PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS AOS CONCURSOS PÚBLICOS - MEF34109 - BEAP

 

           

GEISY MERENLY MACIENTE DIAS *

 

 


            RESUMO

            O presente trabalho tem por objetivo analisar o contexto constitucional em que se insere o instituto do concurso público no Direito atual. O enfoque principal serão os princípios constitucionais aplicáveis aos concursos públicos, bem como a visão jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça em relação ao acesso a cargos públicos pela via do concurso, considerando o que dispõe a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Analisaremos, ainda, a atuação dos órgãos de controle no sentido de dar efetividade aos princípios constitucionais e, assim, garantir a transparência na realização de concursos públicos.

            Palavras-chave: Concurso Público. Princípios Constitucionais. STF. STJ. Controle.

 

            1. INTRODUÇÃO

            A importância do concurso público no Brasil caminha com a democratização do Estado de Direito brasileiro, uma vez que a crescente oportunidade de acesso ao serviço público no Brasil está intimamente ligada ao fortalecimento das instituições democráticas, já que o exercício de cargos, empregos e funções públicas por funcionários públicos qualificados é, sem dúvida, uma forma de fortalecimento do Estado e da execução de suas missões e responsabilidades institucionais.

            Dentro desse contexto, é possível verificar o aumento do interesse da população em acessar a carreira pública por meio de concurso público. Junto a isso, para que os concursos públicos sejam cada vez mais transparentes, é importante ressaltar a atuação dos órgãos de controle, tais como os tribunais de contas e ministérios públicos.

            O concurso público é um instrumento voltado para a efetivação dos princípios da impessoalidade e da isonomia no acesso aos cargos públicos (art. 37, da Constituição da República Federativa do Brasil).

            O art. 37, inciso I, da Constituição da República Federativa do Brasil, determina que "os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei".

            A lei deverá conferir a todos igual oportunidade de assunção de atividade pública em cargos, empregos ou funções públicas da Administração direta e indireta. Esta é a máxima tida como princípio da acessibilidade à função pública, preconizada pela Constituição da República.

            Assim, considerando o cenário atual, analisaremos, no presente trabalho, a eficácia dos princípios constitucionais aplicados ao concurso público.

 

            2. DO CONCURSO PÚBLICO

            O concurso público é um procedimento administrativo que seleciona os melhores candidatos para prover os cargos e funções públicas. O Estado afere quais, dentre os candidatos inscritos, possuem maior aptidão intelectual, física e psíquica para exercer cargos, empregos e funções públicas.

 

            2.1. Do Conceito

            MARCELO CAETANO nos ensina que o concurso público é o mais legítimo sistema de mérito, ou seja, traduz:

 

            Um certame de que todos podem participar nas mesmas condições, permitindo que sejam escolhidos realmente os melhores candidatos. Baseia-se o concurso público em três postulados fundamentais. O primeiro é o princípio da igualdade, pelo qual se permite que todos os interessados em ingressar no serviço público disputem a vaga em condições idênticas para todos. Depois, o princípio da moralidade administrativa, indicativo de que o concurso veda favorecimentos e perseguições pessoais, bem como situações de nepotismo, em ordem a demonstrar que o real escopo da Administração é o de selecionar os melhores candidatos. Por fim, o princípio da competição, que significa que os candidatos participem de um certame procurando alçar-se à classificação que os coloque em condições de ingressar no serviço público. (CAETANO, Marcelo. Manual do Direito Administrativo. Vol. II, p. 638).

 

            Para Hely Lopes Meirelles,

 

            O concurso público é o meio técnico posto à disposição da Administração Pública para obter-se moralidade, eficiência e aperfeiçoamento do serviço público e, ao mesmo tempo, propiciar igual oportunidade a todos os interessados que atendam aos requisitos da lei, fixados de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, consoante determina o art. 37, II, da CF. Pelo concurso afastam-se, pois, os ineptos e os apaniguados que costumam abarrotar as repartições, num espetáculo degradante de protecionismo e falta de escrúpulos de políticos que se alçam e se mantêm no poder leiloando cargos e empregos públicos." (MEIRELLES, Helly Lopes, Direito Administrativo Brasileiro, 27ª edição, p. 409).

 

            Desses dois conceitos emanados pelos ilustres doutrinadores acima, podemos concluir que o concurso público é o meio através do qual a administração pública seleciona, segundo critérios preestabelecidos no edital e jungidos à Constituição da República e à lei, os melhores candidatos para exercer a atividade pública e, assim, por conseguinte, prestar o serviço público de melhor qualidade.

            É uma forma de evitar apadrinhamentos, benesses individuais ou favorecimentos pessoais. O Supremo Tribunal Federal editou a Súmula nº 685, que veda qualquer forma de provimento em cargos, empregos e funções públicas sem o prévio concurso público. Eis o enunciado da súmula: "É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido".

 

            2.2. Das Exceções

            Conforme foi dito acima, a regra é a admissão no serviço público pelo concurso público, entretanto, em algumas hipóteses, é possível que haja a admissão sem a realização de prévio concurso público.

            Primeiro, deve-se sempre ter em mente que se a regra do concurso público é constitucional (art. 37, II, CRFB), a exceção também tem que ser prevista na Constituição da República, sob pena de ser eivada de inconstitucionalidade.

