CERTIFICADOS DE POTENCIAL ADICIONAL DE CONSTRUÇÃO (CEPAC): O QUE SÃO E COMO CONTABILIZAR - MEF34185 - IR

 

 


JANILSON ANTÔNIO DA SILVA SUZAN *

ROBSON ZUCCOLOTTO **

DIONES GOMES DA ROCHA ***

 

 


                1. INTRODUÇÃO

                É frequente ouvir a tese de que o setor privado é mais eficiente do que o governo e de que, portanto, uma economia em que as firmas operem livremente funciona melhor do que uma economia com forte atuação governamental.

                No entanto, de acordo com a teoria tradicional do Welfare Economics, sob certas condições, os mercados competitivos geram uma alocação de recursos que se caracteriza pelo fato de que é impossível promover uma realocação desses recursos de tal forma que um indivíduo aumente seu grau de satisfação, sem que, ao mesmo tempo, isso esteja associado a uma piora da situação de algum outro indivíduo. Essa alocação de recursos, que tem a propriedade de que ninguém pode melhorar sua situação sem causar prejuízos a outros agentes econômicos, é denominada pela literatura como 'ótimo de Pareto'.

                Paralelamente a esse conceito, a teoria econômica tradicional ensina que, para existir uma alocação ‘Pareto eficiente’ de recursos, não é necessário que exista a figura de um ‘planejador central’, já que a livre concorrência, com as forças operando em um mercado competitivo e procurando maximizar seus lucros, permitiria atingir esse ideal de máxima eficiência.

                A ocorrência dessa situação ótima, entretanto, depende de alguns pressupostos: (i) não existência de progresso técnico; e, (ii) o funcionamento do modelo de concorrência perfeita, o que implica a existência de um mercado atomizado – em que as decisões quanto à quantidade produzida de grande número de pequenas firmas são incapazes de afetar o preço de mercado – e de informação perfeita da parte dos agentes econômicos (GIAMBIAGI; ALÉM, 2011).

                Essa, no entanto, é uma visão idealizada no sistema de mercado. Na realidade, existem algumas circunstâncias conhecidas como ‘falhas de mercado, que impedem que ocorra uma situação de ótimo de Pareto. De acordo com Giambiagi e Além (2011), tais circunstâncias são representadas por: (i) a existência de bens públicos, (ii) a falha de competição que se reflete na existência de monopólios naturais, (iii) as externalidades, (iv) os mercados incompletos, (v) as falhas de informação e (vi) a ocorrência de desemprego e inflação.

                Deixando de lado questões políticas e ideológicas, a existência do governo é necessária para guiar, corrigir e complementar o sistema de mercado, que, sozinho, não é capaz de desempenhar todas as funções econômicas. Nesse sentido, o governo intervém no mercado por meio de suas políticas econômica, monetária e fiscal.

                No que tange à política fiscal, as ações do Governo abrangem três funções básicas: (i) a função distributiva, (ii) a função alocativa; e (iii) a função estabilizadora. Para cumprir essas funções, o governo se vale de tributos, que incidirão sobre a renda e sobre os bens das pessoas ou empresas.

                Um dos problemas da modernidade é o aumento das despesas públicas e a impossibilidade dos governos de aumentar tributos, dado o desgaste político criado e, até mesmo, do esgotamento de alguns modelos tributários.

                Nesse sentido, os governos modernos têm se valido de parcerias com a iniciativa privada e têm desenvolvido modelos de negócios para captação de recursos que utilizem os mercados e sua eficiência para garantir a prestação de serviços públicos e o desenvolvimento de infraestrutura.

                Esse é o caso do Certificado de Potencial Adicional de Construção (Cepac), que é uma alternativa do município para captação de recursos a serem aplicados em investimentos públicos de revitalização ou reestruturação de determinada área da cidade. Os investidores privados, fornecedores dos recursos, recebem, em contrapartida, os direitos adicionais de construção, representados pelo certificado, e estruturado e delimitado na lei específica que instituir as operações urbanas consorciadas.

                Por ser algo novo na estrutura administrativa brasileira, a contabilização dos Cepacs vem gerando diversas confusões conceituais de classificação e contabilização, seja como ativo, como receita ou como patrimônio líquido. Além disso, remanesce a importância de se definir se esse título possui, ou não, características de instrumentos financeiros e se como tal deve ser tratado.

                Tem-se, desta forma, como objetivo principal propor um roteiro que permita o reconhecimento do Cepac, dadas as suas peculiaridades, de acordo com as Ipsas.

 

                2. METODOLOGIA

                Trata-se de pesquisa qualitativa, que, na taxionomia apresentada por Vergara (2013), pode ser classificada quanto aos seus fins e aos seus meios. Quanto aos fins, pode-se classificar a pesquisa como exploratória e descritiva: Exploratória, por basicamente inexistir conhecimento acumulado e sistematizado sobre o tema estudado; Descritiva, por expor e descrever as características do Cepac com fins a formular um método ou modelo de reconhecimento contábil.

                Quanto aos meios, trata-se de pesquisa documental. Nesse tipo de pesquisa, os documentos, tais como leis, decretos, pronunciamentos de órgãos reguladores, entre outros, relacionados ao objeto de estudo, tornam-se as principais fontes de investigação para a realização da pesquisa.

 

                3. DESENVOLVIMENTO DO TEMA

                3.1 Certificados de Potencial Adicional de Construção (Cepac) Os Certificados de Potencial Adicional de Construção estão previstos na Lei nº 10.257 (BRASIL, 2001), também conhecida como estatuto das cidades, a qual estabelece diretrizes gerais da política urbana. O referido estatuto dispõe sobre a possibilidade de lei municipal específica delimitar área para aplicação de operações urbanas consorciadas, estabelecendo que:

 

                [...] considera-se operação urbana consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar, em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental (Art. 32, § 1º) (BRASIL, 2001).

