AÇÃO DE IMPROBIDADE - REPARAÇÃO DE DANOS AO ERÁRIO MUNICIPAL E APLICAÇÃO DAS PENALIDADES PREVISTAS NA LEI 8.429/92 - CONVÊNIO FIRMADO POR EX-PREFEITO - AÇÃO AJUIZADA PELO MUNICÍPIO CONTRA EX-PREFEITO, RELATIVAMENTE À SUPOSTA AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E MALVERSAÇÃO DE VERBAS RELATIVAS A RECURSOS OBTIDOS ATRAVÉS DE CONVÊNIO FIRMADO COM O ESTADO - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF34064 - BEAP

 

 

                EMENTA: AÇÃO DE IMPROBIDADE - REPARAÇÃO DE DANOS AO ERÁRIO MUNICIPAL E APLICAÇÃO DAS PENALIDADES PREVISTAS NA LEI 8.429/92 - CONVÊNIO FIRMADO POR EX-PREFEITO - AÇÃO AJUIZADA PELO MUNICÍPIO CONTRA EX-PREFEITO, RELATIVAMENTE À SUPOSTA AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E MALVERSAÇÃO DE VERBAS RELATIVAS A RECURSOS OBTIDOS ATRAVÉS DE CONVÊNIO FIRMADO COM O ESTADO - PROCESSO EXTINTO, SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO, POR ILEGITIMIDADE ATIVA - DEFESA DE INTERESSE PRÓPRIO DO MUNICÍPIO AUTOR - LEGITIMIDADE ATIVA RECONHECIDA - RECURSO PROVIDO -IMPOSSIBILIDADE DO PROSSEGUIMENTO DO JULGAMENTO DE MÉRITO - CAUSA NÃO MADURA - INAPLICABILIDADE DO § 3º, DO ART. 515, DO CPC - SENTENÇA ANULADA. 1 - O Município tem legitimidade ativa para propor ação de ressarcimento, bem como de aplicação das demais penalidades previstas na Lei 8.429/92, com base em malversação de recursos públicos e ausência de prestação de contas, mesmo que proveniente de convênio firmado com o Estado. 2 - Não é possível o prosseguimento do julgamento de mérito, com base no art. 515, § 3º, do CPC, quando a causa ainda não se encontra madura para julgamento, uma vez que não foi encerrada a instrução probatória do processo, requerida e regularmente deferida pelo Juízo. 3- Recurso provido. Sentença anulada.

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0312.10.000870-4/001 Comarca de ...

 

Apelante : Município ...

Apelado : ...

 

A C Ó R D Ã O

 

                Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO.

 

DESA. SANDRA FONSECA

Relatora

 

V O T O

 

                Cuida-se de recurso de apelação, interposto pelo Município de ..., em face à r. sentença de fls.327/330, que, nos autos da "ação civil pública por ato de improbidade administrativa", por ele proposta contra ..., julgou o processo extinto, sem resolução do mérito, por ilegitimidade ativa, na forma do art. 267, IV, do CPC, ao fundamento de que o legitimado para pedido de prestação de contas, bem como o de ressarcimento ao erário, decorrente de suposta malversação de verbas recebidas através de convênio, é do respectivo ente público convenente, que no caso é o Estado de Minas Gerais.

                Em suas razões de recurso de fls.332/341, o município apelante alega, em síntese, que é parte legítima para ajuizar ação por atos de improbidade administrativa de seu ex-gestor, mormente quando o ente municipal sofre prejuízos orçamentários e financeiros em razão da ausência de prestação de contas referentes à correta aplicação de verba recebida em função de convênio estadual.

                Sustenta, ainda, que não pretende, tão somente, a condenação de ressarcimento ao erário, mas, também, das demais penalidades previstas na Lei 8.429/92, Lei de Improbidade Administrativa, em razão dos atos do ex-gestor.

                Devidamente intimado, o apelado não apresentou contra razões, segundo certidão de fls. 345v.

                A digna Procuradoria Geral de Justiça, às fls.350/351/, opinou provimento do recurso.

                Conheço do recurso, pois presentes os pressupostos de admissibilidade.