            O art. 37, II, da CRFB, dispensa a exigência de concurso público para o provimento de cargos em comissão declarados em lei como de livre nomeação e exoneração. A razão desta exceção constitucional advém da própria natureza do cargo no sentido de proteger o princípio.

            O art. 37, IX, da CRFB, permite que a lei estabeleça os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público.

            O art. 94, da CRFB, afirma que, em relação aos cargos vitalícios, é inexigível o concurso para a investidura dos integrantes do quinto constitucional dos Tribunais Judiciários, composto de membros do Ministério Público e advogados. Nesse mesmo sentido, temos a investidura dos membros dos Tribunais de Contas (art. 73, parágrafos 1º e 2º da CRFB), bem como em relação aos ministros do STF (artigo 101, parágrafo único, da CRFB) e em relação aos ministros do STJ (artigo 104, parágrafo único, da CRFB).

            O art. 53, I, do ADCT, da CRFB, permite que ex-combatentes que tenham efetivamente participado de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial possam acessar cargos efetivos sem concurso público.

 

            2.3. Do Procedimento Administrativo ou Processo Administrativo

            A palavra processo tem origem etimológica no latim procedere, que significa seguir adiante. Em razão disso, por muito tempo houve confusão com o procedimento, que se define como simples sucessão de atos processuais. Nesse sentido, o processo deve ser entendido como um conjunto de atos procedimentais envolvidos por uma relação jurídica travada entre as partes e o Estado, encadeados entre si em razão do exercício de poderes ou faculdades, com vistas à consecução de um objetivo final (CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 282).

            Por outro lado, o procedimento é caracterizado como o modo pelo qual se exterioriza a instauração, desenvolvimento e crise do processo; corresponde, portanto, à sua manifestação extrínseca.

            De acordo com José dos Santos Carvalho Filho, um procedimento administrativo "é a sequência de atividades da Administração, interligadas entre si, que visa a alcançar determinado efeito final previsto em lei" (CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 21. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 146).

            Conforme as distinções acima, concluímos que o concurso público é, na verdade, um processo administrativo, e, não, um simples procedimento administrativo. O concurso público é compreendido por uma série de procedimentos, ordenados de forma lógica, tendendo a uma solução final. Os procedimentos que integram o processo alusivo ao concurso, por sua vez, compõem-se de atos interligados entre si, a serem praticados em consonância com as prescrições legais, com o objetivo final de selecionar pessoas aptas à investidura nos cargos ou empregos públicos colocados em disputa.

            Vale ressaltar que o legislador federal se referiu ao concurso público como sendo processo, não mero procedimento, no art. 50, inciso III, da Lei nº 9.784/99, que dispõe sobre o processo administrativo federal e em apreço preceitua que os atos administrativos que decidam processos administrativos de concurso ou de seleção pública devem ser sempre motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos.

            A lei não enumera os atos administrativos que devem ser praticados durante a realização do concurso público, bem como a ordem em que devem ser praticados, entretanto, a doutrina e a jurisprudência estabelecem uma sequência a ser observada durante o concurso público.

            Neste trabalho, vamos analisar, sucintamente, as fases do concurso público.

 

            2.4. Da Fase Interna

            A fase interna corresponde ao motivo pelo qual a Administração Pública vai realizar o concurso público, ou seja, nesse momento, a Administração Pública deve demonstrar a necessidade de preenchimento de vagas por meio do concurso público.

            Nessa fase, a Administração Pública define os cargos ou empregos públicos que serão colocados em disputa, bem como a quantidade de vagas disponíveis.

            Devemos observar o que dispõe o art. 73, inciso V, alínea c, da Lei nº 9504/97, pelo qual o administrador está proibido de realizar a nomeação de candidato aprovado em concurso público, se o mesmo não for homologado até três meses antes do pleito eleitoral a ser realizado na circunscrição administrativa que dirige.

            A intenção do legislador foi, claramente, evitar que o administrador público faça do instituto do concurso público um meio de atrair eleitores, já que a abertura de concurso público às vésperas das eleições pode comprometer o princípio da eficiência e da real necessidade do certame.

            A proibição não é absoluta, já que a própria norma excepcionou as nomeações para os cargos do Poder Judiciário, do Ministério Público, dos Tribunais de Contas e dos órgãos da Presidência da República (art. 73, inciso V, alínea b, da Lei nº 9504/97).

            De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral, a limitação é restrita à circunscrição em que se realiza a eleição, ou seja, se a eleição for municipal, por exemplo, a limitação se refere somente ao município em que o pleito será realizado. E o município fica liberado para desrespeitar a restrição do art. 73, inciso V, alínea c, da Lei nº 9504/97, em caso de eleições para Presidente.

            Assim, ao elaborar o cronograma relativo ao concurso público, a Administração deverá levar em conta a ocorrência de eleições, para que sejam devidamente respeitados os ditames da Lei nº 9.504/97.

            O administrador, antes da organização do concurso público, deverá respeitar a Lei Complementar nº 101/00, também conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal, e, para tanto, deve apresentar a estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deve entrar em vigor a medida e nos dois subsequentes. Também o ordenador de despesa do ente deve apresentar declaração de que o novo gasto tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com a lei de diretrizes orçamentárias e com o plano plurianual.

            A Administração deve, ainda, cumprir os artigos 18, 19 e 20, da Lei de Responsabilidade Fiscal, que dispõem sobre os limites de gastos com pessoal.

