REPRESENTATIVIDADES ESTADUAIS - MEF35063 - BEAP

 

 

AMANDINO TEIXEIRA NUNES JUNIOR *

 

 

                1. INTRODUÇÃO

                A expressão sistema eleitoral designa um conjunto de regras, técnicas e procedimentos utilizados nas eleições que determinam o modo como se organiza o eleitorado e como são escolhidos seus representantes.

                Existem diferentes maneiras para classificar os sistemas eleitorais. A mais empregada, conforme Jairo Nicolau (2004, p. 11),

 

                “é segundo a fórmula eleitoral utilizada, ou seja, como os votos dados em uma eleição são contados para fins de distribuição das cadeiras disputadas. A partir da fórmula, podemos agregar os sistemas eleitorais em duas grandes famílias: a representação majoritária e a representação proporcional”.

 

                Esclarece o autor que

 

                “os sistemas majoritários têm como propósito garantir a eleição do(s) candidato(s) que obtiver(em) mais votos. Os sistemas proporcionais têm como objetivo garantir que os cargos em disputa sejam distribuídos em proporção à vontade recebida pelos concorrentes”. (NICOLAU, 2004, p. 11).

 

                Além dos sistemas majoritários e proporcionais, há outros sistemas vigorantes nos Estados contemporâneos, dentre os quais se incluem os sistemas mistos, que combinam características do sistema proporcional e do sistema majoritário. Os dois tipos mais comuns dos sistemas mistos são os de superposição e os de correção.

                Tendo em vista o que dispõe a Constituição de 1988, o Brasil adota dois sistemas eleitorais: o majoritário para a eleição dos Chefes dos Executivos (presidente da República, governadores dos Estados e prefeitos dos Municípios) e dos senadores¹; e o proporcional para eleição dos deputados federais, deputados estaduais, deputados distritais e vereadores.

                Assim, para os corpos dos representantes do povo nos níveis federal, estadual, distrital e municipal, é adotado em nosso país o sistema proporcional.

 

                2. DISPOSIÇÕES NORMATIVAS

                Estabelece o art. 45 da Constituição de 1988 que “a Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal”.

                O § 1º do art. 27 da mesma Carta Política, ao dispor sobre os Estados Federados, reza que “será de quatro anos o mandato dos Deputados Estaduais, aplicando-se lhes as regras desta Constituição sobre sistema eleitoral, inviolabilidade, imunidades, remuneração, perda de mandato, licença, impedimentos e incorporação às Forças Armadas”.

                Finalmente, o § 3º do art. 32 da Constituição de 1988 dispõe que “aos Deputados Distritais e à Câmara Legislativa aplica-se o disposto no art. 27”.

                Como se observa, os deputados federais, os deputados estaduais e os deputados distritais, bem como os vereadores², em face do princípio federativo, são eleitos pelo sistema proporcional, que está regulamentado, em nível infraconstitucional, pelos arts. 106 a 111 do Código Eleitoral.

 

                3. A REPRESENTAÇÃO PROPORCIONAL DOS ESTADOS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

                A adoção de fórmulas é inerente aos sistemas eleitorais, tanto majoritários quanto proporcionais. Enquanto o sistema majoritário favorece a formação de maiorias, o sistema proporcional garante e fomenta o pluralismo político-ideológico. Daí por que, pela proporcionalidade, deve-se assegurar, da maneira mais justa possível, a representação no Parlamento da diversidade da comunidade política. Assim, o sistema proporcional favorece a representatividade, ao passo que o sistema majoritário tende a favorecer a governabilidade.

                No Brasil, como salientado, os deputados federais são eleitos como representantes do povo pelo sistema proporcional, dispondo o § 1º do art. 45 da Carta Política que “o número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, será estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma daquelas unidades da Federação tenha menos de oito ou mais de setenta Deputados”.

                A regulamentação desse dispositivo constitucional veio, em 1993, com a edição da Lei Complementar nº 78, que estabelece o total de 513 deputados federais, bem como o número de integrantes das bancadas estaduais até hoje vigente³.

