DAS IRREGULARIDADES EM EDITAIS DE LICITAÇÃO PARA A AQUISIÇÃO, LOCAÇÃO OU LICENCIAMENTO DE SOFTWARE DE GESTÃO PÚBLICA - MEF34063 - BEAP

 

 

                                                                                                                                                                                                                                                                                                                           COMENTÁRIOS DE MÁRIO LÚCIO DOS REIS *

 

 

                INTRODUÇÃO

                Destacamos o título acima, que integra o capítulo 4 do ''Manual de boas práticas em licitação para contratação de sistemas de gestão Pública'', editado em 2015 por uma plêiade de especialistas do egrégio Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, cujos capítulos 1 a 3 já foi objeto de nossa análise em oportunidade pretérita.

                Neste ensejo, queremos ressaltar para nossos assinantes os profundos estudos da doutrina e jurisprudência pesquisados pelo TCE/MG que levaram à conclusão de não cabimento dos critérios de julgamento por ''melhor técnica '' ou ''técnica e preço'' nas licitações para contratação de sistemas informatizados de gestão pública, salvo casos excepcionais.

                Resta, pois, definitivo, que o critério de julgamento será o de '' menor preço'', ficando a grande dificuldade e responsabilidade por conta da especificação do termo de referência e do próprio edital, assegurando-se o preço mais vantajoso, porém sem prejuízo da boa técnica necessária, serviço de suporte e assistência técnica permanentes para implantação, manutenção e customização eficazes, inclusive na importação da base de dados do sistema anterior em caso de vir a ser substituído.

 

                FRACIONAMENTO DO OBJETO

                Discutiu-se muito se uma única empresa teria que fornecer todos os softwares (julgamento pelo menor preço global) ou se seria fracionado o objeto (julgamento pelo menor preço unitário), concluindo-se que qualquer da hipótese adotada terá que ser criteriosamente motivada e justificada nos autos do processo.

                É muito importante, portanto, entender e deixar claro que não se trata de um mero aluguel ou licenciamento de um programa, sendo mais importante e até mais custoso, o suporte, a customização e a manutenção de todo o sistema, com atuação de analistas e programadores competentes.

 

                SEGURANÇA DO SISTEMA INFORMATIZADO

                Se todos os softwares forem pertencentes a uma única empresa, a integração entre os mesmos é praticamente automática, sendo também os custos de manutenção mais reduzidos, pois um único profissional, em uma única visita técnica, atenderá a todos os departamentos.

                Com o atual nível de evolução do SICOM e outros sistemas, é praticamente inconcebível a utilização de vários sistemas não integrados entre si, além de ser minimizada a ocorrência de erros atribuídos aos sistemas.

                Finalmente salientamos a grande importância da garantia, no contrato de softwares, da manutenção dos arquivos da base de dados quando ocorrer a rescisão contratual, para o que se recomenda a inclusão de cláusula que obrigue a empresa provedora do programa a liberar o sistema para consultas aos arquivos com senha livre, definitiva e por prazo indeterminado, sem mais ônus para a contratante após a rescisão contratual.

                Transcrevemos a seguir o capítulo 4 e seus subitens 4.1, 4.2, 4.3 e 4.4, do manual ora analisado, a saber:

 

                4 DAS IRREGULARIDADES EM EDITAIS DE LICITAÇÃO PARA A AQUISIÇÃO, LOCAÇÃO OU LICENCIAMENTO DE SOFTWARE DE GESTÃO PÚBLICA

 

Por tópicos, relacionam-se a seguir as principais deliberações desta Corte referentes às licitações cujo objeto seja a aquisição, locação ou licenciamento de softwares de gestão pública.

 

                4.1 DA IMPROPRIEDADE DA ELEIÇÃO DO TIPO DE LICITAÇÃO "TÉCNICA" OU "TÉCNICA E PREÇO" COMO CRITÉRIO DE JULGAMENTO DA LICITAÇÃO

                Concorrência, Tomada de Preços, Convite, Leilão e Pregão são modalidades de licitação. Tipo de licitação, por outro lado, é o critério de julgamento para a seleção da proposta mais vantajosa. O art. 45, §1º, do Estatuto Licitatório pátrio, Lei n. 8.666/93, prevê 04 (quatro) critérios de julgamento: (i) menor preço; (ii) melhor técnica; (iii) técnica e preço e (iv) maior lance ou oferta.

                Independentemente da modalidade eleita para o procedimento licitatório, a regra nas licitações é o emprego do tipo "menor preço", reservando-se o "maior lance ou oferta" a situações específicas e a "melhor técnica" ou "técnica e preço" a casos excepcionais.

                Não se desconhece que é próprio do serviço a sua natureza intelectual, típica quando a obrigação é de fazer. Entretanto, esse atributo, isoladamente, não tem o condão de validar o tipo da licitação "técnica" ou "técnica e preço" quando o objeto é a locação ou o licenciamento de sistemas de gestão pública.

                Com efeito, ainda que o serviço em foco seja tipificado como complexo, os padrões de desempenho e de qualidade são conhecidos, dominados e oferecidos amplamente no mercado. Assim, a complexidade do objeto não impede a definição objetiva do que é posto em disputa. Logo, a locação ou o licenciamento de sistemas de gestão pública caracteriza-se como um serviço comum, nos termos do art. 1º, § 1º, da Lei nº 10.520/2002, que institui a modalidade de licitação denominada Pregão.

                Nesse sentido, esclarecedoras manifestações do Tribunal de Contas da União - TCU, quanto à aparente oposição entre "bens e serviços comuns" e "bens e serviços complexos":

 

                […]

                5. Não obstante a indicação legislativa, a matéria continuaria controversa no âmbito da Administração Federal e desta Corte de Contas, talvez em razão da longa e sedimentada prática de contratação de bens e serviços de TI por licitação do tipo técnica e preço. E, também, da confusão que ainda hoje se faz quanto ao que se entende por 'bens e serviços comuns', no sentido de que seriam o oposto de 'bens e serviços complexos', de maneira que os bens e serviços de TI, por serem muitas vezes considerados "complexos" (portanto não seriam comuns) não poderiam ser contratados por pregão.

