CAPACITAÇÃO DE GESTORES PÚBLICOS - UMA IDÉIA SUGESTIVA - MEF34341 - BEAP

 

 

PROF. MANOEL PAULO DE OLIVEIRA*

 

 

                PRELIMINARES

                A partir de observações empíricas constatadas e localizadas em certas regiões do Estado de Minas Gerais (e de outros Estados também), verifica-se que o conjunto de normas vigentes - constitucionais e infraconstitucionais - não vem alcançando a eficiência e a eficácia propugnadas pelo legislador pátrio (federal, estadual ou municipal). Seria falta ou insuficiência de fiscalização cogente? Por outro lado, respeitando-se, evidentemente, as exceções, não seria um certo nível de incapacidade dos gestores locais, no trato das coisas públicas?

                Em parte, no nosso modo de sentir os problemas encontráveis na gestão das cidades, particularmente no caso do Estado de Minas Gerais (mas que não é privilégio só seu), mesmo levando-se em conta os seus 853 municípios, há, com as exceções de praxe, realmente uma certa deficiência da base de assessoramento e consultoria técnico-administrativos, bem como na  atuação fiscalizadora da boa e regular aplicação dos dinheiros públicos, mormente em decorrência da Carta Republicana de 1988, com as suas inovações legislativas de aplicação, v. g.: Lei nº 8.429/92 - Atos de Improbidade na Administração -; Lei nº 8.666/93 - Lei das Licitações -; Lei Complementar nº 101/00 - Lei de Responsabilidade Fiscal -; Lei nº 10.028/00 - Crimes contra as Finanças Públicas -; e Lei nº 10.257/01 - Estatuto da Cidade. A par de outras tantas normas já existentes e recepcionadas pela Lei Maior.     

                Convém que se ressalte, por oportuno, a obrigatoriedade a que se submete a Administração Pública, quanto à transparência, ao controle e à fiscalização da gestão fiscal, em decorrência do pensamento humanista presente nos seus pressupostos essenciais ao diálogo, à abertura e à própria transparência. Sua submissão está presente no art. 48 (e até ao 59) que transcrevemos, in verbis:

 

                “Art. 48. São instrumentos de transparências da gestão fiscal, aos quais será dada ampla divulgação, inclusive em meios eletrônicos de acesso público: os planos, orçamentos e leis de diretrizes orçamentárias; as prestações de contas e o respectivo parecer prévio; o Relatório Resumido da Execução Orçamentária e o Relatório de Gestão Fiscal; e as versões simplificadas desses documentos.

                Parágrafo único. A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamento.”

 

                1. AS INOVAÇÕES DA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL SEM CAPACITAÇÃO DE MÃO DE OBRA

                Com a vigência da LRF, os prefeitos e vereadores eleitos (muitos reeleitos, já conhecendo, portanto, os procedimentos e processos existentes), havendo, portanto, quatro longos anos para que adaptações e implantações de medidas administrativas e operacionais fossem implementadas. A começar pela ação de planejamento, que é subsidiária e fator importante para implementação e execução das demais ações da administração municipal, inclusive para a elaboração, execução e controle orçamentário. As normas e rotinas administrativas então vigentes, por exigência da LRF, tornaram-se carentes de atualizações e readequações.

                Por conseguinte, para alcançar os resultados exigidos nesta ordem legal e administrativa, os entes municipais, executivo e legislativo, já deveriam contar com servidores, reciclados e com o espírito e o interesse compenetrados para o cumprimento dos novos misteres, até porque, é a própria LRF que preconiza a possibilidade de a União prestar assistência técnica e cooperação, in verbis:

 

                “Art. 64. A União prestará assistência técnica e cooperação financeira aos Municípios para a modernização das respectivas administrações tributária, financeira, patrimonial e previdenciária, com vistas ao cumprimento das normas desta Lei Complementar.

                § 1º A assistência técnica consistirá no treinamento e desenvolvimento de recursos humanos e na transferência de tecnologia, bem como no apoio à divulgação dos instrumentos de que trata o art. 48 em meio eletrônico de amplo acesso público.

                § 2º A cooperação financeira compreenderá a doação de bens e valores, o financiamento por intermédio das instituições financeiras federais e o repasse de recursos oriundos de operações externas.”

 

                Como se vê, os parágrafos especificam de modo estrito as maneiras a serem consideradas pela concessão federal como: a) a assistência técnica compreende o treinamento de recursos humanos, a transferência de tecnologia e apoiamento para a divulgação eletrônica dos planos, orçamentos, balancetes e balanços, prestações de contas e relatórios requeridos pela presente Lei; b) e a cooperação financeira entender-se-á como o aceno legal pela doação de bens e valores, financiamento através de instituições federais, bem como por repasse de recursos oriundos de operações externas.