                Na verdade, em todas as eleições que ocorrem posteriormente a 1993, o tamanho das bancadas por Estado e o Distrito Federal não se altera. Isso se dá em razão da interpretação dada pelo Tribunal Superior Eleitoral ao § 2º do art. 4º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que veio perpetuar a irredutibilidade da representação das unidades federadas na Câmara dos Deputados ali prevista, convertendo em letra morta os ajustes previstos no texto constitucional (art. 45, § 1º), ao desconsiderar o crescimento demográfico e as imigrações populacionais, fenômenos ocorrentes na sociedade brasileira.

                Outra característica da eleição para a Câmara dos Deputados é a adoção do sistema de lista aberta, também adotado na Finlândia, Polônia e Chile. Nesse sistema, segundo Jairo Nicolau (2004, p. 56), “cada partido apresenta uma lista não-ordenada de candidatos e o eleitor vota em um dos nomes; os votos recebidos pelos candidatos da lista são somados e utilizados para definir o número de cadeiras conquistadas pelo partido; estas serão ocupadas pelos candidatos mais votados”.

                Para Jairo Nicolau (2004, p. 57), o sistema de lista aberta, no Brasil, apresenta duas singularidades: a primeira é a opção de o eleitor votar exclusivamente no partido (voto de legenda), sendo que o voto é contabilizado para a distribuição das cadeiras, não afetando a disputa entre os candidatos da lista. A segunda é a formação de uma única lista de candidatos quando diferentes partidos se coligam, sendo que os candidatos mais votados, independente do partido ao qual pertençam, ocuparão as cadeiras eleitas pela coligação.

                Uma das principais críticas feitas ao sistema de lista aberta é que ele tende a personalizar a escolha pelo eleitor mais do que os sistemas de lista fechada e flexível, que passa a valorizar mais a escolha de um nome do que a de um partido. Há, assim, o fortalecimento do candidato em detrimento do partido e se reflete na atuação parlamentar, que se torna pouco sensível à fidelidade e à disciplina partidárias.

 

                4. AS DISTORÇÕES NA REPRESENTAÇÃO PROPORCIONAL DOS ESTADOS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS: A SOBRE-REPRESENTAÇÃO E A SUB-REPRESENTAÇÃO

                As distorções que se verificam na eleição para a Câmara dos Deputados é tema recorrente na literatura e na discussão sobre o sistema representativo brasileiro. Dessa eleição resulta a sobre-representação das unidades da Federação menos populosas em detrimento das unidades mais populosas que se tornam sub-representadas. No entanto, esse fenômeno não é uma característica recente nem exclusiva do Brasil4.

                Com efeito, a distribuição desproporcional das cadeiras na Câmara dos Deputados é introduzida pelo Código Eleitoral de 1932, embora a Constituição de 1891 já a tenha esboçado, ao fixar em quatro o número mínimo de representantes por Estado e distribuir as cadeiras na proporção de uma para cada setenta mil eleitores.

                Na verdade, o Código Eleitoral de 1932 adota, para a eleição da Câmara dos Deputados, um sistema misto, com parte dos representantes eleita pelo sistema proporcional, cujo procedimento, bastante complexo, é utilizado apenas nas eleições de 1933 e 1934, pois o golpe de Estado liderado por Getúlio Vargas, em 1937, suspende as eleições, extingue os partidos e fecha o Congresso Nacional.

                A Constituição de 1934 mantém o número mínimo de quatro deputados por Estado e determina alterações para distribuição além desse mínimo em intervalos crescentes: um deputado para cada 150 mil habitantes até o limite de vinte e, a partir daí, uma cadeira para cada 250 mil habitantes. A Constituição de 1937 reduz o número mínimo para três deputados e estipula em dez o número máximo de representantes por Estado.

                A Constituição de 1946 eleva o número mínimo para sete deputados por Estado e mantém a relação de um representante para cada 150 mil eleitores até vinte cadeiras e, daí em diante, uma cadeira para cada 250 mil eleitores.

                A Constituição de 1967, com a Emenda nº 1, de 1969, determina a relação de um deputado para cada 300 mil habitantes (não mais eleitores) e, a partir daí, um deputado para cada um milhão de habitantes.

