TRABALHO NO EXTERIOR - ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA - NATUREZA JURÍDICA - DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO - MEF34446 - LT

 

 

 

PROCESSO TRT/RO Nº 01016-2014-106-03-00-3

 

Recorrentes :

1) Andrade Gutierrez Engenharia S.A.

2) Edmilson Alexandre de Carvalho

Recorridos   :

Os Mesmos

 

E M E N T A

 

                TRABALHO NO EXTERIOR. ADICIONAL DE TRANSFERÊNCIA. NATUREZA JURÍDICA. Independentemente da nomenclatura das parcelas, entendo que os adicionais de transferência e transferência - US$/indenização diferença de custo de vida são revestidos devidos enquanto perdurar a situação especial (transferência). Referidos adicionais de transferência habitualmente pagos ao reclamante possuem nítido caráter salarial, nos termos do §1º do art. 457 da CLT, não vingando a tese quanto à liberalidade do seu pagamento segundo critérios próprios. As verbas em comento, na verdade, consistiam em parcela contraprestativa suplementar, paga em decorrência das peculiaridades da prestação de serviços em país estranho. Logo, não há que se falar em caráter indenizatório.

                Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de Recursos Ordinários, em que figuram: como Recorrentes, ANDRADE GUTIERREZ ENGENHARIA S.A. e EDMILSON ALEXANDRE DE CARVALHO, e, como Recorrido, OS MESMOS.

 

R E L A T Ó R I O

 

                O MMº Juiz da 27ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, Vinícius Mendes Campos de Carvalho, pela r. sentença de fls. 770/789, cujo relatório adoto e a este incorporo, julgou parcialmente procedentes os pedidos iniciais, condenando a reclamada ao pagamento das seguintes parcelas: diferenças salariais e reflexos; adicional de periculosidade e reflexos; restituição de descontos; indenização por dano moral; multa por litigância de má-fé.

                Embargos declaratórios do autor desprovidos (f. 819).

                Recurso Ordinário da reclamada (fls. 821/830), pretendendo a reforma do julgado contra as condenações impostas.

                Recurso Ordinário do reclamante (fls. 835/861), pugnando pelo recebimento de: diferenças salariais pela integração das parcelas quitadas a título de adicionais de transferência; adicional por desvio de função; horas extras; restituição de descontos; PLR.

                Contrarrazões da reclamada (fls. 882/888) pelo desprovimento do apelo do autor.

                É o relatório.

 

                JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

                Atendidos os pressupostos de admissibilidade, conheço dos Recursos Ordinários da reclamada e do reclamante.

                Conheço das contrarrazões da ré, regularmente processadas.

 

                JUÍZO DE MÉRITO

                MATÉRIA COMUM AOS RECURSOS

                Adicional de transferência. Adicional de transferência em dólar

                Insurge-se a reclamada contra o pagamento de diferenças salariais decorrentes da integração do adicional de transferência. Afirma que, de acordo com o disposto na Lei 7.064/82, artigo 10º, há previsão expressa para a não integração das vantagens auferidas por empregado que presta serviços no exterior, restando evidenciado o seu caráter indenizatório. Sustenta que o referido adicional visava indenizar o recorrido pelas adversidades encontradas no local da prestação de serviços, local este distante de centros urbanos e sem infraestrutura completa, por isso o percentual variava de obra para obra. Aduz, quanto ao alegado adicional de transferência em dólar (indenização diferença de custo de vida), que se trata de verba extralegal, criada pela direção da empresa, que se baseava em um comparativo entre o custo de vida o Brasil e no exterior. Diz que tal parcela tinha como objetivo indenizar o trabalhador pela diferença existente entre o custo de vida no Brasil e Angola.

                O reclamante, por sua vez, requer que os dois adicionais quitados pela reclamada (transferência e transferência - US$) passem a integrar a base de sua remuneração e não somente as verbas rescisórias, conforme deferido na origem.

                Examino.

                De plano, registro que o autor não voltou a prestar serviços no Brasil, tendo sido dispensado quando trabalhava em Angola, em 13.01.2014, segundo informa o aviso prévio de f. 523. Dessarte, não se aplica a hipótese do mencionado art. 10 da Lei nº 7.064/82, que preceitua tão somente que o adicional de transferência e as prestações in natura não são devidas quando do retorno do empregado ao Brasil.

                Os holerites de f. 374 e seguintes noticiam que o reclamante recebia as parcelas denominadas “adicional de transferência” e “adicional de transferência - US$”. Em julho/11, o “adicional de transferência – US$” passou a ser denominado “indenização diferença custo de vida” (f. 463).

