : Ministério
Público Estado Minas Gerais
Apelado : ...
A C Ó
R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a
2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, incorporando
neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas
taquigráficas, à unanimidade de votos, EM NEGAR PROVIMENTO.
Belo Horizonte, 12 de agosto de
2008.
DES.
NILSON REIS
Relator
N O T
A S T A Q U I G R Á F I C A S
Assistiu ao julgamento, pelo
apelado o Dr. Geraldo Araújo.
O SR. DES. NILSON REIS - Conheço
do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade. Trata-se de Ação
Civil Pública, por ato de improbidade administrativa, ajuizada pelo Ministério
Público do Estado de Minas Gerais em face de ..., ex-Prefeito
Municipal de ..., que, conforme se apurou em Processo Administrativo
Investigatório, “realizou, durante todo o seu mandato, admissão ilegal e
indiscriminada de inúmeros servidores públicos, sob a falsa premissa de que
estariam sendo contratados para atender a necessidade temporária de excepcional
interesse público,” requerendo, a final, a condenação do requerido nas
penalidades elencadas no art. 12 e incisos da Lei nº 8.429/92.
Notificado para os fins e
efeitos do art. 17 da Lei nº 8.429/92, o requerido manifestou-se às fls.
210/214-TJ.
Recebida a petição inicial (fl.
216-TJ), citado, o réu apresentou a contestação de fls. 219/225-TJ.
Sentenciando, ao fundamento de
inexistir nos autos qualquer prova de dolo ou má-fé do requerido, nem tampouco
de enriquecimento ilícito ou de prejuízo ao Erário, julgou o ilustre juiz a quo improcedente a pretensão inicial (sentença, fls.
233/240-TJ).
Inconformado, apelou o
Ministério Público insistindo em alegar que “o apelado, efetivamente, agiu com
dolo nas contratações ilegais, pois sabia que deveria realizar concurso
público...”, e que, “para a configuração do ato de improbidade administrativa
não é imprescindível a provocação de dano ao patrimônio público”. (fls.
241/248-TJ).
Recebido (fl. 248v-TJ), o
recurso foi contra-razoado (fls. 249/251-TJ).
A Procuradoria-Geral de Justiça,
manifestando-se às fls. 257/271-TJ, opinou pelo provimento do recurso.
Este o Relatório. Decido.
É fato incontroverso nos autos o
da contratação de servidores públicos municipais na gestão do ex-Prefeito de ..., ..., sem a realização de concurso
público, o que, a princípio, configura prática irregular e ilegal. In casu, importa decidir se tal prática configura ato de
improbidade administrativa imputável ao Agente Público que, neste caso, ficaria
sujeito às severas penalidades previstas no art. 12 da Lei nº 8.429/92.
A questão não é nova e a
respeito da mesma já tive oportunidade de me posicionar.
A Lei 8.429/92 tem caráter
aberto, e seu artigo 11 estabelece, de forma genérica, que constitui ato de
improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da administração
pública, qualquer ação ou omissão violadora dos deveres de imparcialidade,
legalidade ou lealdade das instituições públicas. Como esses conceitos são
indeterminados, o Ministério Público, responsável pela apuração e propositura
da ação de improbidade, possui a tarefa de interpretar o alcance da conduta do
agente público investigado.
O subjetivismo, concessa vênia, é um traço marcante da
interpretação das normas de caráter aberto, devendo o intérprete, antes de mais
nada, estar comprometido em atender às finalidades da lex
colocada sob seu crivo, do que pretender punir por punir quem não cometeu ato
de improbidade, ou seja, nem todos os atos ou omissões administrativas são
passíveis de enquadramento na Lei nº 8.429/92.
Antes de mais nada, a
improbidade administrativa significa desonestidade, infringência
ao princípio da moralidade, com enriquecimento ilícito do agente, dano ao
erário ou ofensa aos princípios da administração pública.”O administrador
desastrado ou inábil que não cause prejuízo ao erário público está fora do
contexto legal da lei de improbidade administrativa, como decidido pelo Superior
Tribunal de Justiça”(STJ - 1ª T., REsp nº
213.994-0/MG, Relator Ministro Garcia Vieira, DJ de 27.9.99).