 

                O § 2º da lei supracitada estabelece ainda que, nas operações urbanas consorciadas, poderão ser previstas como forma de atrair investimentos privados, entre outras medidas, a modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, bem como alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental delas decorrente, ou a regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em desacordo com a legislação vigente. Ou seja, criam-se direitos de construir ou utilizar imóveis acima dos padrões previstos pela legislação vigente de uso e ocupação do solo ou regularizar obras em desacordo com esses padrões. Esses direitos são chamados de direitos adicionais de construção.

                Os municípios, ao criarem esses direitos, concedem-nos aos interessados mediante o pagamento de uma contraprestação, representada pela aquisição de um certificado: o Certificado de Potencial Adicional da Construção, ou Cepac.

                Assim, a emissão de Cepac é uma alternativa do município para captação de recursos a serem aplicados em investimentos públicos de revitalização ou reestruturação de determinada área da cidade. Os investidores privados, fornecedores dos recursos, recebem, em contrapartida, os direitos adicionais de construção, representados pelo certificado e estruturados e delimitados na lei específica que instituir as operações urbanas consorciadas.

                Como os Cepacs são, normalmente, ofertados publicamente, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) decidiu, de forma colegiada, no ano de 2003, que, quando ofertados publicamente, os Cepacs são caracterizados como valores mobiliários e, portanto, sujeitos à regulamentação e à fiscalização da autarquia. Nesse sentido, nesse mesmo ano, em 29 de dezembro, a CVM editou a instrução CVM nº 401, para regulamentar os registros de negociação e de distribuição dos Cepacs.

                De acordo com a Comissão de Valores Mobiliários (CVM, 2003), nenhum Cepac pode ser distribuído no mercado sem prévio registro na CVM da operação a que estiver vinculado. Além disso, deve haver a emissão de prospecto, contendo os dados básicos da operação e a quantidade de Cepac para alienação. O município, em conjunto com a instituição líder da distribuição (geralmente um banco comercial), poderá requerer o registro de distribuição pública para realização de leilão dos Cepacs.

                Um ponto central a ser observado é que os Cepacs não geram direito de crédito e nem de participação contra o município emissor. Geram tão somente o direito inerente ao certificado, que pode ser repassado ou utilizado dentro das condições do plano que o criou. Ou seja, não são nem títulos de dívida (instrumentos financeiros) e nem de capital (instrumentos patrimoniais). Os Cepacs são valores mobiliários específicos.

                Existem algumas particularidades dos Cepacs que precisam ser destacadas: (i) os títulos podem ser emitidos e guardados para venda futura, podendo não haver prazo específico e/ou obrigatório para que a venda ocorra; (ii) não há a obrigatoriedade de venda pelo valor de face do título, ocorrendo a venda abaixo deste valor quando não estão atrativos para o mercado; e (iii) como outros títulos de valores mobiliários, podem ser cotados em mercados abertos, havendo variações periódicas de seus preços (valor de mercado).

                Nesse sentido, dadas as diversas possibilidades existentes na emissão do título, dado que os entes subnacionais já os vêm utilizando há alguns anos e dada a ausência de regulação contábil nacional sobre o tema, diversos problemas conceituais e práticos são apresentados, a saber: quando da sua emissão, os Cepacs são caracterizados como ativos? Em caso positivo, como devem ser reconhecidos e mensurados? Como tratar as variações no preço do título? Como tratar contabilmente o Cepac quando o seu titular exercer seu direito de potencial adicional de construção?

                Para responder a essas dúvidas, precisa-se, inicialmente, retomar o conceito de ativo e os critérios para seu reconhecimento e mensuração.

 

 

 

                3.2 O Cepac e o conceito de ativos

                A IPSAS 1. Apresentação das Demonstrações Contábeis (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), em seu item 7, estabelece que ativos:

 

                [...] são recursos controlados por uma entidade em consequência de eventos passados e dos quais se espera que resultem fluxos de benefícios econômicos futuros ou potencial de serviços para a entidade. (tradução livre)

 

                O item 11 da supracitada norma estabelece que benefícios econômicos futuros ou potencial de serviços compreendem os ativos que fornecem meios para que as entidades atinjam seus objetivos. Ativos que são usados para entregar mercadorias e serviços de acordo com os objetivos da entidade, mas que não geram diretamente fluxos de caixa líquidos positivos, são geralmente descritos como aqueles que possuem "potencial de serviços". Ativos que são usados para gerar fluxos de caixa líquidos positivos são geralmente descritos como aqueles que contêm "benefícios econômicos futuros". Para abranger todos os propósitos nos quais os ativos podem se encaixar, a norma usa o termo "benefícios econômicos futuros ou potencial de serviços" para descrever as características essenciais dos ativos.

                Assim, quando os governos subnacionais elaboram novos projetos de urbanização e apoiam o desenvolvimento com a captação de recursos com Cepac, a emissão do referido título caracteriza, em um primeiro momento, a formação de um ativo, uma vez que o Cepac é um recurso controlado por uma entidade em consequência de eventos passados (o projeto foi elaborado) e dos quais se espera que resultem fluxos de benefícios econômicos futuros ou potencial de serviços para a entidade (espera-se tanto a entrada de recursos quanto a geração de serviços urbanos potenciais).

                Entretanto, há inúmeras incertezas com relação ao título emitido, como, por exemplo: (i) haverá compradores, (ii) o projeto despertará interesse da sociedade, (iii) todas as exigências dos órgãos reguladores serão atendidas, etc. Essas incertezas nos remetem ao conceito de ativo contingente, o qual é um ativo possível que resulta de eventos passados e cuja existência será confirmada apenas pela ocorrência, ou não, de um ou mais eventos futuros incertos não totalmente sob controle da entidade.

