AMPLA DESONERAÇÃO - DIREITO AO BENEFÍCIO DA ALÍQUOTA ZERO SOBRE TODOS OS CUSTOS NECESSÁRIOS À ABERTURA E À MANUTENÇÃO - ART. 4º, § 3º, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 123/2006 - ESTATUTO NACIONAL DA MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE PEQUENO PORTE, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI COMPLEMENTAR Nº 147/2014 - ABRANGÊNCIA DA BENESSE - EXCLUSÃO DAS TAXAS DECORRENTES DO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF34577 - BEAP

 

 

                EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA - MICROEMPREENDEDOR INDIVIDUAL - DIRETRIZES CONSTITUCIONAIS RELATIVAS À ORDEM ECONÔMICA E FINANCEIRA - TRATAMENTO DIFERENCIADO E FAVORECIDO - AMPLA DESONERAÇÃO - DIREITO AO BENEFÍCIO DA ALÍQUOTA ZERO SOBRE TODOS OS CUSTOS NECESSÁRIOS À ABERTURA E À MANUTENÇÃO - ART. 4º, § 3º, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 123/2006 (ESTATUTO NACIONAL DA MICROEMPRESA E DA EMPRESA DE PEQUENO PORTE), COM REDAÇÃO DADA PELA LEI COMPLEMENTAR Nº 147/2014 - ABRANGÊNCIA DA BENESSE - EXCLUSÃO DAS TAXAS DECORRENTES DO EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA - DESCABIMENTO - SEGURANÇA CONCEDIDA.

                1. A ação mandamental é cabível para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la. 2. Impetrantes, microempreendedores individuais regularmente registrados, que questionam a legalidade da cobrança feita, pelo Município de Caldas, dos custos da licença para funcionamento, abrangendo as exações "Licença para funcionamento", "Taxa de Cadastro", "Taxa de Fiscalização Ambiental", "Taxa de Vigilância Sanitária" e "Taxa de Prestação de Serviços".

                3. A Lei Complementar Federal n. 147/2014, ao promover larga alteração no Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte (LC 123/2006), ampliou a desoneração de custos para o microempreendedor individual, determinando a redução a zero (obrigação tributária nula) de todos os custos necessários à concessão e renovação da licença para funcionamento (art. 4º, §3º, LC 123/06).

                4. Status constitucional do escopo de fomento da atividade do microempreendedor individual, com facilitação de ingresso no mercado regular, mediante concessão de tratamento diferenciado e favorecido. Ausência de amparo normativo ao entendimento que exclui, da abrangência da benesse legal (art. 4º, § 3º, LC 123/06, com redação dada pela LC 147/14), as taxas decorrentes do exercício do poder de polícia administrativo.

                5. Violação a direito líquido e certo dos impetrantes. Segurança concedida.

                6. Recurso provido. Reexame necessário prejudicado.

 

AP CÍVEL/REM NECESSÁRIA Nº 1.0103.16.000107-1/001 - Comarca de ...

 

Remetente :  Juiz de Direito da Vara Única da Comarca de ...

Apelantes  :  ... e outros, ...

Apelado    :   Município de ...

Autori. Coatora : Prefeito Municipal de ...

 

A C Ó R D Ã O

 

                Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO VOLUNTÁRIO, PREJUDICADO O REEXAME NECESSÁRIO.

 

DES. ÁUREA BRASIL

Relatora

 

V O T O

 

                Trata-se de reexame necessário e apelação cível interposta por ... e outra contra a r. sentença de f. 51/62, proferida pelo MM. Juiz de Direito Edson Zampar Jr., da comarca de ..., que, nos autos do mandado de segurança impetrado contra ato do Prefeito Municipal de ..., concedeu parcialmente a segurança, para declarar a ilegalidade das exações referentes às taxas de cadastro e de prestação de serviços, exercício 2016, determinando a emissão de novos documentos de arrecadação fiscal com exclusão das referidas cobranças, com prazo de 30 dias para pagamento.

                Foram arbitrados honorários ao advogado dativo nomeado aos impetrantes, no valor de R$ 800,00.

                A sentença foi submetida ao reexame necessário.

