LAUDO TÉCNICO DE
CONSULTORIA - LICITAÇÃO - AVALIAÇÃO DE ÍNDICES ECONÔMICOS E FINANCEIROS -
NECESSIDADE DE JUSTIFICATIVA - LEGALIDADE - MEF34365 - BEAP
CONSULENTE : |
Prefeitura Municipal |
CONSULTORA : |
Regiane Márcia dos Reis |
1. INTRODUÇÃO
A Prefeitura Municipal, usando
de seu direito a esta Consultoria, com base no vigente contrato de assessoria,
solicita nosso parecer técnico em virtude de impugnação da empresa X Ltda., em
face de algumas disposições contidas no edital do Pregão Presencial nº
000x/20xx, para contratação de empresa especializada para aquisição de material
médico hospitalar e de gases industriais (oxigênio medicinal).
A impugnante questiona, entre
outros pontos já esclarecidos pela Secretaria de Saúde e Assessoria Jurídica, a
exigência constante da subcláusula 9.5.2 do edital, que trata da qualificação
econômico-financeira das empresas interessadas em participar do certame, mais
precisamente a subcláusula 9.5.2.10 que prevê a comprovação de índices de
liquidez.
No Parecer Jurídico exarado, a
Assessoria recomendou, em consonância com a Súmula nº 289 do TCU, que tal
exigência constante em edital seja justificada pela Secretaria competente ou
pelo Departamento de Contabilidade de modo que se demonstre adequação ao que
está sendo exigido e o que se pretende licitar.
Recomendou, ainda, que se
verifique a observância de parâmetros atualizados de mercado e a não utilização
de rentabilidade ou lucratividade nas fórmulas referentes aos índices exigidos.
Por meio de um Parecer Contábil,
o Departamento de Contabilidade manifestou, no sentido de que os índices
previstos são razoáveis e pertinentes e que ainda não incorreu em ilegalidade
ao não fazer constar a possibilidade de substituir eventuais índices, que se
mostrem aquém do exigido por alguma das condições constantes do § 21 do art. 31
da Lei nº 8.666/93.
Por todo exposto, solicito um
Parecer Técnico fundamentado sobre a exigência dos índices de liquidez geral e
corrente igual ou superior a um, bem como do índice de endividamento igual ou
inferior a um. É legal tal exigência? Há uma justificativa fundamentada? É
prudente manter dessa forma ou retirar/modificar para não restringir a
participação de empresas no certame.
Atualmente, nos editais de
licitação da Prefeitura sempre é exigido o Balanço Patrimonial e índices
contábeis. Tal exigência é facultativa?
2.
CONSIDERAÇÕES LEGAIS E TÉCNICAS
Os índices econômicos indicados
na Lei 8.666/93, notadamente no artigo 31, §§ 1º e 5º, destinam-se,
exclusivamente, à seleção dos licitantes com capacidade econômico-financeira
suficiente a assegurar a execução integral do contrato. O objetivo, portanto, é
prevenir a Administração Pública para que empresas aventureiras e sem quaisquer
responsabilidades ou respaldo financeiro, pudessem vir a participar e vencer o
certame e, durante a execução da obrigação contratada, não apresentassem
capacidade para concluir o objeto da obrigação.
A Lei 8.666/93 determina:
(...)
§ 1º A exigência de índices
limitar-se-á à demonstração da capacidade financeira do licitante com vistas
aos compromissos que terá que assumir caso lhe seja adjudicado o contrato,
vedada a exigência de valores mínimos de faturamento anterior, índices de rentabilidade
ou lucratividade. (...)
§ 5º A comprovação de boa situação financeira da
empresa será feita de forma objetiva, através do cálculo de índices contábeis previstos no
edital e devidamente justificados no
processo administrativo da licitação que tenha dado início ao certame
licitatório, vedada a exigência de índices e valores não usualmente adotados
para correta avaliação de situação financeira suficiente ao cumprimento das
obrigações decorrentes da licitação”. (g.n.)
Desta forma temos que, o
critério de julgamento dos índices sempre deverá estar expresso no edital de
forma clara e objetiva, não restando dúvidas ou omissões. Qualquer critério
subjetivo de julgamento será de pronto afastado e declarado inválido. Também, é
vedada a exigência de faturamento mínimo anterior, índices de rentabilidade ou
lucratividade (§ 1º do artigo 31)
Os cálculos deverão estar claros
no instrumento convocatório indicando as fórmulas e definições. A
Administração, para legitimar a exigência de índices, deverá justificar nos
autos do processo que instrui o procedimento licitatório, a razão e fundamento
para utilização dos índices, usando apenas aqueles compatíveis com o segmento
dos licitantes.
Os índices são aqueles que
reproduzem a saúde financeira de um segmento do mercado, ou seja, se a
licitação refere-se a material médico hospitalar, a Administração deverá
utilizar os índices que demonstram a boa situação das empresas correlatas. Não
poderá usar os índices compatíveis, por exemplo, com o setor de engenharia.
