AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI ORGÂNICA MUNICIPAL - ARTIGO DE LEI - EXECUTIVO MUNICIPAL - CELEBRAÇÃO DE CONVÊNIOS E CONSÓRCIOS - PRÉVIA APROVAÇÃO DA CÂMARA MUNICIPAL - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA HARMONIA E INDEPENDÊNCIA DOS PODERES - INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF34203 - BEAP

 

 

                É inconstitucional o artigo da Lei Orgânica Municipal que impõe ao Chefe do Executivo a aprovação legislativa para celebração de convênios e consórcios, violando o princípio da harmonia e independência dos poderes. Julgada procedente a ação.

 

                AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N° 1.0000.11.017549-4/000 - Comarca de ...

 

Requerente : Prefeito Municipal ...

Requerido : Presidente da Câmara Municipal de ...

 

A C Ó R D Ã O

 

                Vistos etc., acorda a ÓRGÃO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, sob a Presidência do Desembargador HERCULANO RODRIGUES, incorporando neste o relatório de fls., na conformidade da ata dos julgamentos e das notas taquigráficas, à unanimidade de votos, EM JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO.

                Belo Horizonte, 10 de julho de 2013.

 

Des. Kildare Carvalho

Relator

 

V O T O

 

                Trato de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito Municipal de ... em face do artigo 37, XIV, da Lei Orgânica do Município de ..., que exige autorização legislativa para a celebração de convênios e consórcios pelo Município.

                Sustenta o requerente a inconstitucionalidade do dispositivo mencionado que condiciona a celebração de convênios e consórcios à autorização legislativa, ofendendo o princípio da independência dos poderes, previsto nos artigos 6º, 172 e 173 da Constituição Mineira. Afirma o entrave à Administração em virtude da exigência das mencionadas autorizações, subordinadas às injunções políticas a ensejar a procedência do pedido inicial.

                A cautelar foi deferida na decisão de fls.66/67-TJ, tendo sido ratificada pela Corte Superior no acórdão de fls.73/78-TJ.

                Informações pela Câmara Municipal às fls.83/84-TJ.

                A quaestio iuris consiste na verificação de inconstitucionalidade do inciso XIV do art. 37 da Lei Orgânica do Município de ..., ao argumento de afronta à Constituição Estadual Mineira.

                Eis o teor do combatido dispositivo legal:

 

                "Art. 37. Compete à Câmara Municipal com a sanção do Prefeito, dispor sobre todas as matérias de competência do Município e, especialmente: (...)

                XIV - autorizar convênios com entidades públicas ou particulares e consórcios com outros Municípios;" (fls. 27-TJ).

 

                O requerente aponta ofensa à Constituição Estadual, que não contém a obrigatoriedade posta no dispositivo municipal.

                A redação dos artigos 165, § 1º, da Constituição de Minas Gerais, assim prevê:

 

                "Art. 165. (...)

                §1º. O Município, dotado de autonomia política, administrativa e financeira, organiza-se e rege-se por sua Lei Orgânica e demais leis que adotar, observados os princípios da Constituição da República e os desta Constituição."

 

                Destarte, ao Poder Executivo Municipal compete, precipuamente, o planejamento da administração, a regulamentação, o gerenciamento e a organização da execução de serviços públicos e a direção dos negócios locais; e à Câmara de Vereadores são reservadas competências para a edição das normas gerais e a fiscalização dos atos executivos, esta exercitada nos limites das previsões constitucionais.

                A respeito, ensina-nos José Afonso da Silva:

 

                "Independência dos Poderes: significa (a) que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros; (b) que, no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; (c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais." (Comentário Contextual à Constituição, 4ª Ed., Editora Malheiros, 2007, sem grifos no original).

 

                Da lição, pode-se concluir que não se admite que o Poder Legislativo imponha ou estabeleça condições para as funções exercidas pelo Poder Executivo, pois tal fato coloca em risco sua autonomia e independência.

                Não há dúvida de que a celebração de convênios e consórcios constitui função tipicamente administrativa, de exclusiva competência do Executivo e, quanto a isso cabe ao Legislativo tão somente fiscalizar-lhes a sua celebração e execução.

                Houve, neste caso, a ocorrência de vício insanável, uma vez que a ordem constitucional em vigor não admite que um Poder invada a esfera de competência do outro.

                É fora de dúvida que o legislador ao assim proceder, acabou por ofender a Carta Mineira, sujeitando o Poder Executivo a permanente interferência do Poder Legislativo, em clara ofensa ao princípio da independência e harmonia entre os poderes.

                Pelo que se infere da leitura do dispositivo constitucional transcrito, a norma impugnada e contida na Lei Orgânica do Município de ... encontra-se, de fato, em conflito com a Constituição Estadual, que não faz as exigências nela contida, logo, tornando-a inconstitucional.

