A RENÚNCIA DE RECEITAS NOS MUNICÍPIOS - MEF34967 - BEAP
MÁRIO LÚCIO DOS REIS *
INTRODUÇÃO
A necessidade de serem aumentadas as arrecadações de
receitas próprias pelos municípios vem se agravando nos últimos anos, desde a
crise financeira e econômica do País, quando foram reduzidos expressivos
repasses pelos entes estaduais e federal.
Também as quotas do ICMS, transferidas dos Estados
para os Municípios, têm sofrido quedas devido à recessão econômica que tem
atingido as empresas em geral, reduzindo a produção e vendas, com reflexos
inevitáveis nos impostos a recolher.
Esta situação está forçando as Administrações
Municipais a repensarem os conceitos do gênero “Tributos”, classificado nas
categorias de impostos, taxas e contribuições, por sua vez, diferenciados da
classe de tarifas públicas ou preços públicos. E para coroar esse quadro veio a
Lei de Responsabilidade Fiscal, em cujos artigos 11, 13, 53 e 58 determinou o
ajuizamento de execuções fiscais da Dívida Ativa como requisito essencial da
responsabilidade na gestão fiscal, punindo com a vedação de transferências
voluntárias os Municípios que não cobrarem todos os tributos e não combaterem a
evasão e a sonegação, exigindo-se a prestação de contas desses atos.
CONCEITO SEGUNDO A DESTINAÇÃO DOS TRIBUTOS.
IMPOSTOS: Podem ser conceituados como parcelas
obrigatórias (imposto = não facultativo) devidas por todos os cidadãos, cada um
segundo suas condições de posse, de acordo com a lei, a serem recolhidas aos
cofres públicos.
A principal característica do imposto é que os
recursos públicos dele originados se destinam a financiar, exclusivamente, as
obras e serviços genuinamente públicos, ou seja, que beneficiam indistintamente
a toda a população do município. São exemplos: as obras de domínio público,
como ruas, praças, estradas e pontes, assim como as edificações do patrimônio
do tipo escolas, hospitais, postos de saúde, quadras esportivas e terminais
rodoviários, seus móveis, máquinas, equipamentos e veículos.
TAXAS: São tributos devidos apenas por
determinadas pessoas ou classes de contribuintes que contam com os serviços
públicos colocados à sua disposição, sendo irrelevante usufruírem ou não desses
serviços, desde que considerados pela lei como beneficiários dos serviços
pertinentes.
O valor unitário da taxa é calculado de forma que a
arrecadação proveniente seja suficiente para cobrir todo o investimento, mais o
custo de manutenção dos benefícios, de tal forma que os serviços assim
classificados seriam autossustentáveis, isto é, receita igual despesa, como
exemplo: a limpeza pública, a coleta de lixo, o serviço de expediente da
prefeitura, o esgoto sanitário, fiscalização sanitária, fiscalização de
funcionamento, de publicidade, de obras, etc.
CONTRIBUIÇÕES: São tributos estabelecidos por
lei específica, que afetam apenas a determinado segmento da população,
geralmente adotado em casos de emergências localizadas e para as quais os
recursos oriundos de impostos se mostram insuficientes.
No caso dos municípios temos o tradicional
instrumento da “Contribuição de Melhoria”, regulamentada pelo Decreto-Lei nº
195/67 e pelas próprias leis orgânicas municipais, adotado com muita eficiência
para atender a proprietários de imóveis em condomínio residencial ou mesmo de
lazer; também a moradores de determinadas ruas ou bairros que pleiteiam obras
públicas que não estejam previstas no orçamento, por isso impossível de serem
construídas com recursos de impostos.
A contribuição de melhoria é, pois, nada mais que uma
parceria entre a prefeitura e os contribuintes interessados e previamente
inscritos, para o financiamento total das obras correspondentes, representando
uma eficiente ferramenta de progresso econômico-social.