 

            2.5. Da Comissão Organizadora

            Realizada a fase interna, a Administração forma a comissão organizadora do concurso. Para tal, edita uma lei ou um decreto com as atribuições referida da comissão organizadora.

            Como outra opção, a Administração pode contratar instituição pública ou particular para a instrumentalização do concurso, desde que tal instituição se reporte à comissão organizadora responsável por presidir os trabalhos. É o que nos leciona Rita Tourinho. (TOURINHO, Rita. Concurso público no ordenamento jurídico brasileiro. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 62).

            Os integrantes da comissão organizadora devem ser servidores do quadro permanente, qualificados e treinados para o exercício dessa função. E, acima de tudo, devem ser imparciais, sem qualquer interesse pessoal no resultado do certame. A imparcialidade garante os princípios da isonomia, da moralidade e da impessoalidade que, conforme a CRFB, são regedores da atividade administrativa.

 

            2.6. Da Fase Externa

            O edital inicia a fase externa do concurso público. O edital é um ato administrativo normativo vinculante, uma vez que fixa regras de observância obrigatória tanto para a Administração Pública quanto para os candidatos.

            Maria Cecília Mendes Borges ressalta que a lei e a Constituição sempre exercerão o papel limitador do edital (BORGES, Maria Cecília Mendes. Editais de concursos públicos e seus elementos padrões diante dos princípios constitucionais. Revista do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, v. 70, p. 30, jan./mar. 2009).

            Analisaremos algumas particularidades do edital.

            O edital deve ser amplamente divulgado, respeitando, dessa forma, o princípio da publicidade, exigido no art. 37, da CRFB.

            Vale destacar o entendimento do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais:

 

            Edital de Concurso Público. Publicidade. Ademais, no que tange à divulgação dos atos do concurso, a orientação desta Corte de Contas para que o princípio da publicidade atinja efetivamente seus fins é no sentido de que o ato inaugural do certame, bem como suas retificações, devem contar com todas as formas possíveis de divulgação, quais sejam: afixação no quadro de avisos da Prefeitura, divulgação na internet e publicação em jornal oficial ou outro de grande circulação na região. A medida se faz necessária por considerar que esta é a oportunidade de se dar notícia à sociedade da existência do concurso, razão pela qual deve haver a mais ampla divulgação possível. (Edital de Concurso Público nº 798.815. Rel. Conselheiro Sebastião Helvecio. Sessão do dia 1º.10.2009).

 

            O edital deve estabelecer um prazo razoável entre sua publicação, a abertura das inscrições e a realização das provas, com o objetivo de facilitar a participação dos possíveis interessados na realização do concurso público.

            No edital, será fixado o prazo para a realização das inscrições. Inscrição é a manifestação de vontade do candidato em participar da competição. O prazo deve ser razoável, no intuito de garantir que todos os interessados em realizar o certame tenham a oportunidade de realizar as inscrições. As inscrições devem ser realizadas da maneira mais acessível possível, pessoalmente ou por procuração.

            Assim, restringir as inscrições para, por exemplo, serem feitas somente de forma presencial ou mesmo somente via internet, fere o princípio da acessibilidade de todos ao ingresso no serviço público e, por conseguinte, ao princípio da isonomia, insculpido no art. 5º da CRFB.

            Para Reinaldo Moreira Bruno, o conteúdo do edital deve compreender os cargos, suas atribuições, a escolaridade mínima e demais exigências legais para o exercício, valor da remuneração, indicação do valor atribuído a cada questão, reserva de vagas a portadores de deficiência, datas e locais de realização das provas ou indicação do modo como os inscritos futuramente terão ciência de tais dados, indicação do conteúdo das provas e de conteúdo programático compatível com as atribuições do cargo e exigível à data da publicação do edital e prazo de validade do concurso, bem como sua prorrogabilidade ou não. (BRUNO, Reinaldo Moreira. Servidor público: doutrina e jurisprudência. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 87-88).

            Outra questão interessante é a atinente ao valor da taxa de inscrição. Este deve ser o suficiente para pagar os gastos com a realização do concurso, uma vez que valores de inscrição muito altos podem representar um obstáculo à realização do certame por diversos candidatos.

            Caso o concurso seja cancelado, suspenso, adiado ou não realizado por outro motivo, deverá haver a total restituição do valor de inscrição pago.

            O edital deve prever a isenção do pagamento da taxa de inscrição para os candidatos hipossuficientes, assim entendidos como todos aqueles que não podem arcar com o pagamento da taxa de inscrição sem prejuízo de seu sustento e de sua família. É, sem dúvida, mais uma forma de se assegurar o princípio da isonomia.

 

            2.6.1. Das Ações Afirmativas

            As políticas de ação afirmativas estão intimamente ligadas ao princípio da igualdade, na sua faceta material.

            No Estado Democrático de Direito, há a necessidade de políticas sociais de apoio aos grupos excluídos, devendo o Direito percebê-los e tratá-los em sua especificidade, e não mais como uma massa que não leva em conta aspectos individuais. Assim, Noberto Bobbio leciona que:

 

            Com relação ao abstrato sujeito "homem", que já encontrara uma primeira especificação no "cidadão" (no sentido de que podiam ser atribuídos ao cidadão novos direitos com relação ao homem em geral), fez-se valer a exigência de responder com nova especificação à seguinte questão: que homem, que cidadão? Essa especificação ocorreu com relação seja ao gênero, seja às várias fases da vida, seja à diferença entre estado normal e estados excepcionais na existência humana. (BOBBIO, Norberto. A Era dos direitos. Rio de Janeiro: Campus, 11ª edição, 1992, p. 62).

