DIREITO
IMOBILIÁRIO - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DAS
PARCELAS PAGAS - CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA - CLÁUSULA DE
IRREVOGABILIDADE E IRRETRATABILIDADE - RESCISÃO POR MERO ARREPENDIMENTO -
IMPOSSIBILIDADE - MULTA CONTRATUAL - 30% - RAZOABILIDADE - MEF34089 - AD
- A promessa de compra e venda, em que não se pactuou
arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular, e registrada
no Cartório de Registro de Imóveis, dá ao adquirente promitente comprador
direito real à aquisição do imóvel.
- A cláusula de irretratabilidade
e irrevogabilidade nessa promessa impede a sua rescisão por arrependimento de
umas das partes, pois essa rescisão só é admitida por descumprimento de
cláusulas.
- O interessado não pode se valer da própria torpeza
para pleitear a redução da multa contratual por ela mesma pactuada.
APELAÇÃO
CÍVEL Nº 1.0000.18.125241-2/001 - Comarca de Belo Horizonte
Apelado : Abreu e Tassini Assessoria e Consultoria Ltda. - ME
Apelada : HB Engenharia e
Comércio Ltda.
A C Ó R
D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª CÂMARA CÍVEL do
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos
julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.
DES.
ÁLVARES CABRAL DA SILVA
Relator
V O T O
Adoto o relatório do juízo "a quo", evento de ordem 48/49, por representar
fidedignamente os fatos ocorridos em primeira instância, nos seguintes termos:
Cuida-se de ação de rescisão contratual ajuizada por
ABREU E TASSINI ASSESSORIA E CONSULTORIA LTDA em face de HB ENGENHARIA E
COMÉRCIO LTDA., alegando que as partes celebraram contrato particular de
promessa de compra e venda referente à sala 202, localizada na Rua Dener Cunha
Peixoto, nº 11, no Bairro Buritis, nesta Capital. Pactuaram que a autora pagaria
R$ 193.507,04, sendo R$ 6.938,34 no ato da assinatura do contrato e o restante
em parcelas de valores diversos. O preço final do imóvel, após atualização e
encargos contratuais, ficou além do previsto pela autora, motivo pelo qual
pretende desistir do contrato. Notificada extrajudicialmente, a ré informou que
o contrato deveria ser integralmente cumprido. É abusiva a cláusula de retenção
de 30% da importância paga, à luz do Código de Defesa do Consumidor. Pede-se a
rescisão do referido contrato, com condenação da ré a devolver toda a quantia
paga pela autora, que totaliza R$ 49.926,20 ou que seja reduzido o percentual
de 30% de retenção contratualmente estipulado para outro mais coerente a ser
definido por este juízo. Inicial instruída com documentos. Negada tutela
provisória - id. 11059462. Não houve acordo em audiência e a ré contestou,
alegando que o contrato continha cláusulas de irrevogabilidade e irretratabilidade. A autora quitou menos de 25% do valor
total e ajuizou a presente ação mais de dois anos após a aquisição do imóvel,
inclusive posteriormente à conclusão das obras. A requerente confessa que
pretende rescindir o contrato por mero desinteresse em cumpri-lo, o que é
impossibilitado pelas cláusulas já citadas. Não há pactuação
de direito de arrependimento no negócio jurídico firmado. Como inexiste
inadimplemento da parte ré, eventual rescisão contratual ensejaria a devolução
de 70% das quantias pagas pela autora, podendo a requerida reter 30% do valor
já quitado - id. 26854976. Houve impugnação - id. 29169342. Ordenada a
conclusão para sentença, em razão de o mérito da causa não desafiar produção de
prova em audiência - id. 34665103. Relatados, fundamento e decido.