AS TARIFAS PÚBLICAS OU PREÇOS PÚBLICOS:
Enquanto que os tributos, acima conceituados, somente podem ser cobrados se
autorizados e regulamentados pelo Código Tributário Municipal, atendendo aos
princípios da anualidade, da legalidade, da publicidade e outros, a tarifa
pública independe de autorização legislativa, podendo ser instituída, alterada
e regulamentada por decreto do Poder
Executivo.
Essa característica tem um motivo muito simples e de
fácil entendimento: é porque são serviços que o governo municipal oferece à
população, em concorrência direta com o setor privado, ou seja, o cidadão que
necessitar de tais serviços pode optar entre contratá-los junto à Prefeitura ou
com qualquer outro prestador da área privada, no próprio município ou fora
dele.
É claro que o serviço municipal atende ao interesse
público de suplementação do setor privado e não de concorrência, tendo também
como objetivo a popularização do serviço, isto é, levá-lo às camadas mais
pobres da população, como forma de desenvolvimento social, através do preço de
custo mais acessível.
RECEITAS DE TARIFAS E CUSTOS DE MANUTENÇÃO:
Vamos discorrer sucintamente sobre os serviços que se enquadram nesta categoria
de tarifas públicas, ressaltando a importância de que sejam levados em conta o
investimento (depreciação) e os custos de manutenção, na hora de se estabelecer
a tarifa a ser cobrada dos usuários.
A lei exige que cada serviço destes tenha um controle
interno, contábil e extra-contábil, que acompanhe de
forma permanente as receitas geradas e os custos e despesas de manutenção,
sendo inadmissíveis os prejuízos, pois significarão desvio dos recursos de
impostos em benefício da minoria que se utiliza desses serviços, a saber:
1. TRANSPORTE COLETIVO URBANO: Nos pequenos
municípios, até que surjam concessionários dispostos a explorar o transporte
coletivo dos distritos à sede, a prefeitura deve buscar forma de suprir a
lacuna, mediante a cobrança de tarifas razoáveis, evitando assim a estagnação e
confinamento do distrito. Há casos também do transporte coletivo de estudantes
e professores que, havendo vagas, nada impede de transportar terceiros, porém
nunca graciosamente e sim mediante cobrança de tarifas.
2. TERMINAL RODOVIÁRIO: Todo município precisa
ter uma estação rodoviária bem cuidada, pois ocorre ali o primeiro contato do
visitante com a cidade. Deve ser um ponto de referência, um cartão de visita.
Todavia, a taxa de utilização, cobrada dos usuários de transporte coletivo, assim
como o aluguel dos diversos módulos do imóvel, devem gerar receitas suficientes
para cobrirem a depreciação do imóvel e sua perfeita manutenção.
3. CAÇAMBAS DE ENTULHOS: O Código de Obras ou
de Posturas deve proibir taxativamente a colocação de entulhos de construção e
lixos nos passeios e na via pública, assim como o bota fora dos mesmos em
locais não apropriados. Para isso é essencial que exista no Município o serviço
de coleta por caçambas, por concessão a terceiros ou serviço próprio da
Prefeitura, mediante preço público suficiente para cobrir todo o custo da
atividade.
4. SERVIÇO DE CAMINHÕES: Aterros e desaterros
são inevitáveis, mas devem ser rigorosamente fiscalizados para evitar
acidentes, erosões e outros problemas de segurança e de urbanismo. Para isso
nada melhor que a própria Prefeitura ofertar o serviço com seus veículos, porém
mediante o pagamento de preços públicos adequados ao custo total da atividade,
inclusive de depreciação dos caminhões. Da mesma forma, nada impede de a
Prefeitura fornecer transporte de cascalho, areia e outros materiais da
natureza a pessoas de baixa renda, porém nunca gratuitos, embora a preços
reduzidos.
5. AMBULÃNCIAS PARA TRANSLADOS: O serviço
normal das ambulâncias é atender o transporte de pessoas carentes em
tratamentos de saúde. Se no setor privado do município não houver serviço de
ambulâncias é comum pessoas não carentes solicitarem o veículo da Prefeitura
para translado de corpos e outros transportes especiais a outras cidades,
hipótese em que devem ser atendidos, se possível, mediante pagamento do custo,
pelo menos equivalente a motorista e combustível.