 

            A ilustre Flávia Piovesan nos ensina que, a partir da extensão da titularidade de direitos, há o alargamento do próprio conceito de sujeito de direito, que passou a abranger, além do indivíduo, as entidades de classe, as organizações sindicais, os grupos vulneráveis e a própria humanidade. Este processo implicou ainda a especificação do sujeito de direito, tendo em vista que, ao lado do sujeito genérico e abstrato, delineia-se o sujeito de direito concreto, visto em sua especificidade e na concreticidade de suas diversas relações. Isto é, do ente abstrato, genérico, destituído de cor, sexo, idade, classe social, dentre outros critérios, emerge o sujeito de direito concreto, historicamente situado, com especificidades e particularidades. Daí apontar-se não mais ao indivíduo genérica e abstratamente considerado, mas ao indivíduo especificado, considerando-se categorizações relativas ao gênero, idade, etnia e raça, por exemplo. E, assim, diante dessas especificidades, é consolidado um aparato normativo especial de proteção destinado a pessoas ou grupos particularmente vulneráveis. Alguns importantes instrumentos internacionais, ressaltando a especificidade e concreticidade do sujeito de direito, são elaborados: a Convenção Internacional Contra Todas as Formas de Discriminação Racial, a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, a Convenção Internacional contra a Tortura, a Convenção sobre os Direitos da Criança, dentre outros. No caso brasileiro, continua Piovesan, esse processo de especificação do sujeito de direito ocorreu basicamente com a Constituição de 1988, que, por exemplo, traz dispositivos constitucionais específicos voltados às mulheres, à população negra, às pessoas portadoras de deficiência, etc. Consolida-se, desta forma, tanto no Direito Internacional como no Direito Brasileiro, o valor da igualdade com o respeito à diferença e à diversidade. A autora, aponta, então, para a implementação do direito à igualdade: o combate à discriminação e a promoção da igualdade material. (PIOVESAN, Flávia e SATO, Priscila Kei. Implementação do direito à igualdade. In: Temas de Direitos Humanos. São Paulo, Max Limonad, 1998. Cap. 6, p. 83-84).

            A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu art. 37, VIII, assegura a reserva de vagas em concurso público para portadores de deficiência. O art. 5º, § 2º, da Lei 8.112/90, estabelece que o percentual máximo da reserva não pode ultrapassar os 20% das vagas, por outro lado o art. 37, I, do Decreto 3.298/99, determina que o mínimo de 5% dos cargos deve ser destinado aos portadores de necessidades especiais. Assim, a autoridade administrativa possui discricionariedade para fixar o percentual da reserva entre 5 e 20% do total de vagas.

            O art. 37 do Decreto nº 3.298/99 estatui que a reserva de vagas, para ser válida, depende da compatibilidade entre as atribuições do cargo e as limitações impostas pela deficiência do candidato. A Administração pode justificar fundamentadamente a ausência de reserva de vagas para portadores de necessidades especiais, com base na impossibilidade de exercício das atribuições próprias do cargo.

            O STJ já decidiu nesse sentido:

 

            Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Mandado de Segurança nº 10481 / DF. Ementa: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. DEFICIENTE FÍSICO. EXAME DE APTIDÃO FÍSICA. - A reserva de percentual de cargo para as pessoas portadoras de deficiência física, nos termos do art. 37, VIII, da CF, não afasta a exigência de aprovação em etapa do concurso público em que se avalia a capacitação física do candidato, indispensável para o desempenho do cargo de Técnico em Segurança Legislativa. - Recurso desprovido. Rel. Min. FELIX FISCHER. Julgado em 30.06.1999.

 

            Assim, como a maior finalidade do exercício da atividade pública, é o atendimento do interesse público, a reserva de vagas para deficientes físicos deve ser compatível com o exercício da atividade, sob pena de prejuízo dos próprios administrados.

 

            2.6.2. Das Distinções entre Sexos e Idade

            A regra geral é a de que a distinção em razão de sexo e idade não é permitida. Homens e mulheres, independentemente de sua idade, devem disputar normalmente as vagas do certame.

            Entretanto, podem caber algumas distinções em razão das atividades a serem exercidas pelos futuros agentes públicos. Celso Antônio Bandeira de Mello nos ensina que "não é inconstitucional estabelecer limite de idade quando o concurso destinar-se a determinados cargos ou empregos cujo desempenho requeira esforços físicos ou cause acentuados desgastes intoleráveis a partir de faixas etárias mais elevadas." (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo, Malheiros, SP, 1993, p. 134).

            Vejamos como o STF analisa o assunto:

 

            A norma constitucional que proíbe tratamento normativo discriminatório em razão da idade, para efeito de ingresso no serviço público, não se reveste de caráter absoluto, sendo legítima, em consequência, a estipulação de exigência de ordem etária quando esta decorrer da natureza e do conteúdo ocupacional do cargo público a ser provido. (RO em MS nº 21045-1-DF, 1ª Turma, Re. Min. Celso de Mello, publicado no DJ de 30.09.1994).

