SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL -
FÉRIAS REGULAMENTARES - PERÍODO DE GOZO - ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO
PÚBLICA - AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - DIREITO LÍQUIDO E CERTO -
DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF34468 - BEAP
Reexame necessário - mandado de segurança - servidor
público municipal - férias regulamentares - período de gozo - ato
discricionário da Administração Pública - ausência de motivação -
impossibilidade -direito líquido e certo - comprovação - sentença confirmada.
1. A administração pública, no exercício de seu poder
discricionário, por conveniência e oportunidade pode, a bem do interesse
público, determinar o período do gozo de férias por parte de seus servidores.
2. Impõe-se, todavia, que o ato esteja fundamentado
no interesse superior da administração e do serviço.
3. A ausência de motivação válida do ato pelo qual é
determinado o início imediato do gozo de férias pela servidora municipal
importa na nulidade do ato administrativo, de modo a se impor a confirmação da
sentença em que concedida a segurança, para cassá-lo.
REEXAME NECESSÁRIO
1.0017.12.006849-3/001 Comarca de ...
Remetente: Juiz de Direito
da 2ª Vara Cível, Criminal e da Infância e da Juventude
Autora: ...
Réu: Município de ...
Autori. Coatora: Prefeito do Município de ...
A C Ó R D Ã O
Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos
julgamentos, à unanimidade, em confirmar a sentença, em reexame necessário.
DES. MARCELO RODRIGUES
Relator
V O T O
Cuida-se
de reexame necessário da sentença de f. 49/50v, que, nos autos do mandado de
segurança impetrado por ... contra ato imputado ao prefeito do Município de
..., concedeu a segurança postulada, para declarar a nulidade do ato
administrativo pelo qual concedidas férias à servidora, ora impetrante, pelo
período de 13.9.2012 a 26.10.2012. Como medida necessária, ratificou a liminar
de fls. 16/17.
Deixou de impor condenação ao pagamento das custas
processuais e de honorários advocatícios, por força da isenção legal decorrente
do disposto, respectivamente, nas Leis 14.939, de 2003 e 12.016, de 2009. E,
ainda, determinou a remessa dos autos a este Tribunal, a teor do disposto no
art. 14, § 1º, desse último diploma legal.
Não houve interposição de recurso pelas partes.
A Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou às fls.
66/69.
1. REEXAME
NECESSÁRIO
O reexame necessário, instituto previsto no art. 475
do Código de Processo Civil de 1973, correspondente ao art. 496, da Lei 13.105,
de 2015, bem como na Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009, em seu artigo 14, §
1º, não é recurso, mas condição legal de eficácia da sentença, cuja incidência
não depende da vontade das partes.
Acertada, pois, a remessa oficial.
Passo à análise do mérito.
2. O CASO
CONCRETO
Colhe-se dos autos que a impetrante, servidora
pública efetiva do Município de ..., ocupante do cargo de técnico em
contabilidade, foi comunicada em 13.9.2012 de que, por ato praticado, de
ofício, pelo impetrado, seria colocada em gozo de férias, a partir daquele dia,
até a data de 25.10.2012.
Na petição inicial, sustenta a impetrante a nulidade
do ato, ao fundamento de ausência de motivação para a sua prática.
Alega que o ato teria sido praticado como forma de
retaliação à manifestação por ela externada na ocasião, perante o impetrado, de
que não votaria nele nas eleições daquele ano.
Aduz que, no dia seguinte, compareceu ao setor onde
desempenhava as suas funções, quando se viu impossibilitada de ter acesso ao
local, porquanto a fechadura da porta teria sido trocada.
Ressalta não ter o costume de gozar férias em tal
época do ano, bem como que tinha, na oportunidade, inúmeras tarefas pendentes,
a caracterizar a inconveniência da imposição de férias naquele momento, razão
pela qual impetrou o presente writ.
A eficácia do ato restou suspensa, por força da
decisão pela qual concedida a medida liminar pleiteada pela impetrante (fls.
16/17).
Pela sentença, foi concedida a segurança impetrada,
por considerar o juiz que o ato impugnado, a par de não apresentar motivação,
foi praticado "com o vício do abuso de poder" (f. 50).
3. FÉRIAS DE
SERVIDOR
Impende consignar que, embora as férias do servidor
público constituam direito a ele assegurado constitucionalmente, é pacífico na
jurisprudência que a época de gozo do benefício fica submetido à
discricionariedade da Administração Pública, à qual incumbe decidir o momento
oportuno para a sua fruição pelo servidor, observadas a conveniência e
oportunidade do serviço, e o interesse público.
A propósito, ensina Hely
Lopes Meirelles:
A discricionariedade, como já vimos, traduz-se na
livre escolha pela Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o
poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios
conducentes a atingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse
público. Neste particular, e desde que o ato de polícia administrativa se
contenha nos limites legais e a autoridade se mantenha na faixa de opção que
lhe é atribuída, a discricionariedade é legítima.