                Mesmo dispondo de tais facilidades, pelo que se sabe, apenas um número bastante reduzido de municípios habilitou-se para instrumentalizar-se e assim poder cumprir os rigores das normas trazidas pela LRF.

                Segundo levantamento da Secretaria do Tesouro Nacional, mais da metade das prefeituras tinha mais Restos a Pagar do que disponibilidade financeira. A grande maioria não conseguiu tais compromissos. Tudo isso, porque, não conseguiram organizar-se dada a carência de mão de obra especializada e com conhecimento das reais exigências aplicativas da LRF. Muito menos, souberam valer-se das facilidades ofertadas pelo Governo Federal, instrumentalizando-se com equipamentos e recursos informacionais adequados e compatíveis com as peculiaridades de cada caso.   

 

                2. A EVOLUTIVA CONVIVÊNCIA HUMANA

                Toda dinâmica da vida humana está centrada na busca de sua convivência em sociedade. Sua relação deve ser transparente, seja entre territórios, política, economia e cultura, pelo surgimento da ideia de comunidade, formando um conjunto indissociável. Com este conjunto, eis que surge o que se passou denominar de técnicas. Mas as técnicas sempre existiram, porque toda relação do homem com a natureza é sua produtora que, com o passar dos tempos, foram se enriquecendo, diversificando e avolumando. Com tal complexidade, a criatividade do homem faz-se presente com a divisão do trabalho. Esta divisão do trabalho, em sua evolução, coloca-nos diante de moderníssimas técnicas: a informática, revolucionando, não apenas os trabalhos burocráticos e repetitivos, outros mais delicados e de difícil elaboração.

 

                3. À GUISA DE DIMENSIONAMENTO DO PROBLEMA

                Mesmo procurando minimizar a extensão da carência de mão de obra relativamente capacitada para preencher as lacunas existentes, é de todo conveniente que se considere a dimensão territorial do Brasil, que conta com quase 5.600 municípios, dentre os quais alguns são grandes, médios e muitos de pequenos portes – estes, por força de dispositivos constitucionais, receberam novos encargos sociais sem as correspondentes contrapartidas financeiras e infra estruturais - aliada ao modesto ou simplório conhecimento que seus gestores têm sobre o Patrimônio Público. Conte-se, ainda, a relativa facilidade com que são institucionalizadas as criações de novos municípios, como se quisessem assim distribuir a miséria. Fatos estes presentes diariamente na mídia local e nacional, os quais, conjugados à uma certa morosidade no julgamento dos atos e fatos jurídicos e administrativos, de parte das autoridades competentes - a União, Estados e Municípios detêm a quase totalidade dos processos em tramitação junto ao Poder Judiciário, muitos dos quais pendentes por mero expediente protelatório - imputando ao recalcitrante a reparadora sanção. Mudando-se tais situações, ao cidadão simples mortal ficaria a sensação da não-impunidade, do não-prejuízo, do não-descrédito para com as instituições e entidades estatais.

                Mas, na verdade, o que se passa é, no mais das vezes, o problema da (in)capacitação dos gestores públicos, diante da séria responsabilidade em gerir a coisa pública, cujos malefícios e espoliação aos cidadãos e contribuintes já conhecidos pretende-se justificar nesta resenha. Saliente-se, ademais, que as cidades têm funções sociais que se identificam com aquelas outras essenciais de habitação, trabalho, gôzo de boa saúde, educação, circulação e lazer, e são informados pelo princípio da centralidade, posto que são também os centros: de consumo, de produção, de serviços, cultural, econômico e financeiro.

 

                4. GESTORES PÚBLICOS - CONCEITUAÇÃO E PREDICAMENTO

                É oportuno, agora, que se diga qual é a conceituação do que vem a ser Gestor Público. São gestores públicos, os agentes políticos ou agentes públicos, tais como, respectivamente: o presidente da República, seus ministros, os governadores e seus secretários, o prefeito com seus auxiliares imediatos, os senadores, deputados federais e estaduais, os vereadores, os membros do Poder Judiciário, dentre outras autoridades. Significando, por outro lado, como na opinião abalizada de Hely Lopes Meirelles, de que os agentes públicos “São todas as pessoas físicas incumbidas, definitiva ou transitoriamente, do exercício de alguma função estatal.”

                No momento presente, e desde as campanhas políticas das últimas eleições, fala-se de um conjunto de reformas (previdenciária, tributária, trabalhista, política etc.). Em nossa opinião, esta última (não necessariamente a menos importante), no que tange às regras aplicáveis aos Partidos Políticos, poderia ser-lhes inserida uma que exigisse do postulante a candidato a qualquer cargo eletivo o Curso Básico de Administração para Gestores Públicos, em nível escolar de segundo grau. Até porque, a escolha eletiva não deixa de ser também uma modalidade de concurso público para cujo ingresso é exigido modular nível de escolaridade.