                Em suas razões, os apelantes alegam que: a) são microempreendedores individuais e receberam da Prefeitura Municipal de ... documento de arrecadação contendo as seguintes exações, referentes ao exercício de 2016: licença para funcionamento (R$ 246,00), taxa de cadastro (R$ 12,30), taxa de vigilância sanitária (R$ 61,50) e taxa de prestação de serviços (R$ 12,30); b) referidos tributos, que compõem a "licença para funcionamento 2016", deveriam se apresentar com os valores zerados, ou seja, com alíquota zero, haja vista o que dispõe o art. 4º, § 3º, da Lei Complementar nº 123/06, com redação dada pela LC n. 147/2014; c) a sentença apelada acolheu parcialmente o pleito, determinando a exclusão da cobrança das taxas de cadastro e de prestação de serviços, mas deixou a descoberto as demais, consubstanciadas na licença para funcionamento e taxa de vigilância sanitária; d) a TSA - Taxa de Serviços Administrativos nada mais é do que a taxa de prestação de serviços, já reconhecida como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal; e) o texto legal supramencionado é claro em impor alíquota zero "a todos os custos relativos ao funcionamento da atividade de microempreendedor individual"; f) os julgados colacionados na fundamentação da sentença são todos embasados na ordem legal já revogada (redação anterior da LC 123/06), não servindo de instrumento persuasivo ao presente caso; g) o espírito da Lei Complementar Federal nº 147/14 não foi o de limitar as ações da Prefeitura Municipal no tocante ao exercício do poder de polícia, mas de estabelecer alíquota zero para todos os custos inerentes à licença e ao funcionamento das atividades do microempreendedor individual; h) a Lei Municipal nº 2.131/2010 está totalmente desatualizada em relação à Lei Complementar Federal nº 147/2014, gerando insegurança jurídica; i) in casu, o Ministério Público opinou no sentido da concessão integral da segurança.

                O Município de Caldas apresentou contrarrazões às f. 77/80, alegando que: a) a Lei Complementar nº 123/06, no seu art. 4º, § 3º, ao estabelecer regime especial jurídico-tributário aos microempreendedores individuais, prevê hipótese de inexigibilidade de tributo de forma limitada, nos procedimentos empregados na abertura e fechamento das microempresas, não podendo, tal tratamento, ser agregado às taxas derivadas do exercício do poder de polícia administrativa, ou seja, as taxas de licença e sanitária; b) deve haver contraprestação ao exercício do poder de polícia, a qual não pode ser arcada pela coletividade através de impostos, numa espécie de rateio entre os cidadãos.

                Remetidos os autos à Procuradoria-Geral de Justiça, manifestou-se o douto Procurador, Dr. Geraldo de Faria Martins da Costa, pelo provimento do recurso (f. 86/88v).

                Conheço do reexame necessário, nos termos da lei, bem como do recurso voluntário, presentes os pressupostos de admissibilidade.

                A ação mandamental é cabível para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, alguém sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la.

                Entende-se por direito líquido e certo o direito comprovado de plano. Se depender de comprovação posterior, não é líquido nem certo para fins de segurança.

                A propósito, doutrina Hely Lopes Meirelles:

                Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito invocado, para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais (Mandado de segurança, ação popular, ação civil pública, mandado de injunção, habeas data, ação direta de inconstitucionalidade, ação declaratória de constitucionalidade e arguição de descumprimento de preceito fundamental. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 36-37).

 

                In casu, os impetrantes, microempreendedores individuais regularmente registrados (f. 11 e 16v), questionam a legalidade da cobrança, realizada por meio do envio das guias de f. 10 e 15, dos custos da licença para funcionamento, abrangendo as seguintes exações:

                Licença para funcionamento

                Taxa de Cadastro

                Taxa de Fiscalização Ambiental

                Taxa de Vigilância Sanitária

                Taxa de Prestação de Serviços

                Argumentam que, com o advento da Lei Complementar nº 147/14, que alterou a redação do art. 4º, § 3º, da Lei Complementar nº 123/06 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte), todos os custos necessários para a renovação da licença para funcionamento dos microempreendedores individuais deverão ser reduzidos a zero, mediante incidência do instituto da alíquota zero.

                Na sentença apelada, a segurança foi concedida parcialmente, para reconhecer a ilegalidade apenas da cobrança das taxas de cadastro e de serviço, ao entendimento de que o especial regime jurídico-tributário afeto aos microempreendedores individuais assegura "inexigibilidade" das taxas referentes aos procedimentos de abertura, funcionamento e fechamento das atividades - caso das referidas taxas de cadastro e de serviço -, mas não confere semelhante tratamento para as taxas derivadas do exercício do poder de polícia administrativa.