Nem todos os equívocos ou erros
administrativos possuem o caráter de tipificar o agente público na Lei de
Improbidade, que possui severas sanções (ressarcimento ao erário, perda da
função pública, suspensão dos direitos políticos, perda dos bens acrescidos
ilicitamente, multa civil e proibição de contratar com o poder público).
A este respeito, permissa venia, já
tive a oportunidade de decidir, em apelo de minha relatoria, que:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL - FALTA DE
COMPROVAÇÃO DE DESPESAS DE VIAGEM. 1 - A não apresentação de documentos e
comprovantes de realização de despesas de viagens, que ensejaram a concessão de
diárias, não configura ato de improbidade, seja porque inexiste a obrigação
legal de que tal comprovação se dê, seja porque, ainda, houvesse tal obrigação
legal, sua violação, à míngua da demonstração de dolo do agente, configuraria ilegalidade,
mas jamais ato de improbidade. 2 - Recurso provido”(Apelação Cível nº 1. -
Segunda Câmara Cível - pub. 22.08.2003).
Naquela decisão, como em outras
análogas, externei minha posição no sentido de que não é razoável, e muito
menos justo, que qualquer conduta do agente público desencontrada com
dispositivo legal, configure, por si só, improbidade administrativa. Ofende, a
meu sentir, a razoabilidade, tipificar como ímprobo, e condenar à perda da
função pública, suspensão de direitos políticos, multa civil, entre outras
sanções, qualquer ilegalidade praticada por um agente público.
Nesse
sentido a lição de Fábio Medina Osório, em sua obra Improbidade Administrativa
- Observações sobre a Lei 8.429/92 (2ª ed., Porto Alegre, Síntese, 1998):
“Será qualquer ilegalidade que
poderá ensejar configuração de improbidade administrativa?
Com efeito, aqui, cabe
registrar, fundamentalmente, que a mera ilegalidade, pura e simples, não revela
a improbidade administrativa, na exata medida em que esta é uma categoria do
ilícito mais grave, acentuadamente reprovável, seja por dolo ou culpa do
agente, merecedor de especiais sanções. A ilegalidade, por si só, não acarreta
incidência da lei de improbidade, porque tal hipótese traduziria o caos na
administração pública. Veja-se que a cada julgamento de procedência de um
mandado segurança, por exemplo, seria obrigatório o reconhecimento da
improbidade administrativa! Semelhante situação criaria soluções absurdas e
aberrantes, gerando insegurança jurídica aos administrados e aos
administradores, pois estes últimos ficariam sujeitos, em tese, à perda da
função pública, suspensão dos direitos políticos, multa civil, interdição de
direitos e, mais do que tudo, à qualidade de agentes ímprobos toda vez que
cometessem ilegalidades.
(...)
A tarefa de identificação das
normas legais cujo cumprimento é exigível dos agentes públicos cabe, de
qualquer sorte, ao Poder Judiciário, no que diz respeito ao próprio conceito de
improbidade administrativa, respeitadas as competências constitucionais de
outros órgãos.
(...)
A ilegalidade enseja possível
improbidade administrativa, dependendo tal conclusão da existência de
requisitos complementares, os quais merecem análise pelos operadores jurídicos.
Nesse passo, o grau de gravidade
das ilegalidades é que repercute na configuração da improbidade dos agentes
públicos.
Entram no campo analítico do
intérprete, ainda, para verificação da improbidade administrativa, os elementos
de ordem normativa e subjetiva, vale dizer, a culpa e o dolo. Estes, no
entanto, submetem-se a requisitos próprios e bem diferenciados daqueles
exigidos pelo direito penal, porque o Direito Administrativo possui exigências
específicas e inconfundíveis com aquelas presentes nas leis penais.
Saliente-se que o dolo não pode
ser confundido com o conhecimento atual ou potencial de ilicitude pelo agente”.