                6. Ocorre que 'bem e serviço comum' não é o oposto de 'bem e serviço complexo'. Bens e serviços comuns, segundo o art. 1º, § 1º, da Lei 10.520/02, são aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos por meio de especificações usuais no mercado. Isto é, são aqueles que podem ser especificados a partir de características (de desempenho e qualidade) que estejam comumente disponibilizadas no mercado pelos fornecedores, não importando se tais características são complexas, ou não.

 

                O administrador público, ao analisar se o objeto do pregão enquadra-se no conceito de bem ou serviço comum, deverá considerar dois fatores: os padrões de desempenho e qualidade podem ser objetivamente definidos no edital? As especificações estabelecidas são usuais no mercado? Se esses dois requisitos forem atendidos, o bem ou serviço poderá ser licitado na modalidade pregão.

                A verificação do nível de especificidade do objeto constitui um ótimo recurso a ser utilizado pelo administrador público na identificação de um bem de natureza comum. Isso não significa que somente os bens pouco sofisticados poderão ser objeto do pregão, ao contrário, objetos complexos podem também ser enquadrados como comuns.

                A complexidade, portanto, não é atributo que retira da locação ou do licenciamento de softwares a sua natureza de serviço comum.

                A padronização do software, uma das características necessárias para nomeá-lo como comum, não precisa ser absoluta. Em se tratando de sistemas destinados às diversas áreas da gestão pública, v.g., orçamento, contabilidade, patrimônio, frotas, licitações, compras, contratos, tributação, orçamento, pessoal, dentre outros módulos, há soluções prontas, padronizadas e disponíveis no mercado que podem ser adaptadas às demandas de cada ente. Essa padronização quer significar "a possibilidade de substituição de uns por outros com o mesmo padrão de qualidade e eficiência", nos termos da autorizada doutrina de Hely Lopes Meirelles.

                Por essas razões, entende-se que é impróprio utilizar os tipos de licitação "melhor técnica" ou "técnica e preço" para locação ou licenciamento de sistemas de gestão pública, porquanto a natureza intelectual, por si só, não é essencial para a satisfatória execução desse objeto. Via de regra, o critério de julgamento em licitações desse tipo é o "menor preço" e a modalidade de licitação, recomendada pelo TCEMG aos municípios, é o Pregão, dada a sua presunção de eficiência e de notável utilidade para obtenção de preços mais interessantes ao poder público. Entretanto, a legislação federal e a estadual mineira, que constituem paradigmas para a adoção de boas práticas pelos gestores municipais, tornaram obrigatória a adoção da modalidade pregão para aquisição de bens e serviços comuns.

                Para locação ou licenciamento de sistemas de gestão pública, o tipo de licitação é o "menor preço" e constitui grave violação à norma reguladora da matéria utilizar como critério de julgamento a "melhor técnica" e "técnica e preço". Nas esferas federal e estadual, a modalidade Pregão é obrigatória por força de legislação. No caso dos municípios, a modalidade recomendada pelo TCEMG é o Pregão.

                A jurisprudência do TCEMG consolidou-se quanto à inadequação do tipo "melhor técnica" ou "técnica e preço" para locação ou licenciamento de sistemas de gestão pública. Em sequência, colacionam-se alguns excertos de decisões proferidas nessa linha:

                a) Da escolha inadequada do tipo 'Técnica e Preço'

                [...]

                Inicialmente, cumpre esclarecer que o art. 46 da Lei nº 8.666/93 dispõe que o tipo "técnica e preço" será utilizado, exclusivamente, para serviços de natureza predominantemente intelectual, o que não é o caso dos autos.

                A respeito do tipo 'técnica e preço', Hely Lopes Meirelles ["in" Licitação e Contrato Administrativo. 14ª ed., atualizada por Eurico de Andrade Azevedo e Vera Monteiro. São Paulo: Malheiros Editores, 2006, p. 90] preleciona:

                A Lei nº 8.666, de 1993, dispõe que o tipo de licitação de melhor técnica e técnica e preço sejam utilizados exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual (projetos, cálculos, fiscalização, gerenciamento e outros ligados à engenharia consultiva em geral). Não obstante, em caráter excepcional, poderão ser adotados para fornecimento de bens, execução de obras ou prestação de serviços de grande vulto, dependentes de tecnologia sofisticada, nos casos em que o objeto pretendido admita soluções alternativas e variações de execuções, com repercussões significativas sobre sua qualidade, produtividade, rendimento e durabilidade.

                Com efeito, depreende-se que o objeto da licitação não consiste na prestação de serviços intelectuais em que se exijam a arte e o talento humanos para sua criação e execução satisfatória, mas sim de serviços comuns de informática, com amplas opções no mercado de diversas empresas que prestem os serviços objeto da contratação em análise, com padrão usual de execução.

                Assim, tendo em vista que no presente caso a Administração poderá desempenhar suas funções por meio de uma prestação de serviço que atenda aos requisitos mínimos do edital, sem haver necessidade de um serviço que apresente características especiais ou peculiares, entendo que o tipo 'menor preço' melhor se adéqua ao presente caso.

                Ademais, não pode prevalecer o argumento dos defendentes de que o Decreto Federal nº 1.070/94 impunha a adoção do tipo "técnica e preço", pois, além dessa regra aplicar-se exclusivamente no âmbito da União, já existia regra expressa, aplicável a todos os entes da federação, autorizando a adoção de licitação do tipo 'menor preço' e da modalidade pregão na aquisição de serviços comuns de informática.

                Considero irregular, portanto, o tipo de licitação adotado.

                b) Inadequada escolha do tipo de licitação 'técnica e preço'.

                [...]

                Assim, apesar da argumentação desenvolvida pela denunciada, entendeu o órgão técnico ser imprópria a utilização de licitação do tipo técnica e preço para o certame em questão, tendo em vista que os bens e serviços previstos no objeto são classificados como comuns, sendo recomendada, portanto, a utilização da modalidade Pregão, considerando que esta poderá se afigurar como a solução mais econômica, além de mais célere, na busca e obtenção do menor preço ofertado, reduzindo, por consequência, o custo total do procedimento e da aquisição dos bens e serviços licitados.