                Todavia, o Cepac não corresponde, no ato de sua emissão, ao conceito de ativo contingente. Para confirmar a assertiva anterior, passa-se à comparação da emissão do Cepac com a fabricação de uma mercadoria, guardadas as devidas proporções.

                Quando uma entidade decide pela fabricação de uma mercadoria, ela espera que, no futuro, consiga vender o respectivo bem, de modo a assegurar um resultado positivo, a fim de cobrir os gastos dispendidos no processo de fabricação. Pode não ocorrer a venda? Pode, por vários motivos. Pode ocorrer a venda a prazo e não haver pagamento? Também, pode. Pode, durante o início das vendas, ser a entidade impedida de comercializar a mercadoria por não ter atendido às exigências de órgãos reguladores? A resposta novamente é: pode.

                Observa-se que, apesar das respostas afirmativas para as perguntas anteriormente apresentadas, uma mercadoria é reconhecida como "ativo" no momento em que acaba o seu processo produtivo e, não, no momento que é vendida ou quando ocorrer o pagamento. Isto decorre, pois, em razão de a mercadoria ser um recurso controlado pela entidade (foi fabricada ou adquirida por ela e a entidade tem, em tese, total controle sobre ela), derivado de um evento passado (a fabricação ou a aquisição) e do qual se espera fluxo futuro de benefícios econômicos ou potencial de serviços (a expectativa é de que ocorra a venda). Este raciocínio é também aplicável ao Cepac.

                No momento que ocorre a emissão do título, um ente público passa a ter um recurso que ele controla (podendo decidir quando, como e para quem comercializar), oriundo de evento passado (o processo de elaboração do projeto de urbanização relacionado com o título) e do qual se espera a fruição futura de benefícios econômicos ou potencial de serviços (os títulos poderão ser vendidos ou utilizados como meio de pagamento pela aquisição de bens ou serviços).

                Outro ponto importante a ser observado no que se refere à contabilização do Cepac, ainda relacionado ao conceito de ativo, diz respeito à mensuração. Se um ativo não puder ser mensurado, ele não deve ser reconhecido. No caso do Cepac, quando da elaboração do projeto, deve-se estimar, por meio de modelos de valuation, o valor de venda do título.

                Percebe-se, assim, que o Cepac atende ao conceito de ativo estabelecido nas Ipsas e sua mensuração pode ser realizada por modelos matemáticos e estatísticos. Como se observa, não há impedimentos para que se caracterize o Cepac como um ativo da entidade pública. Mas que tipo de ativo seria o Cepac?

                Para a CVM, os Cepacs são valores mobiliários específicos (COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS, 2003). À luz das Ipsas, os valores mobiliários, geralmente, representam instrumentos patrimoniais ou instrumentos financeiros.

                De acordo com a IPSAS 28 - Instrumentos Financeiros: Apresentação - (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015b), um instrumento patrimonial "é qualquer contrato que evidencia uma participação residual [..]" (tradução livre) nos ativos líquidos de uma entidade. À sua vez, um instrumento financeiro "é qualquer contrato que dê origem a um ativo financeiro para uma entidade e a um passivo financeiro ou instrumento patrimonial para outra entidade." (tradução livre).

                O Cepac não é nem instrumento patrimonial, nem instrumento financeiro, de acordo com os conceitos anteriormente apresentados. Ademais, segundo Suzart (2014), com exceção das empresas estatais, as demais entidades públicas não possuem instrumentos patrimoniais, pois o patrimônio público é indivisível. Assim, o Cepac não atende a tal conceito, pois o título não gera nenhuma obrigação (passivo financeiro) para o ente público em relação ao seu adquirente. Assim, o Cepac, também, não pode ser classificado como um instrumento financeiro.

                Na prática, o Cepac representa uma moeda fiduciária, ou seja, é um título não lastreado a nenhum metal precioso e que não possui valor intrínseco. O valor do Cepac decorre da confiança que os adquirentes têm em relação ao ente público emissor. Essa característica do título é fundamental para a classificação do Cepac, enquanto ativo.

                De acordo com a IPSAS 12 - Estoque (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), estoques são ativos (tradução livre):

 

                a) na forma de materiais ou suprimentos a serem consumidos no processo de produção;

                b) na forma de materiais ou suprimentos a serem consumidos ou utilizados na prestação de serviços;

                c) mantidos para venda ou distribuição no curso normal das operações; ou

                d) no processo de produção para venda ou distribuição.

 

                Ainda de acordo com a supracitada norma, os estoques no setor público podem incluir, entre outros exemplos possíveis, "estoques de moeda não emitida" (tradução livre). A IPSAS 12 destaca que os entes públicos podem possuir direitos para criar e emitir ativos, tais como selos, moedas e outros títulos, e que tais itens devem ser reconhecidos como ativo e tratados como estoques.

                Segundo a Ipsas 12 (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), os estoques devem ser mensurados pelo menor valor entre o custo e o valor realizável líquido, dos dois o menor. O custo compreende todos os gastos realizados para a aquisição ou transformação e outros, incorridos para trazer os estoques à sua condição e localização atuais. O valor realizável líquido é aquele estimado de venda (em condições normais), menos os custos estimados para conclusão (se aplicável) e para a venda, troca ou distribuição.

                Observa-se que, em relação aos Cepacs, os títulos devem ser mensurados pelo seu custo de emissão que, em condições normais, será menor do que o valor de venda líquido (valor bruto deduzidos dos custos) dos respectivos títulos. No momento em que ocorrer a venda do título, o valor registrado no estoque passa a ser reconhecido como despesa do período que houver o reconhecimento da receita. Pode haver, também, o reconhecimento de despesa quando for identificado que o custo do estoque não poderá ser recuperado.

                De acordo, ainda, com a IPSAS 12 (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), os Cepacs só poderiam ser avaliados pelo valor justo na data de aquisição, mas se, e somente se, o respectivo custo de emissão for irrisório. Além desse uso, a referida norma descreve que, nas demonstrações contábeis, o ente público deve evidenciar, em notas explicativas, o valor contábil de estoques pelo valor justo, menos os custos de venda.