                Compulsando os autos, verifica-se que o Município de durante o mandato do réu como Prefeito Municipal, firmou com o Estado de Minas Gerais, os Convênio nº 101/2003 e 294/2004 (fls.51/57 e 34/41, respectivamente), cujos objetos eram o aporte de recursos para a aquisição de materiais de consumo e equipamentos e materiais permanentes.

                Por força dos mencionados convênios, o Estado repassou ao Município o valor total de R$ 98.352,11 (noventa e oito mil, trezentos e cinquenta e dois reais, e onze centavos).

                O digno Juiz sentenciante entendeu pela ilegitimidade ativa do Município de ..., ao fundamento de que, tratando-se de convênio, o legitimado para pedido de prestação de contas, bem como o de ressarcimento ao erário, decorrente de suposta malversação de verbas recebidas através de convênio, é do respectivo ente público convenente, que, no caso, é o Estado de Minas Gerais.

                A legitimidade constitui requisito essencial para a composição do litígio. Deve o autor ser o titular do interesse em relação ao réu, contido na pretensão inicial, legitimando-o ao ajuizamento da ação, como dispõe o art. 3º do CPC.

                Na lição de MOACYR AMARAL SANTOS:

                São legitimados para agir, ativa e passivamente, os titulares dos interesses em conflito; legitimação ativa terá o titular do interesse afirmado na pretensão; passiva terá o titular do interesse que se opõe ao afirmado na pretensão. Fala-se então em legitimação ordinária, porque a reclamada para a generalidade dos casos. (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, ed. Saraiva, 19ª ed., 1º vol., 1997, p. 171)

                Segundo a teoria adotada pelo moderno Direito Processual brasileiro, o direito de ação é abstrato, e a relação processual autônoma em relação ao direito material invocado.

                Desta forma, para se aferir corretamente a noção de "legitimidade", mister se faz atentar para a autonomia da relação processual.

                Cabe, portanto, aferir, no caso concreto, não se o "direito" buscado pelo autor lhe pertence, mas sim se é titular do interesse que o levou a propor a ação.

                No caso dos autos, bem é de ver que o que se pretende, na verdade, é o ressarcimento, verdadeira indenização, relativamente aos prejuízos suportados pelo Município diante da ausência de prestação de contas válidas pelo ex-alcaíde municipal, ora réu, e a consequente determinação de devolução dos valores relativos ao convênio, em razão da suposta malversação da verba recebida, da não consecução do objeto do convênio, bem como aplicação das demais penas previstas na Lei 8.429/92, Lei de Improbidade Administrativa (petição inicial, fls.18), não havendo pedido de ressarcimento de verbas em nome do Estado de Minas Gerais.

                Nesta esteira, o titular da pretensão é o Município, pelo que assim se afere a sua legitimidade, sendo certo, por outro lado, que a procedência, ou não, do pedido, em razão do reconhecimento, ou não, da responsabilidade pelos danos acusados, e a prática ou não de atos de improbidade administrativa, a atrair as demais penalidades previstas em lei, é matéria que concerne ao mérito, e não as condições da ação.

                Neste sentido, mutatis mutandi, a jurisprudência desta c. 6ª Câmara Cível, e deste eg. Tribunal:

 

                AÇÃO DE INDENIZAÇÃO AJUIZADA PELO MUNICÍPIO CONTRA EX-PREFEITO REFERENTE A RECURSOS OBTIDOS ATRAVÉS DE CONVÊNIO FIRMADO PELO MUNICÍPIO COM O ESTADO (SECRETARIA DA EDUCAÇÃO) - IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - INOCORRÊNCIA-MUNICÍPIO - LEGITIMIDADE ATIVA. Para que o pedido seja considerado juridicamente possível, faz-se mister que exista abstratamente dentro do ordenamento jurídico ou por este não seja proibido. O município possui legitimidade ativa 'ad causam' para propor, contra o seu ex-Prefeito, ação de ressarcimento devido à suposta malversação de recursos públicos, ainda que proveniente de convênio firmado com o Estado. (AC nº 1.0086.03.001034-1/001, Rel. Des. EDILSON FERNANDES, j. 09.08.2005).