Outrossim, é
vedado ao gestor público estabelecer índices acima do mínimo necessário (ou
seja, excessivos). Ocorre, que geralmente, os índices que refletem a boa
situação financeira de empresas de diversos segmentos de mercado encontram-se
nas revistas ou informativos especializados em matérias econômicas: Revista
Conjuntura Econômica, Exame, Valor Econômico etc. contudo, tais índices não são
de fácil identificação pelos leigos de cada segmento, pelo que se percebe ser
esta a dificuldade apresentada pelo setor de licitação ao determinar o índice
aplicável a cada seguimento, o que pode ser obtido, também, através de pesquisa
junto a fornecedores do mercado, apurando-se uma média apresentada por estes,
conforme exposto em decisão do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais em
resposta a RECURSO ORDINÁRIO Nº 808.260, sobre o tema:
“No
presente caso, os índices exigidos no item 4.2.5.2 do Edital, para comprovação
da boa situação financeira da empresa, nos valores numéricos maiores ou iguais
a 2,0 para Liquidez Geral e Corrente e menor ou igual a 0,30 para Grau de
Endividamento, se mostram impertinentes para o específico objeto do contrato,
pois estão em desconformidade com os valores normalmente adotados no setor de
serviços públicos.
Após
analisar a documentação que instrui os presentes autos, observei que o parecer
técnico a que se reporta o recorrente não apresenta os parâmetros utilizados
para se chegar aos índices sugeridos, nem comprova que os índices são
usualmente adotados para serviços de igual complexidade. Não consta a realização de pesquisa em empresas do ramo,
de modo a resguardar o princípio da competitividade. Da mesma forma, não há
indicação de que os índices econômico-financeiros mínimos ou máximos foram
fixados em nível apenas o bastante para atestar que os licitantes possuem
condições suficientes para solver suas obrigações.”
Desse
modo, entendo que a fixação dos valores dos índices adotados no Edital, maiores
ou iguais a 2,0 para Liquidez Geral e Corrente e menor ou igual a 0,30 para
Grau de Endividamento Geral, foi feita com inobservância ao princípio da
motivação dos atos administrativos, havendo, assim, violação ao art. 31, § 5º,
da Lei nº 8.666/93. Cumpre observar
que há decisões jurisprudenciais admitindo como correta a adoção, por parte da
Administração Pública, de índices de liquidez corrente e liquidez geral entre
1,0 e 1,5 e de índice de endividamento de 0,75 para avaliação da real situação
financeira das empresas.
Como
já foi decidido pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo: O ponto fulcral
de discussão nos autos recai sobre a infringência do
art. 31, § 5º, da Lei nº 8.666/93, uma vez que o edital exigiu índices para
comprovação da qualificação econômico-financeira da empresa — de liquidez igual
ou superior a 2,50 e de endividamento superior a 0,75%, configurando-se
abusivos e coibidores da livre participação no pleito. [...]
A
jurisprudência desta Corte sobre o tema é pacífica e condena quocientes de 1,5
para cima, a exemplo do decidido nos autos dos TCs
514/003/96, 517/003/96, 37211/026/96, 13571/026/98, 21649/026/98, 13677/026/98,
entre outros. (TC 031546/026/99, julg. 13.08.2002,
publicada no DOE em 27.08.2002 — Relator: Cons. Edgard Camargo Rodrigues).
O
Tribunal de Contas da União também se manifestou nesse sentido: É vedada a
exigência de índices contábeis não usualmente adotados para a correta avaliação
de situação financeira suficiente ao cumprimento das obrigações decorrentes da
licitação. A adoção desses índices deve estar devidamente justificada no processo
administrativo. (TCU. Acórdão n. 170/207, Plenário, Rel. Min. Valmir Campelo).
[...] 9.2. [...] ouvir em audiência o (omissis)
Prefeito Municipal de Itabuna, na condição de autoridade gestora, homologadora, adjudicadora e
contratadora para que [...] encaminhe a este Tribunal, razões de justificativa
a respeito dos seguintes fatos: [...] 9.2.3. ter autorizado, homologado e
adjudicado o processo licitatório da Concorrência [...] com base em edital
contendo exigência de apresentação de índices contábeis de qualificação
econômico-financeira restritivos (IG > = 2,8; IC > = 2,8; IE < =
0,34); bem como em decorrência da concomitância da exigência de apresentação de
prova de capital registrado integralizado igual ou superior a R$1.012.850,00
com a prestação de garantia no valor de R$101.285,00, em desconformidade com as
disposições do art. 31 da Lei n. 8.666/93, caracterizando restrição ao caráter
competitivo do certame [...] (grifo nosso) (TCU. Acórdão n. 0411-07/08-P.
Sessão: 12.03.2008. Rel. Min.