                Por fim, destaque-se que o Cepac pode ser utilizado como meio de pagamento, sendo entregue aos credores de um ente público como forma de quitar suas obrigações. Para esse uso, o Cepac passa a ser tratado como um item do caixa, pois representa um numerário em espécie (o Cepac é uma moeda fiduciária). Nessa situação, deve ser mensurado pelo seu valor justo.

 

                3.3 O Cepac e o conceito de passivos

                Para a compreensão da contabilização do Cepac, também é importante definir o conceito de passivo. De acordo com a Ipsas 1 (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), passivos são as obrigações presentes da entidade, derivadas de eventos já ocorridos, cujo pagamento se espera que resulte em saída de recursos da entidade, os quais são capazes de gerar benefícios econômicos ou potencial de serviços.

                Dois outros conceitos são igualmente importantes: (i) provisão; e (ii) passivo contingente. Segundo a Ipsas 19 (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), a provisão é um passivo de prazo e/ou valor incerto. À sua vez, o passivo contingente é (tradução livre):

 

                a) uma obrigação possível que resulta de eventos passados e cuja existência será confirmada apenas pela ocorrência ou não de um ou mais eventos futuros incertos não totalmente sob controle da entidade; ou

                b) uma obrigação presente que resulta de eventos passados, mas que não é reconhecida porque:

                i) não é provável que uma saída de recursos que incorporam benefícios econômicos ou potencial de serviços seja exigida para liquidar a obrigação; ou

                i) o valor da obrigação não pode ser mensurado com suficiente confiabilidade.

                De acordo com o que foi abordado nos itens anteriores, o Cepac não pode ser considerado como sendo um instrumento financeiro, pois ele não gera obrigação pecuniária para o emissor em relação ao adquirente do título. Observa-se que, da relação entre adquirente e emissor, não há que se falar de reconhecimento de passivo, pois não existe uma obrigação presente para o ente público.

                A Lei nº 10.257 (BRASIL, 2001) descreve que os Cepacs podem ser alienados em leilão ou empregados diretamente no pagamento das obras necessárias para a operação tratada em lei específica. Assim sendo, nota-se que os recursos obtidos em leilão ou o emprego direto dos títulos como meio de pagamentos criam um uso restrito para os recursos oriundos dos Cepacs.

                Além da vinculação existente para o uso dos recursos oriundos dos Cepacs, o ente público possui o dever de realizar uma operação urbana consorciada. Mas, esse dever atende aos requisitos necessários para ser classificado como passivo efetivo (passivo ou provisão) ou contingente?

                De acordo com as Ipsas 1 e 19 (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), os conceitos-chave para o reconhecimento de um passivo são: (i) obrigação presente (legal ou não formalizada) derivada de evento passado; (ii) saída provável de recursos que incorporem benefícios econômicos ou potencial de serviços; e (iii) estimativa confiável.

                Existe uma obrigação presente para uma entidade quando da apresentação das demonstrações contábeis e essa entidade não tem nenhuma outra opção senão quitar tal obrigação, futuramente. A obrigação pode decorrer de contratos ou da legislação (denominada de legal) ou de práticas costumeiras da entidade (denominada de não formalizada).

                A obrigação presente não pode depender da ocorrência de eventos futuros. Desse modo, a obrigação presente é sempre criada por um evento passado, o qual elimina as demais alternativas da entidade, restando apenas a alternativa de quitação futura da obrigação.

                Segundo a IPSAS 19 (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), além de verificar a existência de uma obrigação presente, o reconhecimento de um passivo prescinde de que haja possibilidade de saída de recursos que incorporam benefícios econômicos ou potencial de serviços. E, por fim, além dos elementos anteriormente apresentados, o reconhecimento do passivo necessita que o seu valor seja estimável de forma confiável.

                Ainda em relação ao reconhecimento de um passivo, para a IPSAS 19 (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), a identificação da outra parte da obrigação não é necessária. Uma obrigação de um ente público pode ter como parte interessada o público em geral.

                Diante dos conceitos e das particularidades apresentadas, verifica-se que o dever criado pela lei específica de determinados títulos Cepacs pode ser considerado como fato gerador da obrigação, do ponto de vista contábil. A classificação do passivo em presente (passivo ou provisão) ou futuro (contingente) dependerá das condições estabelecidas pela lei criadora da operação urbana consorciada e dos Cepacs.

                Quando as condições estabelecidas exigirem a ocorrência de eventos futuros para o surgimento da obrigação, ou não, é possível a mensuração com suficiente confiabilidade. Nesse caso, a emissão dos títulos Cepacs implicará o surgimento de um passivo contingente. De acordo com a Ipsas 19 (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a), os passivos contingentes não devem ser reconhecidos nas demonstrações contábeis, porém, devem ser evidenciados em notas explicativas.

                Em sentido oposto, se as condições estabelecidas pela lei criadora não exigem a ocorrência de eventos futuros, e o valor da obrigação pode ser confiavelmente mensurável, o ente público deverá reconhecer um passivo ou uma provisão.

                Se os Cepacs emitidos forem utilizados como meio de pagamento, o ente público estará diante de uma obrigação presente e, portanto, deverá reconhecer uma provisão relacionada com a operação urbana consorciada, no momento da emissão dos títulos. Entretanto, se for necessário o leilão dos títulos, não deverá ser reconhecida uma provisão no momento da emissão desses títulos, pois o ente público estará diante de uma obrigação futura (um passivo contingente), que se converterá em obrigação presente no momento da venda do título.