 

            Outro exemplo que podemos trazer é o da contratação de agentes de carceragem para prisões exclusivamente femininas, ou vice-versa. Aqui, o princípio da razoabilidade demanda que a contratação deve acolher apenas o sexo admitido pela repartição. O STJ já se manifestou nesse sentido.

            O STF editou o enunciado da Súmula nº 683, segundo o qual o limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido.

 

            2.6.3. Das Provas

            A Administração Pública, geralmente, se utiliza de provas de múltipla escolha em que se julgam verdadeiras ou falsas as assertivas propostas pela banca. A correção, nesses casos, é eletrônica, por leitura ótica. É o meio mais imparcial e rápido de correção. Em geral, as provas objetivas servem como primeira avaliação. E, muitas vezes, esta fase do concurso é eliminatória, ou seja, se o candidato não obtiver um percentual de acerto mínimo exigido no edital, ele será desclassificado.

            As fases seguintes se compõem geralmente de provas mais difíceis e que exigem correção pessoal, como é o caso das redações, provas discursivas, orais e físicas. Os critérios de correção devem ser mais objetivos. A administração deve divulgar um padrão de resposta com os pontos mínimos que deveriam ter sido abordados pelos candidatos ao certame.

            Dentro da questão da maior objetividade possível, que é uma garantia ao princípio da isonomia, devemos analisar a questão do exame psicotécnico.

            Conforme leciona José dos Santos Carvalho Filho, o exame psicotécnico é aquele em que a administração pública afere as condições psíquicas do candidato a provimento de cargo público. A exigência é legítima, mas deve seguir alguns critérios que analisaremos a seguir.

            O exame psicotécnico deve seguir parâmetros científicos e objetivos e o candidato, assim, terá direito de confrontar o resultado. Deve-se respeitar o princípio que assegura a qualquer indivíduo o direito à obtenção de informações perante os órgãos públicos (art. 5º, XXXIII, CRFB).

            A lei deve prever a exigência de aferição psicológica. Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato para o cargo público. Esse é o entendimento exarado pelo STF na Súmula 686.

            Outra importante decisão do STF foi a tomada na análise do caso de um Procurador da Fazenda Nacional que exerceu o cargo por cinco anos com perfeita aptidão psíquica e foi reprovado no psicotécnico para Procurador da República. Entendeu o STF que o candidato, aprovado em todas as fases do concurso, demonstrou perfeita adequação às funções do cargo pretendido e o resultado do exame psicotécnico perderia relevo.

            Conclui-se, então, que a jurisprudência não tem admitido a realização de exames psicotécnicos com caráter eliminatório se não houver previsão legal e editalícia expressa nesse sentido, os critérios de avaliação não forem objetivos, ou não houver possibilidade de recurso.

            Vejamos como se posiciona o STJ:

 

            Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1221968/DF. Ementa: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. EXAME PSICOTÉCNICO. REQUISITOS PARA LEGITIMIDADE. CUMPRIMENTO NO CASO CONCRETO. 1. É pacífico nesta Corte Superior o entendimento segundo o qual a realização de exames psicotécnicos em concursos públicos é legítima, desde que (i) haja previsão legal e editalícia para tanto, (ii) os critérios adotados para a avaliação sejam objetivos e (iii) caiba a interposição de recurso contra o resultado, que deve ser, pois, público. Precedentes. 2. Da leitura do acórdão recorrido, extrai-se que todos os requisitos colocados pela jurisprudência foram atendidos no caso concreto. Trechos do acórdão recorrido. 3. Recurso especial não provido. Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES. Julgado em 22.02.2011.

 

            As provas orais também devem ser estudadas quando da análise da objetividade das provas.

            As provas orais, em respeito aos princípios da impessoalidade, da publicidade e do contraditório, devem ser realizadas em sessão pública e gravadas, para que possa permitir o recurso do candidato. Devem ser baseadas em critérios objetivos, com banca examinadora previamente divulgada.

            Eis o entendimento do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais:

 

            Edital de Concurso Público. Gravação de Provas Orais. Quanto às disposições acerca das provas orais, (...) que versam sobre a possibilidade de o examinador optar ora por questões objetivas ora por trabalhos simulados, bem como sobre a faculdade de ser exigido comentário sobre texto legal, conforme disposto no edital, reputo como graves essas condições, em face de ausência de objetividade e do tratamento diferenciado entre os candidatos. Relativamente ao subitem (...), que versa sobre a gravação das provas orais exclusivamente pela Comissão do Concurso, entendo que merece reparo, devendo a entidade estabelecer todas as condições e requisitos que possibilitem a gravação das provas orais, também, pelos presentes, devendo, contudo, acautelar-se para que essa prerrogativa não dificulte o transcorrer das provas e não traga prejuízo para os candidatos e para o Órgão. (Edital de Concurso Público nº 760.740. Rel. Conselheira Adriane Andrade. Sessão do dia 02.12.2008).

 

            Em relação à fase de prova de títulos, vale ressaltar que esta somente poderá ter caráter classificatório. Esta fase representa o reconhecimento da Administração Pública pelo esforço de capacitação de alguns candidatos. O edital deve ser específico no tocante aos títulos a serem aceitos, à pontuação a ser atribuída a cada um, e à estrita proporcionalidade entre a especialidade do título, a pontuação e as demais etapas do certame. (MOTTA, Paulo Roberto Ferreira; SILVEIRA, Raquel Dias da. Concurso público. In: FORTINI, Cristiana (Org.). Servidor Público: estudos em homenagem ao Professor Pedro Paulo de Almeida Dutra. Belo Horizonte: Fórum, 2009, p. 332-333).