                Ademais, se os serviços e bens a serem contratados podem ser caracterizados por 'comuns', apesar de complexos, como no caso em tela, vislumbro vantagens inquestionáveis para a Administração referentes à competitividade, celeridade e economicidade na sua contratação por menor preço, não tendo prosperado nenhum argumento em contrário trazido aos autos, nada que lograsse êxito em justificar a escolha de modalidade de técnica e preço para o certame em espécie.

                Por tal razão, entendo imprópria a modalidade e o tipo de critério de julgamento escolhidos, recomendando ao [...] que nas licitações a serem realizadas no Município opte sempre que possível pelo certame que vise o menor preço a ser contratado sem, evidentemente, efetuar concessões ao critério de bom serviço a ser prestado.

                [...]

                Entendo que o art. 46 da Lei n. 8.666/93 é taxativo ao determinar a adoção do tipo de licitação 'técnica e preço', tão somente, para serviços de natureza predominantemente intelectual, ou seja, em situações especialíssimas em que o objeto a ser licitado deva ser dotado da melhor técnica possível.

                O Tribunal de Contas da União, inclusive, entende que:

 

                'É vedada a licitação do tipo 'técnica e preço' quando não estiver caracterizada a natureza predominantemente intelectual da maior parte do objeto que se pretende contratar, a vista do disposto no art. 46, caput, da Lei nº 8.666/1993.' Acórdão 2391/2007 Plenário (Sumário)

 

                Marçal Justen Filho ['in' Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 14ª ed. São Paulo: Dialética, 2010, p. 621], pondera, aliás, que o § 4º do art. 45 da Lei de Licitações e Contratos representa um estágio inicial da evolução tecnológica e que este dispositivo perdeu sua razão de ser com a evolução e progresso dos bens e serviços na área de informática, os quais se inseriram no processo de produção em massa. Adverte, nesse sentido, que:

 

                '[...] tem de interpretar-se o §4º de modo compatível com a Constituição, para evitar o resultado prático de a Administração ser obrigada a desembolsar valores superiores aos necessários. A licitação de tipo técnica será aplicada sempre que a necessidade administrativa envolver alguma característica especial ou peculiar, que não possa ser satisfeita por meio de produtos padronizados.

                Ausentes as justificativas pormenorizadas de que o serviço demandado é predominante intelectual a ensejar a obtenção de proposta de maior qualidade e menor preço possível e diante das ressalvas feitas Órgão Técnico de que "há soluções de TI prontas, amplamente comercializadas, que exercem várias das funções especificadas nos Anexos X e XI, senão todas", fl . 110, irregular a escolha do tipo de licitação técnica e preço.

 

                No mesmo sentido, decisões desta Corte nos autos de nº 800.679, 811.101 e 862.638:

                3. Da escolha do tipo de licitação técnica e preço

                [...]

                Entendo que o art. 46 da Lei n. 8.666/93 é taxativo ao determinar a adoção do tipo de licitação 'técnica e preço', tão somente, para serviços de natureza predominantemente intelectual, ou seja, em situações especialíssimas em que o objeto a ser licitado deva ser dotado da melhor técnica possível.

                O Tribunal de Contas da União, inclusive, entende que:

                É vedada a licitação do tipo 'técnica e preço' quando não estiver caracterizada a natureza predominantemente intelectual da maior parte do objeto que se pretende contratar, à vista do disposto no art. 46, caput, da Lei nº 8.666/1993. Acórdão 2391/2007 Plenário (Sumário)

                [...]

                Ausentes as justificativas pormenorizadas de que o serviço demandado é predominante intelectual a ensejar a obtenção de proposta de maior qualidade e menor preço possível, irregular a escolha do tipo de licitação técnica e preço.

                6. Inadequada escolha do tipo de liquidação 'técnica e preço'

                Da manifestação técnica de fls. 451/452, extrai-se, em suma, que 'a utilização de licitação tipo técnica e preço é imprópria para o certame em análise'.

                Os defendentes alegaram, fls. 486, que 'o critério de julgamento para contratação de bens e serviços de informática no presente caso, é o de técnica e preço, porque o objeto da licitação é de locação de software para a administração pública, o que s. m. j. é considerado específico, visto que a administração pública tem suas peculiaridades e necessita muitas vezes de programas desenvolvidos para cada Município, e que, na implantação dos sistemas, há critérios diferenciados, por exemplo, em razão do regime de previdência adotado, se próprio ou oficial, do regime jurídico dos servidores, se celetistas ou estatutários, se há pagamento de FGTS ou quinquênios, enfim, argumentam que são várias as diferenciações de Município para Município, que exigem, muitas vezes, adaptações técnicas e programadores, para adequação dos sistemas operacionais às realidades locais'.

                O Órgão Técnico, no reexame (fls. 537/538), afastou as alegações da defesa ressaltando que

                '[...]' devido à padronização existente no mercado, os bens e serviços de tecnologia da informação geralmente atendem a protocolos, métodos e técnicas preestabelecidos e conhecidos e a padrões de desempenho e qualidade que podem ser objetivamente definidos, por meio de especificações usuais no mercado, logo, via de regra, esses bens e serviços devem ser considerados comuns para fins de utilização do procedimento licitatório, na modalidade Pregão.

                Assim, apesar do argumento exposto pelos Defendentes, de que a Administração tem suas peculiaridades e necessita muitas vezes de adaptações nos programas, objetivando atender as necessidades de cada Município, tais adaptações não implicam a descaracterização da classificação dos programas como bens e serviços comuns. Pelo exposto, na análise já mencionada, entendeu o Órgão Técnico ser imprópria a utilização de licitação do tipo técnica e preço para o certame em questão, tendo em vista que os bens e serviços previstos no objeto são classificados como comuns, sendo recomendada, portanto, a utilização da modalidade Pregão, considerando que esta poderá se afigurar como a solução mais econômica, além de mais célere, na busca e obtenção do menor preço ofertado, reduzindo, por consequência, o custo total do procedimento e da aquisição dos bens e serviços licitados.

                Quanto à menção dos Defendentes, acerca da utilização como parâmetro de julgamento, do critério de avaliação por técnica e preço, na forma então estabelecida no art. 1º, do Decreto nº 1.070/94, conforme já observado no 'item 2.4' do presente estudo técnico, o regulamento da licitação em comento foi expedido em 05.10.2009, como se vê à fl. 41, portanto, posteriormente, à época da entrada em vigor da Lei nº 10.520/2002.