                Independentemente da nomenclatura das parcelas, entendo que os adicionais de transferência e transferência - US$/indenização diferença de custo de vida são revestidos devidos enquanto perdurar a situação especial (transferência).

                Desse modo, ao contrário do que alega a empresa, referidos adicionais de transferência habitualmente pagos ao reclamante (vide contracheques de f. 374 e seguintes), possuem nítido caráter salarial, nos termos do §1º do art. 457 da CLT, não vingando a tese quanto à liberalidade do seu pagamento segundo critérios próprios.

                As verbas em comento, na verdade, consistiam em parcela contra prestativa suplementar, paga em decorrência das peculiaridades da prestação de serviços em país estranho. Logo, não há que se falar em caráter indenizatório.

                Dessa forma, não há o que se modificar na decisão de primeiro grau, que deferiu os reflexos dos adicionais de transferências quitados pela ré em aviso prévio, saldo de salário, 13º salário, férias + 1/3, adicionais noturnos, horas extras e FGTS + 40% (f. 775).

                Lado outro, ao contrário do aduzido na peça recursal do obreiro, a r. sentença não indeferiu a incidência reflexa dos dois adicionais, mas apenas considerou bis in idem a integração das respectivas parcelas na remuneração, para, depois, refletirem sobre elas próprias e outras verbas.

                Nesse sentido, comungo do entendimento do d. Juízo de origem, no sentido de que a incidência do adicional de transferência sobre o conjunto remuneratório para, depois, refletir nele próprio e na demais verbas caracteriza, de fato, bis in idem.

                Sendo assim, uma vez reconhecida a natureza salarial de tais parcelas, as mesmas devem gerar reflexos nas demais verbas, assim como estabelecido na r. sentença.

                Finalmente, verifica-se, da detida análise dos recibos de pagamento do reclamante, que tanto o adicional de transferência, quanto o adicional de transferência - US$, eram observados quando do recolhimento do FGTS. A título de exemplo, no mês de novembro de 2011, o reclamante percebeu remuneração bruta no valor de R$ 9.555,74, tendo a reclamada recolhido o valor do FGTS de R$ 764,41, o que correspondeu ao percentual de 8% sobre a remuneração do trabalhador.

                Pretendendo comprovar a referida quitação, a reclamada também realizou a amostragem de f. 825-v.

                Nesse diapasão, a r. sentença merece um pequeno reparo, vez que os adicionais de transferência já integraram a remuneração para fins de recolhimentos do FGTS e multa de 40%.

                No que diz respeito ao adicional noturno, os recibos de pagamento de salário comprovam que, em alguns meses, o autor recebeu o adicional noturno (ex. no mês de junho/10 - f. 434), estando correta a incidência reflexa em tal parcela.

                À luz do exposto, nego provimento ao recurso do reclamante e dou parcial provimento ao apelo da reclamada, para excluir da condenação a incidência reflexa dos adicionais de transferência e transferência - US$ em FGTS + 40%.

 

                RECURSO DA RECLAMADA

                Periculosidade

                Insurge-se a reclamada contra a condenação ao pagamento de adicional de periculosidade. Sustenta que não houve perícia técnica no local de trabalho, sendo que o perito oficial apenas se baseou no depoimento do autor. Alega, ainda, que se havia exposição a inflamáveis, essa se dava por um curto período em poucas vezes na semana.

                Analiso.

                Determinada a realização de perícia para apuração da alegada periculosidade, veio aos autos o laudo de fls. 678/690, no qual o perito Aylson Antônio Marinhas Swerts descreveu as atividades realizadas pelo reclamante, na condição de encarregado de almoxarifado, dentre elas receber caminhões tanque com capacidade para 30.000 litros de combustível (óleo diesel), subir no caminhão-tanque, abrir as tampas superiores e efetuar a conferencia de tal combustível (lacres, tampa, nível e qualidade).

                Consta do laudo técnico que “o informante da Reclamada, Sr. José Divino Silva - Encarregado Administrativo e que não laborou nas obras com o Reclamante, disse que o recebimento de caminhões-tanques com combustível “óleo diesel” ocorria na periodicidade de 2 (dois) caminhões por semana” (f. 680 - grifei).

                A prova técnica apurou também, que o reclamante, nos fins de semana, efetuava o abastecimento de combustível “óleo diesel” nos tanques dos caminhões-comboio que possuem tanque com capacidade para 15.000 litros (fls. 681/682).