                Por força da Emenda Constitucional nº 42/03, foram introduzidos, ao art. 146 da Constituição da República, a alínea "d" do inciso III e o parágrafo único, in verbis:

 

                Art. 146. Cabe à lei complementar:

                (...)

                III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

                a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

                b) obrigação, lançamento, crédito, prescrição e decadência tributários;

                c) adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas.

                d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

                Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

                I - será opcional para o contribuinte; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

                II - poderão ser estabelecidas condições de enquadramento diferenciadas por Estado; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

                III - o recolhimento será unificado e centralizado e a distribuição da parcela de recursos pertencentes aos respectivos entes federados será imediata, vedada qualquer retenção ou condicionamento; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

                IV - a arrecadação, a fiscalização e a cobrança poderão ser compartilhadas pelos entes federados, adotado cadastro nacional único de contribuintes. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)

 

                A alteração do texto constitucional visou a cumprir o mandamento previsto no art. 179 também da Carta Magna - o qual, por sua vez, manifesta o princípio da isonomia tributária, em sua acepção material (desigualdade de tratamento tributário aos sujeitos passivos em situação desigual):

 

                Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

 

                Na visão do Supremo Tribunal Federal, "o fomento da micro e da pequena empresa foi elevado à condição de princípio constitucional, de modo a orientar todos os entes federados a conferir tratamento favorecido aos empreendedores que contam com menos recursos para fazer frente à concorrência." (ADI 4.033, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 15.9.2010, Plenário, DJE de 7.2.2011)

                Assim, diante da autorização constitucional (art. 146, parágrafo único), foi editada a Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro de 2006, que "instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte", estabelecendo normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

                A respeito da norma geral infraconstitucional, elucidou o Órgão Pleno da Excelsa Corte:

 

                Recurso extraordinário. Repercussão geral reconhecida. Microempresa e empresa de pequeno porte. Tratamento diferenciado. (...) A Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, em consonância com as diretrizes traçadas pelos arts. 146, III, d, e parágrafo único; 170, IX; e 179 da Constituição Federal, visa à simplificação e à redução das obrigações dessas empresas, conferindo a elas um tratamento jurídico diferenciado, o qual guarda, ainda, perfeita consonância com os princípios da capacidade contributiva e da isonomia. (...) (RE 627543, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 30.10.2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-212 DIVULG 28-10-2014 PUBLIC 29-10-2014) (ementa parcial)

 

                Em sua redação original, a Lei Complementar nº 123/2006 não continha qualquer norma excepcionando o pagamento de taxas por microempresas e empresas de pequeno porte, mas apenas dispunha - como ainda dispõe - sobre o sistema (Simples Nacional, art. 13) de recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos impostos e contribuições previstos em rol taxativo.

                Sucede que, com o advento da Lei Complementar n. 128, de 19 de dezembro de 2008, o art. 4º da LC 123 foi acrescido do § 3º, determinando a redução a zero dos "valores referentes a taxas, emolumentos e demais custos relativos à abertura, à inscrição, ao registro, ao alvará, à licença, ao cadastro e aos demais itens relativos ao disposto nos §§ 1º e 2º deste artigo."

                A propósito do instrumento da alíquota zero, ensina a doutrina:

 

                Nos casos de alíquota zero, o ente tributante tem competência para criar o tributo - tanto que o faz -, e o fato gerador ocorre no mundo concreto, mas a "obrigação tributária" deve decorrente, por uma questão de cálculo, é nula. (ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. Rio de Janeiro: Forense/Método, 2016, p. 153).

 

                Já na vigência da referida ordem (hoje alterada), despontou respeitável orientação no sentido de que, com o início da eficácia da LC 128/2008 (1º de julho de 2009, conforme art. 14, III), não mais caberia a cobrança de "taxa de poder de polícia quanto às microempresas e empresas de pequeno porte protegidas pelo sistema nacional tributário simplificado", tendo em vista a expressa menção aos custos relativos à obtenção de alvará, licença, dentre outros.

                Como exemplo, destaca-se o seguinte aresto do TJSP, citado na razões do presente apelo:

 

                TRIBUTÁRIO. TAXA RELATIVA A EXERCÍCIO DE PODER DE POLÍCIA. COBRANÇA DIRIGIDA A MICROEMPRESAS. SENTENÇA TERMINATIVA. APELAÇÃO. PROVIMENTO DO RECURSO. JULGAMENTO DE MÉRITO SUCESSIVO (ART. 515, § 3o, CÓD.PR.CIV.).