                Quando for reconhecida uma provisão, essa obrigação poderá ser de curto e/ou de longo prazo. Caso o ente público tenha que quitar a obrigação nos próximos doze meses, após o reconhecimento da referida obrigação, ela será uma obrigação de curto prazo. Caso o prazo de quitação seja superior a doze meses ou quando esse seja indefinido, a obrigação será de longo prazo. Ressalta-se que a Ipsas 19 (INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS, 2015a) descreve que, quando o prazo for incerto, deve ser reconhecida uma provisão.

 

                3.4 Proposta de contabilização do Cepac

                Nesta seção, tratar-se-á da forma de contabilização dos Cepacs, desde a emissão desses títulos, passando por sua comercialização e finalizando com a quitação da obrigação decorrente da operação urbana consorciada. Para fins de simplificação do exemplo, não serão apresentadas as etapas de previsão e fixação orçamentária, bem como os registros realizados para controles devedores e credores diversos (com exceção das disponibilidades por fonte de recursos).

                A Prefeitura do Município X planeja realizar a revitalização do bairro Z. As obras necessárias importarão em $ 1 milhão, porém o município não possui disponibilidade em seu orçamento. Para dar prosseguimento à revitalização, a Prefeitura do Município X resolve enviar um projeto de lei à Câmara de Vereadores, propondo uma operação urbana consorciada e a emissão de títulos Cepacs para custear tal operação.

                No ano de 20x0, o projeto de lei é aprovado pela Câmara de Vereadores do Município X. Após a aprovação, a prefeitura adiciona as receitas oriundas da venda de Cepacs e as despesas relacionadas com a revitalização em sua proposta orçamentária para o exercício de 20x1. Destaca-se que a revitalização estava prevista no Plano Plurianual e na Lei de Diretrizes Orçamentárias do Município, anteriormente aprovados. O orçamento foi aprovado em dezembro de 20x0.

                No exercício de 20x1, a Prefeitura do Município X resolve emitir os títulos Cepacs, de acordo com a previsão legal. Para tanto, incorre em gastos de $ 50 mil, relacionados com a contratação de instituição financeira que intermediará a emissão dos títulos. A lei que criou a operação urbana consorciada e os Cepacs prevê que os recursos obtidos com a venda dos títulos devem ser aplicados durante o exercício de 20x1.

                Considerando a emissão dos títulos com o momento de ocorrência do fato gerador para o reconhecimento do ativo, a Prefeitura do Município X deve realizar a seguinte contabilização, detalhada no Quadro 1:

 

Quadro 1 - Reconhecimento do ativo pela emissão dos Cepacs

 

(a) Reconhecimento do Ativo

D

1.1.5.x.x.xx.xx - Títulos Cepacs Disponíveis para Venda (P)

$ 50.000

C

1.1.1.x.x.xx.xx - Caixa e Equivalentes de Caixa

$ 50.000

(b) Execução da Despesa Orçamentária

D

6.2.2.1.3.01.00 - Crédito Empenhado a Liquidar

$ 50.000

C

6.2.2.1.3.03.00 - Crédito Empenhado a Liquidado

$ 50.000

(c) Movimentação da Disponibilidade por Fonte de Recursos (DDR)

D

8.2.1.1.2.00.00 - DDR Comprometida por Empenho e Não Liquidada

$ 50.000

C

8.2.1.1.4.00.00 - DDR Utilizada por Pagamento Desp. Orçam. e Outros

$ 50.000

 

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

                De acordo com o que foi apresentado nas seções anteriores, na qualidade de 'estoque de moeda', os Cepacs devem ser mensurados pelo menor valor entre o custo e o valor realizável líquido. Somente é admitida a mensuração inicial pelo valor justo se o custo de emissão for considerado irrisório.

                Assim sendo, os Cepacs foram reconhecidos pelo custo de emissão, visto que esse valor não foi irrisório. Nesse momento, o ente público não possui, ainda, uma obrigação presente, mas, sim, uma obrigação futura que dependerá da venda dos títulos para se converter em presente.

                Desse modo, a Prefeitura do Município X, caso fosse divulgar suas demonstrações contábeis, deveria evidenciar, em notas explicativas, um passivo contingente no montante de $ 1 milhão, que é o quanto se espera arrecadar com a venda do título para ser aplicado na operação urbana consorciada.

                Seguindo com o exemplo, verificou-se que, alguns meses após a emissão dos Cepacs, a Prefeitura do Município X conseguiu vender 60% do estoque de títulos, obtendo o valor $ 660 mil na operação. O registro dessa operação implicaria as contabilizações, conforme detalhadas no Quadro 2.

 

Quadro 2 - Contabilizações oriundas da venda dos Cepacs

 

(a.1) Reconhecimento da Variação Patrimonial Aumentativa

D

1.1.1.x.x.xx.xx - Caixa e Equivalentes de Caixa

$ 660.000

C

4.3.1.x.x.xx.xx - Venda de Títulos Cepacs

$ 660.000

(a.2) Execução da Receita Orçamentária

D

6.2.1.1.0.00.00 - Receita a Realizar

$ 660.000

C

6.2.1.2.0.00.00 - Receita Realizada

$ 660.000

(a.3) Movimentação da Disponibilidade por Fonte de Recursos (DDR)

D

7.2.1.1.1.00.00 - Disponibilidade de Recursos

$ 660.000

C

8.2.1.1.1.00.00 - Disponibilidade por Destinação de Recursos a Utilizar

$ 660.000

(b) Reconhecimento da Variação Patrimonial Diminutiva

D

3.8.x.x.x.xx.xx - Custos dos Títulos Cepacs

$ 30.000

C

1.1.5.x.x.xx.xx - Títulos Cepacs Disponíveis para Venda (P)

$ 30.000

(c) Reconhecimento da Provisão

D

3.9.7.x.x.xx.xx - VPD de Provisão para Operações Urbanas Consorciadas

$ 660.000

C

2.1.7.x.x.xx.xx - Provisão para Operações Urbanas Consorciadas

$ 660.000

 

Fonte: Elaborado pelos autores.

