MANUAL DE BOAS PRÁTICAS EM LICITAÇÃO PARA CONTRATAÇÃO DE SISTEMAS DE GESTÃO PÚBLICA - MEF33987 - BEAP

 

 

COMENTÁRIOS DE MÁRIO LÚCIO DOS REIS *

 

 

                Sob o título acima, pode ser consultado no site do TCE/MG o interessante trabalho desenvolvido em 2015 por um seleto grupo de técnicos especialistas do Tribunal, abordando especificamente o tema de licitações para contratação de sistemas informatizados de gestão pública, quais sejam os softwares de Contabilidade, Recursos Humanos, Folha de Pagamento, Tributação, Tesouraria, Patrimônio, Almoxarifado, Licitações, Compras, Nota fiscal eletrônica, dentre outros.

                Por sua vez o TCE/MG editou o referido trabalho motivado pelo crescente número de denúncias e de consultorias abordando o tema, atribuídas ao impacto do vertiginoso avanço da tecnologia da informação.

                Trata-se de um manual abrangente e esclarecedor que dá asas ao exercício da função pedagógica do Tribunal de Contas, apresentado em quatro capítulos, sendo que, neste ensejo estamos abordando os três primeiros capítulos, restando o quarto capítulo para uma próxima oportunidade, que aborda as irregularidades mais comuns nas licitações do tipo.

 

                PLANEJAMENTO NECESSÁRIO

                Primeiro e muito importante passo a ser dado por todos os entes públicos é a decisão quanto a adquirir, locar ou usar softwares livres, decisão esta que vai depender essencialmente da equipe técnica interna de analistas e programadores pertencentes aos quadros do ente público.

                Com efeito, se contar com estes profissionais, pode-se decidir pelo software livre, fornecido pelo Governo Federal, que é gratuito, porém exigirá dedicação intensiva da equipe técnica própria para a manutenção e customização do sistema a tempo e a hora para atender as exigências das leis de transparência fiscal e de acesso à informação.

                Não dispondo dessa equipe, forçosamente se deve decidir pela locação ou compra do sistema, sabendo-se que, em ambas as hipóteses, há que se esmerar na elaboração do termo de referência que acompanha o edital, assegurando-se de que a empresa fornecedora do software manterá equipe de suporte em tempo integral para a implantação, manutenção e customização do sistema, responsabilizando-se pelo cumprimento dos prazos legais para geração de todos os relatórios exigidos pelas normas do MCASP, pela Secretaria do Tesouro Nacional, Tribunal de Contas e demais órgãos fiscalizadores.

                O manual ora examinado é rico em informações, análises e interpretações legais que conduziram à conclusão de que a contratação de sistemas de gestão pública, apesar da complexidade envolvida, é considerada serviço comum na forma preconizada pela Lei n° 10.520/2002, que regulamenta a modalidade de pregão, que, no caso, portanto, é a mais recomendável para tal contratação.

 

                Reproduzimos a seguir os três capítulos do manual, in literis:

 

                1 INTRODUÇÃO

                Os impactos causados pelo avanço da tecnologia, com inúmeros recursos e soluções oferecidos pela informática, refletiram sobremaneira na rotina da Administração Pública e, inexoravelmente, no crescente aumento de licitações cujo objeto envolva sistemas de gestão. Com isso, intensificou-se o número de denúncias enviadas ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais - TCEMG.

                Ao longo do tempo, as decisões desta Casa sobre a matéria culminaram na consolidação de uma jurisprudência, resultado de um intenso processo de dilemas, experiências e construções advindas do diuturno exercício da missão constitucional de fiscalização e controle, bem como pedagógica, confiada a esta Corte.

                No exercício de sua competência, esta Casa envida esforços a fim de auxiliar os jurisdicionados na missão de gerir os bens, recursos e valores postos sob a tutela dos agentes públicos. Muitos desses esforços e mobilizações concentram-se em ações de cunho pedagógico que ensejam a edição de publicações contendo decisões, recomendações e orientações. A prática tem demonstrado resultados bastante positivos e um grande alcance dessa linha de atuação, que contribui decisivamente para a melhoria das ações dos órgãos e entidades submetidos à jurisdição desta Corte. Dessa forma, ao TCEMG cabe não só a fiscalização do cumprimento das normas, mas também o exercício da função pedagógica.

