CERTIFICADOS
DE POTENCIAL ADICIONAL DE CONSTRUÇÃO (CEPAC): O QUE SÃO E COMO CONTABILIZAR -
MEF34185 - IR
JANILSON ANTÔNIO DA SILVA SUZAN *
ROBSON ZUCCOLOTTO **
DIONES GOMES DA ROCHA ***
1. INTRODUÇÃO
É frequente ouvir a tese de que
o setor privado é mais eficiente do que o governo e de que, portanto, uma
economia em que as firmas operem livremente funciona melhor do que uma economia
com forte atuação governamental.
No entanto, de acordo com a
teoria tradicional do Welfare Economics, sob certas condições, os mercados
competitivos geram uma alocação de recursos que se caracteriza pelo fato de que
é impossível promover uma realocação desses recursos de tal forma que um
indivíduo aumente seu grau de satisfação, sem que, ao mesmo tempo, isso esteja
associado a uma piora da situação de algum outro indivíduo. Essa alocação de
recursos, que tem a propriedade de que ninguém pode melhorar sua situação sem
causar prejuízos a outros agentes econômicos, é denominada pela literatura como
'ótimo de Pareto'.
Paralelamente a esse conceito, a
teoria econômica tradicional ensina que, para existir uma alocação ‘Pareto eficiente’ de recursos, não é necessário que exista
a figura de um ‘planejador central’, já que a livre concorrência, com as forças
operando em um mercado competitivo e procurando maximizar seus lucros,
permitiria atingir esse ideal de máxima eficiência.
A ocorrência dessa situação
ótima, entretanto, depende de alguns pressupostos: (i) não existência de
progresso técnico; e, (ii) o funcionamento do modelo de concorrência perfeita,
o que implica a existência de um mercado atomizado – em que as decisões quanto
à quantidade produzida de grande número de pequenas firmas são incapazes de
afetar o preço de mercado – e de informação perfeita da parte dos agentes
econômicos (GIAMBIAGI; ALÉM, 2011).
Essa, no entanto, é uma visão
idealizada no sistema de mercado. Na realidade, existem algumas circunstâncias
conhecidas como ‘falhas de mercado, que impedem que ocorra uma situação de
ótimo de Pareto. De acordo com Giambiagi
e Além (2011), tais circunstâncias são representadas por: (i) a existência de
bens públicos, (ii) a falha de competição que se reflete na existência de
monopólios naturais, (iii) as externalidades, (iv) os
mercados incompletos, (v) as falhas de informação e (vi) a ocorrência de
desemprego e inflação.
Deixando de lado questões
políticas e ideológicas, a existência do governo é necessária para guiar,
corrigir e complementar o sistema de mercado, que, sozinho, não é capaz de
desempenhar todas as funções econômicas. Nesse sentido, o governo intervém no
mercado por meio de suas políticas econômica, monetária e fiscal.
No que tange à política fiscal,
as ações do Governo abrangem três funções básicas: (i) a função distributiva,
(ii) a função alocativa; e (iii) a função
estabilizadora. Para cumprir essas funções, o governo se vale de tributos, que
incidirão sobre a renda e sobre os bens das pessoas ou empresas.
Um dos problemas da modernidade
é o aumento das despesas públicas e a impossibilidade dos governos de aumentar
tributos, dado o desgaste político criado e, até mesmo, do esgotamento de
alguns modelos tributários.
Nesse sentido, os governos
modernos têm se valido de parcerias com a iniciativa privada e têm desenvolvido
modelos de negócios para captação de recursos que utilizem os mercados e sua
eficiência para garantir a prestação de serviços públicos e o desenvolvimento
de infraestrutura.
Esse é o caso do Certificado de
Potencial Adicional de Construção (Cepac), que é uma
alternativa do município para captação de recursos a serem aplicados em
investimentos públicos de revitalização ou reestruturação de determinada área
da cidade. Os investidores privados, fornecedores dos recursos, recebem, em
contrapartida, os direitos adicionais de construção, representados pelo
certificado, e estruturado e delimitado na lei específica que instituir as
operações urbanas consorciadas.
Por ser algo novo na estrutura
administrativa brasileira, a contabilização dos Cepacs
vem gerando diversas confusões conceituais de classificação e contabilização,
seja como ativo, como receita ou como patrimônio líquido. Além disso, remanesce
a importância de se definir se esse título possui, ou não, características de
instrumentos financeiros e se como tal deve ser tratado.
Tem-se, desta forma, como
objetivo principal propor um roteiro que permita o reconhecimento do Cepac, dadas as suas peculiaridades, de acordo com as Ipsas.
2. METODOLOGIA
Trata-se de pesquisa
qualitativa, que, na taxionomia apresentada por Vergara (2013), pode ser
classificada quanto aos seus fins e aos seus meios. Quanto aos fins, pode-se
classificar a pesquisa como exploratória e descritiva: Exploratória, por
basicamente inexistir conhecimento acumulado e sistematizado sobre o tema
estudado; Descritiva, por expor e descrever as características do Cepac com fins a formular um método ou modelo de
reconhecimento contábil.
Quanto aos meios, trata-se de pesquisa
documental. Nesse tipo de pesquisa, os documentos, tais como leis, decretos,
pronunciamentos de órgãos reguladores, entre outros, relacionados ao objeto de
estudo, tornam-se as principais fontes de investigação para a realização da
pesquisa.
3. DESENVOLVIMENTO DO TEMA
3.1 Certificados de Potencial
Adicional de Construção (Cepac) Os Certificados de
Potencial Adicional de Construção estão previstos na Lei nº 10.257 (BRASIL,
2001), também conhecida como estatuto das cidades, a qual estabelece diretrizes
gerais da política urbana. O referido estatuto dispõe sobre a possibilidade de
lei municipal específica delimitar área para aplicação de operações urbanas
consorciadas, estabelecendo que:
[...]
considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas
coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários,
moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de
alcançar, em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais
e a valorização ambiental (Art. 32, § 1º) (BRASIL, 2001).