                Concluiu o expert:

 

                As atividades desenvolvidas pelo Reclamante de modo habitual e rotineira na sua área de trabalho, quando da permanência em área de risco gerada pela operação de fiscalização e acompanhamento do descarregamento de caminhões-tanques contendo líquido inflamável “Óleo Diesel” e quando nos finais de semana efetuava o abastecimento dos tanques dos 2 (dois) caminhões comboio, com capacidade para 15.000 (quinze mil) litros do combustível “óleo diesel” cada um, envolveram exposição de forma a gerar riscos de periculosidade na forma legal, conforme fundamentação no item 8.2 do presente Laudo Técnico enquadrando-se entre as consideradas perigosas, de acordo com o Anexo 2 da Norma Regulamentadora NR-16 Atividades e Operações Perigosas, da Portaria 3.214/78 de 08 de junho de 1978 do Ministério do Trabalho. Desta forma, é entendimento técnico do Perito Oficial que o Reclamante realizava atividades e permanecia em área de risco normatizado de modo habitual e rotineiro, caracterizando a periculosidade nos seguintes períodos: 20 de junho de 2009 a julho de 2010 e de setembro 2012 a 13 de janeiro de 2014” (f. 690).

 

                Pois bem.

                Registro, de plano, que a prova técnica se baseou, para as conclusões apresentadas, apenas nas informações trazidas pelo próprio reclamante.

                Observa-se que o informante da Reclamada, Sr. José Divino Silva - Encarregado Administrativo, não laborou nas obras com o Reclamante, tendo disto apenas que “o recebimento de caminhões-tanques com combustível “óleo diesel” ocorria na periodicidade de 2 (dois) caminhões por semana””, fato que, por si só, não indica que o autor mantinha contato com combustíveis.

                Não se ignora, por óbvio, que o local em que atuou o autor não foi inspecionado pelo Perito nomeado nos autos.

                Entretanto, sendo fato incontroverso que o obreiro prestou serviços em Angola (África), obstada a perícia in locu por questões financeiras, aplica-se analogicamente à espécie a OJ n. 278 da SDI-I do TST, sendo plenamente possível a perquirição da periculosidade do labor exercido com base em documentos e em informações ofertadas pelas partes e suas testemunhas.

 

                A testemunha ouvida a convite do reclamante, Bruno Henrique Pereira Alves, disse: “que trabalhou para a reclamada no período de 2008 a início de 2010, período em que trabalhou na obra de Menongue, como auxiliar de almoxarifado; que foi dispensado e depois recontratado em final de 2010 ou início de 2011, não se lembrando bem, agora, porém, lotado na obra Mocimbua da Praia, em Moçambique; que permaneceu nesta obra por 05 meses, retornou ao Brasil (aqui permanecendo por 05/06 meses, à disposição da empresa) e depois foi encaminhado para Luanda, onde permaneceu até a sua saída em final de 2012 ou início de 2013, não se lembrando bem; que trabalhou com o reclamante nas obras de Menongue e Luanda; que em Menongue ambos ficavam no almoxarifado, sendo que o reclamante liderava os serviços neste setor; que em Menongue atuavam no almoxarifado que servia exclusivamente à obra lá executada; que já em Luanda atuavam também recebendo e distribuindo material, mas para todas as obras do mercado de Angola; que em Luanda o setor se chamava logística central e o reclamante era quem liderava as atividades no local em questão; que em Luanda o serviços era um pouco mais complexo porque faziam carregamento de carreta, retiravam materiais no porto e no aeroporto, como também poderiam comparecer me algum fornecedor para realizarem carregamentos; que a dinâmica das atividades numa e noutra obra (Menongue e Luanda) era basicamente igual, distinguindo-se a complexidade e o volume de material, que em Luanda era maior; que uma pessoa abastecia o caminhão comboio de diesel e óleo lubrificante, o qual depois percorria o canteiro para abastecer e lubrificar as máquinas; que no almoxarifado faziam controle de notas, recebimento de material, etc.; que transferiam o combustível que chegava do fornecedor para os tanques de armazenagem, o que era feito por um angolano durante o dia, mas se o caminhão chegasse à noite depoente e reclamante faziam isto" (ata de f. 766/767 - grifei).

                A testemunha convidada pela reclamada, Alexandre Antônio Gonçalves, afirmou: “que trabalhou para a reclamada no período de 2008 a 2014; que trabalhou com o reclamante em Menongue, onde o depoente era auxiliar administrativo; que a equipe da lubrificação armazenava o combustível no tanque de armazenagem e deste para o comboio; que em Menongue o reclamante era encarregado do almoxarifado e como tal liderava a equipe do setor, recebendo e despachando peças, como também notas fiscais, dando entrada no sistema” (ata de fls. 767/768 - grifei).

 

                Como visto, a prova oral não demonstrou que o reclamante mantinha contato habitual com inflamáveis (óleo diesel), na forma aduzida na perícia técnica. A testemunha ouvida pelo reclamante afirmou que havia empregado angolano responsável para abastecer o caminhão comboio de diesel e óleo lubrificante, bem como para transferir o combustível que chegava do fornecedor para os tanques de armazenagem.