                A venda de títulos Cepacs constitui-se em fato gerador para o registro de algumas transações contábeis. A primeira delas se relaciona com o reconhecimento da variação patrimonial aumentativa (VPA) e com a execução da receita orçamentária (com a respectiva movimentação da DDR). A segunda, pelo reconhecimento da variação patrimonial diminutiva associada ao custo dos títulos. E a última, pela transformação da obrigação contingente em obrigação presente, com o uso de uma conta de provisão, pois, ainda, não há possibilidade de se segregar as obrigações em suas naturezas definitivas.

                Observa-se que a conversão do passivo contingente em provisão ou passivo, conforme foi discutido anteriormente, dependerá das condições estabelecidas pela lei criadora dos Cepacs e da operação urbana consorciada. No caso em análise, a referida lei especificou claramente o prazo e a destinação dos recursos arrecadados com a venda dos referidos títulos, o que propiciou a identificação da mudança de uma parcela do passivo, de contingente para uma obrigação presente.

                Em relação às contabilizações anteriormente demonstradas, faz-se necessária uma observação em relação ao passivo contingente. Pela previsão inicial da Prefeitura do Município X, a venda de 60% do seu estoque implicaria uma arrecadação de $ 600 mil. Todavia, houve um ágio de $ 60 mil na respectiva venda, o que pode afetar a parcela que ainda está disponível para venda e, consequentemente, o passivo contingente a ela associado.

                Caso a Prefeitura do Município X entenda que houve valorização do título e que se espera que o restante do estoque seja vendido em iguais condições à primeira parcela, o novo valor do passivo contingente a ser evidenciado seria de $ 440 mil. Caso contrário, o passivo contingente restante importaria em $ 400 mil, considerando-se as condições anteriores.

                Continuando o exemplo, destaca-se que, após alguns meses de tentativas frustradas de venda da parcela restante de Cepacs, a Prefeitura do Município X celebrou um termo de cooperação com a Governadoria do Estado W para obter recursos. Por isso, também decidiu cancelar o restante dos títulos Cepacs.

                Para o controle de tais operações, ter-se-iam as seguintes contabilizações, conforme detalhamento apresentado no Quadro 3 (destaca-se que não será demonstrada a contabilização da celebração do termo de cooperação, pois não é o principal objeto em análise).

 

Quadro 3 - Cancelamento dos títulos Cepacs

 

(a) Desreconhecimento do Ativo

D

3.6.5.0.1.01.00 - Desincorporação de Ativos

$ 20.000

C

1.1.5.x.x.xx.xx - Títulos Cepacs Disponíveis para Venda (P)

$ 20.000

 

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

                Destaca-se que o cancelamento dos títulos Cepacs implicou o desreconhecimento do ativo, porquanto dele não fluirá mais benefícios econômicos ou potencial de serviços futuros. De igual modo, o ente público não mais terá a obrigação futura relacionada com a venda do título. Por isso, deixa de existir o passivo contingente. Conforme destacado anteriormente, o restante dos recursos foi obtido em um termo de cooperação com o governo estadual.

                Ainda em relação ao cancelamento, ressalta-se que a contrapartida é uma Variação Patrimonial Diminutiva (VPD) diferente da utilizada na apropriação dos custos com a emissão dos títulos, no momento da venda dos Cepacs. Além de as VPDs possuírem naturezas divergentes, o que já justifica a adoção de diferentes VPDs, a separação permite o acompanhamento do resultado líquido da comercialização dos Cepacs, para fins gerenciais.

                Na continuação do exemplo, destaca-se que a Prefeitura do Município X, após concluir a licitação e a contratação da primeira etapa da operação urbana consorciada, prepara-se para realizar o pagamento da medição da obra à Empresa A, no valor de $ 250.000. As contabilizações necessárias relacionadas a essa operação encontram-se detalhadas no Quadro 4.

 

Quadro 4 - Reconhecimento e pagamento da obrigação definitiva relacionada com a operação urbana consorciada

 

(a.1) Constituição do Passivo Definitivo (no caso de aquisição de serviços)

D

3.x.x.x.x.xx.xx - VPD com Serviços Prestados.

$ 250.000

C

2.1.3.1.1.xx.xx - Fornecedores Nacionais a Curto Prazo (P)

$ 250.000

(a.2) Constituição do Passivo Definitivo (no caso de aquisição de bens)

D

1.2.x.x.x.xx.xx - Ativo Não Circulante

$ 250.000

C

2.1.3.1.1.xx.xx - Fornecedores e Contas a Pagar Nacionais a Curto Prazo

$ 250.000

(b.1) Reversão da Provisão (se a apropriação da provisão ocorrer no mesmo exercício)

D

2.1.7.x.x.xx.xx - Provisão para Operações Urbanas Consorciadas

$ 250.000

C

3.9.7.x.x.xx.xx - VPD de Provisão para Operações Urbanas Consorciadas

$ 250.000

(b.2) Reversão da Provisão (se a apropriação da provisão ocorrer em exercício anterior)

D

2.1.7.x.x.xx.xx - Provisão para Operações Urbanas Consorciadas

$ 250.000

C

4.9.7.1.x.xx.xx - VPA de Reversão de Provisões

$ 250.000

(c.1) Execução da Despesa Orçamentária - Empenho (inclui movimentação de DDR)

D

2.1.3.1.1.xx.xx - Fornecedores Nacionais a Curto Prazo (P)

$ 250.000

C

2.1.3.1.1.xx.xx - Fornecedores Nacionais a Curto Prazo (F)

$ 250.000

D

6.2.1.1.1.00.00 - Crédito Disponível

$ 250.000

C

6.2.2.1.3.01.00 - Crédito Empenhado a Liquidar

$ 250.000

D

8.2.1.1.1.00.00 - Disponibilidade por Destinação de Recursos a Utilizar

$ 250.000

C

8.2.1.1.2.00.00 - DDR Comprometida por Empeno e Não Liquidada

$ 250.000

(c.2) Execução da Despesa Orçamentária - Liquidação (inclui movimentação de DDR)