                Com relação ao citado critério de julgamento por técnica e preço, estabelecido no art. 1º, do mencionado Decreto nº 1.070/94, releva reproduzir trecho do voto proferido pelo Exmo. Sr. Ministro Relator Benjamin Zimler, também, contido no já citado Acórdão TCU-Plenário nº 313/2004, no qual se destacou a impropriedade da aplicação do referido critério de julgamento, a partir da vigência da Lei nº 10.520/2002, nos termos do pronunciamento seguinte:

 

                Tendo em vista o disposto no art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 10.520/2002, acima citado, bem comum é aquele para o qual é possível definir padrões de desempenho ou qualidade, segundo especificações usuais no mercado. Destarte, o bem em questão não precisa ser padronizado nem ter suas características definidas em normas técnicas. Da mesma forma, não se deve restringir a utilização do pregão à aquisição de bens prontos, pois essa forma de licitação também pode visar à obtenção de bens produzidos por encomenda. Do exposto decorre não ser taxativa, mas sim meramente exemplificativa e orientadora a relação constante do Decreto nº 3.555/2000. Por tudo isso, revela-se frágil o argumento fundado no fato de que os serviços de assistência técnica, previstos no Edital do Pregão nº 127/2002, não constarem do rol inserto no Anexo II do referido Decreto.

                A alegação de que as compras de equipamentos de informática, por exigência do Decreto nº 1.070/1994, devem ser obrigatoriamente precedidas de licitação do tipo "técnica e preço" também não merece prosperar. Afinal, a Lei nº 10.520/2002, diploma mais recente e hierarquicamente superior àquele Decreto, revogou as disposições a ela contrárias nele contidas. Assim, foi revogado o artigo desse Decreto que exigia o tipo 'técnica e preço' para toda e qualquer licitação para contratação de 'bens e serviços de informática'. [...]'

                Dessa forma, se observadas as interpretações do Tribunal de Contas da União, a respeito do tema em questão, tem-se que as disposições então contidas no Decreto n.º 1.070/94, contrárias às normas estabelecidas na Lei n.º 10.520/2002, não mais prevalecem, ocorrendo, inclusive, a exclusão do critério de julgamento 'por técnica e preço', nas licitações destinadas à aquisição de 'bens e serviços de informática', pelo que entende este Órgão Técnico, como imprópria, a adoção da licitação do tipo técnica e preço, no procedimento licitatório instaurado pela Câmara Municipal de Campestre, cujo critério de julgamento deve ser exclusivamente o de 'menor preço', tendo em vista que os bens e serviços licitados são considerados comuns, razão por que não ensejam acolhimento as alegações apresentadas pelos Defendentes."

                Assim, se os serviços e bens a serem contratados podem ser caracterizados por 'comuns', apesar de complexos, como no caso em tela, vislumbro vantagens inquestionáveis para a Administração referentes à competitividade, celeridade e economicidade na sua contração por menor preço, não tendo prosperado nenhum argumento em contrário trazido aos autos, nada que lograsse êxito em justificar a escolha de modalidade de técnica e preço para o certame em espécie.

                Por tal razão, entendo imprópria a modalidade e o tipo de critério de julgamento escolhidos, recomendando ao Gestor de Campestre que nas licitações a serem realizadas no Município opte sempre que possível pelo certame que vise o menor preço a ser contratado sem, evidentemente, efetuar concessões ao critério de bom serviço a ser prestado.

 

                2) Da adoção da modalidade pregão

                Aduz o Denunciante que o objeto licitado é extremamente complexo e detalhado, não se encaixando no conceito de bens e serviços comuns, motivo pelo qual entende ser indevida a utilização da modalidade pregão no presente caso. Argumenta, ainda, que por tratar-se de contratação de bens e serviços de informática, deveria ter sido adotado o tipo técnica e preço e não o tipo menor preço, como foi feito.

                O Órgão Técnico, às fls. 269/283, concluiu que a utilização de licitação tipo menor preço é própria para o objeto do edital e, ainda, que os bens e serviços previstos no objeto são comuns, recomendando a utilização da modalidade pregão.

                O Parquet de Contas acompanhou o parecer técnico, fls. 292/299.

                Os defendentes não adentraram nesta questão.

                A modalidade licitatória pregão foi inserida no ordenamento jurídico brasileiro por intermédio da Lei nº 10.520/02, visando acelerar o processo de escolha de futuros contratados pela Administração e, assim, propiciar maior celeridade e eficiência ao processo de seleção.

                O objeto do pregão destina-se à aquisição de bens e à contratação de serviços comuns, conforme preceitua o art. 1º da Lei nº 10.520/02.

                O objeto licitado por meio do Pregão Presencial nº 156/2011, cujo edital é foco de análise nos presentes autos, constitui a prestação de serviços comuns de informática, com ampla receptividade no mercado e com padrões de qualidade e desempenho que podem ser objetivamente definidos no edital.

                Ademais, trata-se de serviço que não apresenta complexidade para sua execução, podendo ser cumprido por qualquer interessado que preencha os requisitos de habilitação.

                Nesse contexto, o pregão afigura-se como a modalidade mais adequada para o certame.

                Sobreleva notar que, por tratar-se de modalidade mais célere, havendo possibilidade de adoção da modalidade pregão, esta deve ser escolhida pelo administrador, em atenção ao princípio da economicidade. Vale ressaltar, inclusive, que a legislação federal e a estadual mineira tornaram obrigatória a adoção da modalidade pregão para aquisição de bens e serviços comuns [Art. 4º, Decreto nº 5.450/05 e art. 2º do Decreto Estadual nº 44.786/08].

                Dessa forma, considerando as vantagens manifestas que o pregão vem trazendo para a Administração Pública, como a redução dos preços contratados, a simplificação e a celeridade dos procedimentos, entendo que a Administração utilizou modalidade adequada no procedimento licitatório em exame.

                No que atine ao argumento do Denunciante, no sentido de que a adoção do tipo menor preço não foi adequada, sendo cabível para a presente hipótese o tipo de licitação técnica e preço, tenho a considerar que o art. 46 da Lei nº 8.666/93 dispõe que o tipo técnica e preço deverá ser utilizado, exclusivamente, para serviços de natureza predominantemente intelectual, o que não é o caso dos autos.