                Nesse sentido, a testemunha ouvida a rogo da ré afirmou que tais atividades que “a equipe da lubrificação armazenava o combustível no tanque de armazenagem e deste para o comboio”.

                Registra-se que as fotos colacionadas com a exordial (fls. 150/156) foram impugnadas pela defesa, ante o argumento de que não retratam a realidade laboral do autor, tratando-se de fotografias “na quais o reclamante criou uma situação que não traduz a realidade do contrato de trabalho” (f. 329).

                Por todo o exposto, data venia do entendimento do d. Juízo de primeiro grau, entendo que não ficou cabalmente demonstrado que o reclamante permanecia em área de risco gerada pela operação de fiscalização e acompanhamento do descarregamento de caminhões-tanques contendo líquido inflamável, bem como que efetuava o abastecimento dos tanques dos de caminhões comboio.

                Pelo exposto, dou provimento ao apelo da reclamada, para excluir da condenação o pagamento do adicional de periculosidade e reflexos.

 

                Dano moral

                A decisão de primeiro grau deferiu indenização por dano moral no importe de R$ 50.000,00, sob os seguintes fundamentos:

 

                É até possível e imaginável que o autor não poderia retornar nos dias em questão pela dificuldade de embarque, mas é certo que poderia ser liberado para retornar nos dias seguintes para reaver seus parentes ou familiares e exercer seu direito de luto, o que não lhe foi oportunizado. Compulsando os cartões de ponto trazidos com a defesa (fl. 438; 3º vol. dos autos) noto que o autor trabalhou normalmente nos dias que se seguiram ao falecimento de sua mãe e a ré, a despeito da fala estruturada na defesa, não faz nenhuma prova robusta no sentido de que não havia meios de retorná-lo ao Brasil. E o mesmo se sucedeu com a morte do pai do autor em 19 de janeiro de 2012. O cartão de ponto correspondente (fl. 478) sinaliza o normal trabalho nesse período, mormente nos dias que se seguiram ao dia 19. Não tenho dúvidas de que o fato causou substancial abalo emocional ao autor e a culpa patronal resta espelhada na ausência de sensibilidade ao desconsiderar essa situação a mantê-lo trabalhando normalmente, sem viabilizar seu retorno prematura ao país de residência e em duas oportunidades semelhantes”.

 

                Contra referida condenação se insurge a reclamada, ao argumento de que o autor, em momento algum, fundamentou seu pedido de dano moral no fato de ter trabalhado após a morte de seus pais, mas, sim, em razão do suposto impedimento por parte da reclamada de retornar ao Brasil em tais oportunidades. Diz que a r. sentença extrapolou os limites da lide.

                Examino.

                Elevada ao âmbito constitucional, a reparação do dano moral está prevista no inciso V do art. 5º da CR/88, que assegura o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem. Encontra amparo, também, no inciso X do mesmo art. 5º, que assim dispõe: são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.

                Como se extrai dos artigos 186 e 927 do Código Civil, para se falar em indenização por dano, exige-se a coexistência de três elementos: a) erro de conduta do agente; b) ofensa a um bem jurídico; c) nexo de causalidade entre a conduta ilícita e o dano sofrido pela vítima. Acrescentam os doutrinadores que tal dano ou prejuízo pode resultar tanto da ação ou omissão do empregador, sendo que a culpa será considerada em qualquer grau: grave, leve e levíssimo, além do próprio dolo, por óbvio.

                Pois bem.

                Narrou o autor na exordial, como argumento para a indenização pretendida, que “maior ofensa a integridade moral do Reclamante ainda ocorreu quando do falecimento de seus pais e a empresa Reclamada não providenciou os meios para que ele chegasse em tempo hábil para acompanhar o funeral dos mesmos. (...) Assim, nos dias da morte de seus pais, como não estava no período de retorno ao país, o obreiro, apesar de ter insistido muito, não teve o apoio, tampouco a permissão da empresa para vir ao funeral de seus pais, causando-lhe, assim, grande sofrimento e dor e não apenas uma, mas, duas vezes, pelo fato de a reclamada ter tolhido a última oportunidade que tinha de poder ver os seus pais nesta vida” (fls. 27/28).

                Em defesa, a reclamada disse que nunca se negou a liberar o reclamante nas oportunidades dos falecimentos de seus pais. Asseverou que é impossível à empresa enviar de imediato seus funcionários ao Brasil em curto espaço de tempo, em virtude da complexidade dos deslocamentos.