(Direito administrativo brasileiro. 35ª ed. São
Paulo: Malheiros, 2009, p. 138)
O raciocínio percorrido não destoa da jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA.
ADMINISTRATIVO. SERVIDORESPUBLICOS ESTADUAIS. FERIAS-PRÊMIO. GOZO. SUSPENSÃO.
NECESSIDADE DO SERVIÇO. INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO. AUSENCIA DE DIREITO LIQUIDO
E CERTO. - OS DIREITOS DOS SERVIDORES, RELATIVAMENTE A PERIODOS DE FERIAS,
LICENÇAS, ETC, PODEM SER DETERMINADOS, SEU GOZO E USO, A CRITERIO DA
ADMINISTRAÇÃO, CONFORME SUA CONVENIENCIA E INTERESSE. - DESSA FORMA, O ATO
ATACADO, QUE SUSPENDEU A CONCESSÃO DO GOZO DE FERIAS-PRÊMIO POR NECESSIDADE DO
SERVIÇO E RACIONALIZAÇÃO DE CUSTEIO, NÃO FERE DIREITO, MUITO MENOS LIQUIDO E
CERTO DOS SERVIDORES QUE JA POSSUEM O TEMPO DE SERVIÇO NECESSARIO PARA USUFRUIR
DE TAL BENEFICIO. - RECURSO DESPROVIDO. (Recurso ordinário em mandado de
segurança 1997/0042296-8 - relator ministro José Arnaldo da Fonseca - j. em
9.12.1997)
Logo, a administração pública, no exercício de seu
poder discricionário, por conveniência e oportunidade, pode, a bem do interesse
público, determinar o período do gozo de férias por parte de seus servidores.
Impõe-se-lhe, não obstante,
indicar os fundamentos que embasam o seu agir, pois a alegada
discricionariedade não pode ser confundida com arbitrariedade.
A propósito, leciona Maria Sylvia Zanella
Di Pietro acerca da motivação dos atos administrativos, que:
O princípio da motivação exige
que a administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas
decisões. Este está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo
mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade
alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava
presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer
tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle
da legalidade dos atos administrativos.
(Curso de direito
administrativo. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 82)
Partindo-se dessas ponderações, é possível perceber
que do ato administrativo impugnado não é possível extrair os eventuais motivos
de sua conveniência e oportunidade, uma vez que dele não constou qualquer
motivação e, além disso, o impetrado nem sequer se dignou a apresentar, nos
autos, qualquer justificativa para a sua prática.
Com efeito, não pode passar despercebido o fato de
que a data de início do período de gozo das férias da impetrante é a mesma em
que foi confeccionado o comunicado a ela dirigido, com vistas a informá-la de
tais férias, o que vem a corroborar a alegação constante da inicial, de que a
medida foi adotada num arroubo do impetrado e teve caráter punitivo, decorrente
de divergências políticas da servidora com o prefeito municipal.
Evidencia-se, portanto, a nulidade do ato
administrativo impugnado, haja vista a ausência de motivação válida para a sua
prática.
Nesse sentido é a jurisprudência desta Câmara:
AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO
DE SEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO - CONCESSÃO DE FÉRIAS-PRÊMIO -
DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO - NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO - AUSÊNCIA -
NULIDADE - CONCESSÃO LIMINAR DA SEGURANÇA - DECISÃO MANTIDA.
- Embora o ato administrativo
que indefere o pedido de concessão de férias-prêmio a servidor esteja na esfera
discricionária da Administração Pública, é certo que não pode consubstanciar-se
em atuação arbitrária de poder, deixando de observar as formalidades legais que
fundamentam o ato administrativo, sendo, pois, indispensável a motivação do
ato, com explicitação das razões fáticas e jurídicas que o fundamentem, o que
não ocorreu no caso em questão.
- Tendo restado demonstrada a
plausibilidade do direito da agravada, bem como o periculum
in mora, a medida liminar deve ser concedida.
- Recurso a que se nega
provimento. (Agravo de Instrumento 1.0024.12.075495-7/001, relatora a
desembargadora Hilda Teixeira da Costa, julgamento em 14.05.2013, publicação da
súmula em 27.05.2013)
4. DISPOSITIVO
À luz destas considerações, em reexame necessário,
confirmo a sentença, por seus jurídicos fundamentos.
Sem custas recursais e honorários advocatícios, na
forma da lei.
DES. RAIMUNDO MESSIAS JÚNIOR - De acordo com o(a)
Relator(a).
DES. CAETANO LEVI LOPES - De acordo com o(a)
Relator(a).
Súmula - "Confirmaram
a sentença, em reexame necessário."
BOCO9370---WIN/INTER
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