Trata-se de apelação cível interposta por ABREU E
TASSINI ASSESSORIA E CONSULTORIA LTDA (evento de ordem 59/60) nos autos da Ação
de rescisão contratual, pretendendo a reforma da r.
sentença proferida pelo MM Juiz da 3ª Vara Cível da Comarca de Belo Horizonte,
que julgou improcedente o pedido, nos seguintes termos:
Ante o exposto, julgo improcedentes os pedidos,
condenando a autora nas custas processuais e nos honorários advocatícios, que
arbitro em 10% (dez por cento) do valor corrigido da causa.
Decisão complementada pelos embargos de declaração
colacionados no evento de ordem 56/57:
Ante o exposto, rejeito os embargos e, por julgá-los
manifestamente Protelatórios, condeno o embargante em multa de 2% do valor
Atualizado da causa, com fundamento no art. 1.026, § 2º do cpc.
Em suas razões recursais o apelante ABREU E TASSINI
ASSESSORIA E CONSULTORIA LTDA (evento de ordem 59/60) sustenta, em síntese, que
deve ser aplicado o código de defesa do consumidor com aplicação da teoria
finalista mitigada e interpretação mais favorável ao consumidor. Que há
possibilidade de rescisão contratual, com declaração de abusividade
das cláusulas de irrevogabilidade e irretratabilidade
impostas à consumidora. Que o próprio Código Civil de 2002 prevê a
possibilidade de rescisão unilateral do contrato (art. 473 do código civil).
Que a sentença recorrida simplesmente desconsidera um dos princípios mais
básicos dos contratos, que é a autonomia da vontade das partes, sendo certo
que, na ausência de vontade na manutenção do pacto, sendo possível, deverá ser
desfeito o pacto, neste caso pela rescisão, em razão da insistência da
Vendedora/Apelada em assinar distrato contratual. A
liberdade de contratar, consignada no art. 421 do Código Civil é seguida pela
liberdade de simplesmente, deixar de integrar aquela relação jurídica. Que deve
ser reconhecida a abusividade da cláusula 10.2 do
contrato de compra e venda e, consequentemente, declarar a rescisão contratual,
com a devolução dos valores já pagos pela Apelante. Que na cláusula 7.3 do
contrato de compra e venda, existe a previsão genérica para a rescisão contratual
por inadimplemento, com a retenção de 30% (trinta por cento) dos valores em
favor da Apelada/Vendedora. Que a retenção de 30% (trinta por cento) é abusiva
e demonstra clara intenção de locupletamento indevido por parte da
Vendedora/Apelada que não teve nenhum gasto com a comercialização do imóvel,
tendo em vista que despesas com corretagem, emolumentos imobiliários e outros
do tipo foram suportados pela Apelante, sendo que eventual retenção será
revertida integralmente para a Vendedora/Apelada, de forma compensatória. Que a
cláusula penal, por ser compromisso acessório, deve ser expressamente pactuado
pelas partes e não pode ser simplesmente presumida. Que deve ser reduzida a
perda contratual para patamar menos abusivo, sugerindo-se o correspondente a
10% (dez por cento) dos valores já pagos. Que o presente recurso deverá ser
provido para excluir a condenação da Apelante na multa de 2% (dois por cento)
sobre o valor da causa, tendo em vista que o Magistrado a quo considerou os embargos protelatórios. Por derradeiro,
requereu fosse dado provimento ao apelo para reformar a sentença primeva pelos
fundamentos expostos, nos seguintes termos: a) o recebimento e processamento do
presente recurso, por ser próprio, tempestivo e preparado; b) seja dado
provimento ao recurso, para reformar a sentença apelada, aplicando-se as
disposições do código de defesa do consumidor, imprescindíveis para a correta
interpretação das questões pontuadas pela apelante, inclusive com a exclusão da
multa de 2% (dois por cento) sobre o valor da causa, tendo em vista ser
totalmente infundada; c) seja dado provimento ao recurso, para reformar a
sentença, julgando-se procedente o pedido de rescisão do contrato de compra e
venda; d) sucessivamente, seja dado provimento ao recurso, para que a rescisão
contratual se dê com a devolução integral dos valores pagos pela apelante ou,
caso vossas excelências entendam pela retenção de algum valor, que este seja
reduzido, sugerindo-se a retenção de 10% (dez por cento) dos valores pagos. e)
como consequência do provimento do recurso, seja determinada a inversão do ônus
sucumbencial, devendo a apelada responder pela
integralidade deste, inclusive honorários advocatícios da fase recursal, na
forma do art. 85, § 1º do cpc.