                Ademais, diante da verificação de contínuas irregularidades em editais que instruem denúncias acerca de licitações destinadas à contratação de empresas para prestação de serviços de locação ou licenciamento de software de gestão pública, o TCEMG entendeu ser o momento atual mais que pertinente para a elaboração e divulgação de um manual sobre a matéria.

                Ressalta-se, ainda, como fator primordial para a execução deste Manual, a premissa de que o escorreito cumprimento pelos jurisdicionados das normas atinentes às contratações de bens e serviços de Tecnologia da Informação - TI - está a demandar orientações e recomendações que lhes sirvam de subsídios para nortear contratações dessa natureza.

                Este Manual contém deliberações do TCEMG e outras informações afetas ao assunto. Abrange o planejamento da contratação, inclusive as opções apresentadas à Administração — adquirir, locar ou utilizar softwares livres —, tipos de licitação, critérios de julgamento, exigência de certificações, desproporção de pesos para valoração da nota técnica, impropriedades dos critérios de pontuação, parcelamento do objeto, exigência de atestados de capacidade circunscritos a pessoas jurídicas de direito público, apresentação de amostra, falta de limites à subcontratação e efetividade das leis de transparência fiscal e de acesso à informação.

                A proposta de elaboração do manual destitui-se de caráter normativo e não tem a intenção de esgotar o assunto. Seu propósito é servir de fonte de consulta aos jurisdicionados para o aprimoramento nos procedimentos licitatórios. O desafio é propiciar o conhecimento em ramo relativamente novo, essencialmente técnico e dinâmico, portanto, passível de contínuas transformações.

 

                2 DEFINIÇÕES

                Para fins deste Manual, consideram-se:

                a) Sistema de Gestão Pública: é uma arquitetura de software que visa ao fluxo de informação entre as Áreas de Gestão dentro de um ente público (Prefeituras, Câmaras, Autarquias, Empresas Públicas, Sociedades de Economia Mista etc).

                b) Áreas do Sistema de Gestão Pública: funções que compõem o Sistema de Gestão Pública de forma cumulativa ou não, tais como Planejamento de Governo, Contabilidade Pública e Tesouraria, Controle Interno, Gestão de Contratações Públicas, Gestão de Almoxarifado, Gestão de Patrimônio Público, Gestão de Frotas, Gestão Tributária, Gestão de Pessoal e Folha de Pagamentos, Gestão de Processos - Protocolo, entre outros.

 

                3 A IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO NAS CONTRATAÇÕES DE TI

                Planejar é insito à atividade de administrar. O planejamento, portanto, não é atividade submetida a juízo de oportunidade e conveniência. Constitui dever do gestor manejar o recurso público de forma eficaz e eficiente para gerar o maior benefício para a sociedade.

                Como em toda e qualquer licitação, especialmente naquela cujo objeto seja a locação ou o licenciamento de sistemas de gestão pública, o planejamento é fundamental. Em objetos dessa natureza, as minúcias e os cuidados devem ser redobrados, notadamente porque a falha no planejamento vai repercutir de forma inevitável na licitação e, por conseguinte, numa má contratação. E má contratação, em objeto dessa estirpe, normalmente significa afetar toda a rotina da Administração, dada a singular dependência das organizações dos sistemas de informática para a execução orçamentária, financeira, patrimonial e contábil.

                A vantagem do planejamento está intimamente relacionada à criação de estratégias para alcançar os objetivos definidos pela Administração no intuito de efetivar políticas públicas e alocar adequadamente os recursos confiados ao agente público, sem perder de vista as premissas da obtenção da proposta mais vantajosa, da facilitação do controle, da transparência, da sustentabilidade, da efetividade e do maior compartilhamento de informações. Sob essa perspectiva, o planejamento pode ser entendido como a escolha consciente de ações que aumentem as chances de obter no futuro algo desejado no presente. É uma atividade que orienta possibilidades, arranjos institucionais e políticos.

                Em resumo, planejar é determinar os objetivos ou metas de uma organização, como também coordenar os meios e os recursos para atingi-los.