6. CEMITÉRIO (CREMATÓRIO E JAZIGO PERPÉTUO): O
sepultamento em cova comum e pública deve ser gratuito para pessoas carentes;
porém, as tarifas cobradas por jazigos perpétuos e crematórios, se houver,
devem gerar receitas suficientes para cobertura de todos os custos de
manutenção do cemitério, incluindo a folha de pagamento dos servidores,
limpeza, capina, jardinagem e outras.
7. CAPINA DE LOTES VAGOS: Por questões
sanitárias e mesmo de segurança e urbanismo, o código de Posturas deve proibir
a existência de matagais na zona urbana, de forma que lotes vagos, sobretudo se
não murados, devem ser capinados periodicamente, podendo a Prefeitura ofertar o
serviço mediante tarifa pública, caso assim prefira o proprietário ou o mesmo
não atenda à notificação fiscal no prazo estipulado.
8. VIVEIRO DE SEMENTES E MUDAS: Nos municípios
de economia agrícola é muito importante que a Prefeitura preste toda
assistência aos pequenos agricultores, fornecendo sementes, mudas e mesmo
adubos e defensivos, porém nunca gratuitos, mesmo porque o produtor pode
inclusive pagar com a própria produção, em forma de produtos para as creches e
escolas, ou novas sementes e mudas que gerar em sua propriedade.
9. HORTAS COMUNITÁRIAS: Programa de extrema
importância para distritos e bairros pobres, que incentivam a horta em casa ou
em áreas comunitárias com apoio da Prefeitura, porém mediante convênio para
fornecerem parte da produção para creches, escolas, hospitais, asilos, etc.
10. TRATORES E EQUIPAMENTOS: Manter a estrada
vicinal principal, por onde escoa a produção agrícola é obrigação do Município,
porém estradas particulares, aração, gradagem,
colheitadeiras e outros serviços na propriedade devem ser regularmente
remunerados, a preços de custo, mas que nunca seja um serviço deficitário para
o município.
11. VACINAÇÃO A DOMICÍLIO (AFTOSA, RAIVA): A
vacinação obrigatória deve ser fiscalizada e exigida do produtor rural, porém
nos municípios mais pobres, o pequeno produtor pode não ter condições, podendo
a Prefeitura fornecer a vacina e mesmo a mão de obra do Veterinário, sempre
mediante remuneração que cubra os custos da atividade.
12. BENEFICIADORA DE ARROZ E OUTRAS: Compete à
Prefeitura incentivar para que toda a produção do município seja beneficiada em
seu próprio território, gerando maiores impostos, emprego e renda. O ideal é
através de cooperativas ou mesmo pela iniciativa privada, caso contrário o
Município deve oferecer o serviço mediante tarifas públicas.
13. TOUROS REPRODUTORES E SÊMEN (CABRAS, BODES,
CARNEIROS): Os pequenos produtores só poderiam ter acesso ao uso de
tecnologias de melhoria de raças e inseminação artificial através de programas
do governo, sendo recomendável a atuação da Prefeitura mediante a cobrança de
tarifas públicas, ainda que pagas com parte dos filhotes produzidos.
14. MATADOURO: Se o Município comporta e a
iniciativa privada não supre a necessidade, a Prefeitura deve providenciar esse
importante instrumento de fiscalização sanitária e da arrecadação de tributos,
mediante preços razoáveis, cuja receita mantenha a atividade, podendo também
serem pagos com subprodutos, como couro, chifre, ossos etc.
15. RESTAURANTE POPULAR: É um grande auxiliar
da assistência social, evitando-se o vergonhoso quadro de pessoas passando fome
na cidade, pois o alimento custa pouco e pode ser fornecido a preço acessível,
sem causar prejuízo ao Município. Para os extremamente carentes a assistência
social, sob rigoroso controle, pode fornecer cupons gratuitos.
