DIREITO IMOBILIÁRIO - APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE RESCISÃO DE CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL - ALEGAÇÃO DE ATRASO NA ENTREGA - PRETENSÃO DE RESTITUIÇÃO DE VALORES PAGOS - LEGITIMIDADE PASSIVA DA INCORPORADORA - DEVOLUÇÃO DE MONTANTE EXIGIDO A TÍTULO DE ENTRADA - AUSÊNCIA DE PROVA DE QUITAÇÃO - INDEFERIMENTO - RESTITUIÇÃO DA PARCELA REFERENTE À COMISSÃO DE CORRETAGEM - INFORMAÇÃO CLARA E ADEQUADA AO CONSUMIDOR - IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO - PRECEDENTES DO STJ - RECURSO NÃO PROVIDO - SENTENÇA MANTIDA - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF34324 - AD

 

                - Legitimidade passiva 'ad causam' da incorporadora, na condição de promitente-vendedora, para responder pela restituição ao consumidor dos valores pagos a título de comissão de corretagem e de taxa de assessoria técnico-imobiliária, nas demandas em que se alega prática abusiva na transferência desses encargos ao consumidor (STJ - REsp 1551951/SP, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, j. 24.08.2016, DJe 06.09.2016).

                - Não havendo prova de que o consumidor tenha realizado qualquer pagamento a título de entrada, não há que se falar em acolhimento do pedido de restituição.

                - Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem (STJ - REsp 1599511/SP, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, j. 24.08.2016, DJe 06.09.2016).

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0433.12.020184-6/001 - Comarca de Montes Claros

 

Apelante:

Douglas Freire Araújo

Apelada:

Terra Nova Rodobens Incorporadora Imobiliária Montes Claros II - SPE Ltda

 

A C Ó R D Ã O

 

                Vistos etc., acorda, em Turma, a 16ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em REJEITAR A PRELIMINAR E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

 

DES. JOSÉ MARCOS RODRIGUES VIEIRA

Relator

 

V O T O

 

                Trata-se de Apelação Cível interposta da sentença de fls. 112/113-v-TJ, que, nos autos da Ação de Rescisão Contratual ajuizada por Douglas Freire Araújo em desfavor de Terra Nova Rodobens Incorporadora Imobiliária Montes Claros II SPE Ltda., julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados na inicial apenas para declarar a rescisão de contrato celebrado entre as partes, sem, contudo, determinar a restituição de qualquer valor ao Autor.

                Inconformado, o Autor interpõe apelação às fls. 116/122-TJ, por meio da qual salienta que os valores pagos à Ré restaram devidamente demonstrados nos autos por cópias de boletos e recibos, de modo que, ante a frustração do negócio por culpa da Ré, faz jus ao ressarcimento da totalidade dos valores despendidos. No tocante à comissão de corretagem, igualmente sustenta que faz jus à devolução dobrada do que pagou à Ré, já que, diversamente do que restou consignado na sentença, não há cláusula contratual prevendo a transferência de tal obrigação ao consumidor. Nestes termos, pugna pelo provimento do recurso.

                Contrarrazões apresentadas pela Ré às fls. 124/141-TJ, em que suscita preliminar de ilegitimidade passiva no tocante ao pedido de devolução da comissão de corretagem e, no mérito, postula a manutenção da sentença nos termos em que proferida.

                É o Relatório. Passo a decidir.

                Conheço do recurso, presentes os pressupostos de admissibilidade.

 

                PRELIMINAR

                Ilegitimidade Passiva

                Em sede de contrarrazões, a Ré suscita preliminar de ilegitimidade passiva no tocante ao pedido de devolução do valor pago a título de comissão de corretagem, ao argumento de que, tendo sido paga tal importância ao corretor que intermediou a venda do imóvel negociado entre as partes, sua é a legitimidade para responder por eventual restituição do montante recebido.

                Sobre o tema, é cediço que a legitimidade dos envolvidos na lide se vincula à titularidade da relação material discutida, razão pela qual relata LIEBMAN (tradução de CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO):

                Legitimação para agir ('legitimatio ad causam') é a titularidade (ativa ou passiva) da ação. O problema da legitimação consiste em individualizar a pessoa a que pertence o interesse de agir (e, pois, a ação) e a pessoa com referência à qual ['nei cui confronti'] ele existe; em outras palavras, é um problema que decorre da distinção entre a existência objetiva do interesse de agir e a sua pertinência subjetiva.