                1. De sentença processual extintiva de mandado de segurança não se extrai óbice, em outra demanda, à discussão da matéria de fundo.

                2. Provido o recurso, cassada a r. sentença terminativa proferida na origem, tanto que madura a causa, autoriza-se o pronto julgamento de mérito pela Corte (art. 515, § 3º, Cód.Pr.Civ.).

                3. Somente a partir de 1o de julho de 2009 passou a vigorar a norma isentiva de taxas vinculadas ao exercício do poder de polícia, em favor de microempresas e empresas de pequeno porte. (Relator(a): Ricardo Dip; Comarca: São Carlos; Órgão julgador: 11ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 20.12.2010; Data de registro: 10.01.2011; Outros números: 990104729190)

 

                No entanto, perfilhando corrente contrária, o i. Sentenciante entende que não é "passível de exação qualquer valor que vise à contraprestação do serviço administrativo referente à inscrição, registro e expedição de alvará, o que não se confunde com as taxas derivadas do exercício do poder de polícia administrativa." (Destaques meus, f. 57).

                E conclui, S.Exa.: "as taxas isentas pela Lei Complementar nº 123/06 são as que têm como fato gerador a criação, formalização, extinção ou renovação da microempresa, e não as taxas de licença e sanitária/ambiental, que têm por finalidade a verificação de atividades respeitantes às condições gerais e específicas para o funcionamento das atividades, sua localização física e vigilância sanitária/ambiental." (f. 60)

                A controvérsia ora trazida a exame diz respeito, portanto, ao alcance da referida benesse, ou seja, se também estende a alíquota zero às taxas decorrentes do poder de polícia administrativo.

                A Constituição da República de 1988 instituiu, em seu art. 145, três espécies de tributos: os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. Nos termos do inciso II do referido dispositivo, as taxas podem ser criadas em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.

                Em que pese o respeitável posicionamento do i. Magistrado, possuo orientação diversa, notadamente em vista da nova redação conferida pela Lei Complementar nº 147, de 07 de agosto de 2014, ao art. 4º, § 3º da LC 123/06, ora em exame:

 

                § 3º Ressalvado o disposto nesta Lei Complementar, ficam reduzidos a 0 (zero) todos os custos, inclusive prévios, relativos à abertura, à inscrição, ao registro, ao funcionamento, ao alvará, à licença, ao cadastro, às alterações e procedimentos de baixa e encerramento e aos demais itens relativos ao Microempreendedor Individual, incluindo os valores referentes a taxas, a emolumentos e a demais contribuições relativas aos órgãos de registro, de licenciamento, sindicais, de regulamentação, de anotação de responsabilidade técnica, de vistoria e de fiscalização do exercício de profissões regulamentadas. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014)

 

                A despeito das deficiências na redação, infere-se que a LC 147/2014 - responsável pela maior alteração já promovida no Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte - simplificou e reduziu a zero todos os custos para abertura, funcionamento e encerramento do MEI (cartilha do microempreendedor do SEBRAE¹), "incluindo os valores referentes a taxas, a emolumentos e a demais contribuições relativas aos órgãos de registro, de licenciamento, sindicais, de regulamentação, de anotação de responsabilidade técnica, de vistoria e de fiscalização do exercício de profissões regulamentadas."

                Como se vê, o novel diploma legal, orientado pelo escopo de facilitar o acesso ao mercado e retirar da informalidade, promovendo justiça social tributária², ampliou a desoneração de custos para o microempreendedor individual, passando a garantir, indistintamente, "total isenção de custos para o MEI, incluindo taxas, emolumentos e contribuições relativas a órgãos de registro, licenciamento, regulamentação, anotação de responsabilidade técnica, vistoria e fiscalização do exercício de profissões regulamentadas." (Cartilha "81 Inovações do SIMPLES. Coord. Marcus Vinicius Furtado Coêlho e Guilherme Afif Domingos. Ordem dos Advogados do Brasil. Brasília, 2014).

                Na mesma linha, é o que consta do site governamental denominado Portal do Empreendedor:

 

                LICENCIAMENTO DEFINITIVO e ALVARÁ DE FUNCIONAMENTO

                7.1 - O Alvará de Funcionamento Provisório é gratuito para o Microempreendedor Individual - MEI?