 

                EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONVÊNIO DER N° 30.099/06. AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE CONTAS. EX-PREFEITO MUNICIPAL. LEGITIMIDADE PASSIVA CONFIGURADA. RECEBIMENTO DA INICIAL. INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE. ART. 17, §8º, DA LEI Nº 8.429/92. RECURSO NÃO PROVIDO. O recorrente, representante legal do Município de ... à época dos fatos narrados na ação civil pública que visa ao reconhecimento da prática de ato de improbidade administrativa decorrente da ausência de prestação de contas relativas aos recursos recebidos por meio do Convênio DER nº 30.099/06, tem legitimidade para figurar no pólo passivo da demanda. Na hipótese em que se constatar a relevância do pedido com base em fundados indícios suficientes da prática de ato de improbidade administrativa, deve a petição inicial ser recebida a fim de os fatos serem melhor examinados após ampla instrução processual, tendo em vista a supremacia do interesse público de que reveste a demanda. (AI Cv 1.0431.13.001189-0/001, Rel. Des. EDILSON FERNANDES, j. 03.12.2013

 

                AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - DANOS CAUSADOS AO ERÁRIO - MUNICÍPIO CONTRA EX-PREFEITO - CONDIÇÕES DA AÇÃO - PRESENÇA. Desde que a ação e pretensão se embasam em alegado prejuízo que estaria sofrendo o Município em decorrência de ato imputável ao Réu, seu ex-Prefeito, a princípio e em tese, legítimas são as partes, pois, se há ou não efetivamente o dano e se o réu é ou não o responsável pela sua ocorrência, tal é matéria de mérito, que extrapola o exame restrito da preliminar de legitimidade do Município para pleitear o ressarcimento daquele que aponta como o causador do dano, seu ex-gestor e, portanto, parte legítima passiva para estar na lide. (...) (AC nº 1.0487.02.000360-3/001, Rel. Des. GERALDO AUGUSTO, j. 15.03.2005, DJ: 08.04.2005).

                MUNICÍPIO - CONVÊNIO COM O ESTADO - RECEBIMENTO DE RECURSOS, SEM POSTERIOR PRESTAÇÃO DE CONTAS - AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANO AO ERÁRIO PROPOSTA CONTRA EX - PREFEITO - INICIAL INDEFERIDA, POR ILEGITIMIDADE ATIVA DO MUNICÍPIO - SENTENÇA CASSADA - PROSSEGUIMENTO DO FEITO.

 

                I - Possui legitimidade ativa ad causam o Município para pleitear de ex-Prefeito, judicialmente, ressarcimento de recursos repassados pelo Estado e que não foram objeto de prestação de contas, quando, de tal fato, tenha decorrido a suspensão de repasses de recursos financeiros pelo Estado.

                II - O fato de os recursos transferidos por força de convênio serem originários do Estado não exclui a legitimidade ativa do Município. (AC nº 1.000.262.784-2/000, Rel. Des. BRANDÃO TEIXEIRA, j 05.11.2002)

 

                Desta forma, é de rigor o reconhecimento da legitimidade ativa do Município de ..., para a propositura da presente ação, sob pena de ser negado ao ente municipal os constitucionais direitos à ação e acesso à Justiça, devendo ser a respeitável sentença anulada.

                Ressalte-se que, no caso dos autos, não é possível o prosseguimento do julgamento do mérito, na forma do art. 515, §3º, do CPC, uma vez que a causa não se encontra madura para julgamento, não tendo sido encerrada a fase de instrução probatória, verificando-se que já havia sido deferida audiência de instrução e julgamento, para a oitiva de testemunhas, conforme requerido pelo Ministério Público (fls.318/322).

                Com estes fundamentos, portanto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, PARA ANULAR A SENTENÇA, determinando o retorno dos autos à Comarca de origem, para o regular prosseguimento do processo, sob a presidência do digno Juízo de primeiro grau.

                Custas a final.

                É como voto.

                DES. RONALDO CLARET DE MORAES (JUIZ CONVOCADO) (REVISOR) - De acordo com a Relatora.

                DESA. YEDA ATHIAS - De acordo com a Relatora.

Súmula - "DERAM PROVIMENTO."

 

 

BOCO9317---WIN/INTER

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