                O planejamento é um dever e, portanto, uma obrigação. Trata-se de atividade de capital importância na Administração, especialmente nas licitações e nos contratos administrativos.

                A etapa de planejamento da licitação encerra-se com a assinatura do Termo de Referência, se a modalidade eleita for o Pregão, instituída pela Lei n. 10.520, de 17 de julho de 2002, ou do Projeto Básico, caso a espécie licitatória seja o Convite, a Tomada de Preços ou a Concorrência, disciplinada pela Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993.

 

                3.1 PLANEJAMENTO ASSOCIADO À ADEQUADA CONCEPÇÃO DO TERMO DE REFERÊNCIA OU PROJETO BÁSICO: INSTRUMENTOS FUNDAMENTAIS PARA O SUCESSO DA LICITAÇÃO

                O Termo de Referência ou o Projeto Básico ganham notável influência no êxito da licitação e da ulterior contratação.

                Jair Eduardo de Santana, em feliz intervenção, apregoa que o Termo de Referência contém os códigos genéticos da licitação e do futuro contrato a ser firmado com o licitante vencedor. Diga-se feliz intervenção, porquanto o doutrinador, com essa abordagem, precisou a inafastável importância do Termo de Referência como instrumento de gestão estratégica.

                Com efeito, um Termo de Referência, dotado de consistência e completude, tem o condão de estabelecer a adequada e necessária conexão entre o contrato desejado pela Administração e o planejamento que o antecedeu.

                O mesmo se diga em relação ao Projeto Básico, assim entendido como o conjunto de elementos necessários e suficientes, com o nível de precisão adequado para caracterizar a obra, serviço ou aquisição de materiais, devendo ser elaborado com base nas indicações de estudos técnicos preliminares, nos termos do art. 6º, inc. IX, da Lei nº 8.666/1993. Da forma exposta, pode-se conceituar o Projeto Básico. Nesse ínterim, indaga-se: o que vem a ser propriamente um projeto?

                Segundo o Wikipédia, “um projeto em negócio e ciência é normalmente definido como um empreendimento colaborativo, frequentemente envolvendo pesquisa ou desenho, que é cuidadosamente planejado para alcançar um objetivo particular”.

                Como se vê, a expressão “projeto” remete à noção de “pesquisa”, que, por sua vez, enseja “planejamento para alcançar um objetivo particular”. Logo, a elaboração de um Projeto Básico demanda pesquisa e planejamento esmerado para que seja atingido o objetivo de toda e qualquer licitação: a obtenção da proposta mais vantajosa. O planejamento, em termos práticos, materializa-se no Projeto Básico ou no Termo de Referência.

                Verifica-se, então, que as informações declinadas no Projeto Básico ou no Termo de Referência constituem elementos imprescindíveis para caracterizar o objeto. Igualmente, esses elementos propiciarão aos licitantes interessados no objeto licitado a formação de um preço, condição essencial para a formulação de uma proposta à Administração.

                Atualmente, deve-se atentar para o novo agir da Administração, que encara o particular mais como um parceiro do Poder Público na execução de obras, serviços e no fornecimento de materiais do que mero coadjuvante numa relação jurídica de sujeição, marcada pela verticalidade e superioridade de outrora. Todavia, informações imprecisas ou obscuras, ou até mesmos a falta delas, podem macular insanavelmente essa profícua relação de parceria.

                Enfim, o Termo de Referência ou o Projeto Básico não são apenas obrigatórios e necessários. Neles havendo falhas ou incompletudes, a licitação redunda em vício, passível de colocar sob séria e grave ameaça o sucesso da contratação, os objetivos perseguidos pela Administração e, a toda evidência, a tutela sobre o gasto público.

                O Termo de Referência ou o Projeto Básico completos e consistentes estabelecem íntima conexão entre o contrato desejado pela Administração e o planejamento, que os antecederam, e redundam no sucesso da licitação e da contratação.

 

                Nesse particular aspecto, cita-se jurisprudência deste Tribunal:

                [...]