                A prova oral produzida não demonstrou que a reclamada tenha impedido o autor de se ausentar do trabalho em razão do falecimento de seus pais. Veja-se.

                A testemunha ouvida a convite do reclamante, Bruno Henrique Pereira Alves, disse: “que trabalhava com o reclamante em Luanda quando seu pai faleceu; que ele não retornou ao Brasil porque o pessoal disse que não havia como embarcá-lo; que existiam voos diários de volta e no seu entender era fácil de obter vaga, sendo que variava o trecho, ora para SP, ora para RJ” (ata de f. 766 - grifei).

                Registro que a testemunha convidada pela reclamada, Alexandre Antônio Gonçalves, afirmou: “que não se lembra de detalhes acerca do fato envolvendo o falecimento da mãe do reclamante e possível retorno ao Brasil” (ata de f. 768).

                Assim, a controvérsia estabeleceu-se no fato da reclamada não ter oportunizado o retorno do autor ao Brasil, com vistas a acompanhar os respectivos funerais ou mesmo permanecer ao lado dos demais familiares no período de luto.

                Neste diapasão, era ônus da reclamada, do qual não se desincumbiu, comprovar suas alegações, no sentido de que não foi possível providenciar, a tempo e modo, o retorno do autor ao Brasil para acompanhar o funeral dos seus pais.

                Sendo assim, tenho que a omissão da reclamada em não fornecer meios suficientes para que o reclamante pudesse acompanhar o funeral de seus pais, conforme acima já relatado, afrontou o trabalhador em sua dignidade, caracterizando ofensa a ensejar indenização, assim como reconhecido na r. sentença.

                No que diz respeito ao quantum indenizatório fixado pelo Juízo a quo - R$ 50.000,00, entendo que a r. sentença merece reparo.

                Com efeito, a "quantificação" do dano sofrido por alguém é sempre uma árdua tarefa que se afigura aos magistrados. É necessário ter em mente a sua função "educadora/corretiva/punitiva", imposta ao ofensor, no sentido de evitar que novos danos se concretizem.

                Por outro lado, na visão do ofendido, é impossível que se estabeleça uma compensação aritmética, ou matematicamente mensurável. O que se busca é tão somente uma contrapartida ao mal sofrido, daí denominar-se "compensação por danos morais".

                A fixação desta "compensação" deve levar em conta, ainda, o grau de culpa do empregador, a gravidade dos efeitos causados, a situação econômica das partes, além da função acima citada "punitiva/educadora".

                Assim, a indenização por danos morais deve ser fixada em termos razoáveis, não devendo ser excessiva a ponto de causar enriquecimento da parte que a recebe e o empobrecimento da parte que efetua o pagamento. Também não deve ser ínfima a ponto de se mostrar irrisória para quem a recebe ou não ser substancial para a parte que deve pagá-la.

                Dito isso, entendo que o valor arbitrado em primeira instância (R$ 50.000,00), mostra-se excessiva, não se harmonizando com os valores praticados por esta Turma.

                Por isso, reduzo para R$ 30.000,00 a indenização por danos morais. Trata-se de quantia suficiente para reparar o dano sofrido.

 

                Litigância de má-fé

                A decisão a quo condenou a recorrente ao pagamento de multa 1% sobre o valor da causa, por litigância de má-fé, em razão de ter dado causa a diversos adiamentos de audiências.

                Insurge-se a reclamada contra a aplicação de multa por litigância de má-fé, sustentando que não houve intenção retardar o andamento do feito. Alega que não deu causa a qualquer adiamento de audiência.

                Examino.

                Na audiência realizada no dia 06.10.2014, a reclamada pretendeu a oitiva de testemunha, via carta precatória, tendo a assentada sido adiada para 09.03.2015 (ata de fls. 310/311).

                No dia 09.03.2015, a audiência foi novamente adiada para 03.08.2015, em razão da não expedição da CPI para a oitiva da testemunha convidada pela reclamada, Ailton Marques dos Santos (ata de f. 698).

                A reclamada, através da petição de fls. 723/724, informou que a testemunha Ailton Marques dos Santos se encontra laborando na África, sendo que referida testemunha estaria no Brasil do dia 20.02.2016 a 10.03.2016.

                No dia 28.09.2015, a reclamada informou ao Juízo que a testemunha Ailton Marques dos Santos mudou de endereço, motivo pelo qual se comprometeu a levar a testemunha independentemente de intimação (f. 737 - grifei).

                Em que pese da afirmação da reclamada de que levaria a testemunha independentemente de intimação, para oitiva, foi expedido novo mandado para intimação do Sr. Ailton Marques dos Santos (f. 741), tendo sido constatado pelo Sr. Oficial de Justiça, em 23.10.2015, que a testemunha ainda se encontrava laborando em Luanda - Angola (f. 743).