                'Hely Lopes Meirelles - Licitação e Contrato Administrativo - 14ª edição, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo e Vera Monteiro - Malheiros Editores Ltda - 2006, pág. 90'

                A respeito do tipo técnica e preço, Hely Lopes Meirelles ['in' Licitação e Contrato Administrativo - 14ª edição, atualizada por Eurico de Andrade Azevedo e Vera Monteiro - Malheiros Editores Ltda - 2006, pág. 90], preleciona:

 

                'A Lei 8.666, de 1993, dispõe que o tipo de licitação de melhor técnica e técnica e preço sejam utilizados exclusivamente para serviços de natureza predominantemente intelectual (projetos, cálculos, fiscalização, gerenciamento e outros ligados à engenharia consultiva em geral). Não obstante, em caráter excepcional, poderão ser adotados para fornecimento de bens, execução de obras ou prestação de serviços de grande vulto, dependentes de tecnologia sofisticada, nos casos em que o objeto pretendido admita soluções alternativas e variações de execuções, com repercussões significativas sobre sua qualidade, produtividade, rendimento e durabilidade.

                '[...]'

                Com efeito, depreende-se que o objeto da licitação não consiste na prestação de serviços intelectuais em que se exijam a arte e o talento humanos para sua criação e execução satisfatória, mas sim de serviços comuns de informática, com amplas opções no mercado de diversas empresas que prestam os serviços objeto da contratação em análise, com padrão usual de execução.

                Assim, tendo em vista que no presente caso a Administração poderá desempenhar suas funções por meio de uma prestação de serviço que atenda aos requisitos mínimos do edital, sem haver necessidade de um serviço que apresente características especiais ou peculiares, entendo que o tipo menor preço melhor se adéqua ao presente caso.'

 

                4.2 DA DESPROPORCIONALIDADE NOS PESOS ATRIBUÍDOS À TÉCNICA E AO PREÇO

                Em alguns casos, os serviços de tecnologia da informação serão considerados de natureza predominantemente intelectual por envolverem alguma característica especial ou peculiar que não possa ser encontrada em produtos padronizados usualmente disponíveis no mercado, hipótese de desenvolvimento de softwares.

                Cabível a licitação do tipo técnica e preço, nesse caso, é necessário que o gestor justifique, na fase interna, os fatores de ponderação das notas das propostas técnica e preço, os quais devem ser proporcionais ao grau de complexidade dos serviços a serem contratados, notadamente se os pesos das valorações dessas propostas forem diferentes de 50%.

                Essa justificativa visa demonstrar, de forma transparente, se os fatores eleitos privilegiam, de um lado, a isonomia e a competitividade e, de outro, implicam o aumento indevido de preços, o que poderia redundar numa contratação lesiva ao Erário, conforme entendimento do TCEMG:

 

                [...] Falta de razoabilidade para a pontuação dos critérios técnicos, bem como da desproporção na valoração do julgamento em 70% de técnica e 30% de preço (Item 12.2.5 do Edital)

                Às fls. 944/946, o órgão técnico entendeu quanto à valoração dos critérios que os itens 12.1 e 12.2.5 do Edital estabelecem expressiva e injustificada valoração de 70 % (setenta por cento) em relação ao critério técnico, imputando o ínfimo patamar de 30% (trinta por cento), para o critério financeiro, o que destoa das boas práticas públicas.

                Sobre o tema, os denunciados alegam que, "ao realizar a valoração técnica (7) X preço (3), o ente observou estritamente o disposto nos incisos IV e V do art. 3º do Decreto nº 1.070/94, que regulamenta o artigo 3º da Lei nº 8248/1991 e dispõe sobre contratações de bens e serviços de informática e automação". Afirmaram que do critério adotado depreende-se um valor justo e condizente com o mercado e obtém um serviço completo e que atende integralmente as necessidades da Administração Municipal.

                No reexame de fls. 1288/1289, o órgão técnico ratificou o entendimento firmado inicialmente, no sentido de que, 'no procedimento licitatório em análise, deve ser adotado o tipo de licitação menor preço, eis que os serviços a serem fornecidos são comuns no mercado, não exigindo uma tecnologia sofisticada, sendo que o critério menor preço asseguraria à Administração uma contratação de menor custo e a fixação de peso maior para o critério técnico não apresenta razoabilidade'.

 

                A posição do Tribunal de Contas da União sobre o tema é elucidativo, como se infere do Acórdão nº 828/2007- TCU-Plenário:

 

                74. Assim, a adoção do peso 7 para a avaliação da proposta técnica (item 11 do edital, fl. 63) correspondendo ao mais alto nível de complexidade técnica permitido pela legislação, não foi adequado, nem justificado pela Ancine.

                75. Todavia, o risco existente no caso da licitação do tipo técnica e preço, como a ora examinada, em que a técnica é valorada como o fator mais importante, é sagrar-se vencedor o concorrente que obtenha a mais alta pontuação técnica, embora ofereça preço elevado.'

 

                Nesta esteira, a explicação fornecida não ampara tecnicamente a valoração exacerbada da técnica, se considerada a especialidade ou a complexidade dos serviços que serão prestados, bens e serviços que, na atualidade, são relativamente comuns à área de informática.

                Assim, manifesto-me pela irregularidade do critério de pontuação adotado nos itens 12.1 e 12.2.5 do Edital. 24

                [...] Da desproporcionalidade nos pesos atribuídos à técnica e ao preço

                A Unidade Técnica considerou irregulares e desproporcionais os pesos atribuídos para os critérios de técnica e preço, uma vez que foi determinado peso 7 para avaliação da proposta técnica e peso 3 para a proposta de preço, o que poderia culminar em uma contratação desvantajosa para a Administração.

                Após a ratificação do apontamento pelo Parquet de Contas, os responsáveis asseveraram, em sede de defesa, que os percentuais fixados estão em consonância com o disposto no art. 3º do Decreto Federal nº 1.070/94 e que nem sempre o menor custo da contratação representa uma maior vantagem para a Administração (fl. 936).