Temos assim, que
os índices comumente adotados em editais de licitação são: Índice de Liquidez
Geral (ILG), Índice de Liquidez Corrente (ILC) e Índice de Endividamento Total
(IET) (substituído também pelo ISG - Índice de Solvência Geral), estando,
portanto, os indicados no edital em análise dentro da normalidade e
habitualidade.
Para os três índices colacionados (ILG, ILC, SG), o
resultado ">1" é recomendável e habitual à comprovação da boa
situação financeira (o que demonstraria um equilíbrio nas contas da companhia
de qualquer setor), sendo certo que, quanto maior o resultado, melhor, em tese,
seria a condição da empresa, e conforme indicado em decisão do TCE/MG para o
índice de endividamento seria aceito equivalente a 0,75, e não 1 como consta do
edital em análise.
Contudo, há que se reconhecer que existem exceções,
pois o conceito: “boa situação financeira”, deve enquadrar-se no contexto da
circunstância fático-jurídica que afira a “qualificação econômico-financeira”
para assegurar a execução de um contrato administrativo.
A “qualificação
econômico-financeira”, conforme estabelecido no artigo 31 da Lei
8.666/93, poderá ser apurada, além dos índices (§§ 1º e 5º), por outras formas
de avaliação:
a)Balanço patrimonial (inciso I);
b)Certidão Negativa de Falência, Recuperação Judicial
etc. (inciso II);
c)Garantia de proposta (proibida na modalidade
pregão) (inciso III);
d)Capital Social (§ 2º);
e)Patrimônio Líquido (§ 2º);
f)Relação de compromissos assumidos pelo licitante (§
4º).
Da leitura do art. 31, § 5º, da Lei nº 8.666/93,
depreende-se, preliminarmente, quatro características a respeito da forma de se
apurar a qualificação econômico-financeira do licitante:
- a boa situação financeira deverá ser comprovada de
forma objetiva, ou seja, concreta, exata;
- os índices deverão estar expressos no ato
convocatório;
- o índice escolhido deverá estar justificado no
processo que instruiu a licitação; e
- será vedada a utilização de índices não adotados
usualmente.
Assim, não se
recomenda que a avaliação da capacidade de cumprimento das obrigações se
restrinja tão somente à análise de índices; a aferição da capacidade de uma
empresa deve permear outros fatores que, estes sim, impactam diretamente na
capacidade de adimplir suas obrigações (econômico-financeira e técnica): sua
estrutura; pessoal; contratos anteriores (atestados de capacidade técnica);
demonstração de resultados; capital social, patrimônio líquido; etc. Estas sim,
mediante o uso do conjunto de “ferramentas” colocadas à disposição pelos
artigos 30 (qualificação técnica) e 31 (qualificação econômico-financeira),
seria medida eficaz para aferição da real capacidade da empresa na assunção de
obrigações compatíveis com sua verdadeira estrutura e capacidade operacional.
Desta forma, em casos como o em análise em que o
setor de licitação e a secretaria responsável pelo processo licitatório não
seja capaz de definir os índices diferenciados por setor, justificando em
processo administrativo que os índices escolhidos são os usualmente aceitos e
praticados, diante do atendimento ao princípio e garantia da competitividade,
poderão ser aceitos outras formas de avaliação da situação econômica
financeira, como as indicadas acima.
Registramos, contudo, que os índices financeiros constantes
no processo em análise se justificam por serem os usualmente aceitos nos
segmentos em geral, em especial para a prestação de serviços públicos, e em
conformidade com os entendimentos dos Tribunais, não sendo possível definir o
índice específico de cada setor, o edital poderá formalizar outras formas de
verificação da qualificação econômica e financeira, como a exigência de capital
social ou patrimônio líquido mínimo compatíveis com o valor da aquisição a ser
realizada ou mesmo a apresentação de garantia.
3. CONCLUSÃO E
PARECER FINAL
Diante das considerações legais e técnicas
demonstradas, esta consultoria é de parecer que os índices exigidos no edital
podem ser justificados com a habitualidade e normalidade dos índices mínimos já
aceitos inclusive pelos Tribunais para a prestação de serviços públicos.
Contudo, diante do princípio da competitividade que
deve permear o processo licitatório, a área técnica da secretaria requisitante
pode efetivar pesquisas dos índices aplicados ao setor em revistas
especializadas ou mesmo pesquisa de mercado entre empresas concorrentes, de
forma a verificar e justificar alguma divergência dos índices do setor
específico.
Poderão, sim, ser adotadas outras formas de garantia
da qualificação econômica e financeira previstas no art.31, como por exemplo:
“Caso
os índices de análise de Balanço sejam insuficientes, a empresa poderá
apresentar Comprovante de Capital Social integralizado mínimo de 10% (dez por
cento) do valor do objeto contratual.”
Este é o nosso parecer, s. m. j.
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