                O Projeto Básico constitui elemento importante na caracterização do objeto a ser licitado, de forma a indicar seu custo, o prazo de execução, sua viabilidade técnica e econômica, visando a possibilitar a todos o mais amplo conhecimento sobre o objeto licitado, desde a solução técnica pretendida até os tipos de materiais e serviços que serão, no futuro, exigidos pelo órgão público, bem como a garantir a regular execução da obra ou serviço licitado, evitando-se correções e aditamentos custosos.

                O não cumprimento deste requisito ou seu cumprimento de forma parcial é, sem qualquer dúvida, fator responsável pelas inúmeras irregularidades nas contratações do Poder Público. Projetos Básicos incompletos, vagos, deficientes e sem controle de qualidade induzem a erros e gastos desnecessários para a Administração, o que deve ser evitado em observância aos princípios da economicidade e eficiência.

                Assim, para a Administração, é importante que o projeto básico atenda a certos requisitos, uma vez que, quando da realização de obras e serviços, os riscos para a Administração são maiores que os existentes nas compras, pois os contratos, em geral, geram obrigações de fazer, que se prolongam no tempo. Existem maiores riscos, até mesmo de haver a multiplicação dos custos, superando as previsões iniciais.

                Nesse sentido, justifica-se que a Lei Nacional de Licitações tenha estabelecido, em seu art. 12, requisitos próprios, cercados de maiores cautelas, para a contratação de obras e serviços, buscando evitar o desperdício, contratações desnecessárias, precipitadas ou inexequíveis.

                Marçal Justen Filho, ao comentar acerca do cumprimento dos requisitos estabelecidos no art. 7º, observa que: “As exigências não se constituem em requisito de mera forma.

                Trata-se de redução do âmbito de liberdade de escolha da Administração. O estrito cumprimento das exigências do art. 7º elimina decisões arbitrárias ou nocivas. São eliminadas as contratações: a) não antecedidas de planejamento; b) cujo objeto seja incerto, c) para as quais inexista previsão de recursos orçamentários; d) incompatíveis com as programações de médio e longo prazo. A Lei foi mais minuciosa e exigente que o Decreto-Lei nº 2.300/86, o que evidencia a relevância do tema”.

                Na mesma vertente, a lição abalizada do professor Jorge Ulisses Jacoby Fernandes em seu artigo intitulado “A nova dimensão do projeto básico nas licitações,” nestes termos: “Entre as boas inovações trazidas pela Lei nº 8.666/93, que disciplinou, no âmbito da Administração Pública, o tema da licitação e contratos, está a obrigatoriedade do projeto básico, para a contratação de qualquer obra ou serviço. Conquanto ainda continuem alguns a sustentar que essa exigência só cabe para as contratações na área de engenharia, a interpretação literal indica, de forma clara, que esse requisito foi pontualmente estabelecido pelo legislador pátrio de modo amplo. Efetivamente o art. 7º, notadamente no § 2º, inciso I, da Lei em epígrafe, coloca a necessidade da prévia elaboração do projeto básico, estabelecendo que somente poderão ser licitados os serviços e as obras depois de atendida essa exigência”.

                Destarte, tendo em vista a importância do Projeto Básico na caracterização do objeto da licitação, o que evitará, decerto, decisões arbitrárias ou nocivas, e considerando que a lei não fez qualquer distinção, é de se concluir que a exigência do Projeto Básico não existe só para serviços de engenharia, como sustentam alguns, mas para toda e qualquer obra ou serviço. Esta é, a meu ver, a interpretação adequada do art. 7º da Lei nº 8.666/93.

                [...]

                Destaca-se, por oportuno, que, obviamente, o conteúdo a ser exigido para esse anexo do edital sofrerá modificações de acordo com o que se queira contratar, sendo tão mais completo quanto mais complexa for a obra ou serviço em licitação.

                Ante o exposto, conclui-se que o Projeto Básico é exigência legal para contratação de obras e serviços, sem qualquer distinção. A inobservância desse requisito, essencial à fase interna e que se reflete na fase externa da licitação, pode ensejar a nulidade de todo o certame, haja vista que a ausência desse detalhamento prévio é considerado vício insanável. A propósito, nesse sentido vem se constituindo a jurisprudência do eg. Tribunal de Contas da União sobre o tema, como demonstrado.

                [...]