                Sim. Ao realizar a inscrição no Portal do Empreendedor é gerado o CNPJ e as inscrições na Junta Comercial, no INSS e ainda é liberado o Alvará de Funcionamento Provisório, tudo em um único documento único, que é o Certificado da Condição de Microempreendedor Individual - CCMEI, exibido no Portal e que deverá ser impresso pelo MEI.

                Tanto a Prefeitura como os demais órgãos municipais, responsáveis pela emissão dos licenciamentos, deverão ter procedimento simplificado para abertura, registro, alteração e baixa de MPEs. Ademais, não poderão cobrar qualquer taxa ou emolumento para concessão de Alvarás ou Licenças e Cadastros para funcionamento relativos à abertura do registro como MEI. As renovações do Alvará, Licença e Cadastros para funcionamento também são gratuitas. A previsão legal para impossibilidade de cobrança de taxas e emolumentos é estabelecida pela Complementar nº 123/2006 e suas alterações posteriores, § 3º do artigo 4º. (disponível em http://www.portaldoempreendedor.gov.br/perguntas-frequentes/duvidasrelacionadas-ao-microempreendedor-individual-1/7-licenciamento-definitivo-e-alvara-de-funcionamento; acesso em 16.08.2016).

 

                Destarte, sobretudo na ordem atual, penso não haver amparo, data venia, ao entendimento que exclui, da abrangência da norma em exame, as taxas decorrentes do exercício do poder de polícia administrativo, cujo

pagamento é igualmente indispensável ao regular desempenho das atividades do microempreendedor.

                Têm razão, pois, os apelantes, quando argumentam que:

                O próprio documento de arrecadação fornecido pela Prefeitura Municipal, que poderá ser chamado de guia ou boleto de pagamento (fls. 10 e 15) está a indicar tratar-se de LICENÇA PARA FUNCIONAMENTO 2016 como um todo, e o seu total indica o montante de R$ 332,10 (...). Extrai-se que a ausência no pagamento de qualquer um dos itens elencados na guia/boleto, em condições normais de uma empresa, ocorrerá o inadimplemento do empresário ..., já que não haverá a correspondente habilitação para obter a LICENÇA PARA FUNCIONAMENTO. (f. 70)

                Nesse ponto, convém esclarecer que o aresto do Superior Tribunal de Justiça colacionado na respeitável sentença (Resp 1.242.940-PR - f. 57) não versou sobre a norma em comento, mas, sim, sobre a (im) possibilidade de se incluir, à míngua de previsão legal, a cobrança de taxa de fiscalização ambiental no sistema de recolhimento único do Simples Nacional, objeto do rol exaustivo do art. 13 da LC 123/06, in verbis:

 

                Art. 13. O Simples Nacional implica o recolhimento mensal, mediante documento único de arrecadação, dos seguintes impostos e contribuições:

                I - Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ;

                II - Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, observado o disposto no inciso XII do § 1o deste artigo;

                III - Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL;

                IV - Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS, observado o disposto no inciso XII do § 1o deste artigo;

                V - Contribuição para o PIS/Pasep, observado o disposto no inciso XII do § 1º deste artigo;

                VI - Contribuição Patronal Previdenciária - CPP para a Seguridade Social, a cargo da pessoa jurídica, de que trata o art. 22 da Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, exceto no caso da microempresa e da empresa de pequeno porte que se dedique às atividades de prestação de serviços referidas no § 5º-C do art. 18 desta Lei Complementar;

                VII - Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS;

                VIII - Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza - ISS.

 

                O seguinte excerto, extraído do voto proferido pelo eminente Relator, bem elucida a diferença fático-jurídica entre aquele caso e o presente:

                Com efeito, revela-se da interpretação da legislação transcrita que a forma simplificada de tributação (SIMPLES) engloba o recolhimento exclusivo de tributos e contribuições expressamente ali elencados. Na forma restrita de interpretação das Leis 9.317/96 e LC 123/2006, não se revela possível abranger no sistema de arrecadação diferenciado a TCFA, cuja finalidade específica decorre do poder fiscalizador do IBAMA, em face da previsão contida no art. 145, II, da Constituição Federal de 1988.