O § 2º da lei supracitada
estabelece ainda que, nas operações urbanas consorciadas, poderão ser previstas
como forma de atrair investimentos privados, entre outras medidas, a
modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do
solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto
ambiental delas decorrente, ou a regularização de construções, reformas ou
ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente. Ou seja, criam-se
direitos de construir ou utilizar imóveis acima dos padrões previstos pela
legislação vigente de uso e ocupação do solo ou regularizar obras em desacordo
com esses padrões. Esses direitos são chamados de direitos adicionais de
construção.
Os municípios, ao criarem esses
direitos, concedem-nos aos interessados mediante o pagamento de uma
contraprestação, representada pela aquisição de um certificado: o Certificado
de Potencial Adicional da Construção, ou Cepac.
Assim, a emissão de Cepac é uma alternativa do município para captação de
recursos a serem aplicados em investimentos públicos de revitalização ou
reestruturação de determinada área da cidade. Os investidores privados,
fornecedores dos recursos, recebem, em contrapartida, os direitos adicionais de
construção, representados pelo certificado e estruturados e delimitados na lei
específica que instituir as operações urbanas consorciadas.
Como os Cepacs
são, normalmente, ofertados publicamente, a Comissão de Valores Mobiliários
(CVM) decidiu, de forma colegiada, no ano de 2003, que, quando ofertados
publicamente, os Cepacs são caracterizados como
valores mobiliários e, portanto, sujeitos à regulamentação e à fiscalização da
autarquia. Nesse sentido, nesse mesmo ano, em 29 de dezembro, a CVM editou a
instrução CVM nº 401, para regulamentar os registros de negociação e de
distribuição dos Cepacs.
De acordo com a Comissão de
Valores Mobiliários (CVM, 2003), nenhum Cepac pode
ser distribuído no mercado sem prévio registro na CVM da operação a que estiver
vinculado. Além disso, deve haver a emissão de prospecto, contendo os dados
básicos da operação e a quantidade de Cepac para
alienação. O município, em conjunto com a instituição líder da distribuição
(geralmente um banco comercial), poderá requerer o registro de distribuição
pública para realização de leilão dos Cepacs.
Um ponto central a ser observado
é que os Cepacs não geram direito de crédito e nem de
participação contra o município emissor. Geram tão somente o direito inerente
ao certificado, que pode ser repassado ou utilizado dentro das condições do
plano que o criou. Ou seja, não são nem títulos de dívida (instrumentos
financeiros) e nem de capital (instrumentos patrimoniais). Os Cepacs são valores mobiliários específicos.
Existem algumas particularidades
dos Cepacs que precisam ser destacadas: (i) os
títulos podem ser emitidos e guardados para venda futura, podendo não haver
prazo específico e/ou obrigatório para que a venda ocorra; (ii) não há a
obrigatoriedade de venda pelo valor de face do título, ocorrendo a venda abaixo
deste valor quando não estão atrativos para o mercado; e (iii) como outros
títulos de valores mobiliários, podem ser cotados em mercados abertos, havendo
variações periódicas de seus preços (valor de mercado).
Nesse sentido, dadas as diversas
possibilidades existentes na emissão do título, dado que os entes subnacionais
já os vêm utilizando há alguns anos e dada a ausência de regulação contábil
nacional sobre o tema, diversos problemas conceituais e práticos são
apresentados, a saber: quando da sua emissão, os Cepacs
são caracterizados como ativos? Em caso positivo, como devem ser reconhecidos e
mensurados? Como tratar as variações no preço do título? Como tratar
contabilmente o Cepac quando o seu titular exercer
seu direito de potencial adicional de construção?
Para responder a essas dúvidas,
precisa-se, inicialmente, retomar o conceito de ativo e os critérios para seu
reconhecimento e mensuração.
3.2 O Cepac
e o conceito de ativos
A IPSAS 1. Apresentação das
Demonstrações Contábeis (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS,
2015a), em seu item 7, estabelece que ativos:
[...]
são recursos controlados por uma entidade em consequência de eventos passados e
dos quais se espera que resultem fluxos de benefícios econômicos futuros ou
potencial de serviços para a entidade. (tradução livre)
O item 11 da supracitada norma
estabelece que benefícios econômicos futuros ou potencial de serviços
compreendem os ativos que fornecem meios para que as entidades atinjam seus
objetivos. Ativos que são usados para entregar mercadorias e serviços de acordo
com os objetivos da entidade, mas que não geram diretamente fluxos de caixa
líquidos positivos, são geralmente descritos como aqueles que possuem
"potencial de serviços". Ativos que são usados para gerar fluxos de
caixa líquidos positivos são geralmente descritos como aqueles que contêm
"benefícios econômicos futuros". Para abranger todos os propósitos
nos quais os ativos podem se encaixar, a norma usa o termo "benefícios
econômicos futuros ou potencial de serviços" para descrever as
características essenciais dos ativos.
Assim, quando os governos
subnacionais elaboram novos projetos de urbanização e apoiam o desenvolvimento
com a captação de recursos com Cepac, a emissão do
referido título caracteriza, em um primeiro momento, a formação de um ativo,
uma vez que o Cepac é um recurso controlado por uma
entidade em consequência de eventos passados (o projeto foi elaborado) e dos
quais se espera que resultem fluxos de benefícios econômicos futuros ou
potencial de serviços para a entidade (espera-se tanto a entrada de recursos
quanto a geração de serviços urbanos potenciais).
Entretanto, há inúmeras
incertezas com relação ao título emitido, como, por exemplo: (i) haverá
compradores, (ii) o projeto despertará interesse da sociedade, (iii) todas as
exigências dos órgãos reguladores serão atendidas, etc. Essas incertezas nos
remetem ao conceito de ativo contingente, o qual é um ativo possível que
resulta de eventos passados e cuja existência será confirmada apenas pela
ocorrência, ou não, de um ou mais eventos futuros incertos não totalmente sob
controle da entidade.
Todavia, o Cepac
não corresponde, no ato de sua emissão, ao conceito de ativo contingente. Para
confirmar a assertiva anterior, passa-se à comparação da emissão do Cepac com a fabricação de uma mercadoria, guardadas as
devidas proporções.