                O termo de referência é documento que substitui o projeto básico nas licitações realizadas sob a modalidade pregão, constituindo item de suma importância que descreve minuciosamente todos os elementos necessários para a formalização da contratação. A esse respeito, ensina Marçal Justen Filho:

                O dito “termo de referência” consiste na formalização documental das avaliações da Administração acerca disso tudo. Nele se evidenciarão as projeções administrativas acerca da futura contratação, de molde a assegurar que a Administração disponha de todas as informações necessárias a determinar a necessidade, a viabilidade e a conveniência da contratação.

                O termo de referência deve conter, nos termos da legislação mineira aplicável à matéria (Decreto nº 44.786/08 - art. 4º, XX), todos os elementos necessários e suficientes (i) à verificação da compatibilidade da despesa com a disponibilidade orçamentária, (ii) ao julgamento e classificação das propostas, (iii) à definição da estratégia de suprimento, (iv) à definição dos métodos de fornecimento ou de execução do serviço e (v) à definição do prazo de execução do contrato.

                A necessidade de fazer constar o termo de referência como um anexo dos editais de licitação deflagrados com vistas à aquisição de pneus está consolidada no âmbito desta Corte, encontrando-se essa orientação expressa na cartilha intitulada “Principais irregularidades encontradas em editais de licitação - PNEUS”’:

                O Termo de Referência, específico para a modalidade de pregão, ainda que pelo Sistema de Registro de Preços, é um instrumento de gestão estratégica, sendo, portanto, indispensável. Representa uma projeção detalhada da futura contratação, onde são abordadas questões como: a definição do objeto de forma detalhada, clara e precisa; as etapas; os prazos; o valor estimado da contratação quanto ao custo unitário e global; a modalidade da licitação; a metodologia a ser observada (envolve tanto o tipo de insumos utilizados quanto o manuseio destes insumos); os critérios de avaliação de qualidade do produto; forma de apresentação do produto; critérios para avaliação da habilitação dos proponentes, além de outras questões. Em razão disto, o Termo de Referência é utilizado como um anexo ao edital de licitação.

                A ausência de termo de referência anexo ao edital constitui, portanto, irregularidade, que afronta o disposto no inciso II do art. 8º do Decreto Federal nº 3.555/00 e o inciso I do § 10º do art. 7º do Decreto Estadual nº 44.786/08, que estabelecem o termo de referência como anexo necessário do ato convocatório do pregão. [...]

                [...] a última irregularidade apontada pela Unidade Técnica diz respeito à ausência do Termo de Referência como Anexo do Edital.

                No Estado de Minas Gerais, o Decreto 44.786/2008 impõe claramente a obrigatoriedade do Termo de Referência como um dos anexos do edital, a conferir:

 

                “Art. 6º A fase preparatória do pregão observará as seguintes regras:

                I - caberá à unidade solicitante, que em caso de necessidade será auxiliada pela área de suprimento, elaborar o termo de referência e iniciar o processo, com as seguintes especificações:

                [...]

 

                Art. 7º A elaboração do edital de pregão deverá observar, no que couber, o disposto no art. 40 da Lei Federal nº 8.666, de 1993.

                [...]

                § 10. Constitui anexo do edital, dele fazendo parte integrante:

                I - Termo de Referência e”;

                O Termo de Referência, segundo dispõe o art. 8º, inciso II, do Decreto Federal nº 3.555/2000, é “o documento que deverá conter elementos capazes de propiciar a avaliação do custo pela Administração, diante de orçamento detalhado, considerando os preços praticados no mercado, a definição dos métodos, a estratégia de suprimento e o prazo de execução do contrato”. Trata-se, pois, de documento que apresenta uma projeção detalhada da futura contratação, eis que aborda questões como: a definição do objeto de forma detalhada, clara e precisa; as etapas; os prazos; o valor estimado da contratação quanto ao custo unitário e global; a modalidade da licitação; metodologia a ser observada; os critérios de avaliação de qualidade do produto; forma de apresentação do produto; critérios para avaliação da habilitação dos proponentes, dentre outras.

                Vale, pois, ressaltar que, caso o Termo de Referência se apresente falho ou incompleto, a licitação estará viciada e a contratação não atenderá aos objetivos da Administração.