16. SERVIÇO DE XEROX: Se no setor privado não
tem o serviço ou é muito caro, a Prefeitura deve prestá-lo a preço de custo,
podendo eventuais gratuidades serem admitidas mediante laudo da Assistência
Social, caracterizado o interesse público.
17. FÁBRICA DE BLOCOS E CERÂMICAS: A
Prefeitura tem condições de fornecer aos carentes ou de baixa renda, a preço de
custo; eventuais gratuidades somente através de laudos circunstanciados dos
serviços de Assistência Social e de Engenharia.
18. MEDICAMENTOS: Sobretudo os de uso
constante poderiam ser fornecidos a preço de custo, mediante receituário, sendo
eventuais doações exclusivamente através de laudos da Assistência Social.
19. ESCOLAS PROFISSIONALIZANTES: (Técnicas
agrícolas, artesanato, cerâmica, mecânico, pedreiro, bombeiro, carpinteiro).
Se em parcerias com o setor privado não for possível
atender aos carentes, a Prefeitura poderia instituir programas nesse sentido,
financiados pelos preços reduzidos que serão cobrados dos interessados.
20. SERVIÇOS CULTURAIS, RECREATIVOS E ESPORTIVOS:
Museu histórico, parque recreativo, auditório, salão de recepções, cinema,
biblioteca pública e outros equipamentos públicos devem ser mantidos pelo
Município, porém nunca cedidos gratuitamente a pessoas ou grupos de
particulares; pelo contrário devem ser custeados por receitas próprias de
aluguéis, taxa de visitação e outros serviços.
21. ALUGUEL DE BARRAQUINHAS - FESTAS POPULARES:
A taxa de Fiscalização de uso de vias públicas é cobrada de vendedores
ambulantes, camelôs, circos, parques de diversão e outros de uso transitório ou
permanente, sem qualquer outro serviço oferecido pela Municipalidade. Todavia,
é usual e recomendável que a Prefeitura atue como promotora e incentivadora das
festas populares e comemorativas da cidade, tais como carnaval e aniversário da
cidade. O ideal é a Prefeitura adquirir as barraquinhas padronizadas, fornecer
ligação de energia elétrica e de água para todas as barraquinhas, montadas
estrategicamente, podendo ainda providenciar banheiro público do tipo móvel.
Além disso, garis e fiscais trabalhariam à noite durante o evento,
garantindo-se destarte a segurança, a higiene e a boa organização da festa. É
um investimento inicial nem tão expressivo e que trará retorno político e
cultural a título de aluguel, preço público estabelecido em Decreto do
Executivo. Há casos também de ser autorizada a cessão gratuita de algumas
dessas barraquinhas para entidades sem fins lucrativos, tais como clubes de
futebol, blocos carnavalescos, escolas de samba, creches e asilos, que as
exploram via voluntários, com renda para sua manutenção, evitando-se as
subvenções em dinheiro.
CONCLUSÃO
Além de altamente danoso aos cofres públicos,
representando grave crime de renúncia de receitas e de desvio de verbas
públicas, os fornecimentos gratuitos que não atendam ao interesse público
constituem desrespeito à dignidade do ser humano, pois o carente é pobre, mas
não é mendigo, não é inválido, não é incompetente.
Salienta-se, mais uma vez, que todos esses serviços
devem ser regulamentados e terem seus preços públicos estabelecidos por decreto
do Poder Executivo, não sendo normal a abordagem dos mesmos por lei, pois em
tese não aumentam a despesa pública, pelo contrário geram receitas.
Com esses procedimentos, aliados a uma efetiva
cobrança e fiscalização dos impostos, taxas e contribuições, inclusive da
dívida ativa, pode-se esperar significativa elevação da receita própria, de tal
forma que os gastos com pessoal seriam inferiores a 40% da arrecadação,
viabilizando-se a equação ideal, que seria de 50% das receitas para
investimento em despesas de capital e não mais do que 50% para despesas
correntes ou de custeio.
* Contador, auditor,
economista, professor universitário, consultor BEAP, Auditor Gerente da Reis
& Reis Auditores Associados.
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