AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA CAUTELAR - ASSEGURA DIREITOS FUNDAMENTAIS - PRISÃO ADMINISTRATIVA POR CHEFE DO PODER EXECUTIVO OU LEGISLATIVO - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF35094 - BEAP

 

 

                EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA CAUTELAR - NECESSIDADE DE PRESENÇA DE RELEVANTE FUNDAMENTAÇÃO E PERIGO NA DEMORA - CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - ASSEGURA DIREITOS FUNDAMENTAIS - PRISÃO ADMINISTRATIVA POR CHEFE DO PODER EXECUTIVO OU LEGISLATIVO - INCOMPATIBILIDADE.

                Presente a relevante fundamentação, bem como o perigo na demora da prestação jurisdicional, deve ser deferida a medida cautelar para suspender a eficácia da lei impugnada.

                A Constituição estadual assegura os direitos fundamentais previstos na Constituição da República, sendo, portanto, incompatível com aquela a norma que prevê prisão administrativa decretada pelo Chefe do Poder Executivo ou Legislativo local.

 

AÇÃO DIRETA INCONST Nº 1.0000.14.103235-9/000 - Comarca de ...

 

Requerente :  Prefeito Mun ... Representado por ...

Requerido  :  Câmara Munic ...

 

A C Ó R D Ã O

 

                Vistos etc., acorda, em Turma, o ÓRGÃO ESPECIAL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em CONCEDER A MEDIDA CAUTELAR.

 

DES. PEDRO BERNARDES

Relator

 

V O T O

 

                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Prefeito do Município de ... em face do parágrafo único do art. 61 da lei orgânica daquele município, na qual alegou, em síntese, que o referido dispositivo viola o art. 22 da Constituição da República ao versar acerca de matéria de natureza processual e penal; que tal circunstância enseja violação ao princípio da separação dos poderes, prevista no art. 6º e 173 da Constituição estadual.

                Teceu outras considerações e requereu a concessão de liminar para suspensão da eficácia do ato normativo.

                Apesar de devidamente intimada (f. 51), a requerida não se manifestou acerca do pedido cautelar (f. 52).

                A concessão de medida cautelar em ação direta de inconstitucionalidade demanda a comprovação dos requisitos genéricos atinentes à tutela de urgência, sendo exigida a comprovação de perigo de lesão irreparável ou de difícil reparação, bem como a relevante fundamentação.

                Neste sentido se orienta a jurisprudência:

 

                Para a concessão de medida cautelar é indispensável a comprovação dos requisitos legais, quais sejam: a) relevância do fundamento (fumus boni iuris); b) perigo de dano irreparável ou da ineficácia da decisão, se for concedida no julgamento do mérito (periculum in mora). Ausentes os requisitos, indefere-se o pedido. (TJMG - Ação Direta Inconst 1.0000.14.076932-4/000, Relator(a): Des.(a) Silas Vieira, ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 26.11.2014, publicação da súmula em 12.12.2014)

 

                No caso vertente, o requerente sustentou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 61 da lei orgânica do município de ..., ao argumento de ocorrida violação ao princípio da separação dos poderes coma usurpação de competência privativa da União.

                O dispositivo impugnado possui a seguinte redação:

 

                Parágrafo único. Caberá ao Prefeito e ao Presidente da Câmara decretar a prisão administrativa dos servidores que lhes sejam subordinados se omissos ou remissos na prestação de contas de dinheiros públicos sujeitos à sua guarda.

 

                O requerente alegou que tal dispositivo violaria o art. 22 da Constituição da República.

                Entretanto, falece ao tribunal estadual competência para o exame de inconstitucionalidade de ato normativo face à Constituição da República, devendo ser adotado parâmetro disposto na Constituição Estadual, nos termos do § 2º do art. 125 da Carta Magna.

                Portanto, mostra-se inviável, a princípio, a cognição acerca da suposta violação ao art. 22 da Constituição da República.

                Como o art. 6º e 173 da Constituição Estadual foram invocados em decorrência da alegada violação ao art. 22 da Constituição da República, também não se cogitaria em sua violação.

                Ainda que se olvidasse tal aspecto, tais dispositivos da Constituição Estadual preceituam a independência entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário no âmbito estadual e municipal.

                Destarte, eventual usurpação de competência da União pelo Município não enseja, em tese, violação ao art. 6º e 173 da Constituição Estadual.

                Entretanto, a ação direta de inconstitucionalidade é dotada de causa de pedir aberta, não sendo o órgão julgador limitado aos fundamentos apontados na petição inicial, conforme orientação da jurisprudência:

 

                EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CPMF. CONSTITUCIONALIDADE. O Plenário desta colenda Corte, ao julgar a ADI 2.031, rejeitou todas as alegações de inconstitucionalidade do caput e dos §§ 1º e 2º do art. 75 do ADCT, introduzidos pela Emenda Constitucional 21/99. Isto porque as ações diretas de inconstitucionalidade possuem causa de pedir aberta. É dizer: ao julgar improcedentes ações dessa natureza, o Supremo Tribunal Federal afirma a integral constitucionalidade dos dispositivos questionados (Precedente: RE 343.818, Relator Ministro Moreira Alves). Embargos de declaração rejeitados (STF, RE 372535 AgR-ED, Relator(a): Min. CARLOS BRITTO, Primeira Turma, julgado em 09.10.2007, DJe-065 DIVULG 10-04-2008 PUBLIC 11.04.2008 EMENT VOL-02314-05 PP-01047).

 

                Assentada tal premissa, tem-se que o art. 4º da Constituição Estadual assegura os direitos e garantias fundamentais arrolados na Constituição da República.

                Dentre tais direitos fundamentais, destaca-se o art. 5º, LXI que dispõe: "ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei".

                Ora, o dispositivo municipal impugnado, ao permitir a prisão de servidor por decreto do Prefeito ou do Presidente da Câmara afronta o direito fundamental acima apontado, que condiciona a prisão a ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo as hipóteses não aplicáveis ao caso vertente de flagrante delito e transgressão ou crime militar.

                Portanto, neste juízo sumário de cognição, constata-se relevante fundamentação quanto à inconstitucionalidade do p. único do art. 61 da lei orgânica do município de ... face ao art. 4º da Constituição Estadual.

                Igualmente, verifica-se na espécie a presença de perigo na demora da prestação jurisdicional a justificar a excepcional medida de urgência.

                É que o dispositivo da lei impugnada prevê que a possibilidade de decreto irregular de prisão, podendo ocasionar a indevida violação ao direito de liberdade de inúmeros servidores.

                Diante da comprovação de atendimento aos requisitos legais, deve ser concedida a liminar.

                Com estas considerações, DEFIRO A LIMINAR, com efeitos ex nunc, para suspender a eficácia do parágrafo único da lei orgânica do Município de ..., com a respectiva publicação, nos termos do § 6º do art. 339 e 340 do Regimento Interno deste tribunal.

                É como voto.

                OS DEMAIS DESEMBARGADORES VOTARAM DE ACORDO COM O RELATOR.

 

Súmula - "CONCEDERAM A MEDIDA CAUTELAR."

 

 

BOCO9440---WIN/INTER

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