Contraminuta recursal colacionada à no evento de
ordem 63/64, impugnando, por óbvio, as teses do apelante. Aduz que o apelante
pleiteia a rescisão com base exclusivamente no seu mero desinteresse em cumprir
o contrato celebrado (em caráter irrevogável e irretratável). Que é inaplicável
o código de defesa do consumidor. Que a Apelante é expert
na área econômica, financeira, contábil e de intermediação de negócios dotada,
portanto, de totais condições de compreender as cláusulas contratuais a que se
obrigou.
É o sintético e necessário relatório.
(NÃO) INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Sustenta o apelante que deve ser aplicado ao caso em
tela a teoria finalista mitigada, como a consequente aplicação integral do
código de defesa do consumidor.
Vamos ao conceito da Teoria finalista aprofundada ou
mitigada:
"Realmente, depois da entrada em vigor do
CC/2002 a visão maximalista diminuiu em força, tendo
sido muito importante para isto a atuação do STJ. Desde a entrada em vigor do
CC/2002, parece-me crescer uma tendência nova da jurisprudência, concentrada na
noção de consumidor final imediato (Endverbraucher),
e de vulnerabilidade (art. 4º, I), que poderíamos denominar aqui de finalismo
aprofundado. É uma interpretação finalista mais aprofundada e madura, que deve
ser saudada. Em casos difíceis envolvendo pequenas empresas que utilizam
insumos para a sua produção, mas não em sua área de expertise ou com uma
utilização mista, principalmente na área de serviços, provada a
vulnerabilidade, conclui-se pela destinação final de consumo prevalente. Essa
nova linha, em especial do STJ, tem utilizado, sob o critério finalista e
subjetivo, expressamente a equiparação do art. 29 do CDC, em se tratando de
pessoa jurídica que comprove ser vulnerável e atue fora do âmbito de sua
especialidade, como hotel que compra gás. Isso porque o CDC conhece outras
definições de consumidor. O conceito-chave aqui é o
de vulnerabilidade". MARQUES, Claudia Lima; BENJAMIN, Antonio Herman V.; BESSA, Leonardo Roscoe,
Manual de Direito do Consumidor. 3. ed. São Paulo: RT, 2010. p. 87.
Ou seja, deve ser analisada a existência ou não de
vulnerabilidade e, em se tratando de pessoa jurídica, como no caso dos autos,
que comprove ser vulnerável e atue fora do âmbito de sua especialidade.
No presente caso, trata-se de ação ajuizada por
empresa que tem por objetivo social, conforme extraído de seus atos
constitutivos, "a prestação de serviços em assessoria e/ou consultoria
econômica, financeira, contábil e empresarial, intermediação de negócios,
ensino de nível superior e pós-graduação".
Como bem afirmado pelo juízo a quo,
"a relação em análise não se enquadra na chamada vulnerabilidade técnica,
haja vista que as cláusulas contratuais que a autora busca questionar, assim
como a evolução do débito e preço final a ser pago, se inserem necessariamente
na área de atuação da adquirente que, em nenhum aspecto pode ser considerada
vulnerável, a ponto de merecer proteção legal contra a outra contratante. É
dizer, se a autora, quando contrata, não tem condições de calcular o custo
final de aquisição de uma simples sala comercial e o impacto financeiro que
isso lhe causa ao longo da execução do contrato, não pode, com todo respeito,
permanecer no mercado oferecendo consultoria econômica, financeira, contábil e
empresarial".