Quando uma entidade decide pela
fabricação de uma mercadoria, ela espera que, no futuro, consiga vender o
respectivo bem, de modo a assegurar um resultado positivo, a fim de cobrir os
gastos dispendidos no processo de fabricação. Pode
não ocorrer a venda? Pode, por vários motivos. Pode ocorrer a venda a prazo e
não haver pagamento? Também, pode. Pode, durante o início das vendas, ser a
entidade impedida de comercializar a mercadoria por não ter atendido às
exigências de órgãos reguladores? A resposta novamente é: pode.
Observa-se que, apesar das
respostas afirmativas para as perguntas anteriormente apresentadas, uma
mercadoria é reconhecida como "ativo" no momento em que acaba o seu
processo produtivo e, não, no momento que é vendida ou quando ocorrer o pagamento.
Isto decorre, pois, em razão de a mercadoria ser um recurso controlado pela
entidade (foi fabricada ou adquirida por ela e a entidade tem, em tese, total
controle sobre ela), derivado de um evento passado (a fabricação ou a
aquisição) e do qual se espera fluxo futuro de benefícios econômicos ou
potencial de serviços (a expectativa é de que ocorra a venda). Este raciocínio
é também aplicável ao Cepac.
No momento que ocorre a emissão
do título, um ente público passa a ter um recurso que ele controla (podendo
decidir quando, como e para quem comercializar), oriundo de evento passado (o
processo de elaboração do projeto de urbanização relacionado com o título) e do
qual se espera a fruição futura de benefícios econômicos ou potencial de
serviços (os títulos poderão ser vendidos ou utilizados como meio de pagamento
pela aquisição de bens ou serviços).
Outro ponto importante a ser
observado no que se refere à contabilização do Cepac,
ainda relacionado ao conceito de ativo, diz respeito à mensuração. Se um ativo
não puder ser mensurado, ele não deve ser reconhecido. No caso do Cepac, quando da elaboração do projeto, deve-se estimar,
por meio de modelos de valuation, o valor de
venda do título.
Percebe-se, assim, que o Cepac atende ao conceito de ativo estabelecido nas Ipsas e sua mensuração pode ser realizada por modelos
matemáticos e estatísticos. Como se observa, não há impedimentos para que se
caracterize o Cepac como um ativo da entidade
pública. Mas que tipo de ativo seria o Cepac?
Para a CVM, os Cepacs são valores mobiliários específicos (COMISSÃO DE
VALORES MOBILIÁRIOS, 2003). À luz das Ipsas, os
valores mobiliários, geralmente, representam instrumentos patrimoniais ou
instrumentos financeiros.
De acordo com a IPSAS 28 -
Instrumentos Financeiros: Apresentação - (INTERNATIONAL FEDERATION OF
ACCOUNTANTS, 2015b), um instrumento patrimonial "é qualquer contrato
que evidencia uma participação residual [..]" (tradução livre) nos ativos
líquidos de uma entidade. À sua vez, um instrumento financeiro "é qualquer
contrato que dê origem a um ativo financeiro para uma entidade e a um passivo
financeiro ou instrumento patrimonial para outra entidade." (tradução
livre).
O Cepac
não é nem instrumento patrimonial, nem instrumento financeiro, de acordo com os
conceitos anteriormente apresentados. Ademais, segundo Suzart
(2014), com exceção das empresas estatais, as demais entidades públicas não
possuem instrumentos patrimoniais, pois o patrimônio público é indivisível.
Assim, o Cepac não atende a tal conceito, pois o
título não gera nenhuma obrigação (passivo financeiro) para o ente público em
relação ao seu adquirente. Assim, o Cepac, também,
não pode ser classificado como um instrumento financeiro.
Na prática, o Cepac representa uma moeda fiduciária, ou seja, é um título
não lastreado a nenhum metal precioso e que não possui valor intrínseco. O
valor do Cepac decorre da confiança que os
adquirentes têm em relação ao ente público emissor. Essa característica do
título é fundamental para a classificação do Cepac,
enquanto ativo.
De acordo com a IPSAS 12 -
Estoque (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), estoques são
ativos (tradução livre):
a)
na forma de materiais ou suprimentos a serem consumidos no processo de
produção;
b)
na forma de materiais ou suprimentos a serem consumidos ou utilizados na
prestação de serviços;
c)
mantidos para venda ou distribuição no curso normal das operações; ou
d)
no processo de produção para venda ou distribuição.
Ainda de acordo com a
supracitada norma, os estoques no setor público podem incluir, entre outros
exemplos possíveis, "estoques de moeda não emitida" (tradução livre).
A IPSAS 12 destaca que os entes públicos podem possuir direitos para criar e
emitir ativos, tais como selos, moedas e outros títulos, e que tais itens devem
ser reconhecidos como ativo e tratados como estoques.
Segundo a Ipsas
12 (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), os estoques devem
ser mensurados pelo menor valor entre o custo e o valor realizável líquido, dos
dois o menor. O custo compreende todos os gastos realizados para a aquisição ou
transformação e outros, incorridos para trazer os estoques à sua condição e
localização atuais. O valor realizável líquido é aquele estimado de venda (em
condições normais), menos os custos estimados para conclusão (se aplicável) e
para a venda, troca ou distribuição.
Observa-se que, em relação aos Cepacs, os títulos devem ser mensurados pelo seu custo de
emissão que, em condições normais, será menor do que o valor de venda líquido
(valor bruto deduzidos dos custos) dos respectivos títulos. No momento em que
ocorrer a venda do título, o valor registrado no estoque passa a ser
reconhecido como despesa do período que houver o reconhecimento da receita.
Pode haver, também, o reconhecimento de despesa quando for identificado que o
custo do estoque não poderá ser recuperado.
De acordo, ainda, com a IPSAS 12
(INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), os Cepacs
só poderiam ser avaliados pelo valor justo na data de aquisição, mas se, e
somente se, o respectivo custo de emissão for irrisório. Além desse uso, a
referida norma descreve que, nas demonstrações contábeis, o ente público deve
evidenciar, em notas explicativas, o valor contábil de estoques pelo valor
justo, menos os custos de venda.