 

            2.6.4. Da Divulgação dos Resultados

            Frederico Jorge Gouveia de Melo nos ensina que, finalizadas as correções das provas e julgados todos os recursos tempestivamente interpostos, a Administração divulgará o resultado final para em seguida homologá-lo. Tal procedimento é realizado por ato formal, acompanhado da lista dos aprovados, contendo seus nomes completos e número de documento de identificação. A homologação encerra o procedimento de seleção. (MELO, Frederico Jorge Gouveia de. Admissão de pessoal no serviço público: procedimentos, restrições e controles. Belo Horizonte: Fórum, 2006, p. 64).

            Pode ser necessário que a Administração faça a homologação parcial do resultado, caso haja questionamentos judiciais envolvendo o concurso. Nesse caso, a homologação surtirá efeitos apenas quanto aos cargos não envolvidos na demanda.

            Nesta fase de divulgação dos resultados, vamos analisar algumas questões relevantes.

            Inicialmente, não podemos deixar de mencionar sobre a possibilidade de vista de provas. Sem dúvida, é um direito que deve ser assegurado ao candidato, para garantir efetividade ao princípio constitucional da publicidade.

            Outra questão a ser estudada são os critérios de desempate. A previsão de tais critérios deverá constar do edital. A Administração Pública pode usar como critério de desempate a atribuição de pesos específicos para cada tipo de matéria da prova, ou, a idade, com preferência para o candidato mais idoso. Nesse último caso, há previsão legal para tal critério de desempate na Lei nº 10.741/03.

            O prazo de validade do concurso está regulamentado no art. 37, incisos III e IV da CRFB, segundo os quais a Administração poderá prever um prazo de até dois anos, prorrogável por igual período.

 

            2.6.5. Da Nomeação

            A nomeação é um ato através do qual a Administração convoca o candidato aprovado a ocupar o cargo para o qual ele prestou concurso. A nomeação acontecerá em estrita obediência à ordem de classificação no resultado final do concurso. Por ocasião da posse, o candidato deverá ostentar a habilitação exigida pelo edital, sob pena de perder a sua posição entre os classificados.

            Em relação à existência de direito subjetivo à nomeação para o cargo, o Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais tem-se manifestado no seguinte sentido:

 

            Edital de Concurso Público. Direito à Nomeação. O candidato aprovado dentro do limite de vagas previstas no edital, durante o prazo de validade do certame, tem direito subjetivo à nomeação para o cargo a que concorreu e foi habilitado, ressalvadas as hipóteses de fatos supervenientes, devidamente motivados, pertinentes e suficientes para justificar tal medida. Em tais situações, deve ser ressaltado que a existência posterior de caso fortuito e força maior que afete diretamente e de forma significativa a capacidade econômica do ente público afasta a invocação de direito subjetivo por parte dos habilitados dentro do número de vagas. (Edital de Concurso Público nº 796.953. Rel. Conselheiro Eduardo Carone Costa. Sessão do dia 03.09.2009).

 

            Esse também tem sido o entendimento jurisprudencial predominante no STJ. Vejamos um julgado:

 

            STJ - AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA 39131 RN 2012/0199214-5 (STJ). Data de publicação: 08.05.2013. Ementa: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO DENTRO DO NÚMERO DE VAGAS PREVISTAS NO EDITAL. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE TERCEIROS. DIREITO SUBJETIVO À NOMEAÇÃO CONFIGURADO. 1. Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado contra ato da Governadora do Estado e do Secretário de Estado da Saúde Pública, consubstanciado na omissão quanto à nomeação da impetrante para o cargo de Enfermeira do quadro eletivo da Secretaria de Saúde do Estado do ... . 2. O Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento de que candidatos aprovados em posição classificatória compatível com vagas previstas em edital possuem direito subjetivo à nomeação e posse dentro do período de validade do concurso. Precedentes do STJ. 3. In casu, o edital previu 259 vagas para o cargo de enfermeiro da região metropolitana da SESAP, e a recorrente logrou a 132ª posição no certame. Também há comprovação de que a Administração Pública realizou contratações temporárias para o mesmo cargo a que concorreu a impetrante, isso antes de expirado o prazo de validade do certame. 4. Desse modo, por entender violado o direito líquido e certo da autora, merece ser acolhido o mandado.

 

            3. Da Invalidação do Concurso Público

            Caso o concurso público esteja contaminado por vícios de legalidade, ele deve ser invalidado. A invalidação pode ser feita pela própria Administração ou pelo Poder Judiciário.

            Assim entende o STF, a administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial (enunciado sumulado nº 473).

            Inicialmente, vamos analisar a invalidação feita pela própria Administração.

            A Administração controla seus atos administrativos através dos institutos da anulação e da revogação, que estão intrinsecamente vinculados ao poder de autotutela conferido ao administrador. A anulação aplica-se aos casos de ilegalidade. A revogação ocorre quando o ato administrativo deixar de ser conveniente e oportuno para a Administração.