                O Pacote de Abril, editado em 1977, fixa em 420 o número total de deputados, sendo seis o número mínimo e cinquenta e seis o número máximo por unidade federada. A Emenda Constitucional nº 22, de 1982, aumenta o número total de representantes para 479, com um número mínimo de seis deputados e um número máximo de sessenta por Estado.

                Antônio Cintra e Marcelo Lacombe (2007, p. 146) salientam que a questão das distorções na representação proporcional na Câmara dos Deputados é também objeto de debate entre os constituintes de 1987, bastando “compulsar os Anais da Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou a vigente Carta, para nos darmos conta de que a desproporcional distribuição de cadeiras entre os Estados passou a representar, na prática, como que uma cláusula pétrea de nossa organização política”.

                Essas distorções, que têm raízes históricas no Brasil, são potencializadas pela Constituição de 1988, ao estabelecer, no § 1º do seu art. 45, a representação mínima em oito e a máxima e setenta deputados por Estado. Assim, os problemas continuam a existir e a solução é adiada em face da rigidez da atual Carta Política, que determina que as bancadas estaduais não podem ser reduzidas. A Lei Complementar nº 78, de 1993, traz uma inovação, ao prever que essas bancadas não podem ser também aumentadas5.

                No que concerne às críticas sobre a alocação desproporcional de cadeiras na Câmara dos Deputados, Jairo Nicolau sustenta que “elas podem ser dimensionadas de duas maneiras. A primeira delas, a qual chamarei federativa, enfatiza as perdas e benefícios que as diversas unidades territoriais têm quando comparadas. A segunda, a qual chamarei partidária, toma os partidos como unidade básica dos efeitos da alocação desproporcional” (NICOLAU, 1997, p. 441).

                Na dimensão federativa, a desproporcionalidade prejudica os Estados com maior densidade demográfica, como os da região Sul e Sudeste, particularmente São Paulo, e favorece os Estados com menor densidade demográfica, como os das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

                Mencione-se, por exemplo, o Estado de Roraima, menor colegial eleitoral brasileiro, que tem asseguradas oito Cadeiras na Câmara dos Deputados, quando lhe caberia apenas uma, se aplicado o cálculo perfeitamente proporcional à sua população. Na outra extremidade, está o Estado de São Paulo, maior colégio eleitoral do país, que tem asseguradas setenta cadeiras na Câmara dos Deputados, quando lhe caberiam cento e doze.

                Pode-se afirmar, grosso modo, que desse quadro resulta que um voto no Estado de Roraima vale quase quinze vezes mais do que um voto no Estado de São Paulo6.

                Por sua vez, na dimensão partidária, a desproporcionalidade prejudica os partidos políticos, na medida em que aqueles com maior votação nos Estados mais populosos têm sua representação diminuída, ao passo que ocorre o inverso com aqueles que têm bases eleitorais menos urbanas7.

 

                5. AS ALTERNATIVAS PARA SUPERAÇÃO DAS DISTORÇÕES NA REPRESENTAÇÃO PRO-PORCIONAL NA CÂMARA DOS DEPUTADOS

                A desproporcionalidade entre a população dos Estados e seu número de representantes na Câmara dos Deputados é uma marca na história política brasileira, estando presente em todas as legislaturas eleitas no período imperial e no período republicano. Tem, portanto, profundas raízes históricas.

                As alternativas para a superação das distorções decorrentes da desproporcionalidade se inserem no bojo da reforma política, ensejando desde questões mais amplas, como mudanças no sistema eleitoral (adoção do sistema distrital puro ou do sistema distrital misto), até questões mais pontuais, como proibição de coligações nas eleições proporcionais e eliminação do número mínimo e do número máximo de deputados por Estado.

                Nesse sentido, foram criadas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal duas Comissões Especiais com o objetivo de elaborar propostas para a reforma política. Além disso, já tramitam no Congresso Nacional diversas proposições que tratam dessas matérias, entre as quais mencionem-se as Propostas de Emenda à Constituição nºs 523/2006 e 365/2009 e os Projetos de Lei nºs 1210/2007, 5.281/2009, 5.277/2009, 4.637/2009 e 4.635/2009.