D

6.2.2.1.3.01.00 - Crédito Empenhado a Liquidar

$ 250.000

C

6.2.2.1.3.03.00 - Crédito Empenhado a Liquidado a Pagar

$ 250.000

C

8.2.1.1.2.00.00 - DDR Comprometida por Empenho e Não Liquidada

$ 250.000

C

8.2.1.1.3.00.00 - DDR Comprometida p/ Liqu. e Ent. Comp. Não Pagas

$ 250.000

(c.3) Execução da Despesa Orçamentária - Pagamento (inclui movimentação de DDR)

D

2.1.3.1.1.xx.xx - Fornecedores Nacionais a Curto Prazo (F)

$ 250.000

C

1.1.1.x.x.xx.xx - Caixa e Equivalentes de Caixa

$ 250.000

D

6.2.2.1.3.03.00 - Crédito Empenhado Liquidado a Pagar

$ 250.000

C

6.2.2.1.3.04.00 - Crédito Empenhado Liquidado Pago

$ 250.000

D

8.2.1.1.3.00.00 - DDR Comprometida p/ Liqu. e Ent. Comp. Não Pagas

$ 250.000

C

8.2.1.1.4.00.00 - DDR Utilizadas por Pgto. Desp. Orçamentárias. e Outros

$ 250.000

 

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

                Como se observa no Quadro 4, os primeiros passos compreendem a constituição do novo passivo e a reversão da provisão anteriormente constituída. A constituição do novo passivo permite a identificação da natureza mais adequada de VPD ou o reconhecimento de um ativo. A reversão decorre da baixa do valor anteriormente provisionado e permite a reclassificação da VPD para uma natureza específica ou o reconhecimento de um ativo.

                Um especial destaque para a reversão da provisão: (i) se ocorrer no mesmo exercício de constituição dessa, será feito pelo estorno do lançamento de apropriação da provisão; e (ii) se não, implicará a apropriação de uma VPA. Já as etapas de execução da despesa orçamentária ocorrem como as das demais despesas.

                Para a finalização do exemplo, será demonstrado o reconhecimento dos Cepacs como meio de pagamento (os títulos não são leiloados, mas entregues diretamente aos credores municipais). Partindo do contexto original do exemplo, suponha-se que, em vez de promover o leilão, a Prefeitura do Município X resolveu utilizar os Cepacs como meio de pagamento. Ter-se-iam, neste caso, as seguintes contabilizações, detalhadas no Quadro 5.

 

Quadro 5 - Reconhecimento do ativo pela emissão dos Cepacs - meio de pagamento

 

(a) Reconhecimento do Ativo

D

1.1.1.x.x.xx.xx - Títulos Cepacs Disponíveis para Pagamento (F)

$ 1.000.000

C

4.3.1.x.x.xx.xx - Emissão de Títulos Cepacs

$ 1.000.000

(b) Execução da Receita Orçamentária (inclui movimentação de DDR)

D

6.2.1.1.0.00.00 - Receita a Realizar

$ 1.000.000

C

6.2.1.2.0.00.00 - Receita Realizada

$ 1.000.000

D

7.2.1.1.1.00.00 - Disponibilidade de Recursos

$ 1.000.000

C

8.2.1.1.1.00.00 - Disponibilidade por Destinação de Recursos a Utilizar

$ 1.000.000

(c) Reconhecimento da Variação Patrimonial Diminutiva

D

3.8.x.x.x.xx.xx - Custos dos Títulos Cepacs

$ 50.000

C

1.1.1.x.x.xx.xx - Caixa e Equivalentes de Caixa

$ 50.000

(d) Execução da Despesa Orçamentária (inclui movimentação de DDR)

D

6.2.2.1.3.01.00 - Crédito Empenhado a Liquidar

$ 50.000

C

6.2.2.1.3.03.00 - Crédito Empenhado Liquidado

$ 50.000

D

8.2.1.1.2.00.00 - DDR Comprometida por Empenho e Não Liquidada

$ 50.000

C

8.2.1.1.4.00.00 - DDR Utilizada por Pagamento Desp. Orçam. e Outros

$ 50.000

(c) Reconhecimento da Provisão

D

3.9.7.x.x.xx.xx - VPD de Provisão para Operações Urbanas Consorciadas

$ 1.000.000

C

2.1.7.x.x.xx.xx - Provisão para Operações Urbanas Consorciadas

$ 1.000.000

 

Fonte: Elaborado pelos autores.

 

                Observa-se pelo Quadro 5 que, quando utilizada diretamente como meio de pagamento, a contabilização dos Cepacs quase não difere da contabilização quando ele é vendido em leilão. Todavia, o momento de registro das operações é o que torna a contabilização desses títulos diferente.

                Na utilização dos Cepacs como meio de pagamento, a receita orçamentária é reconhecida no momento de emissão dos títulos, que nesse caso passam a ser tratados como itens do caixa e não mais como estoques. Como não são considerados estoques, os custos com a emissão dos Cepacs são apropriados diretamente no resultado do exercício como VPD. Todo o montante relacionado com a operação urbana consorciada é considerado como provisão, não existindo mais um passivo contingente associado à operação.

                Cancelamentos são exceções para o uso dos Cepacs como meio de pagamento, pois a emissão só deve ocorrer quando o ente público possui um acordo com os credores, atuais ou futuros, para quitar suas obrigações mediante entrega de títulos. Caso o ente público opte por cancelar os títulos emitidos nessa modalidade, aconselha-se que o cancelamento ocorra no mesmo exercício de emissão de título. E isso é para que não afete o orçamento de exercício posterior. O cancelamento no exercício implica o estorno dos lançamentos anteriormente demonstrados.