                Incontroversa a natureza jurídica da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental - TCFA sedimentada pelo STF, não se mostra cabível, conforme interpretação conferida pelo acórdão recorrido do TRF da 4ª Região, seu enquadramento, de forma residual, à sistemática do SIMPLES ajustando-se, assim, à disciplina do pagamento das "demais contribuições instituídas pela União", nos termos do art. 3º, 4º, da Lei 9.317/96 e 13, 3º, da LC 123/2006, pois inexiste previsão legal para tanto.

                Por fim, no que concerne à previsão da Lei Municipal de ... nº 2.131, de dezembro de 2010 (institui a Lei Geral Municipal da Microempresa, da Empresa de Pequeno Porte e do Microempreendedor Individual) - invocada nas informações da autoridade impetrada, às f. 26/30 -, no sentido de que a isenção do pagamento das taxas só é garantida quando da abertura do alvará (primeiro ano), e não na sua renovação (art. 11, parágrafo único, f. 34), é manifesto o seu confronto, no tocante à restrição temporal, com a Lei Complementar federal nº 123/2006, com redação dada pela Lei Complementar 147/2014, que contém o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte.

                Nesse caso, resolve-se a contrariedade normativa no plano da eficácia, à luz do que dispõe o art. 24, § 4º, da Constituição da República, em conjunto com os arts. 30 e 179 também da Carta Magna:

 

                Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

                I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

                (...)

                § 1º No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais.

                § 2º A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.

                § 3º Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.

                § 4º A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.

                ***

                Art. 30. Compete aos Municípios:

                I - legislar sobre assuntos de interesse local;

                II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

                ***

                Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.

 

                Em reforço ao expendido, peço venia para integrar ao presente decisum os judiciosos fundamentos consignados no parecer do ilustre Promotor de Justiça, Dr. José Eduardo de Souza Lima (f. 43/49):

                Ora, ao contrário do alegado pelo impetrado, não se pode reduzir o objeto de tal legislação [§3º do art. 4º da Lei Complementar Federal nº 123/2006] a matéria de interesse meramente local, o que afasta, de pronto, a tese por ele invocada, quanto a se ter aplicação, in casu, o art. 30, I, da Constituição Federal.

                Com efeito, a política de isenção de taxas, emolumentos e outras cobranças estabelecidas pela legislação federal colacionada harmoniza-se com as diretrizes constitucionais relativas à ordem econômica e financeira nacionais, sendo certo que o estabelecimento de custos ao microempreendedor, nesse particular, contraria não só seu direito subjetivo à isenção da taxa de renovação de alvará de funcionamento e localização, como também a política legislativa pretendida pela Carta Magna.

                Desse modo, ao insistir na efetivação da exação combatida, está a autoridade coatora ferindo direito líquido e certo dos impetrantes às isenções correspondentes, não havendo que se falar que a cobrança dos custos relativos à abertura e manutenção do microempreendimento individual seja questão reduzida a interesse meramente local.

                (...)

                Pelo exposto, (...) manifesta-se o Ministério Público no sentido de que seja concedida a segurança pretendida, com a consequente determinação de que o impetrado se abstenha de cobrar, dos impetrantes, quaisquer tributos vinculados ao funcionamento de seu empreendimento, sob as penas da lei.

                Com essas considerações, DOU PROVIMENTO AO RECURSO, PARA CONCEDER INTEGRALMENTE A SEGURANÇA, determinando que o Município de Caldas se abstenha de cobrar, dos impetrantes, todas as taxas contidas na guia de f. 10 (Licença para Funcionamento, Taxa de Cadastro, Taxa de Fiscalização Ambiental, Taxa de Vigilância Sanitária, Taxa de Prestação de Serviços). PREJUDICADO O REEXAME NECESSÁRIO.

                Impetrado isento de custas.

                DES. MOACYR LOBATO - De acordo com a Relatora.

                DES. LUÍS CARLOS GAMBOGI - De acordo com a Relatora.

 

Súmula - "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO, PREJUDICADO O REEXAME NECESSÁRIO."

 

                NOTAS

                1 Disponível em http://www.bibliotecas.sebrae.com.br/chronus/ARQUIVOS_CHRONUS/bds/bds.nsf/2e

ab07c28b9c39e65c8c9cf8c33f8803/$File/5181.pdf ; acesso em 16.08.2016

                2 Cartilha "81 inovações do Simples". Coord. Marcus Vinicius Furtado Coêlho e Guilherme Afif Domingos. Ordem dos Advogados do Brasil.

 

 

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