                Então, é de se indagar: em termos práticos, como deve ser feito o planejamento para a locação ou licenciamento de sistemas em gestão pública? A resposta a essa indagação perpassa o princípio constitucional da separação dos Poderes e a não competência dos Tribunais de Contas para regulamentar a matéria, uma vez que a Constituição confere ao ente federado o poder de se organizar, o que inclui, a toda evidência, o poder de se normatizar.

                De todo modo, sem ferir a prerrogativa estadual e municipal, nada impede às Cortes de Contas, no exercício de sua missão pedagógica, impor regras, rotinas e procedimentos destinados a instrumentalizar o planejamento, assim como tecer recomendações a respeito da matéria em pauta.

                Ressalta-se que o Poder Executivo Federal possui normatização relacionada a Bens e Serviços em Tecnologia da Informação - TI, a qual pode ser utilizada como paradigma. Trata-se da Instrução Normativa nº 04, de 12 de novembro de 2010, editada pela Secretaria de Logística e Tecnologia da Informação - SLTI, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão - MPOG, que dispõe sobre o processo de contratação de Soluções de Tecnologia da Informação pelos órgãos integrantes do Sistema de Administração dos Recursos de Informação e Informática - SISP - do Poder Executivo Federal.

 

                3.2 DA NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO: COMPRAR OU LOCAR? UTILIZAR SOFTWARES GRATUITOS?

                Antes de deflagrar procedimento licitatório tendente a obter o sistema de gestão pública, o gestor deve se indagar qual é a opção, dentre as possíveis, que melhor atenda o interesse público.

                Seja qual for a alternativa escolhida, cabe ao gestor expor em estudo técnico e/ou econômico os motivos da escolha feita, especialmente se a opção, a princípio, revelar-se menos vantajosa ao erário.

                A elaboração desse estudo decorre do princípio da motivação dos atos administrativos, fundamental para o controle do regular exercício do poder discricionário, especialmente num Estado Democrático de Direito. Sem motivação, inexiste transparência e sem transparência não há controle. Por conseguinte, a falta de elementos para se aferir a relação de pertinência entre as razões de fato e de direito com a decisão do administrador público compromete a fiscalização confiada às Cortes de Contas, bem como o exercício do controle social.

 

                José dos Santos Carvalho Filho sustenta que:

                [...] o exercício do poder discricionário deve sempre [...] sujeitar-se à devida contrapartida, esta representada pelos direitos fundamentais à boa administração, assim considerada a administração transparente, imparcial, dialógica, eficiente e respeitadora da legalidade temperada.

                Por sua vez, Marçal Justen Filho assim discorre sobre o controle de decisões exercitadas por força de competência discricionária: “[...] Como toda decisão exercitada em virtude de competência discricionária, admite-se controle relativamente à compatibilidade entre os motivos e a realidade e no tocante à adequação proporcional entre os meios e resultados”.

                Vê-se, então, que a decisão do gestor pela compra, locação do Sistema de gestão pública ou utilização de softwares gratuitos, no exercício da discricionariedade, não significa ampla e irrestrita margem de atuação.

 

                MOTIVAÇÃO - TRANSPARÊNCIA - CONTROLE - PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO

                Cabe ao gestor, nos autos do procedimento licitatório, fundamentar a escolha considerando, ao menos: (i) a vantajosidade de se utilizar softwares gratuitos existentes; (ii) a viabilidade de filiar-se às redes de compartilhamento de soluções criadas pelo Governo Federal e Governo Estadual;(iii) a viabilidade da celebração de consórcio público para a redução do custo fixo de desenvolvimento do software; (iv) vantajosidade de se adquirir a licença permanente do software.

                O gestor pode comprar ou locar o software ou ainda utilizar software gratuito, desde que motive sua opção sob os prismas da “vantajosidade” e da “viabilidade”.

                Ato administrativo discricionário destituído de motivação é ato violador da transparência. E sem transparência não há espaço para o exercício do controle, seja o estatal, seja o social.

                Nesse sentido, transcrevem-se excertos de decisão desta Corte nos autos de nº 800.682:

                [...] considero sanadas as irregularidades, frise-se, por crer que a ausência de motivação, que consistia no tema ora questionado, foi sanada com as justificativas apresentadas.