E mais,
“As cominações relativas às
múltiplas espécies de improbidade administrativa não se devem aplicar aos
agentes que tenham condutas culposas leves ou levíssimas, exatamente em função
do “telos” em pauta e por não se configurar a
improbidade, nestas situações, sequer por violação aos princípios, sendo de
grifar que a preservação do sistema jurídico não se coaduna com excessos de
qualquer matiz “(Juarez de Freitas, in Do princípio da probidade administrativa
e de sua máxima efetivação - Publicada na RJ nº 221 - MAR/1996, pág. 22).
Na mesma linha extrai-se da
jurisprudência do egrégio TJRS:
“PROCESSUAL E ADMINISTRATIVO.
CERCEAMENTO DE DEFESA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA.
DISTINÇÃO ENTRE ILEGALIDADE E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. O SIMPLES DESRESPEITO
AOS PRINCÍPIOS REGULADORES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, EMBORA CARACTERIZE UMA
ILEGALIDADE, NÃO CONFERE NECESSARIAMENTE AO ATO A MARCA DA IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA,
QUE EXIGE A AGREGAÇÃO DE UM ELEMENTO SUBJETIVO (DOLO DE FAVORECIMENTO
PARTICULAR EM DETRIMENTO DO INTERESSE PÚBLICO)...”(Apelação Cível nº 599017217,
Primeira Câmara de Férias Cível do TJRS, Pelotas, Relator Desembargador Paulo
de Tarso Vieira Sanseverino. j. 08.06.1999).
ADMINISTRATIVO - IMPROBIDADE
ADMINISTRATIVA - DELEGADO REGIONAL DO TRABALHO - NÃO REVOGAÇÃO DE AUTORIZAÇÃO
PARA REDUÇÃO DE INTERVALOS DE REPOUSO E ALIMENTAÇÃO - SUSPENSÃO TEMPORÁRIA - DE
INTERDIÇÃO EM SETOR DE EMPRESA - CONTRAPOSIÇÃO À PORTARIA Nº 3.116/89 E O ART.
161, § 5º, DA CLT - INTERVENÇÃO EM FISCALIZAÇÕES - ATOS DE IMPROBIDADE - ART.
11 DA LEI Nº 8.429/92. 1. Para a configuração do ato de improbidade basta o
retardamento ou a omissão indevidos, ou seja, sem motivo ou razão plausível. O
advérbio” indevidamente “reforça a exigência de dolo, consistente na
consciência da antijuridicidade da ação ou omissão. E, de fato, só se poderá
cogitar de improbidade quando o retardamento ou a omissão violarem um ou mais
deveres enumerados pelo caput do art. 11. O mero atraso, ainda que
derivado da negligência, não se erige em ato de improbidade administrativa. É a
doutrina de Francisco de Almeida Prado, em sua obra clássica Improbidade
Administrativa, Malheiros Editores, 2001, p. 129. Dessa forma, não vislumbro, in
casu, a ocorrência da hipótese prevista no art.
11 da Lei nº 8.429/92. (...) Por conseguinte, in casu,
examinando-se, em sede de controle de legalidade, os fatos que ensejaram o
ajuizamento da presente ação, não constato a ocorrência de improbidade
administrativa na conduta do apelado. 2. Improvimento
da apelação. (TRF 4ª R. - AP-ACPúb
2000.71.00.014504-3 - RS - 3ª T. - Relator Desembargador Federal Carlos Eduardo
Thompson Flores Lenz - DOU 21.07.2004 - p. 659).