                Registra-se, por oportuno, que, conforme informado pela própria reclamada, referida testemunha apenas estaria no Brasil no período de 20.02.2016 a 10.03.2016, sendo que a ré se comprometeu a levá-la à audiência, independentemente de intimação.

                Todavia, na audiência realizada no Juízo deprecado, em 24.02.2016 (ata de f. 761), a testemunha novamente não compareceu, não tendo a reclamada, conforme afirmado, a levado na forma em que se comprometeu (grifei).

                Nessa linha de raciocínio, importa consignar que, tratando-se de empregado da reclamada, a mesma tinha plenas condições de manter contato a testemunha, informando-lhe da audiência designada.

                Como se não bastasse, na audiência do dia 03.03.2016, a reclamada levou a testemunha Alexandre Antônio Gonçalves, em substituição àquela anteriormente pretendida, cujo depoimento a reclamada tanto insistiu ao longo do processo, tendo inclusive ocasionado o adiamento de várias audiências.

                Dessa forma, entendo que a reclamada tumultuou o andamento do feito, causando, injustificadamente, o atraso na solução da lide, caracterizando a litigância de má-fé, na forma do art. 80 do NCPC (antigo art. 17 do CPC), não havendo o que ser alterado na r. sentença.

                Nego provimento.

 

                RECURSO DO RECLAMANTE

                Desvio de função

                Rebela-se o reclamante contra a decisão que indeferiu o pleito de recebimento de diferenças salariais pelo desvio de função. Argumenta que fora contratado para ser encarregado de almoxarifado, tendo sido desviado para o exercício das funções de gerente de logística.

                Sem razão.

                Narrou o autor o autor na inicial que em junho de 2010 foi transferido de Menongue para Luanda, sendo que no ato da transferência, apesar de continuar contratado como encarregado de almoxarifado, passou a exercer as funções de gerente de logística, função exercida até setembro/12. Disse que após tal data foi substituído pelo Sr. Mário Almeida, sendo que, segundo informações, referido empregado foi classificado na função de gerente de logística, percebendo o dobro do valor que o autor recebia (f. 14).

                A reclamada, na defesa, afirmou que o obreiro sempre exerceu as mesmas funções durante todo o pacto laboral, qual seja encarregado de almoxarifado. Asseverou que não está organizada em quadros de carreira e não possui plano de cargos e salários (fls. 331/332).

                Com efeito, o desvio de função se caracteriza quando o empregado passa a exercer função diversa daquela para a qual foi contratado, sem o pagamento do salário respectivo, ou seja, quando se atribui ao trabalhador carga ocupacional qualitativamente superior àquela para a qual foi contratado.

                É certo que, aplicando-se as normas processuais relativas à distribuição do ônus da prova, cabe ao reclamante o ônus da prova do desvio de função, por constituir fato constitutivo de seu direito.

                Na hipótese em exame, a prova oral não demonstrou que o trabalhador laborava em desvio de função. Vejamos.

 

                A testemunha ouvida a convite do reclamante, Bruno Henrique Pereira Alves, única a esclarecer a questão, disse: “que trabalhou com o reclamante nas obras de Menongue e Luanda; que em Menongue ambos ficavam no almoxarifado, sendo que o reclamante liderava os serviços neste setor; que em Menongue atuavam no almoxarifado que servia exclusivamente à obra lá executada; que já em Luanda atuavam também recebendo e distribuindo material, mas para todas as obras do mercado de Angola; que em Luanda o setor se chamava logística central e o reclamante eram quem liderava as atividades no local em questão; que em Luanda o serviço era um pouco mais complexo porque faziam carregamento de carreta, retiravam materiais no porto e no aeroporto, como também poderiam comparecer em algum fornecedor para realizarem carregamentos; que a dinâmica das atividades numa e noutra obra (Menongue e Luanda) era basicamente igual, distinguindo-se a complexidade e o volume de material, que em Luanda era maior; que Mário Almeida era português e em Luanda fazia o desembaraço de carga no porto e no aeroporto; que desconhece se Mario Almeida ocupou cargo antes ostentado pelo reclamante” (ata de f. 766/767 - grifei).

 

                Como visto, não restou comprovado o alegado desvio de função, considerando que o autor, tanto em Menongue quanto em Luanda, desempenhou suas funções do almoxarifado. Aliás, sequer ficou demonstrado a existência do alegado cargo de “gerente de logística”.

                Ainda, conforme informado pela testemunha Bruno, o sr. Mário Almeida não exerceu as mesmas funções que o reclamante, vez que atuava no desembaraço de carga no porto e no aeroporto.

