PEJOTIZAÇÃO - FRAUDE - RELAÇÃO DE EMPREGO -
REQUISITOS - DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO - MEF35146 -
LT
PROCESSO TRT/RONº
0010878-52.2016.5.03.0183
Recorrentes : Marcus Paulo Ferreira Gonçalves, Prudential do Brasil Seguros de Vida S.A.
Recorridos :
Marcus Paulo Ferreira Gonçalves, Prudential do Brasil
Seguros de Vida S.A.
Relator :
Alexandre Wagner de Morais Albuquerque
E M E N T A
PEJOTIÇÃO.
FRAUDE. RELAÇÃO DE EMPREGO. REQUISITOS. O fenômeno denominado "pejotização" é uma realidade atual. É certo que nem
toda contratação através de pessoas jurídicas é fraudulenta. Por outro lado,
inúmeros são os casos dessa forma de contratação visando apenas redução de
custo e precarização dos direitos trabalhistas, como
ocorre na hipótese vertente. Em que pese a formalização do contrato com a
pessoa jurídica constituída pelo reclamante, o reconhecimento da relação de
emprego se impõe, diante da presença de determinados pressupostos. São eles:
pessoalidade, subordinação, onerosidade, não eventualidade e a ausência de
assunção dos riscos do empreendimento pelo prestador de serviços.
R E L A T Ó R I O
A MMa. Juíza da 45ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte, pela r. sentença (id Num. 269afa9), cujo relatório adoto e a
este incorporo, julgou procedentes em parte os pedidos iniciais.
Inconformados,
a reclamada e o reclamante interpõem recurso ordinário, id Num. c1717fc e id
Num. 000cf89, respectivamente.
Pede
provimento.
A
reclamada apresentou contrarrazões, conforme id Num. 1ec1809. O reclamante
apresentou contrarrazões conforme id Num. 833845b.
Dispensável
a intervenção do Ministério Público de Trabalho.
É o
relatório.
ADMISSIBILIDADE
Conheço
dos recursos ordinários, eis que aviados a tempo e modo e regular a
representação.
PRELIMINAR
Da
valoração da prova testemunhal. Da nulidade do julgado por cerceamento do
exercício do direito de defesa (matéria comum a ambos os recursos)
Sobre
a matéria, assim se pronunciou o juízo de origem:
"As testemunhas
apresentadas pelo autor prestaram, na audiência de Id b48247d, depoimentos de
cunho tendencioso, com o nítido intuito de lhe favorecer. Com efeito, ambas
declararam ter assinado todo tipo de documentação apresentada pela ré sem
sequer ler os documentos e ainda declararam não terem sido cientificados do
tipo de contratação a ser realizada, o que se mostra totalmente divergente da
realidade, mormente considerando que a atividade para a qual eram habilitados e
seriam contratados envolvia justamente análise de dados contratuais e
preenchimentos de propostas, não sendo crível que nenhum deles tenha sequer
tomado conhecimento dos seus termos. Além disso, todos informaram a existência
de jornada fixa sem qualquer tipo de variação ou ausência ao longo de todo o
período laborado, o que também destoa do que ordinariamente acontece,
notadamente em face da atividade exercida que pressupõe contatos com clientes,
considerando ainda as necessidades cotidianas inerentes a qualquer indivíduo.
Os exageros revelam que elas compareceram em juízo com discurso ensaiado, mas
inverossímil, com nítido propósito de favorecer o reclamante, sem compromisso
com a verdade. De igual forma, a testemunha apresentada pela ré, visando
demonstrar a alegada autonomia, afirmou que a participação em reuniões e o
preenchimento da agenda de atividades não eram procedimentos obrigatórios e que
não havia estipulação de metas. Tal declaração vai de encontro, contudo, ao
próprio contrato firmado entre as partes, o qual estabelece expressamente, como
obrigações do autor, a participação em reuniões, bem como o preenchimento e
fornecimento da agenda de atividades a ser encaminhado ao master
franqueado (cf. itens 6.3, 6.4 e 6.6 idfd5372e -Pag
6). Logo, verifica-se que a declaração prestada pela testemunha da reclamada
também visou apenas corroborar a tese defensiva, não possuindo o depoimento
correspondência com a realidade. Assim, considero os depoimentos testemunhais
constantes da ata de Id b48247d desprovidos de credibilidade, e atribuo-lhe o
valor de simples informação, na forma do artigo 829 da CLT" (id Num. 269afa9
- REF.: 2).