                A Unidade Técnica reafirmou a inaplicabilidade do mencionado decreto ao presente caso e ratificou o entendimento anterior.

                O Ministério Público de Contas manifestou-se pela irregularidade do item em comento.

                Com efeito, naquelas situações em que for imperiosa a realização de licitações do tipo 'técnica e preço', o que não se afigura no presente caso, a eleição dos critérios deve respeitar o princípio da proporcionalidade. Isso significa que devem ser graduadas as exigências técnicas e os encargos que elas gerarão, sendo forçoso que exista vínculo de adequação entre o critério eleito e a necessidade pública a ser satisfeita, com vistas a evitar o desembolso desnecessário de recursos.

                No procedimento licitatório em análise, conforme demonstrado no item anterior, o tipo 'técnica e preço' não é adequado para o objeto da contratação, que constitui serviço comum.

                Nesse cenário, não se justifica, com muito mais razão, a atribuição de peso muito mais significativo para o critério técnico.

                Cabe acrescentar que o privilégio excessivo conferido à técnica em detrimento do critério de preço deve ser acompanhado de justificativa apta a demonstrar sua razoabilidade, de modo a comprovar-se que ele não proporcionará aumento indevido nos custos em prol da obtenção de pequenas vantagens técnicas.

                Reconheço, portanto, a irregularidade dessa cláusula editalícia. 25

                No mesmo sentido, decisão exposta nos autos de nº 800.679:

                [...]

 

                4. Da falta de razoabilidade para a pontuação dos critérios técnicos e da desproporção na valoração do julgamento em 70% técnica e 30% preço

                A Coordenadoria de Exame de Instrumento Convocatório de Licitação entendeu, inicialmente, que a fixação de peso maior para o critério técnico, na forma estabelecida pelo edital em seu item 16.1 e 16.2.5, não apresenta razoabilidade e pode prejudicar a competitividade pelo estabelecimento de valorização desarrazoada e sem relação de pertinência com os requisitos realmente indispensáveis à boa execução dos serviços.

                O Tribunal de Contas da União assim também tem se posicionado sobre a matéria:

 

                'O privilégio excessivo da técnica em detrimento do preço, sem haver justificativas suficientes que demonstrem a sua necessidade, pode resultar em contratação a preços desvantajosos para a Administração. O estabelecimento de condições mais rigorosas na licitação do que aquelas que serão exigidas durante a execução contratual, especialmente considerando os aspectos de pontuação da proposta técnica, pode resultar na seleção de proposta altamente focada em quesitos técnicos sem correlação com o beneficio efetivamente esperado para a execução contratual, com sobrevalorização dos serviços sem aproveitamento de todo o potencial técnico exigido no certame.' Acórdão 1782/2007 Plenário (Sumário)

 

                Tendo em vista que considerei irregular a escolha do tipo de licitação técnica e preço, vez que ausentes justificativas no procedimento de que o serviço demandado é predominantemente intelectual, ensejando obtenção de proposta de maior qualidade e menor preço possível,  recomendo aos gestores que, em futuras licitações em que seja admissível a técnica e preço, registrem, no procedimento administrativo, justificativa circunstanciada para a pontuação dos critérios de julgamento que devem ser, necessariamente, razoáveis.

                Acerca das obrigações da Administração no processo de escolha dos fatores de ponderação técnica, o Tribunal de Contas da União, por meio do Acórdão 1330/2008, assim se manifestou:

 

                '[...] 9.4.6. Ao fixar critérios de julgamento de uma licitação, como fatores de ponderação de técnica e preço e quantitativo de funcionários, justifique expressamente esses fatores, que devem ser proporcionais ao grau de complexidade dos serviços a serem contratados. Ademais, se os pesos forem diferentes de 50%, devem ser justificados de forma circunstanciada, visando demonstrar que não representam nem privilégio nem direcionamento e não proporcionarão aumento de preços indevido em decorrência de pequenas vantagens técnicas'.

 

                Por via de regra, o tipo de licitação é o "menor preço". Licitação do tipo "técnica e preço" somente se impõe quando o trabalho for de natureza predominantemente intelectual. A exacerbação da valoração da nota técnica deve ser evitada para preservar a isonomia, a competitividade e a obtenção de preços razoáveis. Se destoarem de 50%, os fatores de ponderação das notas das propostas devem ser expressamente justificados e guardar relação de proporcionalidade com o grau de complexidade dos serviços a serem contratados.

 

                4.3 DA ILICITUDE DE EXIGÊNCIA DE CERTIFICAÇÕES COMO REQUISITO DE HABILITAÇÃO OU CLASSIFICAÇÃO DE PROPOSTAS

                Os princípios da legalidade e da isonomia, previstos no art. 37, inc. XXI, da CR e no art. 3º da Lei nº 8.666/93, constituem alicerces do procedimento licitatório. Este, por sua vez, tem por escopo não só possibilitar a escolha da melhor proposta para a Administração, mas também resguardar a igualdade de direitos a todos os interessados estabelecidos no mercado.

                Disso decorre que é defesa a prática dos atos previstos no art. 3. § 1º, incisos I e II, da Lei nº 8.666/93, in verbis:

 

                Art. 3º [...].

                § 1º É vedado aos agentes públicos:

                I - Admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato;

                II - estabelecer tratamento diferenciado de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra, entre empresas brasileiras e estrangeiras [...].

 

                Esclarece Marçal Justen Filho que:

 

                [...] o ato convocatório tem de estabelecer as regras necessárias para seleção da proposta vantajosa.

                [...]. Respeitadas as exigências necessárias para assegurar a seleção da proposta mais vantajosa, serão inválidas todas as cláusulas que, ainda indiretamente, prejudiquem o caráter 'competitivo' da licitação. Assegura-se tratamento igualitário aos interessados que apresentem condições necessárias para contratar com a Administração.

 

                Segundo entendimento firmado no egrégio TCU:

 

                [...] quando aplicada à licitação, a igualdade veda, de modo terminante, que o Poder Púbico promova discriminações entre os participantes do procedimento seletivo, mediante a inserção, no instrumento convocatório, de cláusulas que afastem eventuais proponentes qualificados ou os desnivelem o julgamento.