                Neste sentido, já se manifestou esta Corte Superior:

 

                "Ação Direta de Inconstitucionalidade. Leis Municipais. Dispositivos impugnados. Celebração de convênios. Autorização legislativa prévia. São inconstitucionais dispositivos de Leis Municipais que vinculam a celebração de convênios à prévia autorização da Câmara Municipal. A dependência de autorização legislativa para a realização de convênios ofende o princípio da separação de poderes, por representar ingerência indevida em atividade típica do Poder Executivo. Julga-se procedente a representação e declaram-se inconstitucionais os incisos XVI, XVII e XXVI do art. 70 da Lei Orgânica do Município de Catas Altas e o § 2º do art. 25 da Lei Municipal nº 223, de 13 de junho de 2007." (TJMG, Ação Direta de Inconstitucionalidade nº4598418-64.2007.8.13.0000, Rel. Des. Almeida Melo, DJ 05.06.2009).

 

                Registre-se, por fim, que a indigitada norma posta na Lei Orgânica Municipal parece ter seguido disposições semelhantes sobre competência do Legislativo para aprovação de convênios constantes nos artigos 62, inciso XXV, e 181, incisos I e II, da Constituição Mineira, os quais, contudo, foram declarados inconstitucionais na ADI nº165 e na ADI nº770, julgadas no Supremo Tribunal Federal, cujos acórdãos foram publicados no Diário da União, respectivamente, em 26.09.97 e 20.09.2002.

                Com estas considerações, julgo procedente o pedido, para declarar a inconstitucionalidade do inciso XIV do art.37 da Lei Orgânica do Município de ....

                Façam-se as comunicações, remetendo cópia do acórdão ao órgão competente, nos termos do art. 285 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça.

                A SRª. DESª. MÁRCIA MILANEZ:

                Trata-se de Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito de ... em face do artigo 37, XIV, da Lei Orgânica do Município de ....

                O referido artigo exige autorização da Câmara Municipal para a celebração de convênios e consórcios pelo município, senão vejamos:

 

                "Art. 37. Compete à Câmara Municipal com a sanção do Prefeito, dispor sobre todas as matérias de competência do Município e, especialmente:

                (...)

                XIV - autorizar convênios com entidades públicas ou particulares e consórcios com outros municípios;" (fl. 27)

 

                O requerente alega a inconstitucionalidade do artigo supracitado, diante da ofensa ao Princípio da Independência dos Poderes, previsto nos artigos 6º, 172 e 173 da Constituição do Estado de Minas Gerais.

                Pela análise do art. 165, §1º, da Constituição Estadual, verifica-se que o Poder Executivo do Município é dotado de autonomia política, administrativa e financeira, não cabendo à Câmara Municipal o planejamento da administração das políticas e negócios públicos.

                Assim, qualquer imposição de condições para a atuação do Poder Executivo Municipal configura ofensa à independência dos Poderes. Sobre o tema, disserta Pedro Lenza:

 

                "Ressaltamos serem os "Poderes" (órgãos) independentes entre si, cada qual atuando dentro de sua parcela de competência constitucionalmente estabelecida e assegurada quando da manifestação do poder constituinte originário.

                Nesse sentido, as atribuições asseguradas não poderão ser delegadas de um Poder (órgão) a outro. Trata-se do princípio da indelegabilidade de atribuições." (Direito Constitucional Esquematizado, 12ª Ed., Editora Saraiva, 2007, sem grifos no original)

 

                O Poder Executivo está livre para celebrar convênios e consórcios sem a interferência do Poder Legislativo, uma vez que administração da coisa pública é função típica conferida ao Poder Executivo pelo Poder Constituinte Originário.

                Dessa forma, resta indubitável a violação da Lei Orgânica do Município de ... à Constituição do Estado de Minas Gerais, razão pela qual acompanho o voto do i. Relator para declarar a inconstitucionalidade do inciso XIV do art. 37 da Lei Orgânica do Município de ....

                O SR. DES. BRANDÃO TEIXEIRA - De acordo.

                O SR. DES. ANTÔNIO CARLOS CRUVINEL - De acordo.

                O SR. DES. SILAS VIEIRA - De acordo.

                O SR. DES. WANDER MAROTTA - De acordo.

                O SR. DES. GERALDO AUGUSTO - De acordo.

                O SR. DES. AUDEBERT DELAGE - De acordo.

                O SR. DES. MANUEL SARAMAGO - De acordo.

                O SR. DES. EDILSON FERNANDES - De acordo.

                O SR. DES. ELIAS CAMILO - De acordo.

                O SR. DES. AFRÂNIO VILELA - De acordo.

                O SR. DES. WAGNER WILSON - De acordo.

                O SR. DES. BITENCOURT MARCONDES - De acordo.

                O SR. DES. MARCOS LINCOLN - De acordo.

                O SR. DES. BARROS LEVENHAGEN - De acordo.

                O SR. DES. LEITE PRAÇA - De acordo.

                O SR. DES. CÁSSIO SALOMÉ - De acordo.

                O SR. DES. ALMEIDA MELO - De acordo.

                O SR. DES. JOSÉ ANTONINO BAÍA BORGES - De acordo.

                O SR. DES. PAULO CÉZAR DIAS - De acordo.

                O SR. DES. WANDERLEY PAIVA - De acordo.

                O SR. DES. VERSIANI PENNA - De acordo.

 

Súmula - PROCEDENTE.

 

 

BOCO9336---WIN/I

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