Seguindo nas concretizações dessa tese, vejamos
decisão publicada em 2010 no Informativo nº 441 do Superior Tribunal de
Justiça:
"A jurisprudência do STJ
adota o conceito subjetivo ou finalista de consumidor, restrito à pessoa física
ou jurídica que adquire o produto no mercado a fim de consumi-lo. Contudo, a
teoria finalista pode ser abrandada a ponto de autorizar a aplicação das regras
do CDC para resguardar, como consumidores (art. 2º daquele Código),
determinados profissionais (microempresas e empresários individuais) que
adquirem o bem para usá-lo no exercício de sua profissão. Para tanto, há que
demonstrar sua vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica
(hipossuficiência). No caso, cuida-se do contrato para a aquisição de uma
máquina de bordar entabulado entre a empresa fabricante e a pessoa física que
utiliza o bem para sua sobrevivência e de sua família, o que demonstra sua
vulnerabilidade econômica. Destarte, correta a aplicação das regras de proteção
do consumidor, a impor a nulidade da cláusula de eleição de foro que dificulta
o livre acesso do hipossuficiente ao Judiciário. Precedentes citados: REsp 541.867-BA, DJ 16.05.2005; REsp
1.080.719-MG, DJe 17.08.2009; REsp
660.026-RJ, DJ 27.06.2005; REsp 684.613-SP, DJ
1º.07.2005; REsp 669.990-CE, DJ 11.09.2006, e CC 48.647-RS,
DJ 05.12.2005" (STJ - REsp 1.010.834-GO - Rel.
Min. Nancy Andrighi - j. 03.08.2010)".
Deve ficar claro que, para o Superior Tribunal de
Justiça, a hipossuficiência ou vulnerabilidade deve ser devidamente demonstrada
para que se mitigue a teoria finalista, o que definitivamente não restou
comprovado nos autos. A parte autora é pessoa jurídica expert
em consultoria econômica, financeira, contábil e empresarial, com plena
capacidade de avaliar o custo benefício de seus negócios imobiliários.
Afasto, portanto, a aplicação do código de defesa do
consumidor ao caso.
MÉRITO
DA POSSIBILIDADE DE RESCISÃO CONTRATUAL - ABUSIVIDADE
DAS CLÁUSULAS DE IRREVOGABILIDADE E IRRETRATABILIDADE IMPOSTAS À CONSUMIDORA
Analisando as provas dos autos, verifico que, na
cláusula 10.2 do contrato, restou pactuado que o contrato era celebrado em
caráter irrevogável e irretratável, exceto em caso de inadimplência, se não
vejamos (evento de ordem 5):
"O contrato foi lido e
examinado pelo (a) promissário (a) comprador (a) que o celebra em caráter
irrevogável e irretratável, obrigando-se as partes, seus herdeiros e sucessores
a qualquer título, por seus termos e condições, admitida a sua rescisão apenas
em caso de inadimplência do(a) promissário (a) comprador e por iniciativa da
promitente vendedora.
Analisando a inicial dos
presentes autos, verifico que o autor pretende a rescisão do contrato sob o
argumento de que "o preço final do imóvel, atualizado e com os encargos
contratuais, está além do previsto pela Autora, havendo, portanto, desinteresse
em prosseguir com o contrato firmado", sic.
A meu sentir e ver, a cláusula
10.2 atua na esfera da vontade motivada das partes, ou seja, lhe retira a
faculdade de desistir do negócio por simples arrependimento, como no caso em
tela. Não houve qualquer alegação de inadimplemento do requerido, única
hipótese pactuada pelas partes como causa de rescisão do negócio.
A respeito da legalidade da
cláusula, o artigo art. 463 do Código Civil dispõe:
Art. 463. Concluído o contrato
preliminar, com observância do disposto no artigo antecedente, e desde que dele
não conste cláusula de arrependimento, qualquer das partes terá o direito de
exigir a celebração do definitivo, assinando prazo à outra para que o efetive.