Por fim, destaque-se que o Cepac pode ser utilizado como meio de pagamento, sendo
entregue aos credores de um ente público como forma de quitar suas obrigações.
Para esse uso, o Cepac passa a ser tratado como um
item do caixa, pois representa um numerário em espécie (o Cepac
é uma moeda fiduciária). Nessa situação, deve ser mensurado pelo seu valor
justo.
3.3 O Cepac
e o conceito de passivos
Para a compreensão da
contabilização do Cepac, também é importante definir
o conceito de passivo. De acordo com a Ipsas 1 (INTERNATIONAL
FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), passivos são as obrigações presentes da
entidade, derivadas de eventos já ocorridos, cujo pagamento se espera que
resulte em saída de recursos da entidade, os quais são capazes de gerar
benefícios econômicos ou potencial de serviços.
Dois outros conceitos são
igualmente importantes: (i) provisão; e (ii) passivo contingente. Segundo a Ipsas 19 (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS,
2015a), a provisão é um passivo de prazo e/ou valor incerto. À sua vez, o
passivo contingente é (tradução livre):
a)
uma obrigação possível que resulta de eventos passados e cuja existência será
confirmada apenas pela ocorrência ou não de um ou mais eventos futuros incertos
não totalmente sob controle da entidade; ou
b)
uma obrigação presente que resulta de eventos passados, mas que não é
reconhecida porque:
i)
não é provável que uma saída de recursos que incorporam benefícios econômicos
ou potencial de serviços seja exigida para liquidar a obrigação; ou
i)
o valor da obrigação não pode ser mensurado com suficiente confiabilidade.
De acordo com o que foi abordado
nos itens anteriores, o Cepac não pode ser
considerado como sendo um instrumento financeiro, pois ele não gera obrigação
pecuniária para o emissor em relação ao adquirente do título. Observa-se que,
da relação entre adquirente e emissor, não há que se falar de reconhecimento de
passivo, pois não existe uma obrigação presente para o ente público.
A Lei nº 10.257 (BRASIL, 2001)
descreve que os Cepacs podem ser alienados em leilão
ou empregados diretamente no pagamento das obras necessárias para a operação
tratada em lei específica. Assim sendo, nota-se que os recursos obtidos em
leilão ou o emprego direto dos títulos como meio de pagamentos criam um uso
restrito para os recursos oriundos dos Cepacs.
Além da vinculação existente
para o uso dos recursos oriundos dos Cepacs, o ente
público possui o dever de realizar uma operação urbana consorciada. Mas, esse
dever atende aos requisitos necessários para ser classificado como passivo
efetivo (passivo ou provisão) ou contingente?
De acordo com as Ipsas 1 e 19 (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS,
2015a), os conceitos-chave para o reconhecimento de
um passivo são: (i) obrigação presente (legal ou não formalizada) derivada de
evento passado; (ii) saída provável de recursos que incorporem benefícios
econômicos ou potencial de serviços; e (iii) estimativa confiável.
Existe uma obrigação presente
para uma entidade quando da apresentação das demonstrações contábeis e essa
entidade não tem nenhuma outra opção senão quitar tal obrigação, futuramente. A
obrigação pode decorrer de contratos ou da legislação (denominada de legal) ou
de práticas costumeiras da entidade (denominada de não formalizada).
A obrigação presente não pode
depender da ocorrência de eventos futuros. Desse modo, a obrigação presente é
sempre criada por um evento passado, o qual elimina as demais alternativas da
entidade, restando apenas a alternativa de quitação futura da obrigação.
Segundo a IPSAS 19 (INTERNATIONAL
FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), além de verificar a existência de uma
obrigação presente, o reconhecimento de um passivo prescinde de que haja
possibilidade de saída de recursos que incorporam benefícios econômicos ou
potencial de serviços. E, por fim, além dos elementos anteriormente
apresentados, o reconhecimento do passivo necessita que o seu valor seja
estimável de forma confiável.
Ainda em relação ao
reconhecimento de um passivo, para a IPSAS 19 (INTERNATIONAL FEDERATION OF
ACCOUNTANTS, 2015a), a identificação da outra parte da obrigação não é
necessária. Uma obrigação de um ente público pode ter como parte interessada o
público em geral.
Diante dos conceitos e das
particularidades apresentadas, verifica-se que o dever criado pela lei
específica de determinados títulos Cepacs pode ser
considerado como fato gerador da obrigação, do ponto de vista contábil. A
classificação do passivo em presente (passivo ou provisão) ou futuro
(contingente) dependerá das condições estabelecidas pela lei criadora da
operação urbana consorciada e dos Cepacs.
Quando as condições
estabelecidas exigirem a ocorrência de eventos futuros para o surgimento da
obrigação, ou não, é possível a mensuração com suficiente confiabilidade. Nesse
caso, a emissão dos títulos Cepacs implicará o
surgimento de um passivo contingente. De acordo com a Ipsas
19 (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), os passivos
contingentes não devem ser reconhecidos nas demonstrações contábeis, porém,
devem ser evidenciados em notas explicativas.
Em sentido oposto, se as
condições estabelecidas pela lei criadora não exigem a ocorrência de eventos
futuros, e o valor da obrigação pode ser confiavelmente mensurável, o ente
público deverá reconhecer um passivo ou uma provisão.
Se os Cepacs
emitidos forem utilizados como meio de pagamento, o ente público estará diante
de uma obrigação presente e, portanto, deverá reconhecer uma provisão
relacionada com a operação urbana consorciada, no momento da emissão dos
títulos. Entretanto, se for necessário o leilão dos títulos, não deverá ser
reconhecida uma provisão no momento da emissão desses títulos, pois o ente
público estará diante de uma obrigação futura (um passivo contingente), que se
converterá em obrigação presente no momento da venda do título.
Quando for reconhecida uma
provisão, essa obrigação poderá ser de curto e/ou de longo prazo. Caso o ente
público tenha que quitar a obrigação nos próximos doze meses, após o
reconhecimento da referida obrigação, ela será uma obrigação de curto prazo.