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CAPACIDADE
POSTULATÓRIA DO MINISTÉRIO PÚBLICO - LEGITIMIDADE DOS MEMBROS DE COMISSÃO DE
LICITAÇÃO - AUSÊNCIA DE DOLO OU CULPA - AUSÊNCIA DE LESIVIDADE AO INTERESSE
PÚBLICO - AUSÊNCIA DE CONFIGURAÇÃO DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - PREVALÊNCIA
DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE ESTRITA LEGALIDADE - É o Ministério Público capaz de
movimentar a Ação Civil Pública. Os membros de comissão de licitação podem
figurar no polo passivo, já que respondem pelos seus atos. É necessária a
análise dos elementos subjetivos do dolo ou da culpa, na conduta de cada um dos
acusados para a configuração de infração a norma administrativa penal. A
ausência de lesividade ao interesse público impede a
punição administrativa penal. Sem lesividade, dolo ou
culpa, a conduta não merece ser punida, pois não se configura ato de
improbidade administrativa. Diante do caso concreto, o interesse público deve
prevalecer sobre critérios de estrita legalidade, princípio este que busca a
proteção do interesse coletivo que, no caso, não foi lesado”(TJMG - APCV
000.289.871-6/00 - Oitava Câmara Cível - Relator Desembargador Sérgio Braga -
J. 17.02.2003).
O que ocorre é que análise
isolada da prática de ato em desacordo com os princípios e regras norteadoras
da Administração Pública (art. 37 da Constituição da República) não é
suficiente, a meu sentir, para a caracterização do ato de improbidade, o que
exige também o cotejo de outros elementos no caso concreto, tais como a
caracterização de dano ao erário, ou de proveito patrimonial do agente ou quem
que o interesse, ou mesmo a presença de má-fé, ou dolo do administrador público
como condição para a aplicação de penalidades em sede Ação Civil Pública.
Ora, in casu,
não obstante a prática de atos em desacordo com os princípios e regras que norteiam
a Administração Pública, relativos à contratação de servidores
independentemente da realização de concurso público, não há nos autos provas de
que deles advieram proveito patrimonial para o apelado, nem prejuízo para o
Erário.
Se a Administração despendeu
recursos para remunerar os servidores contratados em caráter temporário, também
é certo que se aproveitou dos serviços por eles prestados. Não restou provado e
nem mesmo foi alegado, nos autos, que houve superfaturamento dos salários
pagos.
Tampouco, concessa
venia, que tenha o Agente Público agido de má-fé,
ou com dolo, restou demonstrado nos autos.
A propósito, vale a transcrição
das seguintes ementas:
“Se não houve nenhum
enriquecimento ilícito do Prefeito e se a admissão das pessoas relacionadas na
inicial não importou em nenhum prejuízo ao erário municipal e se o réu se
mostrou apenas inábil na administração do Município, não poderão ser suspensos
os seus direitos políticos por cinco anos e nem ser o mesmo proibido de
contratar com o Poder Público e de receber incentivos por três anos “(STJ,
Relator Ministro Garcia Vieira, REsp. nº 213.994/MG,
DJU 27.09.99).
“EMENTA: AÇÃO CIVIL PÚBLICA -
ATO DE IMPROBIDADE - OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE - AUSÊNCIA DE DANO AO
ERÁRIO - IMPROCEDÊNCIA. Não há que se falar em punição do agente se o ato,
embora ilegal, não foi capaz de produzir um evento lesivo e nem se produziu
prova de haver a ação se revestido de má-fé”(TJMG -Apelação Cível nº
1.0000.00.354.311- 3/000 - Relator Desembargador Geraldo Augusto).
Na feliz síntese do eminente
Ministro do colendo Superior Tribunal de Justiça, Luiz Fux,”...
a má-fé é premissa do ato ilegal e ímprobo. Consectariamente,
a ilegalidade só adquire o status de improbidade quando a conduta antijurídica
fere os princípios constitucionais da Administração Pública coadjuvados pela
má-fé do administrador. A impobridade administrativa,
mais que um ato ilegal, deve traduzir, necessariamente, a falta de boa-fé, a
desonestidade” (REsp. nº 480.387-SP), o que não
restou comprovado nos autos.
Assim sendo, com estes
fundamentos, nego provimento ao recurso.
Custas recursais, ex lege.
O SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA - De
acordo.
O SR. DES. CAETANO LEVI LOPES -
De acordo.
Súmula - NEGARAM
PROVIMENTO.
BOCO9307—WIN/INTER
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