                Aliás, no tocante aos Partidos Políticos, é a própria Constituição Federal, art. 37, que manda resguardar os direitos fundamentais da pessoa humana, regulamentado pela Lei nº 9.096/95.

 

                5. GESTORES PÚBLICOS E OS MUNICÍPIOS

                E é ainda a nossa Carta Magna, em seus Princípios Fundamentais, que identifica os entes integrantes da Federação, dentre os quais localiza-se o Município, sua celula mater, no qual cada um de nós o habita e exercemos de modo direto e concreto a cidadania, trabalhando, fazendo o nosso lazer, estudando etc. É nele, pois, que buscamos o usufruto da qualidade de vida que nos é proporcionada pelos Poderes Públicos, cujo nível de satisfação depende diretamente do exercício de nossa cidadania e do conhecimento que temos dos serviços da Administração Municipal, tais como saúde pública, urbanismo, habitação, educação, segurança pública, transportes, lazer turismo, dentre outros.

                Eis porque entendemos de plena validade a presente propositura, a exigência de que ao postulante a candidato a qualquer cargo eletivo possua, independentemente de outros cursos que possa ostentar, o de CURSO BÁSICO DE ADMINISTRAÇÃO PARA GESTORES PÚBLICOS. Porque, ainda, ganhar-se-ia, além do cumprimento aos princípios básicos da administração pública, de que trata o art. 37 da Constituição Federal, substancial economia que poderia ser redirecionada para outros projetos de cunho social.

 

                6. O DESPERTAR PARA A CIDADANIA

                As ideias e os conceitos mantêm uma dinâmica de relacionamento com o seu mundo, sofrendo deste variadas influências, até que veiculadas por uma linguagem, chegam a grandes transformações multiplicadoras do sentido: àquilo que é conhecido como polissemia. Por isso, menciono o que acontece o termo ELITE, cujo discurso político de certas áreas aponta-o como sendo a designação de setores econômicos e socialmente privilegiados, por manterem com os não-privilegiados um relacionamento de distância e discriminação. É por isso que encontramos, via de regra, esta deturpação do conceito de elite, que se vê hoje transformado em quase que uma maldição.

                Acontece que este conceito de elite tem raízes muitíssimo mais antigas na sua pureza inicial. Raízes que mergulham em valores Éticos e Antropológicos, diversas, portanto, das análises políticas e disputas de classe tão frequentes nos dias que correm, pelo que nos permitimos fazer a seguinte citação: em 430 a. C., portanto, no século mais rico da civilização grega, Péricles escreveu: “Sentimos dentro de nós uma preocupação constante não só pela nossa casa, como também pela nossa cidade. Embora estejamos voltados para ocupações diferentes, todos nós temos uma opinião própria acerca dos problemas da cidade. Todo aquele que não participa dos problemas da cidade é considerado, entre nós, um mau cidadão, não apenas um cidadão silencioso. Somos nós que decidimos os assuntos da cidade ou, pelo menos, refletimos sobre eles profundamente.”

                Como se observa, neste trecho, Péricles está traçando o perfil do verdadeiro cidadão, do homem de elite em sentido ético; aquele que não é egoísta a ponto de não se preocupar com os problemas de todos, chegando a distanciar-se de modo nobre das vicissitudes e alegrias da pólis. Contrastando com o pensamento do estadista grego, as atuais conceituações de elite querem, quase sempre, significar um reduto de figuras alienadas, deslumbradas com o seu mundo pernóstico de vantagens e de afetação demasiado fácil, cultivando uma auto-imagem como se o mundo gravitasse em volta de seu tedioso umbigo.

                Péricles está dizendo, cinco séculos antes de Cristo, que essa gente de elite tem a obrigação de participar dos assuntos de sua cidade, no caso, buscando servi-la para depois se servir como um verdadeiro cidadão.

 

                7. FORMAÇÃO DE QUADROS

                Buscando alcançar com esta despretensiosa ideia os colimados objetivos, despertando assim a possibilidade de formar quadros de Gestores Públicos, esta passa, salvo melhor juízo, pela revisão legislativa (que trata da lei de constituição dos Partidos Políticos e postulação a cargos eletivos). Estes quadros, constituídos de cidadãos impregnados dos propósitos de bem servir à sua cidade, possuidores de qualificações mínimas para o mister, estariam, por conseguinte em condições de assumir as rédeas gestoras de sua cidade. Ou, até mesmo, de contribuir com assessoramento a seus concidadãos, despertando-lhes a consciência de cidadania. E assim, eis porque se entenderia, até a existência de uma espécie de salutar democracia municipal, não apenas pelo seu valor formal, mas isso sim um processo contínuo e interminável, atualizada e revisada para garantir verdadeira igualdade e participação na vida comunitária acessível a todos.