Caso o prazo de quitação seja superior a doze meses ou quando esse seja
indefinido, a obrigação será de longo prazo. Ressalta-se que a Ipsas 19 (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS,
2015a) descreve que, quando o prazo for incerto, deve ser reconhecida uma
provisão.
3.4 Proposta de contabilização
do Cepac
Nesta seção, tratar-se-á da
forma de contabilização dos Cepacs, desde a emissão
desses títulos, passando por sua comercialização e finalizando com a quitação
da obrigação decorrente da operação urbana consorciada. Para fins de
simplificação do exemplo, não serão apresentadas as etapas de previsão e
fixação orçamentária, bem como os registros realizados para controles devedores
e credores diversos (com exceção das disponibilidades por fonte de recursos).
A Prefeitura do Município X
planeja realizar a revitalização do bairro Z. As obras necessárias importarão
em $ 1 milhão, porém o município não possui disponibilidade em seu orçamento.
Para dar prosseguimento à revitalização, a Prefeitura do Município X resolve
enviar um projeto de lei à Câmara de Vereadores, propondo uma operação urbana
consorciada e a emissão de títulos Cepacs para
custear tal operação.
No ano de 20x0, o projeto de lei
é aprovado pela Câmara de Vereadores do Município X. Após a aprovação, a
prefeitura adiciona as receitas oriundas da venda de Cepacs
e as despesas relacionadas com a revitalização em sua proposta orçamentária
para o exercício de 20x1. Destaca-se que a revitalização estava prevista no
Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias do Município,
anteriormente aprovados. O orçamento foi aprovado em dezembro de 20x0.
No exercício de 20x1, a
Prefeitura do Município X resolve emitir os títulos Cepacs,
de acordo com a previsão legal. Para tanto, incorre em gastos de $ 50 mil,
relacionados com a contratação de instituição financeira que intermediará a
emissão dos títulos. A lei que criou a operação urbana consorciada e os Cepacs prevê que os recursos obtidos com a venda dos
títulos devem ser aplicados durante o exercício de 20x1.
Considerando a emissão dos
títulos com o momento de ocorrência do fato gerador para o reconhecimento do
ativo, a Prefeitura do Município X deve realizar a seguinte contabilização,
detalhada no Quadro 1:
Quadro 1 - Reconhecimento do ativo pela emissão dos
Cepacs
(a)
Reconhecimento do Ativo |
||
D |
1.1.5.x.x.xx.xx -
Títulos Cepacs Disponíveis para Venda (P) |
$ 50.000 |
C |
1.1.1.x.x.xx.xx - Caixa
e Equivalentes de Caixa |
$ 50.000 |
(b)
Execução da Despesa Orçamentária |
||
D |
6.2.2.1.3.01.00 - Crédito Empenhado a Liquidar |
$ 50.000 |
C |
6.2.2.1.3.03.00 - Crédito Empenhado a Liquidado |
$ 50.000 |
(c)
Movimentação da Disponibilidade por Fonte de Recursos (DDR) |
||
D |
8.2.1.1.2.00.00 - DDR Comprometida por Empenho e
Não Liquidada |
$ 50.000 |
C |
8.2.1.1.4.00.00 - DDR Utilizada por Pagamento
Desp. Orçam. e Outros |
$ 50.000 |
Fonte: Elaborado pelos autores.
De
acordo com o que foi apresentado nas seções anteriores, na qualidade de
'estoque de moeda', os Cepacs devem ser mensurados
pelo menor valor entre o custo e o valor realizável líquido. Somente é admitida
a mensuração inicial pelo valor justo se o custo de emissão for considerado
irrisório.
Assim
sendo, os Cepacs foram reconhecidos pelo custo de
emissão, visto que esse valor não foi irrisório. Nesse momento, o ente público
não possui, ainda, uma obrigação presente, mas, sim, uma obrigação futura que
dependerá da venda dos títulos para se converter em presente.
Desse
modo, a Prefeitura do Município X, caso fosse divulgar suas demonstrações
contábeis, deveria evidenciar, em notas explicativas, um passivo contingente no
montante de $ 1 milhão, que é o quanto se espera arrecadar com a venda do
título para ser aplicado na operação urbana consorciada.
Seguindo
com o exemplo, verificou-se que, alguns meses após a emissão dos Cepacs, a Prefeitura do Município X conseguiu vender 60% do
estoque de títulos, obtendo o valor $ 660 mil na operação. O registro dessa
operação implicaria as contabilizações, conforme detalhadas no Quadro 2.
Quadro 2 - Contabilizações oriundas da venda dos Cepacs
(a.1)
Reconhecimento da Variação Patrimonial Aumentativa |
||
D |
1.1.1.x.x.xx.xx - Caixa e Equivalentes de Caixa |
$ 660.000 |
C |
4.3.1.x.x.xx.xx - Venda de Títulos Cepacs |
$ 660.000 |
(a.2)
Execução da Receita Orçamentária |
||
D |
6.2.1.1.0.00.00
- Receita a Realizar |
$ 660.000 |
C |
6.2.1.2.0.00.00
- Receita Realizada |
$ 660.000 |
(a.3)
Movimentação da Disponibilidade por Fonte de Recursos (DDR) |
||
D |
7.2.1.1.1.00.00
- Disponibilidade de Recursos |
$ 660.000 |
C |
8.2.1.1.1.00.00
- Disponibilidade por Destinação de Recursos a Utilizar |
$ 660.000 |
(b)
Reconhecimento da Variação Patrimonial Diminutiva |
||
D |
3.8.x.x.x.xx.xx - Custos dos Títulos Cepacs |
$ 30.000 |
C |
1.1.5.x.x.xx.xx - Títulos Cepacs
Disponíveis para Venda (P) |
$ 30.000 |
(c)
Reconhecimento da Provisão |
||
D |
3.9.7.x.x.xx.xx - VPD de Provisão para Operações Urbanas
Consorciadas |
$ 660.000 |
C |
2.1.7.x.x.xx.xx - Provisão para Operações Urbanas Consorciadas |
$ 660.000 |
Fonte:
Elaborado pelos autores.