Destarte, a cláusula de
irrevogabilidade e de irretratabilidade veda a sua
rescisão pelo arrependimento das partes.
Nesse sentido leciona Mário
Aguiar Moura, quando assevera que não há como "confundir a irretratabilidade e irrevogabilidade do contrato com a
cláusula resolutiva expressa. Aqueles operam no sentido de vedar o
arrependimento das partes, enquanto esta atua no sentido da rescisão do
contrato por inadimplemento" (in Promessa de Compra e Venda, Aidê, p. 205).
A apelante, que atua na prestação de serviços em
assessoria e/ou consultoria econômica, financeira, contábil e empresarial,
deveria ser mais cautelosa ao pactuar contratos, especialmente quando esse é o
seu negócio raiz.
O direito da parte prejudicada de postular a rescisão
do contrato em face do inadimplente é clausula geral que incide tacitamente em
qualquer avença, sob pena de caracterização de enriquecimento ilícito,
consoante expressa previsão do art. 475 do CC em viger, "ex vi":
Art. 475. A parte lesada pelo
inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o
cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos.
Não é o caso dos autos, uma vez que inexiste qualquer
alegação de inadimplemento ou prova de lesão, mas sim mero arrependimento,
expressamente afirmado na inicial.
O mero arrependimento não é causa de rescisão
contratual. Nesse sentido já decidi:
RESCISÃO CONTRATO. CLÁUSULA
DE IRREVOGABILIDADE E IRRETRATABILIDADE. ARREPENDIMENTO. INADIMPLEMENTO. As
cláusulas de irrevogabilidade e irretratabilidade
vedam a rescisão do contrato pelo arrependimento e não em razão do
inadimplemento. (TJMG - Apelação Cível nº. 1.0446.12.001402-7/003; Relator
Desembargador Cabral e Silva; DJe 13.05.16)
Nesse sentido, confira-se a jurisprudência do TJMG:
APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE
RESCISÃO CONTRATUAL C/C RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS - CONTRATO DE PROMESSA
DE COMPRA E VENDA - CLÁUSULA DE IRREVOGABILIDADE E IRRETRATABILIDADE - RESCISÃO
POR ARREPENDIMENTO - IMPOSSIBILIDADE. A promessa de compra e venda, em que
não se pactuou arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular,
e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, dá ao adquirente promitente
comprador direito real à aquisição do imóvel. A cláusula de irretratabilidade
e irrevogabilidade nessa promessa impede a sua rescisão por arrependimento de
umas das partes, pois essa rescisão só é admitida por descumprimento de
cláusulas. (TJMG - Apelação Cível 1.0000.16.003574-7/003, Relator(a): Des.(a) Ramom Tácio , 16ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 30.08.2017, publicação da súmula em 31.08.2017)
CIVIL. CONTRATO DE PROMESSA
DE COMPRA E VENDA. CLÁUSULA DE IRREVOGABILIDADE E IRRETRATABILIDADE. RESCISÃO
POR ARREPENDIMENTO. IMPOSSIBILIDADE. INADIMPLEMENTO DA CONSTRUTORA.
INOCORRÊNCIA. TUTELA PROVISÓRIA. CONCESSÃO. IRREVERSIBILIDADE. DESCABIMENTO.
A cláusula de irrevogabilidade e irretratabilidade
constante em contrato de promessa de compra e venda de imóvel impede sua
rescisão por arrependimento, facultada, em tais casos, somente nas hipóteses de
inadimplemento contratual. Restando incontroverso que não houve qualquer
inadimplemento contratual imputável à construtora, que, inclusive, obteve o
"habite-se" do imóvel anteriormente ao prazo contratualmente
estabelecido, inviabiliza-se a rescisão do contrato por mero arrependimento.