                Coincidentemente, se vive nos dias atuais, oportuno revigoramento da autonomia dos Municípios, não só pela Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade), mas, sobretudo, pela legislação já vigente, v. g., Lei nº 9.785/99. Esta lei altera o Decreto-lei nº 3.365/41 (desapropriação por utilidade pública) e as Leis nºs. 6.015/73 (registros públicos) e 6.766/79 (parcelamento do solo urbano).

                Em decorrência, então, de tais objetivos, aos gestores públicos municipais estariam dirigidas atribuições desafiadoras na busca de adaptar e modernizar seus métodos de gestão, para o enfrentamento dos incômodos do mundo moderno que se transforma diariamente. Até porque, os Municípios possuem a legitimidade e o dever de promover, nos limites de suas competências, a integração do bem-estar econômico, social e ambiental, trabalhando em parceria com os segmentos da sociedade, no exercício das atribuições operacionais indelegáveis de que devem gozar os gestores públicos, amparados por competentes e experientes quadros de assessores e consultores.

 

                8. ENVOLVIMENTO INSTITUCIONAL

                Através de agremiações políticas institucionalizadas, nos seus núcleos locais ou regionais, estudar-se-ia a possibilidade para a promoção de cursos de capacitação de gestores de cidades dirigidos àqueles pretendentes a candidatarem-se a cargos eletivos, fazendo com que, teoricamente, tomem conhecimento, no que for pertinente, sobre: a) Constituição Federal; b) Constituição Estadual; c) Lei Orgânica do Município; d) Regimento Interno de sua Câmara Municipal; e) As leis extravagantes ou infraconstitucionais aplicáveis ao Ente Municipal; f) O processo legislativo municipal; g) O planejamento como premissa do processo orçamentário e o orçamento participativo; h) As audiências públicas; i) Os Tribunais de Contas (da União, do Estado, do Município ou Conselho de Contas); j) A gestão municipal da cidade e do município; k) Os crimes praticados pelos gestores públicos e suas cominações.

 

                9. CONCLUSÃO E O INDICATIVO DE OPERACIONALIZAÇÃO

                Mediante parceria com os órgãos microrregionais municipais, de prefeitos e vereadores, os Partidos Políticos com sedes locais e de cidades-pólo, bem como com a Assembleia Legislativa, o Tribunal de Contas do Estado e outros tantos órgãos e agências políticas de fomento, far-se-ia o levantamento das carências, atuais e potenciais, do ente pesquisado, com posterior análise dos dados, informações e seu nível qualitativo. Levantar-se-ia, também, a tendência vocacional de ocupação do município e sua região - se tendente ao turismo, à industrialização com características não poluentes, ao comércio ou a agronegócios -, identificando os fatores que possam contribuir para a manutenção e conservação dos recursos ambientais, bem como suas vias de acesso ou de escoamento da produção. Ainda, através das normas estabelecidas pela Lei nº 10.257/01 (Estatuto da Cidade), conjugadas com a vigência do novo Código Civil (Lei nº 10.406/02), levantar-se-ão atualizados instrumentos aplicáveis às Políticas Públicas - Urbana e Rural. Todo este complexo normativo-institucional seria usado como metodologia para propiciar aos gestores públicos municipais a efetiva ativação de sua autonomia, em plena conformidade integrativa. Buscando, assim, e como previsto no Estatuto da Cidade, práticas participativas entre a sociedade e os gestores locais.

                De posse de todo esse material, suas análises, inferências e diagnósticos, montar-se-ia o CURSO BÁSICO DE GESTORES PÚBLICOS. As análises iriam buscar um certo rigor no padrão do curso, aqui sugerido, refletindo no geral os problemas/temas mais recorrentes e salientes nos resultados examinados.

                É relevante que se diga, por fim, das enormes limitações que estudos desse porte apresentam, notadamente quanto à fidedignidade dos dados a serem levantados, que podem mostrar-se viciados, por dolo ou ignorância das fontes, as distâncias espaciais das cidades, resistências à formação de parcerias por julgar tratar-se de certos modismos de ranço academicista ou outra adjetivação menos nobre.

 

 

*Advogado, Economista, Contador, Professor Universitário, Pós-graduado em Políticas Econômicas, Metodologia do Ensino Superior, Sistemas e Métodos, Custos Industriais, Planejamento de Transportes, Orçamento e Contabilidade Pública.

 

 

 

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