A venda de títulos Cepacs constitui-se em fato gerador para o registro de
algumas transações contábeis. A primeira delas se relaciona com o
reconhecimento da variação patrimonial aumentativa (VPA) e com a execução da
receita orçamentária (com a respectiva movimentação da DDR). A segunda, pelo
reconhecimento da variação patrimonial diminutiva associada ao custo dos
títulos. E a última, pela transformação da obrigação contingente em obrigação
presente, com o uso de uma conta de provisão, pois, ainda, não há possibilidade
de se segregar as obrigações em suas naturezas definitivas.
Observa-se que a conversão do
passivo contingente em provisão ou passivo, conforme foi discutido
anteriormente, dependerá das condições estabelecidas pela lei criadora dos Cepacs e da operação urbana consorciada. No caso em
análise, a referida lei especificou claramente o prazo e a destinação dos
recursos arrecadados com a venda dos referidos títulos, o que propiciou a
identificação da mudança de uma parcela do passivo, de contingente para uma
obrigação presente.
Em relação às contabilizações
anteriormente demonstradas, faz-se necessária uma observação em relação ao
passivo contingente. Pela previsão inicial da Prefeitura do Município X, a
venda de 60% do seu estoque implicaria uma arrecadação de $ 600 mil. Todavia,
houve um ágio de $ 60 mil na respectiva venda, o que pode afetar a parcela que
ainda está disponível para venda e, consequentemente, o passivo contingente a
ela associado.
Caso a Prefeitura do Município X
entenda que houve valorização do título e que se espera que o restante do
estoque seja vendido em iguais condições à primeira parcela, o novo valor do
passivo contingente a ser evidenciado seria de $ 440 mil. Caso contrário, o
passivo contingente restante importaria em $ 400 mil, considerando-se as
condições anteriores.
Continuando o exemplo,
destaca-se que, após alguns meses de tentativas frustradas de venda da parcela
restante de Cepacs, a Prefeitura do Município X
celebrou um termo de cooperação com a Governadoria do Estado W para obter
recursos. Por isso, também decidiu cancelar o restante dos títulos Cepacs.
Para o controle de tais
operações, ter-se-iam as seguintes contabilizações, conforme detalhamento
apresentado no Quadro 3 (destaca-se que não será demonstrada a contabilização
da celebração do termo de cooperação, pois não é o principal objeto em
análise).
Quadro 3 - Cancelamento dos títulos Cepacs
(a) Desreconhecimento do Ativo |
||
D |
3.6.5.0.1.01.00
- Desincorporação de Ativos |
$ 20.000 |
C |
1.1.5.x.x.xx.xx - Títulos Cepacs
Disponíveis para Venda (P) |
$ 20.000 |
Fonte:
Elaborado pelos autores.
Destaca-se que o cancelamento
dos títulos Cepacs implicou o desreconhecimento
do ativo, porquanto dele não fluirá mais benefícios econômicos ou potencial de
serviços futuros. De igual modo, o ente público não mais terá a obrigação
futura relacionada com a venda do título. Por isso, deixa de existir o passivo
contingente. Conforme destacado anteriormente, o restante dos recursos foi
obtido em um termo de cooperação com o governo estadual.
Ainda em relação ao
cancelamento, ressalta-se que a contrapartida é uma Variação Patrimonial
Diminutiva (VPD) diferente da utilizada na apropriação dos custos com a emissão
dos títulos, no momento da venda dos Cepacs. Além de
as VPDs possuírem naturezas divergentes, o que já
justifica a adoção de diferentes VPDs, a separação
permite o acompanhamento do resultado líquido da comercialização dos Cepacs, para fins gerenciais.
Na continuação do exemplo,
destaca-se que a Prefeitura do Município X, após concluir a licitação e a
contratação da primeira etapa da operação urbana consorciada, prepara-se para
realizar o pagamento da medição da obra à Empresa A, no valor de $ 250.000. As
contabilizações necessárias relacionadas a essa operação encontram-se
detalhadas no Quadro 4.
Quadro 4 - Reconhecimento e pagamento da obrigação
definitiva relacionada com a operação urbana consorciada
(a.1)
Constituição do Passivo Definitivo (no caso de aquisição de serviços) |
||
D |
3.x.x.x.x.xx.xx - VPD com Serviços Prestados. |
$ 250.000 |
C |
2.1.3.1.1.xx.xx
- Fornecedores Nacionais a Curto Prazo (P) |
$ 250.000 |
(a.2)
Constituição do Passivo Definitivo (no caso de aquisição de bens) |
||
D |
1.2.x.x.x.xx.xx - Ativo Não Circulante |
$ 250.000 |
C |
2.1.3.1.1.xx.xx
- Fornecedores e Contas a Pagar Nacionais a Curto Prazo |
$ 250.000 |
(b.1)
Reversão da Provisão (se a apropriação da provisão ocorrer no mesmo
exercício) |
||
D |
2.1.7.x.x.xx.xx - Provisão para Operações Urbanas Consorciadas |
$ 250.000 |
C |
3.9.7.x.x.xx.xx - VPD de Provisão para Operações Urbanas
Consorciadas |
$ 250.000 |
(b.2)
Reversão da Provisão (se a apropriação da provisão ocorrer em exercício
anterior) |
||
D |
2.1.7.x.x.xx.xx - Provisão para Operações Urbanas Consorciadas |
$ 250.000 |
C |
4.9.7.1.x.xx.xx - VPA de Reversão de Provisões |
$ 250.000 |
(c.1)
Execução da Despesa Orçamentária - Empenho (inclui movimentação de DDR) |
||
D |
2.1.3.1.1.xx.xx
- Fornecedores Nacionais a Curto Prazo (P) |
$ 250.000 |
C |
2.1.3.1.1.xx.xx
- Fornecedores Nacionais a Curto Prazo (F) |
$ 250.000 |
D |
6.2.1.1.1.00.00
- Crédito Disponível |
$ 250.000 |
C |
6.2.2.1.3.01.00
- Crédito Empenhado a Liquidar |
$ 250.000 |
D |
8.2.1.1.1.00.00
- Disponibilidade por Destinação de Recursos a Utilizar |
$ 250.000 |
C |
8.2.1.1.2.00.00
- DDR Comprometida por Empeno e Não Liquidada |
$ 250.000 |
(c.2)
Execução da Despesa Orçamentária - Liquidação (inclui movimentação de DDR) |
||
D |
6.2.2.1.3.01.00
- Crédito Empenhado a Liquidar |
$ 250.000 |
C |
6.2.2.1.3.03.00
- Crédito Empenhado a Liquidado a Pagar |
$ 250.000 |
C |
8.2.1.1.2.00.00
- DDR Comprometida por Empenho e Não Liquidada |
$ 250.000 |
C |
8.2.1.1.3.00.00
- DDR Comprometida p/ Liqu. e Ent. Comp. Não Pagas |
$ 250.000 |
(c.3)
Execução da Despesa Orçamentária - Pagamento (inclui movimentação de DDR) |
||
D |
2.1.3.1.1.xx.xx
- Fornecedores Nacionais a Curto Prazo (F) |
$ 250.000 |
C |
1.1.1.x.x.xx.xx - Caixa e Equivalentes de Caixa |
$ 250.000 |
D |
6.2.2.1.3.03.00
- Crédito Empenhado Liquidado a Pagar |
$ 250.000 |
C |
6.2.2.1.3.04.00
- Crédito Empenhado Liquidado Pago |
$ 250.000 |
D |
8.2.1.1.3.00.00
- DDR Comprometida p/ Liqu. e Ent. Comp. Não Pagas |
$ 250.000 |
C |
8.2.1.1.4.00.00
- DDR Utilizadas por Pgto. Desp. Orçamentárias. e
Outros |
$ 250.000 |
Fonte:
Elaborado pelos autores.