                (...)

                Entre esses dois problemas, ou seja, o da existência do interesse de agir e o da sua pertinência subjetiva, o segundo é que deve ter precedência, porque só em presença dos dois interessados diretos é que o juiz pode examinar se o interesse exposto pelo autor efetivamente existe e se ele apresenta os requisitos necessários (Manual de Direito Processual Civil. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 208-9).

                Neste contexto, exemplifica FREDIE DIDIER JR.:

                Parte legítima é aquela que se encontra em posição processual (autor ou réu) coincidente com a situação legitimadora, "decorrente de certa previsão legal, relativamente àquela pessoa e perante o respectivo objeto litigioso". Para exemplificar: se alguém pretende obter uma indenização de outrem, é necessário que o autor seja aquele que está na posição jurídica de vantagem e o réu seja o responsável, ao menos em tese, pelo dever de indenizar (Curso de Direito Processual Civil, Vol. I, 11ª ed., Salvador: Juspodivm, 2009, p.186).

                Assim a legitimidade da parte decorre da titularidade dos interesses em conflito e deve ser analisada de forma abstrata, desvinculada de apreciação probatória e da discussão acerca do mérito.

                No caso dos autos, sem embargo dos argumentos expendidos, tenho que a legitimidade da incorporadora Apelada é cristalina, pois, figurando como promitente-vendedora do imóvel e recaindo a discussão sobre eventual abusividade da transferência do encargo ao consumidor, é de se aplicar entendimento consolidado pelo STJ no REsp 1551951/SP, processado sob a sistemática dos recursos repetitivos:

                RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. PROCESSUAL CIVIL. INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. VENDA DE UNIDADES AUTÔNOMAS EM ESTANDE DE VENDAS. CORRETAGEM. CLÁUSULA DE TRANSFERÊNCIA DA OBRIGAÇÃO AO CONSUMIDOR. ALEGAÇÃO DE ABUSIVIDADE.

                TEORIA DA ASSERÇÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA DA INCORPORADORA. VALIDADE DA CLÁUSULA. SERVIÇO DE ASSESSORIA TÉCNICO-IMOBILIÁRIA (SATI). COBRANÇA. DESCABIMENTO. ABUSIVIDADE.

                1. TESE PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015: 1.1. Legitimidade passiva 'ad causam' da incorporadora, na condição de promitente-vendedora, para responder pela restituição ao consumidor dos valores pagos a título de comissão de corretagem e de taxa de assessoria técnico-imobiliária, nas demandas em que se alega prática abusiva na transferência desses encargos ao consumidor.

                (...)

                (STJ - REsp 1551951/SP, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, j. 24.08.2016, DJe 06.09.2016).

                Com tais considerações, REJEITO A PRELIMINAR.

                DES. PEDRO ALEIXO - De acordo com o(a) Relator(a).

                DES. RAMOM TÁCIO - De acordo com o(a) Relator(a).

                DES. JOSÉ MARCOS RODRIGUES VIEIRA (RELATOR)

 

                MÉRITO

                O Autor ajuizou a presente ação alegando ter celebrado contrato de promessa de compra e venda de imóvel com a Ré, mas que, em razão do atraso na entrega da unidade, postulou a rescisão da avença com a restituição de todos os valores pagos, inclusive comissão de corretagem.

                Após os trâmites legais e não havendo controvérsia quanto ao pleito de rescisão contratual, os pedidos foram julgados parcialmente procedentes na origem, o que ensejou a interposição do presente recurso de apelação pelo Autor, nos termos já relatados.

                Nesta conjuntura, decretada a rescisão do pacto sem declaração de culpa, e tratando-se de decisão irrecorrida no particular, cinge-se a matéria objeto de insurgência à verificação da pertinência do pedido de restituição dos valores que o consumidor Apelante alega ter pago à Ré, valores estes que seriam referentes aos montantes exigidos a título de entrada, bem como a título de comissão de corretagem.

                Primeiramente, no tocante à importância que teria sido paga a título de entrada, sustenta o Recorrente que os valores quitados restaram devidamente demonstrados nos autos por cópias de boletos e recibos, de modo que, ante a frustração do negócio por culpa da Ré, faz jus ao ressarcimento da totalidade da importância.