                Portanto, nada a reparar na decisão de primeiro grau.

                Desprovejo.

 

                Horas extras. Sábados e domingos

                O autor insiste em afirmar que ficava à disposição da reclamada após a jornada de trabalho, sendo que as horas em que era acionado após encerrar as atividades não eram registradas e nem quitadas. Diz que quando era necessário voltar ao local de trabalho aos sábados e domingos, o ponto não era registrado.

                Examino.

                Em seu depoimento pessoal, o autor confirmou a veracidade das marcações dos registros de ponto, tendo afirmado: “que prorrogava quase todo os dias sua jornada em 02/03 horas, o que consignava na folha de ponto” (ata de f. 765).

                Compulsando os cartões de ponto carreados, observa-se que, ao contrário do alegado pelo autor, havia a marcação do labor em sábados e domingos. A título de exemplo, o autor registrou o trabalho no sábado, dia 27.03.2010 (f. 430) e no domingo, dia 12.06.2011 (f.462).

                Os holerites de f. 374 e seguintes exibem o pagamento de diversas horas extras, inclusive aquelas decorrentes do labor em RSR (adicional de 100%).

                Nesse aspecto, era ônus do reclamante, do qual não se desincumbiu, apontar, ainda que por mera amostragem, eventuais diferenças devidas em seu favor.

                No que se refere às horas de sobreaviso, a prova oral demonstrou que o reclamante podia se ausentar do alojamento, nos momentos de folga, obviamente, limitado a questão peculiares do local em que prestava serviços. Vejamos.

                O autor, em depoimento pessoal, afirmou que “em Luanda até poderia deixar a área da obra, mas o local era muito perigoso; que em Menongue não havia área de lazer no alojamento, mas sim em Luanda” (ata de f. 765).

                A testemunha ouvida a convite do reclamante, Bruno Henrique Pereira Alves, disse: “que poderiam sair do alojamento em Menongue, mas não havia carro para levá-los, sem falar que a distância era longa e perigosa; que em Luanda também poderiam deixar o alojamento e era mais fácil, pois ficavam de posse do passaporte; que os trajetos em Luanda eram menores e poderiam comparecer ao supermercado para fazer compras, por exemplo” (ata de f. 767).

                A testemunha Alexandre Antônio Gonçalves, convidada pela ré, afirmou: “que podiam sair do alojamento à noite; que o local, no entanto era perigoso; que o reclamante gozava de descanso e saía do alojamento quando queria” (ata de f. 767/768).

                Pelo exposto, nada há que se modificar na r. sentença.

                Nego provimento.

 

                Restituição de descontos

                O autor pretende a restituição dos descontos realizados a título de ajuda de custo e imposto local. Aduz que não recebia os adiantamentos salariais, os quais eram descontados pela reclamada. Alega que a reclamada procedeu ao desconto do “imposto de renda angolano”, em desconformidade com os dispositivos legais aplicáveis ao contrato de trabalho, especialmente, a Lei 7.064/82.

                Ao exame.

                Em defesa, a reclamada alegou que o autor recebia um adiantamento de salário em moeda estrangeira, sendo que tal valor era convertido em reais e descontado no salário depositado no Brasil. Afirmou, também, que o desconto do imposto de renda observava o local da prestação de serviço, ou seja, a lei angolana (f. 333).

                Pois bem.

                Os holerites de f. 374 e seguintes demonstram que havia o desconto de “adiantamento gastos locais”.

                O recebimento de tais valores não foi impugnado pelo reclamante, que na impugnação de f. 654 apenas afirmou que “nenhum acordo foi feito nesse sentido”. Disse que “teve como promessa no ato da contratação que todas as despesas com alimentação e habitação seriam custeadas pela Ré”.

                Nesse aspecto, entendo que, em se tratando de adiantamento de salário, o posterior desconto realizado pela reclamada é plenamente lícito.

                Ademais, não ficou demonstrado que os valores adiantados pela reclamada apenas se destinavam à alimentação e habitação do trabalhador.

                Cumpre ressaltar, que o próprio reclamante admitiu que “permanecia num alojamento dentro da obra” (ata de f. 765).

                No que diz respeito ao imposto de renda, o art. 11 da Lei nº 7.064/82 dispõe que “durante a prestação de serviços no exterior não serão devidas, em relação aos empregados transferidos, as contribuições referentes a: Salário-Educação, Serviço Social da Indústria, Serviço Social do Comércio, Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial e Instituto Nacional de Colonização e de Reforma Agrária”. Não há nenhum impedimento legal para o referido desconto do IR.