Além do mais, a norma do §3º do artigo 300 do CPC/15 estabelece que "a
tutela de urgência de natureza antecipada não será concedida quando houver
perigo de irreversibilidade dos efeitos da decisão." (TJMG - Agravo de
Instrumento-Cv 1.0000.16.058811-7/001, Relator(a): Des.(a) Antônio Sérvulo, 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 03.11.0016,
publicação da súmula em 04.11.2016)
No caso em exame, não ficou comprovado o
descumprimento das cláusulas do contrato, mas evidenciada a pretensão dos
autores de rescindir a avença por arrependimento.
Noto e anoto que o contrato foi pactuado em
08.05.2014 (evento de ordem 5) e apenas em 29.10.2015 (notificação evento de
ordem 6), com contra notificação em 11.11.2015 (evento de ordem 7), onde a
requerida propõe inclusive renegociação, mas rejeita a rescisão pleiteada. A
demanda foi interposta apenas em 07/2016, ou seja, mais e 2 anos após a feitura
do negócio.
Deferir a rescisão, por mero arrependimento, após tal
lapso temporal, seria premiar o arrependido.
Na premissa da teoria do "venire
contra factum proprium",
enfatizo a vedação ao arrependimento naquelas hipóteses em que a parte já
iniciou a execução das prestações que lhe incumbiam no contrato preliminar. De
certo, haveria ofensa ao princípio da boa-fé objetiva, se um dos contratantes
manifesta comportamento concludente ao aquiescer periodicamente na percepção
das prestações e, na iminência da obtenção integral de sua vantagem patrimonial
delibera por resilir unilateralmente o contrato preliminar, por mero
arrependimento. Em evidência, nesta conduta incoerente, há uma ofensa à
legítima expectativa de confiança da contraparte, objetivamente atraída ao
longo da execução do contrato preliminar.
Nesse sentido a doutrina:
Em princípio, a promessa de contratar
é "firme", de feição irretratável e irrevogável. Qualquer das partes
conta com a pretensão de exigir a pactuação do
contrato final. Ocorre que, no vasto território da autonomia privada, é Lícito
aos parceiros a aposição de cláusula de arrependimento, de modo a afastar a
viabilidade da execução específica da promessa. Em princípio, havendo paridade
de armas em relações privadas, não há interesse superior do sistema em
restringir este espaço de liberdade contratual. A existência da cláusula de
arrependimento é fator impeditivo à persecução da tutela específica judicial.
Cuida-se de um direito potestativo de retratação
deferido aos contratantes, deferindo-Lhes o poder de, a qualquer tempo, resilir
unilateralmente o contrato preliminar pela forma de denúncia notificada à outra
parte (art. 473, CC). Esta faculdade será exercitada com razoabilidade, sob
pena de se erigir em abuso do direito potestativo por
parte do contratante demissionário (art. 187, CC). Nesta senda, certamente o
prazo decadencial para o exercício do poder de desconstituição da relação será
o momento anterior ao cumprimento de todas as obrigações constantes do pacto (v.g. pagamento da última prestação pelo promissário
comprador na promessa de compra e venda}. Atrevemo-nos a ir além e, na premissa
da teoria do venire contra factum proprium, enfatizar, a
vedação ao arrependimento naquelas hipóteses em que a parte já iniciou a
execução das prestações que lhe incumbiam no contrato preliminar. De certo,
haveria ofensa ao princípio da boa-fé objetiva, se um dos contratantes
manifesta comportamento concludente ao aquiescer periodicamente na percepção
das prestações e, na iminência da obtenção integral de sua vantagem
patrimonial, delibera por resilir unilateralmente o contrato preliminar. Em evidência,
nesta conduta incoerente, há uma ofensa à legítima expectativa de confiança da
contraparte, objetivamente atraída ao Longo da execução do contrato
preliminar."·" Farias, Cristiano Chaves de Curso de direito civil:
contratos I Cristiano Chaves de Farias, Nelson Rosenva!d
- 7. ed. rev e atual.- Salvador; Ed. JusPodivm, 2017. 1.136p.