                Na verdade, independente do tipo de reforma, não há fórmula ideal para a superação dessas distorções, pois o tema é extremamente complexo e polêmico. Contudo, as alternativas consideradas apresentam a potencialidade de mitigar os problemas que a desproporcionalidade exibe, além de tornar o quadro partidário-eleitoral mais transparente e compatível com a própria ideia de representação política.

                De todo modo, tendo em vista o alcance e a profundidade da temática, cabe à sociedade brasileira debater tais reformas e não se ausentar das discussões, o que, de certa forma, hoje se tem observado.

 

                6. CONCLUSÃO

                A distribuição desproporcional das cadeiras na Câmara dos Deputados, conforme salienta Fernando Limongi (1996, v. 1, p. 243), é “um remédio republicano para um mal republicano”. O grande desafio é, pois, prescrever a dosagem precisa desse remédio, vale dizer, descobrir o grau adequado, razoável, sustentável e tolerável de desproporcionalidade.

                Mas o ideal da representação proporcional perfeita nas sociedades modernas constitui uma utopia. Mais exatamente, é tão utópico quanto o clássico modelo de democracia direta. Não são muitos os defeitos dos sistemas eleitorais dos mais diversos países, mas são também muitas as suas virtudes.

                Por isso mesmo, o sistema democrático, mormente o representativo, persiste e resiste historicamente. Mais do que um regime de governo, a democracia é um valor que deve ser preservado pelos cidadãos, pelos seus representantes e, sobretudo, pelas instituições.

                Assim é que a crise da representação e a crise da democracia ocorrem sempre, quando e onde as instituições perderam a estima e a confiança da população, tanto por sua incapacidade de representá-la, no caso dos partidos e do Parlamento, quanto pela ineficácia revelada em atender aos seus anseios e demandas, no caso dos governos.

 

                NOTAS

                1. Para a eleição de senadores adota-se o sistema majoritário de maioria simples; já para a eleição do presidente da República, dos governadores de Estado e dos prefeitos de Municípios com mais de 200 mil eleitores adota-seo sistema majoritário de dois turnos. Neste caso, o candidato precisa obter a metade dos votos válidos mais um para ser eleito no primeiro turno; se este patamar não é alcançado, um segundo turno é realizado entre os dois mais votados.

                2. Note-se que não há, no Texto Constitucional vigente, nenhuma menção ao sistema de eleição dos vereadores, ao invés do que acontece em relação aos deputados federais, estaduais e distritais.

                3. O número de cadeiras por unidade federada é distribuído conforme o número de habitantes, de acordo com a medição oficial feita pelo IBGE, através do censo. Entretanto, como salientado, essa proporcionalidade é limitada a um mínimo de oito deputados e a um máximo de setenta deputados por unidade federada.

                4. Dentre os países que sobre-representam as unidades federadas em suas legislaturas nacionais, mencionem-se, Argentina, México e Estados Unidos.

                5. Atualmente, a distribuição das cadeiras na Câmara dos Deputados por Estado é a seguinte: São Paulo, 70; Minas Gerais, 53; Rio de Janeiro, 46; Bahia, 9; Rio Grande do Sul, 31; Paraná, 30; Pernambuco, 25; Ceará, 22; Maranhão, 18; Goiás, 17; Pará, 17; Santa Catarina, 16; Paraíba, 12; Espírito Santo, 10; Piauí, 10; Alagoas, 9; Acre, 8; Amapá, 8; Amazonas, 8; Distrito Federal, 8; Mato Grosso, 8; Mato Grosso do Sul, 8; Rio Grande do Norte, 8; Rondônia, 8; Roraima, 8; Sergipe, 8; Tocantins, 8.

                6. Pelas normas vigentes, o representante do Estado de Roraima poderia eleger-se com apenas vinte mil votos, ao passo que o representante do Estado de São Paulo necessitaria de cerca de 297 mil votos.

7. Para dimensionar os efeitos da alocação desproporcional sobre a representação partidária, Jairo Nicolau, no estudo citado, analisa os resultados das eleições de 1994 para a Câmara dos Deputados, concluindo que, nessas eleições, o PT e o PSDB foram particularmente prejudicados pela desproporcionalidade.

 

 

* Mestre em Direito pela UFMG; Doutor em Direito pela UFPE; Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados e Professor Universitário, em Brasília/DF.

 

 

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