                O pagamento da operação urbana consorciada segue os moldes anteriormente apresentados, havendo somente a utilização do próprio Cepac para a quitação da obrigação, pois, como meio de pagamento, é um item do caixa.

 

                4. CONCLUSÕES

                O Cepac é um título novo e pouco conhecido na literatura técnica e acadêmica no âmbito da contabilidade pública governamental. Por essa razão, têm sido observadas diversas confusões conceituais quando se pretende classificá-lo e contabilizá-lo. Entretanto, inexiste fonte de consulta que possa balizar o correto reconhecimento e mensuração desse tipo de ativo.

                Em face dessa lacuna, este trabalho buscou especificamente propor uma metodologia para contabilização desses títulos, com o propósito de sanear a lacuna existente e de contribuir para o aperfeiçoamento da contabilidade aplicada ao setor público brasileiro.

                Conforme se demonstrou, os Cepacs não podem ser classificados como instrumentos financeiros ou patrimoniais como preveem as Ipsas, pois, com exceção das empresas estatais, as demais entidades públicas não possuem instrumentos patrimoniais, uma vez que o patrimônio público é indivisível (SUZART, 2014).

                Tendo-se demonstrado que o Cepac não preenche os requisitos de um título financeiro, nem de um título patrimonial, entende-se que, na prática, o Cepac representa uma moeda fiduciária, ou seja, é um título não lastreado a nenhum metal precioso e que não possui valor intrínseco. O seu valor decorre, portanto, da confiança que os adquirentes têm em relação ao ente público emissor e essa característica do título é fundamental para o reconhecimento do Cepac como um ativo.

                Buscando fundamento nas normas contábeis, especialmente na Ipsas 12, recomenda-se a classificação do Cepac como um item do Estoque, uma vez que, de acordo com a referida norma, os estoques do setor público podem incluir, entre outros exemplos possíveis, "estoques de moedas não emitidas".

                Admitindo-se o Cepac como um item do Estoque, ele deve ser mensurado pelo seu custo de emissão que, em condições normais, será menor do que o valor de venda líquido. Apenas quando o seu custo de emissão for irrisório é que esse título pode ser avaliado pelo valor justo, na data da aquisição. Além disso, no momento em que ocorrer a venda do título, o valor registrado no estoque passa a ser reconhecido como despesa do período em que houver o reconhecimento da receita. Adicionalmente, pode haver o reconhecimento da despesa quando for identificado que o custo do estoque não poderá ser recuperado.

                De outro modo, quando o Cepac for utilizado pelos entes públicos municipais, como meio de pagamento, o referido título deverá ser tratado como um item de caixa, pois ele representa um numerário em espécie. Nesse caso, o Cepac deve ser mensurado pelo valor justo.

                Sendo o Cepac um ativo, contabilizado no estoque pelo custo de emissão, não há que se falar em obrigação a ser registrada no passivo, já que, da relação entre adquirente e emissor, não existe obrigação presente para o ente público.

                Entretanto, conforme preveem as Ipsas 1 e 19, o reconhecimento de um passivo, de uma provisão ou de um passivo contingente, dependerá daquilo que estiver estabelecido na lei criadora do Cepac. Quando as condições estabelecidas exigirem a ocorrência de eventos futuros para o surgimento da obrigação e, além disso, não for possível a mensuração com suficiente confiabilidade, um passivo contingente deve ser registrado. Quando a lei criadora não exigir a ocorrência de eventos futuros e o valor da obrigação puder ser mensurado com confiabilidade, o ente público deverá reconhecer um passivo ou uma provisão.

                Em suma, diante do modelo de contabilização proposto, espera-se que este trabalho possa contribuir para dirimir dúvidas práticas e conceituais no mundo da Contabilidade Pública. Além disso, sabe-se que a implantação de um modelo de Contabilidade Pública patrimonial no Brasil tem gerado diversas controvérsias, mas acredita-se que isso não deve ser motivo para desânimo e sim uma oportunidade para aperfeiçoarmos nossos sistemas contábeis e, por consequência, a accountability pública.

 

 

                5. REFERÊNCIAS

                BRASIL. Lei nº 10.257, 10 de julho de 2001. 2001. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LEIS_2001/L10257.htm>. Acesso em: 20 fev. 2016.

                COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS. Instrução CVM 401, de 29 de dezembro de 2003. 2003. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/legislacao/inst/inst401.html>. Acesso em: 20 fev. 2006.

                GIAMBIAGI, F.; ALÉM, A. C. D. de. Finanças públicas: teoria e prática no Brasil. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

                INTERNATIONAL FEDERATION OF ACCOUNTANTS. Handbook of International Public Sector Accounting Pronouncements. 2015a. Vol. I. New York: IFAC, 2015.

                ______. Handbook of International Public Sector Accounting Pronouncements. 2015b. Vol. II. New York: IFAC, 2015.

                SUZART, J. A. da S. Características das pesquisas sobre o impacto das informações contábeis nas transações ocorridas nos mercados de títulos de dívidas privadas e públicas. Contabilidade, Gestão e Governança. Brasília, v. 17, n. 3, p. 109-126, set./dez. 2014.

                VERGARA, Sylvia Costant. Projetos e Relatórios de Pesquisa em Administração. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2013.

 

 


* Contador, possui doutorado em Controladoria e Contabilidade pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). É auditor federal de Finanças e Controle no Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria Geral da União (CGU).

** Contador, tem pós-doutorado em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (Eaesp-FGV), doutorado em Controladoria e Contabilidade pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) e é professor do Departamento de Ciências Contábeis da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).

*** Contador e doutor em Administração Pública e Governo pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo - Eaesp-FGV, é mestre em Contabilidade pela Universidade de Brasília - UnB; auditor de Controle Externos no Tribunal de Contas da União (TCU).

 

 


(Fonte: RBC nº 233)

 

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