Sendo assim, não ocorrendo descumprimento das
cláusulas do contrato, não se deve amparar o arrependimento como motivo para o
seu desfazimento. Com efeito, o contrato foi cumprido pela apelada, estando
marcado pela irrevogabilidade e irretratabilidade.
Pretende a apelante a rescisão contratual por mera conveniência, o que não deve
ser deferido.
CLÁUSULA DE RETENÇÃO - 30% DOS VALORES PAGOS.
Sustenta o apelante que a retenção de 30%, prevista na cláusula 7.3 do contrato
de compra e venda, é abusiva e demonstra clara intenção de locupletamento
indevido por parte da Vendedora/Apelada que não teve nenhum gasto com a
comercialização do imóvel, tendo em vista que despesas com corretagem,
emolumentos imobiliários e outros do tipo foram suportados pela Apelante, sendo
que eventual retenção será revertida integralmente para a Vendedora/Apelada, de
forma compensatória.
Sem razão o apelante.
Em caso de rescisão do contrato de compra e venda de
imóvel, por inadimplência do promissário comprador, a jurisprudência tem
considerado razoável a retenção pelo promitente vendedor da quantia equivalente
a 30% dos valores pagos.
Nesse sentido, o recente julgado desta Câmara:
PROMESSA DE COMPRA E VENDA -
IMÓVEL - DISTRATO - RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS PAGAS - RETENÇÃO DO PERCENTUAL DE
20% - POSSIBILIDADE - RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. - É nula de pleno
direito cláusula que impõe ao consumidor o recebimento de carta de crédito a
ser utilizada exclusivamente para a compra de outro imóvel pertencente à
construtora. Inteligência do art. 51, II, do Código de Defesa do Consumidor. -
A jurisprudência dos Tribunais pátrios, inclusive, do colendo Superior Tribunal
de Justiça, está hoje consolidada no sentido de que, em havendo extinção de
contrato de promessa de compra e venda, mesmo por inadimplência justificada do
devedor, o contrato pode prever a perda de parte das prestações pagas, a título
de indenização do promitente vendedor, para cobertura de despesas decorrentes
do próprio negócio, prevalecendo, para a maioria dos casos, o percentual de 20%
(vinte por cento), do valor das prestações pagas, como sendo o mais adequado.
(TJMG - Nona Câmara Cível - Apelação Nº 1.0024.07.586160-9/001, Relator:
Desembargador Tarcísio Martins Costa, Data do Julgamento: 13.07.2010, Data da
Publicação: 02.08.2010).
Nessa linha de raciocínio, como bem afirmado pelo
juízo a quo, não se constata qualquer
ilegalidade na cláusula contratual assumida entre os litigantes prevendo a irrevogabilidade
e a irretratabilidade da promessa de compra e venda,
muito menos naquela que faculta ao promitente vendedor, na impontualidade de
pagamento superior a 90 (noventa) dias, pleitear a rescisão por culpa do
inadimplente, retendo o percentual de 30% da importância paga, pois tal se acha
em consonância com o disposto nos artigos 389, 408 e 463 do Código Civil. A meu
sentir e ver, a autora não pode se valer da própria torpeza para pleitear a
redução da multa contratual por ela mesma pactuada.
DISPOSITIVO
Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.
Fixo honorários recursais em 2% sobre o valor
corrigido da causa, majorando os honorários iniciais de 10% para 12%.
Custas, despesas e honorários pelo apelante.
JD. CONVOCADO MAURÍCIO PINTO FERREIRA - De acordo com
o Relator.
DES. VICENTE DE OLIVEIRA SILVA - De acordo com o
Relator.
Súmula - "RECURSO NÃO
PROVIDO."
BOAD9905---WIN/INTER
REF_AD