Como se observa no Quadro 4, os
primeiros passos compreendem a constituição do novo passivo e a reversão da
provisão anteriormente constituída. A constituição do novo passivo permite a
identificação da natureza mais adequada de VPD ou o reconhecimento de um ativo.
A reversão decorre da baixa do valor anteriormente provisionado e permite a
reclassificação da VPD para uma natureza específica ou o reconhecimento de um
ativo.
Um especial destaque para a
reversão da provisão: (i) se ocorrer no mesmo exercício de constituição dessa,
será feito pelo estorno do lançamento de apropriação da provisão; e (ii) se
não, implicará a apropriação de uma VPA. Já as etapas de execução da despesa
orçamentária ocorrem como as das demais despesas.
Para a finalização do exemplo,
será demonstrado o reconhecimento dos Cepacs como meio
de pagamento (os títulos não são leiloados, mas entregues diretamente aos
credores municipais). Partindo do contexto original do exemplo, suponha-se que,
em vez de promover o leilão, a Prefeitura do Município X resolveu utilizar os Cepacs como meio de pagamento. Ter-se-iam, neste caso, as
seguintes contabilizações, detalhadas no Quadro 5.
Quadro 5 - Reconhecimento do ativo pela emissão dos
Cepacs - meio de pagamento
(a)
Reconhecimento do Ativo |
||
D |
1.1.1.x.x.xx.xx - Títulos Cepacs
Disponíveis para Pagamento (F) |
$ 1.000.000 |
C |
4.3.1.x.x.xx.xx - Emissão de Títulos Cepacs |
$ 1.000.000 |
(b)
Execução da Receita Orçamentária (inclui movimentação de DDR) |
||
D |
6.2.1.1.0.00.00
- Receita a Realizar |
$ 1.000.000 |
C |
6.2.1.2.0.00.00
- Receita Realizada |
$ 1.000.000 |
D |
7.2.1.1.1.00.00
- Disponibilidade de Recursos |
$ 1.000.000 |
C |
8.2.1.1.1.00.00
- Disponibilidade por Destinação de Recursos a Utilizar |
$ 1.000.000 |
(c)
Reconhecimento da Variação Patrimonial Diminutiva |
||
D |
3.8.x.x.x.xx.xx - Custos dos Títulos Cepacs |
$ 50.000 |
C |
1.1.1.x.x.xx.xx - Caixa e Equivalentes de Caixa |
$ 50.000 |
(d)
Execução da Despesa Orçamentária (inclui movimentação de DDR) |
||
D |
6.2.2.1.3.01.00
- Crédito Empenhado a Liquidar |
$ 50.000 |
C |
6.2.2.1.3.03.00
- Crédito Empenhado Liquidado |
$ 50.000 |
D |
8.2.1.1.2.00.00
- DDR Comprometida por Empenho e Não Liquidada |
$ 50.000 |
C |
8.2.1.1.4.00.00
- DDR Utilizada por Pagamento Desp. Orçam. e Outros |
$ 50.000 |
(c)
Reconhecimento da Provisão |
||
D |
3.9.7.x.x.xx.xx - VPD de Provisão para Operações Urbanas
Consorciadas |
$ 1.000.000 |
C |
2.1.7.x.x.xx.xx - Provisão para Operações Urbanas Consorciadas |
$ 1.000.000 |
Fonte:
Elaborado pelos autores.
Observa-se pelo Quadro 5 que,
quando utilizada diretamente como meio de pagamento, a contabilização dos Cepacs quase não difere da contabilização quando ele é
vendido em leilão. Todavia, o momento de registro das operações é o que torna a
contabilização desses títulos diferente.
Na utilização dos Cepacs como meio de pagamento, a receita orçamentária é
reconhecida no momento de emissão dos títulos, que nesse caso passam a ser
tratados como itens do caixa e não mais como estoques. Como não são
considerados estoques, os custos com a emissão dos Cepacs
são apropriados diretamente no resultado do exercício como VPD. Todo o montante
relacionado com a operação urbana consorciada é considerado como provisão, não
existindo mais um passivo contingente associado à operação.
Cancelamentos são exceções para
o uso dos Cepacs como meio de pagamento, pois a
emissão só deve ocorrer quando o ente público possui um acordo com os credores,
atuais ou futuros, para quitar suas obrigações mediante entrega de títulos.