            O art. 55 da Lei nº 9784/99 impôs o prazo decadencial de cinco anos para que se dê a anulação de atos de que decorram efeitos favoráveis para seus destinatários, exceto caso de má-fé comprovada.

            Em relação à possibilidade de convalidação, Maria Sylvia Zanella di Pietro alerta para o fato de que a convalidação só surge como opção discricionária para o administrador quando os atos em questão não tragam prejuízo a terceiros e nem lesionem o interesse público. Caso contrário, não resta alternativa ao administrador senão promover a anulação do ato. (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 218).

            Caso o concurso público venha a ser anulado, os participantes do concurso têm direito à devolução do que pagaram para participar do certame.

            A revogação do concurso tem caráter excepcional e deve ser vastamente justificada com base em razões de interesse público.

            Se, após a realização da prova, com divulgação dos aprovados, a Administração Pública cogitar anular ou revogar o certame, deverá notificar os aprovados para que eles se manifestem, porque a decisão irá afetar os direitos e interesses dos candidatos aprovados.

            O Supremo Tribunal Federal tem sólido entendimento sobre a necessidade de se instaurar o devido processo legal quando se pretende anular ou revogar concurso público. Vejamos:

 

            Concurso público. Nomeações. Anulação. Devido processo legal. O Supremo Tribunal Federal fixou jurisprudência no sentido de que é necessária a observância do devido processo legal para a anulação de ato administrativo que tenha repercutido no campo de interesses individuais. (RE 501.869-AgR, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 23.09.2008, Segunda Turma, DJE de 31.10.2008.)

 

            O entendimento da Corte é no sentido de que, embora a administração esteja autorizada a anular seus próprios atos quando eivados de vícios que os tornem ilegais (Súmula 473 do STF), não prescinde do processo administrativo, com obediência aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. (AI 710.085-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 03.02.2009, Primeira Turma, DJE de 06.03.2009.)

            Logo, tendo havido repercussão na esfera de direitos subjetivos do particular, o Poder Público não pode revogar ou anular um ato, sob o fundamento do exercício da autotutela, sem obedecer aos princípios constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Os direitos fundamentais limitam claramente a autotutela administrativa.

            Em relação ao controle judicial da correção das provas, a jurisprudência caminha no sentido de que o resultado do concurso deve ser baseado em critérios técnicos e científicos e respeitar sempre os princípios da proporcionalidade e razoabilidade. Logo, o Poder Judiciário poderá anular a questão do concurso público desde que a alternativa não guarde pertinência com o edital ou contenha erro material.

            Segue abaixo julgados do STJ nesse sentido:

 

            ADMINISTRATIVO - RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA - CONCURSO PÚBLICO - CONTROLE JURISDICIONAL - ANULAÇÃO DE QUESTÃO OBJETIVA - POSSIBILIDADE - LIMITE - VÍCIO EVIDENTE - PRECEDENTES - PREVISÃO DA MATÉRIA NO EDITAL DO CERTAME. 1. É possível a anulação judicial de questão objetiva de concurso público, em caráter excepcional, quando o vício que a macula se manifesta de forma evidente e insofismável, ou seja, quando se apresente primo ictu oculi. Precedentes. [...] 3. Recurso ordinário provido. (STJ, RMS 24.080/MG, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 29.06.2007).

 

            ADMINISTRATIVO - RECURSO ESPECIAL - CONCURSO PÚBLICO - DISSÍDIO PRETORIANO COMPROVADO E EXISTENTE - AUDITOR TRIBUTÁRIO DO DF - PROVA OBJETIVA - FORMULAÇÃO DOS QUESITOS - DUPLICIDADE DE RESPOSTAS - ERRO MATERIAL - PRINCÍPIO DA LEGALIDADE DOS ATOS - NULIDADE. 2 - Por se tratar de valoração da prova, ou seja, a análise da contrariedade a um princípio ou a uma regra jurídica no campo probatório, porquanto não se pretende que esta seja mesurada, avaliada ou produzida de forma diversa, e estando comprovada e reconhecida a duplicidade de respostas, tanto pela r. sentença monocrática, quando pelo v. acórdão de origem, afasta-se a incidência da Súmula 07/STJ (cf. AG nº 32.496/SP). 3 - Consoante reiterada orientação deste Tribunal, não compete ao Poder Judiciário apreciar os critérios utilizados pela Administração na formulação do julgamento de provas (cf. RMS nºs 5.988/PA e 8.067/MG, entre outros). Porém, isso não se confunde com, estabelecido um critério legal - prova objetiva, com uma única resposta (Decreto Distrital nº 12.192/90, arts. 33 e 37), estando as questões mal formuladas, ensejando a duplicidade de respostas, constatada por perícia oficial, não possa o Judiciário, frente ao vício do ato da Banca Examinadora, mantê-las e, à afronta ao princípio da legalidade, declarar nula tais questões, com atribuição dos pontos a todos os candidatos (art. 47 do CPC c/c art. 37, parágrafo. único do referido Decreto) e não somente ao recorrente, como formulado na inicial. 4 - Precedentes do TFR (RO nº 120.606/PE e AC nº 138.542/GO). 5 - Recurso conhecido pela divergência e parcialmente provido para, reformando o v. acórdão de origem, julgar procedente, em parte, o pedido a fim de declarar, por erro material, nulas as questões 01 e 10 do concurso ora sub judice, atribuindo-se a pontuação conforme supraexplicitado, invertendo-se eventuais ônus da sucumbência." (STJ, REsp 174291/DF, Rel. Ministro Jorge Scartezzini, DJ 29.05.2000)

 

            O concurso público é regido pelos princípios da isonomia, impessoalidade, moralidade e eficiência, sendo a forma mais democrática de ingresso no serviço público, e, por conseguinte, deve ser livre de qualquer tipo de influência, apadrinhamento e perseguições, pois o certame tem que ser realizado com lisura para possibilitar o ingresso do candidato mais preparado intelectualmente, psicologicamente e fisicamente, caso seja necessário, para o cargo.