 

                Nesse sentido, a Lei nº 8.666/93 determina que:

 

                Art. 27. Para a habilitação nas licitações exigir-se-á dos interessados, exclusivamente, documentação relativa a:

                I - habilitação jurídica;

                II - qualificação técnica;

                III - qualificação econômico-financeira;

                IV - regularidade fiscal. (Vide Lei nº 12.440, de 2011) (Vigência)

                V - cumprimento do disposto no inciso XXXIII do art. 7º da Constituição Federal. (Incluído pela Lei nº 9.854, de 1999).

 

                Para Marçal Justen Filho, a exigência constante no art. 27 "significa proibir à Administração impor requisito de habilitação distinto daqueles previstos".

                Também, nas palavras de Carlos Pinto Coelho "A redação do art. 27 é precisa. Estabelece exatamente os requisitos limítrofes para participação dos interessados no procedimento".

                Entretanto, prática muito comum nas licitações é a exigência de certificações (a exemplo da ISO) para fins de habilitação e classificação de propostas, o que afronta o § 5º do art. 30 da Lei nº 8.666/93:

 

                Art. 30. A documentação relativa à qualificação técnica limitar-se-á a:

                [...]

                § 5º É vedada a exigência de comprovação de atividade ou de aptidão com limitações de tempo ou de época ou ainda em locais específicos, ou quaisquer outras não previstas nesta Lei, que iniba a participação na licitação.

 

                O Enunciado de Súmula nº 117 desta Corte de Contas assinala:

 

                Nos atos convocatórios de licitação, as Administrações Públicas Estadual e Municipais não poderão exigir apresentação de certificado de qualidade ISO ou outro que apresente as mesmas especificidades como requisito para habilitação de interessados e classificação de propostas.

 

                No mesmo sentido é a jurisprudência do TCU:

 

                As exigências contidas no art. 30 da Lei nº 8.666/93 são do tipo numerus clausus, ou seja, encontram-se esgotadas naquele dispositivo, sendo defeso aos diversos órgãos e entidades da Administração Pública Federal, inovar[...]. Tais exigências somente seriam justificáveis se os referidos requisitos fossem previstos em lei especial, passando a situação, então, a enquadrar-se no inciso IV do referido art. 30. Tal situação, entretanto, caso existisse, deveria ser expressamente consignada no edital de licitação, em nome da motivação que deve nortear os atos administrativos. No caso em exame, tem-se que o edital não fez qualquer alusão a eventuais leis especiais que estivessem a requerer o cumprimento das ditas exigências.

                Este Tribunal de Contas já assentou entendimento de que a exigência de certificado ISO não pode ser utilizada como critério eliminatório em processo licitatório, mas, quando necessário, como critério classificatório e com pontuação razoável.

                Enfim, para efeito de qualificação técnica, o edital deve se limitar a exigir apenas e tão somente os documentos expressamente previstos no art. 30 da Lei n. 8.666/93 ou impô-los consoante as prescrições ali contidas.

                Não é despiciendo ressaltar que os procedimentos de certificação envolvem investimento por parte da empresa a ser certificada, o que pode redundar em fator impeditivo à participação no certame. Por outro lado, o procedimento de certificação requer tempo, no mais das vezes incompatível com o prazo destinado à apresentação das propostas no certame, o que configura obstáculo intransponível à competitividade.

                Logo, é antijurídico obrigar o licitante a apresentar certificação de qualquer espécie como condição de habilitação ou de classificação de proposta.

 

                Certificados de qualidade não podem ser utilizados como requisito de habilitação no processo licitatório. Todavia, quando necessários, podem ser exigidos como requisito de pontuação em licitação do tipo "técnica e preço", observada a razoabilidade da valoração da nota.

 

                4.4 DO PARCELAMENTO DO OBJETO

                Estatui o art. 23, § 1º, da Lei nº 8.666/93 que as obras, serviços e compras efetuadas pela Administração serão divididas em tantas parcelas quantas se comprovarem técnica e economicamente viáveis, procedendo-se à licitação com vistas ao melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e à ampliação da competitividade, sem perda da economia de escala.

 

                A propósito, a jurisprudência do TCEMG arquitetada em torno da matéria culminou na edição da Súmula nº 114:

 

                É obrigatória a realização de licitação por itens ou por lotes, com exigências de habilitação proporcionais à dimensão de cada parcela, quando o objeto da contratação for divisível e a medida propiciar melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e a ampla participação de licitantes, sem perda da economia de escala, adotando-se, em cada certame, a modalidade licitatória compatível com o valor global das contratações.

 

                Colacionam-se excertos de outras decisões, balizadas nas autorizadas doutrinas de Jessé Torres Pereira Júnior e Marçal Justen Filho:

 

                Obrigatoriedade do parcelamento quando atende ao interesse público. [...] Assevera-se que, a princípio, o parcelamento, traduzido na contratação de mais de uma empresa, indica, à luz do artigo retro exposto, o atendimento a dois fatores que devem ser cumulativos: o melhor aproveitamento dos recursos disponíveis no mercado e a ampliação da competitividade. Pois, ocorrendo ambos, desponta-se a conveniência para o interesse público em parcelar a execução do objeto, resultando em vantagem, para o Município, as contratações. O autor Jessé Torres Pereira Júnior, ao discorrer sobre o tema, também ensina: 'Por conseguinte, parcelar a execução, nessas circunstâncias, é dever a que não se furtará a Administração, sob pena de descumprir princípios específicos da licitação, tal como o da competitividade. Daí a redação trazida pela Lei nº 8.883/94 haver suprimido do texto anterior a ressalva 'a critério e por conveniência da Administração', fortemente indicando que não pode haver discrição (parcelar ou não) quando o interesse público decorrer superiormente atendido do parcelamento. Este é de rigor, com evidente apoio no princípio da legalidade'. (Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração Pública, 6ª edição, Renovar, 2003, p. 250) [...] O mestre Marçal Justen Filho, a respeito do assunto, entende: 'O art. 23, § 1º, impõe o fracionamento como obrigatório. [...] O fracionamento conduz à licitação e contratação de objetos de menor dimensão quantitativa, qualitativa, e econômica. Isso aumenta o número de pessoas em condições de disputar a contratação, inclusive pela redução dos requisitos de habilitação [...]. Trata-se não apenas de realizar o princípio da isonomia, mas da própria eficiência. A competição produz redução de preços e se supõe que a Administração desembolsará menos, em montantes globais, através da realização de uma multiplicidade de contratos de valor inferior do que pela pactuação de contratação única'. (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 8ª edição, Dialética, 2000) [...] Impende, assim, colacionar à discussão o entendimento do Tribunal de Contas da União, conforme se extrai da Decisão nº 393/94, DOU de 29.06.1994, reiterado nas Decisões nº 381/96, DOU de 18.07.1996 e nº 397/96, DOU de 23.07.1996: 'É obrigatória à Administração, nas licitações para a contratação de obras, serviços compras e alienações, quando o objeto for de natureza divisível, sem prejuízo do conjunto ou do complexo, a adjudicação por itens e não pelo preço global, com vistas a propiciar a ampla participação dos licitantes que, embora não dispondo de capacidade para execução, fornecimento ou aquisição da totalidade do objeto, possa, contudo, fazê-lo com referência a itens ou unidades autônomas, devendo as exigências de habilitação adequar-se a esta divisibilidade' [...] O Acórdão nº 1.748/2004 do TCU reproduz, essencialmente, a decisão acima transcrita, citando-a, e ainda acrescenta: '... caso contrário, deve sempre estar devidamente justificado, no processo licitatório, os motivos que levaram a Administração a proceder de outra forma [...]'. (Representação nº 732112. Rel. Conselheiro Antônio Carlos Andrada. Sessão do dia 05.06.2007) (Grifou-se)