Caso o ente público opte por cancelar os títulos emitidos nessa modalidade,
aconselha-se que o cancelamento ocorra no mesmo exercício de emissão de título.
E isso é para que não afete o orçamento de exercício posterior. O cancelamento
no exercício implica o estorno dos lançamentos anteriormente demonstrados.
O pagamento da operação urbana
consorciada segue os moldes anteriormente apresentados, havendo somente a
utilização do próprio Cepac para a quitação da
obrigação, pois, como meio de pagamento, é um item do caixa.
4. CONCLUSÕES
O Cepac
é um título novo e pouco conhecido na literatura técnica e acadêmica no âmbito
da contabilidade pública governamental. Por essa razão, têm sido observadas
diversas confusões conceituais quando se pretende classificá-lo e contabilizá-lo.
Entretanto, inexiste fonte de consulta que possa balizar o correto
reconhecimento e mensuração desse tipo de ativo.
Em face dessa lacuna, este
trabalho buscou especificamente propor uma metodologia para contabilização
desses títulos, com o propósito de sanear a lacuna existente e de contribuir
para o aperfeiçoamento da contabilidade aplicada ao setor público brasileiro.
Conforme se demonstrou, os Cepacs não podem ser classificados como instrumentos
financeiros ou patrimoniais como preveem as Ipsas, pois,
com exceção das empresas estatais, as demais entidades públicas não possuem
instrumentos patrimoniais, uma vez que o patrimônio público é indivisível
(SUZART, 2014).
Tendo-se demonstrado que o Cepac não preenche os requisitos de um título financeiro,
nem de um título patrimonial, entende-se que, na prática, o Cepac
representa uma moeda fiduciária, ou seja, é um título não lastreado a nenhum
metal precioso e que não possui valor intrínseco. O seu valor decorre,
portanto, da confiança que os adquirentes têm em relação ao ente público
emissor e essa característica do título é fundamental para o reconhecimento do Cepac como um ativo.
Buscando fundamento nas normas
contábeis, especialmente na Ipsas 12, recomenda-se a
classificação do Cepac como um item do Estoque, uma
vez que, de acordo com a referida norma, os estoques do setor público podem
incluir, entre outros exemplos possíveis, "estoques de moedas não
emitidas".
Admitindo-se o Cepac como um item do Estoque, ele deve ser mensurado pelo
seu custo de emissão que, em condições normais, será menor do que o valor de
venda líquido. Apenas quando o seu custo de emissão for irrisório é que esse
título pode ser avaliado pelo valor justo, na data da aquisição. Além disso, no
momento em que ocorrer a venda do título, o valor registrado no estoque passa a
ser reconhecido como despesa do período em que houver o reconhecimento da
receita. Adicionalmente, pode haver o reconhecimento da despesa quando for
identificado que o custo do estoque não poderá ser recuperado.
De outro modo, quando o Cepac for utilizado pelos entes públicos municipais, como
meio de pagamento, o referido título deverá ser tratado como um item de caixa,
pois ele representa um numerário em espécie. Nesse caso, o Cepac
deve ser mensurado pelo valor justo.
Sendo o Cepac
um ativo, contabilizado no estoque pelo custo de emissão, não há que se falar
em obrigação a ser registrada no passivo, já que, da relação entre adquirente e
emissor, não existe obrigação presente para o ente público.
Entretanto, conforme preveem as Ipsas 1 e 19, o reconhecimento de um passivo, de uma
provisão ou de um passivo contingente, dependerá daquilo que estiver
estabelecido na lei criadora do Cepac. Quando as
condições estabelecidas exigirem a ocorrência de eventos futuros para o
surgimento da obrigação e, além disso, não for possível a mensuração com
suficiente confiabilidade, um passivo contingente deve ser registrado. Quando a
lei criadora não exigir a ocorrência de eventos futuros e o valor da obrigação
puder ser mensurado com confiabilidade, o ente público deverá reconhecer um
passivo ou uma provisão.
Em suma, diante do modelo de
contabilização proposto, espera-se que este trabalho possa contribuir para
dirimir dúvidas práticas e conceituais no mundo da Contabilidade Pública. Além
disso, sabe-se que a implantação de um modelo de Contabilidade Pública
patrimonial no Brasil tem gerado diversas controvérsias, mas acredita-se que
isso não deve ser motivo para desânimo e sim uma oportunidade para
aperfeiçoarmos nossos sistemas contábeis e, por consequência, a accountability pública.
5. REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 10.257, 10 de
julho de 2001. 2001. Disponível em:
<https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso
em: 20 fev. 2016.
COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS.
Instrução CVM 401, de 29 de dezembro de 2003. 2003. Disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/legislacao/inst/inst401.html>. Acesso em: 20 fev.
2006.
GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C. D.
de. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2011.
INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS. Handbook
of International Public Sector Accounting Pronouncements. 2015a. Vol. I.
New York: IFAC, 2015.
______. Handbook of International Public Sector
Accounting Pronouncements. 2015b.
Vol. II. New York: IFAC, 2015.
SUZART, J. A. da S.
Características das pesquisas sobre o impacto das informações contábeis nas
transações ocorridas nos mercados de títulos de dívidas privadas e públicas. Contabilidade,
Gestão e Governança. Brasília, v. 17, n. 3, p. 109-126, set./dez. 2014.
VERGARA, Sylvia Costant. Projetos e Relatórios de Pesquisa em
Administração. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
* Contador, possui doutorado em Controladoria e
Contabilidade pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da
Universidade de São Paulo (FEA-USP). É auditor federal de Finanças e Controle
no Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria Geral da União
(CGU).
** Contador, tem pós-doutorado em Administração
Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (Eaesp-FGV), doutorado em Controladoria e Contabilidade pela
Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São
Paulo (FEA-USP) e é professor do Departamento de Ciências Contábeis da
Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
*** Contador e doutor em Administração Pública e
Governo pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo - Eaesp-FGV,
é mestre em Contabilidade pela Universidade de Brasília - UnB; auditor de
Controle Externos no Tribunal de Contas da União (TCU).
(Fonte: RBC nº 233)
BOIR6096---WIN/INTER
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