            Diante deste contexto, podemos concluir que o Poder Judiciário tem uma atuação cada vez mais importante no controle do concurso público para que o certame não viole os princípios constitucionais.

 

            4. CONCLUSÃO

            O concurso público é o meio mais idôneo encontrado pelo constituinte de 1988 para preenchimento de cargos, empregos e funções públicas, uma vez que, pautado pelos princípios constitucionais, garante a escolha do melhor candidato, dentre todos que quiserem participar do certame, para o exercício da função pública.

            A razão subjacente ao postulado do concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir efetividade ao princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, vedando-se, desse modo, a prática inaceitável de o Poder Público conceder privilégios a alguns ou de dispensar tratamento discriminatório e arbitrário a outros.

            Neste presente trabalho analisamos diversos princípios constitucionais que devem ser respeitados pela Administração Pública quando da realização do concurso público.

            O administrador público, ao realizar o concurso público, deve se sujeitar aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, sob pena de praticar atos eivados de ilegalidade e, por conseguinte, nulos.

            Pelo princípio da isonomia, pudemos deferir que é direito de qualquer cidadão a garantia de acesso igualitário nos cargos e empregos públicos oferecidos pela Administração Pública através de concursos.

            Vimos também que qualquer ato praticado pelo gestor público que favoreça determinados cidadãos durante a realização do concurso público constitui flagrante violação ao princípio da impessoalidade.

            Outro princípio que deve ser observado na realização do concurso público é o da publicidade e, assim, a Administração Pública não pode realizar qualquer etapa do concurso público de forma sigilosa.

            O concurso público é um instituto que deve concretizar, ainda, os princípios da moralidade, da impessoalidade e da eficiência no acesso a cargos e empregos públicos.

            Os administrados participantes do certame têm, constitucionalmente, garantido o direito à ampla defesa e acesso a todas as fases do concurso público.

            E, para que o concurso público seja no Brasil cada vez mais um instrumento democrático de acesso aos cargos e empregos públicos, bem como para que respeite sempre os princípios constitucionais, tem sido fundamental a atuação dos Tribunais de Contas dos Estados, bem como a atuação do Poder Judiciário, no controle dos atos administrativos oriundos do concurso público.

            A jurisprudência evolui cada vez mais no controle dos atos administrativos emanados do concurso público. Podemos citar o direito à nomeação que, inicialmente, era negado pelo STJ e que, atualmente, já permite que o candidato aprovado dentro do limite de vagas previstas no edital, durante o prazo de validade do certame, tenha direito subjetivo à nomeação para o cargo a que concorreu e foi habilitado, ressalvadas as hipóteses de fatos supervenientes, devidamente motivados, pertinentes e suficientes para justificar a não nomeação do candidato.

            Outro ponto em que a jurisprudência evoluiu foi no controle das questões objetivas do concurso público. A princípio, o Poder Judiciário afastava a possibilidade de controle judicial das questões objetivas do certame, por entender que se tratava de matéria exclusiva de mérito administrativo.

            Entretanto, com as arbitrariedades da Administração Pública em certos concursos, o Poder Judiciário passou a entender que não compete ao Poder Judiciário apreciar os critérios utilizados pela Administração na formulação do julgamento de provas, salvo se as questões forem mal formuladas e ensejarem a duplicidade de respostas. Nesse caso, o Poder Judiciário, frente ao vício do ato da banca examinadora, pode declarar nulas tais questões, com atribuição dos pontos a todos os candidatos que participaram do concurso público.

            Assim, com a participação efetiva dos Órgãos de Controle, podemos, então, concluir que o instituto do concurso público está a se aperfeiçoar no sentido de ser o meio mais idôneo de seleção de futuros funcionários públicos, sempre com respeito aos princípios constitucionais.

 

            ABSTRACT

            This work is to present the various legal and constitutional issues surrounding the public tenders. Including topics related to constitutional and administrative law in its various institutes that have close connection with the tender as well, with the application of that review. This work was made based on data collected through literature review and the method chosen to approach the development of it was deductible. Several jurisprudential understandings are exposed, but also the relevant doctrinal positions matter. The paper presents some concepts of open competition, examinations, public office, constitutional principles such as legality, publicity, impartiality, impersonality, morality, efficiency, among others. It also demonstrates the applicability of these principles in the proposed topic.

            Keywords: Public Tenders. Constitucional Principles. Administrative Law. Jurisprudencial understandings.

 

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* Artigo apresentado ao Programa de Pós-Graduação da Escola de Contas e Capacitação Professor Pedro Aleixo em parceria com a Pontífica Universidade Católica de Minas Gerais, para a obtenção do título de Especialista em Direito Público.

 

 


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