                Ademais, o imposto de renda é matéria afeta à legislação do país no qual houve a prestação de serviços e estão sendo pagos os salários do trabalhador, não cabendo à reclamada a opção de descontar ou não os valores, vez que, como já dito, decorre de imposição legal.

                Nego provimento.

 

                PLR

                Não se conforma o reclamante com o indeferimento do pleito relativo à PLR. Sustenta que as CCTs indicadas na exordial se aplicam ao contrato de trabalho.

                Analiso.

                As normas coletivas juntadas aos autos pelo reclamante (f. 167/), contendo a previsão do pagamento da PLR, dizem respeito aos trabalhadores da indústria da construção pesada do estado de Minas Gerais.

                Lado outro, a Lei n. 7.064/82 dispõe o seguinte, in verbis:

 

                “Art. 3º - A empresa responsável pelo contrato de trabalho do empregado transferido assegurar-lhe-á, independentemente da observância da legislação do local da execução dos serviços:

                I - os direitos previstos nesta Lei;

                II - a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com o disposto nesta Lei, quando mais favorável do que a legislação territorial, no conjunto de normas e em relação a cada matéria”.

 

                Nesse contexto, entendo que as normas coletivas da categoria obreira, relativamente à PLR, devem ser aplicadas, vez que, além de não ser incompatível com a citada Lei 7.064/82, a reclamada não comprovou a existência de norma mais favorável no local de prestação de serviços do reclamante.

                Ante o exposto, dou provimento ao apelo do autor, para condenar a reclamada ao pagamento da PLR dos anos de 2009/2010, 2010/2011, 2011/2012, 2012/2013, 2013/2014, conforme instrumentos normativos de fls. 179/228.

 

                CONCLUSÃO

                Conheço dos Recursos Ordinários da reclamada e do reclamante e, no mérito: dou parcial provimento ao recurso da reclamada, para reduzir o valor da indenização por dano moral para R$ 30.000,00 e para excluir da condenação as seguintes parcelas: a) incidência reflexa dos adicionais de transferência e transferência - US$ em FGTS + 40%; b) adicional de periculosidade e reflexos; c) dou parcial provimento ao apelo do reclamante, para condenar a reclamada ao pagamento da PLR dos anos de 2009/2010, 2010/2011, 2011/2012, 2012/2013, 2013/2014, conforme instrumentos normativos de fls. 179/228.

                Para fins do art. 832, §3º, da CLT, as

parcelas deferidas contam com natureza indenizatória. Reduzo o valor arbitrado à condenação de R$ 80.000,00 para R$ 50.000,00, com custas correspondentes de R$ 1.000,00, pela reclamada. Com fulcro no art. 1º, § 3º, e nos arts. 4º, 8º e 11, incisos VI a VIII, da Instrução Normativa da Secretaria do Tesouro Nacional nº 02/2009, determino ao d. Juízo a quo que oficie à Diretoria da Secretaria de Coordenação Financeira deste Eg. Tribunal para que devolva à ré o valor recolhido a maior a título de custas processuais.

 

                Fundamentos pelos quais,

                O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em sessão ordinária da sua DÉCIMA TURMA, hoje realizada, julgou o presente processo e, por unanimidade, conheceu dos Recursos Ordinários da reclamada e do reclamante; no mérito, sem divergência: deu parcial provimento ao recurso da reclamada, para reduzir o valor da indenização por dano moral para R$ 30.000,00 e para excluir da condenação as seguintes parcelas: a) incidência reflexa dos adicionais de transferência e transferência - US$ em FGTS + 40%; b) adicional de periculosidade e reflexos; e deu parcial provimento ao apelo do reclamante, para condenar a reclamada ao pagamento da PLR dos anos de 2009/2010, 2010/2011, 2011/2012, 2012/2013, 2013/2014, conforme instrumentos normativos de fls. 179/228. Para fins do art. 832, § 3º, da CLT, as parcelas deferidas contam com natureza indenizatória. Reduzido o valor arbitrado à condenação de R$80.000,00 para R$ 50.000,00, com custas correspondentes de R$ 1.000,00, pela reclamada. Com fulcro no art. 1º, § 3º, e nos arts. 4º, 8º e 11, incisos VI a VIII, da Instrução Normativa da Secretaria do Tesouro Nacional nº 02/2009, a d. Turma determinou ao d. Juízo a quo que oficie à Diretoria da Secretaria de Coordenação Financeira deste Eg. Tribunal para que devolva à ré o valor recolhido a maior a título de custas processuais.

                Belo Horizonte, 31 de agosto de 2016.

 

PAULO MAURÍCIO RIBEIRO PIRES

Desembargador Relator

 

(TRT/3ª R./ART., DJ/MG, 06.09.2016)

 

BOLT7741---WIN/INTER

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