 

                Embora a lei não disponha sobre a obrigação de o responsável pela licitação formalizar uma justificativa para a reunião de várias obras em um só procedimento licitatório, Marçal Justen entende que tal motivação é devida e a defende nos seguintes termos: "A decisão sobre o parcelamento ou a execução global deverá ser orientada ao melhor aproveitamento dos recursos 'disponíveis no mercado' e à ampliação da competitividade. Seria o caso em que o vulto da contratação impossibilitasse os economicamente mais fracos de participar do certame. Em obras e serviços de grande vulto, o licitante deverá dispor de capital de giro elevado, recursos pessoais próprios de monta, etc. [...] Não se admitirá o parcelamento quando não trouxer benefícios para a Administração. [...] Em qualquer caso, a opção pelo fracionamento ou pela execução global deverá ser motivada satisfatoriamente. '(Marçal Justen Filho, Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 1998, p. 206/207)'. (Representação nº 706.390. Rel. Conselheira Adriene Andrade. Sessão do dia 17.04.2007) (Grifou-se)

 

                Licitação. Excessiva diversidade de itens como objeto de uma única licitação. Prestação de serviços básicos de infraestrutura, compreendendo a manutenção de vias urbanas com o fornecimento de mão de obra, materiais e equipamentos para a realização da coleta de lixo e serviços correlatos no Município. '[...] o objeto licitado é amplo e diversificado, composto de itens distintos, o que requer para sua execução empresas de especialidades diversas. [...] A Administração, ao concentrar em um único procedimento licitatório objetos diversos, que demandam licitações autônomas, violou o princípio da competitividade, pois certamente, ao englobar itens distintos num mesmo certame, reduziu o universo de possíveis interessados que não dispõem de capacidade para executar tão amplos e diversificados serviços, podendo, inclusive, comprometer a qualidade dos serviços a serem prestados. [...] a diversidade de itens num mesmo certame inviabiliza sua execução por uma mesma empresa'.

 

                Em suma, à luz da doutrina e da jurisprudência, a obrigatoriedade do parcelamento só pode ser afastada se comprovada sua inviabilidade técnica e econômica.

                Nesse aspecto, apresenta-se decisão deste Tribunal, referente à licitação cujo objeto é a locação de sistemas de gestão pública:

                De fato, este Tribunal vem entendendo pela obrigatoriedade da subdivisão técnica em parcelas de objetos licitados quando viável - por exemplo, na Representação nº 732112, Relator Conselheiro Antônio Carlos Andrada, Sessão do dia 05.06.2007 -, para ampliação da competitividade e para melhor aproveitamento dos recursos do mercado, desde que não se percam de vista os ganhos de escala.

                Entendo, entretanto, que devem ser aferidas as condições para esse parcelamento caso a caso, cuja opção deve estar sujeita à devida explicitação de suas razões, como ensina o Professor Calos Pinto Coelho Motta.

 

                No mesmo sentido:

 

                Com a devida vênia ao estudo elaborado pela área técnica, entendo que a solução tecnológica pretendida pelo Município - embora para utilização ampla, em diversas áreas da Administração - não prescinde da operacionalização integrada, ou seja, deve facilitar a gestão coordenada das diversas áreas, o que significa dizer que os softwares devem necessariamente "conversar entre si", possibilitando ao gestor uma visão articulada.

                Essa necessidade, à primeira vista, sem aprofundamento fático e técnico, indica a dificuldade de se franquear a contratação dos diferentes módulos a diversas empresas distintas, vez que a operacionalização da gestão integrada seria bastante complexa.

                [...] cabe a recomendação ao gestor para que avalie e registre, neste certame e nos futuros, nos autos dos procedimentos licitatórios, os estudos devidos, para que se adote, ou não, a solução de subdivisão em parcelas do objeto a ser licitado.

                Assim, na fase interna do procedimento licitatório, o gestor deve declinar, em fundamentado estudo técnico e econômico, os motivos determinantes da indivisibilidade do objeto, a fim de que os órgãos de controle tenham elementos para aferir se as razões para tanto validam, ou não, a opção da Administração de não parcelar o objeto, conforme o sentido teleológico da norma contida no art. 23, § 1º, da Lei de Licitações.

 

                A regra nas licitações é o parcelamento do objeto. A indivisibilidade somente se valida se amparada em estudo técnico e econômico. À luz da doutrina e da jurisprudência, a obrigatoriedade do parcelamento só pode ser afastada se comprovada sua inviabilidade técnica e econômica.

 

(Fonte: Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais - 2015)

 

 


* Contador, auditor, economista, administrador, professor universitário, consultor do BEAP, diretor Técnico da Magnus Auditores.

 

 


BOCO9313---WIN

REF_BEAP