                Contudo, não obstante a alegação, compulsados os autos, não se verifica a juntada de qualquer boleto ou recibo de quitação.

                Assim, havendo expressa negativa da Ré quanto ao adimplemento de tal importância, cabia ao Autor o ônus de demonstrar a quitação, do qual, à evidência, não se desincumbiu.

                Reitere-se que, ao contrário do afirmado nas razões recursais, não fora trazido ao feito qualquer recibo de pagamento, de modo que se tem por descumprida a disposição do art. 320 do Código Civil, in verbis:

 

                Art. 320. A quitação, que sempre poderá ser dada por instrumento particular, designará o valor e a espécie da dívida quitada, o nome do devedor, ou quem por este pagou, o tempo e o lugar do pagamento, com a assinatura do credor, ou do seu representante.

 

                Deste modo, não demonstrado o pagamento de qualquer valor a título de entrada, não há que se falar em acolhimento do pedido de restituição.

                Por outro norte, em relação ao pedido de devolução do valor pago a título de comissão de corretagem, ressalto que, diante do posicionamento do STJ, firmado em recurso representativo de controvérsia, passei a considerar legítima a cobrança, desde que embasada em cláusula contratual específica e destacada.

                Neste sentido:

 

                RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR.

                INCORPORAÇÃO IMOBILIÁRIA. VENDA DE UNIDADES AUTÔNOMAS EM ESTANDE DE VENDAS. CORRETAGEM. CLÁUSULA DE TRANSFERÊNCIA DA OBRIGAÇÃO AO CONSUMIDOR. VALIDADE. PREÇO TOTAL. DEVER DE INFORMAÇÃO. SERVIÇO DE ASSESSORIA TÉCNICO-IMOBILIÁRIA (SATI). ABUSIVIDADE DA COBRANÇA.

                I - TESE PARA OS FINS DO ART. 1.040 DO CPC/2015: 1.1. Validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem.

                1.2. Abusividade da cobrança pelo promitente-vendedor do serviço de assessoria técnico-imobiliária (SATI), ou atividade congênere, vinculado à celebração de promessa de compra e venda de imóvel.

                II - CASO CONCRETO: 2.1. Improcedência do pedido de restituição da comissão de corretagem, tendo em vista a validade da cláusula prevista no contrato acerca da transferência desse encargo ao consumidor.

                Aplicação da tese 1.1.

                2.2. Abusividade da cobrança por serviço de assessoria imobiliária,

mantendo-se a procedência do pedido de restituição.

                Aplicação da tese 1.2.

                III - RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO.

                (STJ - REsp 1599511/SP, Rel. Min. PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, j. 24.08.2016, DJe 06.09.2016).

                Na hipótese em apreço, verifico que a cláusula 15.1 do contrato (f. 29-TJ) é expressa ao imputar ao comprador a obrigação de pagar a aludida comissão de corretagem.

                Não bastasse, o documento de f. 32-TJ, colacionado pelo próprio Requerente, demonstra que o comprador, de forma destacada, efetuou o pagamento da aludida comissão de corretagem diretamente em favor do corretor, de modo que, em tal conjuntura, não paira qualquer dúvida de que o consumidor foi plenamente cientificado quanto à natureza, à origem, ao destinatário e ao montante do pagamento que estava realizando.

                Em assim sendo, não havendo declaração de culpa da Ré pela rescisão da avença, tem-se por igualmente improcedente o pedido de restituição do valor pago a título de comissão de corretagem.

                Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO para manter incólume a sentença recorrida.

                Em relação às custas e aos honorários, mantenho o que restou estabelecido na decisão apelada, sendo certo que, nos termos do art. 85, §11, do CPC de 2015, fixo honorários recursais em proveito dos procuradores da Apelada no importe de R$ 1.000,00, suspensa a exigibilidade das verbas nos termos do art. 98, §3º, do CPC de 2015.

                DES. PEDRO ALEIXO - De acordo com o(a) Relator(a).

                DES. RAMOM TÁCIO - De acordo com o(a) Relator(a).

 

Súmula - "REJEITARAM A PRELIMINAR E NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO."

 

 

BOAD9951---WIN/INTER

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