                Não obstante, determino aos Denunciados que, em futuros certames, motivem a opção pelo fornecimento remunerado de softwares, pela inviabilidade de realização de consórcios, a escolha pela locação de softwares e o fornecimento por uma mesma empresa, bem como para todas as escolhas de mérito que forem realizadas na condução dos processos licitatórios.

 

                Na mesma linha, decisão deste Tribunal nos autos de nº 804.626:

                Ressalte-se, quanto a este último item, que a ação colaborativa, consubstanciada, por exemplo, na formação de consórcios públicos, regulados pela Lei nº 11.107/05, ou na contratação direta de órgãos ou entidades que integram a Administração Pública, nos termos do inciso XVI do art. 24 da Lei nº 8.666/93, possibilita a redução do custo fixo da “construção” do software e é medida plenamente viável, quando se considera a semelhança nos perfis populacional e orçamentário de grande parte dos municípios mineiros.

                Demais disso, é cada vez mais comum o intercâmbio de informações e expertise entre os órgãos e entidades da Administração Pública na área de tecnologia da informação, seja pela cessão de softwares, por meio da celebração de convênios, seja pela abertura de programas-fonte a outros entes, com o retorno dos benefícios produzidos, uma vez que se assegura aos favorecidos a possibilidade de modificar e adaptar os programas e sistemas para fazê-los evoluir, para corrigi-los ou para enriquecê-los com novas funcionalidades.

                Deve-se mencionar, ainda, o acelerado desenvolvimento de softwares públicos, que atendem de forma cada vez mais satisfatória à demanda dos gestores, auxiliando-os na gestão pública e permitindo grande economia nos gastos com sistemas informatizados. Exemplo disso é o e-cidade, software público de gestão municipal patrocinado pelo governo federal, que no município de [...] permitiu a redução das despesas mensais nesse setor de R$ 3.000,00 (três mil reais) para apenas R$ 140,00 (cento e quarenta reais) [Essas informações foram retiradas de notícia veiculada no Jornal Gazeta do Oeste, em 07.07.11, no endereço eletrônico: http://www.g37.com.br/index.asp?c=padrao&modulo=conteudo&url=3578].

                Com efeito, deve-se ponderar que a discricionariedade do ato administrativo não ampara decisões antieconômicas, isto é, o gestor municipal não pode, a pretexto de atuar no exercício de seu poder discricionário, adotar estratégias que sejam prejudiciais ao interesse público. A motivação é requisito indispensável ao controle do regular exercício do poder — inclusive do poder discricionário — resguardando o cidadão e o patrimônio público contra a transformação dessa discricionariedade em arbítrio.

 

                No mesmo sentido, decisão havida nos autos de nº 811.101:

                [...] a meu sentir, o cerne da questão se configura tão somente com a ausência de motivação para a escolha pelos serviços/produtos licitados e, não, com a escolha efetuada pela Administração, que tem cunho indiscutivelmente discricionário.

                Neste particular, considero sanadas as irregularidades, frise-se, por crer que a ausência de motivação, que consiste no tema ora questionado, foi sanada com as justificativas apresentadas.

                Não obstante, determino aos Denunciados que, em futuros certames, motivem a opção pelo fornecimento remunerado de softwares, a inviabilidade de realização de consórcios, a escolha pela locação de softwares e o fornecimento por uma mesma empresa, bem como para todas as escolhas de mérito que forem realizadas na condução dos processos licitatórios.

                Seja locação, seja aquisição, seja software livre.

                Na fase de planejamento, o gestor deve fundamentar o porquê da escolha, considerando ao menos:

                (a) a vantajosidade de se utilizar softwares gratuitos existentes;

                (b) a viabilidade de aliar-se às redes de compartilhamento de soluções criadas pelos Governos Federal e Estadual;

                (c) a viabilidade da celebração de consórcio público para a redução do custo fixo de desenvolvimento do software; e

                (d) a vantajosidade de se adquirir a licença permanente do software.

 

(Fonte: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais - 2015)

 

 


* Contador, auditor, economista, administrador, professor universitário, consultor do BEAP, diretor técnico da Magnus Auditores.

 

 


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