As partes se insurgem.
A reclamada eriça a preliminar
em epígrafe, ao argumento de que o exercício do seu direito de defesa foi
cerceado, postulando a nulidade do julgado ou que seja conferido valor
probatório ao depoimento da sua testemunha.
O reclamante, na mesma direção,
requer que seja dado valor de prova aos depoimentos das testemunhas ouvidas a
seu rogo.
De início, é importante
ressaltar que atribuir aos depoimentos o valor de simples informação não
configura cerceamento do exercício do direito de defesa e tampouco acarreta a
nulidade do julgado, porquanto a prova oral foi regularmente produzida.
À luz do princípio do livre
convencimento motivado, consubstanciado no art. 371 do NCPC, o julgador pode
apreciar livremente a prova, desde que indique as razões da formação do seu
convencimento, o que se verificou na hipótese vertente.
Compartilho do entendimento do
juízo de origem de que os depoimentos prestados pelas testemunhas obreira e
patronal revelam o nítido intuito de favorecer o reclamante e a reclamada, respectivamente,
pelas razões muito bem declinadas na sentença.
No entanto, os referidos
depoimentos serão aqui analisados no cotejo com os demais elementos de prova
constantes dos autos por ocasião do exame particularizado de cada matéria.
Provimento nestes termos.
PREJUDICIAL
Da
prescrição quinquenal
A recorrente alega que apesar de
o juízo de origem ter acolhido a prescrição quinquenal relativamente ao período
anterior à 08.06.2011, foi deferido o pagamento de férias em dobro do período
de 2009/2010 e 2010/2011. Acrescenta que, no tocante ao FGTS, a prescrição
aplicada é a quinquenal, invocando o recente entendimento do Supremo Tribunal
Federal no ARE 709212.
Examina-se.
Quanto às férias, a prescrição
quinquenal decretada na origem alcança o período aquisitivo 01 de julho de 2009
a 30 de junho de 2010, mas não as férias referentes ao período aquisitivo de 01
de julho de 2010 a 30 de junho de 2011, tendo em vista que o marco
prescricional é o dia 08 de junho de 2011.
Noutro giro, quanto ao FGTS, é
importante ressaltar que o STF, no julgamento do recurso extraordinário com
agravo (ARE) 709212, com repercussão geral reconhecida, alterou entendimento
sobre a prescrição, declarando a inconstitucionalidade das normas que previam
prazo prescricional de 30 anos para ações relativas a valores não depositados no
Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e estabelecendo o prazo
prescricional quinquenal para a matéria.
Em consequência, o TST conferiu
nova redação à Súmula 362, verbis:
"I - Para os casos em
que a ciência da lesão ocorreu a partir de 13.11.14, é quinquenal a prescrição
do direito de reclamar contra o não-recolhimento de
contribuição para o FGTS, observado o prazo de dois anos após o término do
contrato;
II - Para os casos em que o
prazo prescricional já estava em curso em 13.11.14, aplica-se o prazo
prescricional que se consumar primeiro: trinta anos, contados do termo inicial,
ou cinco anos, a partir de 13.11.14".
Como
se vê, a situação do reclamante se enquadra no inciso II do referido verbete,
uma vez que o prazo prescricional já estava em curso na data da decisão tomada
na sessão plenária do STF, em 13.11.2014.
Considerando
o termo inicial como a sonegação mensal do FGTS (actio
nata), o prazo de 30 anos para começar a operar a prescrição, no caso do
autor, seria alcançado apenas em 01.08.2038. Portanto, diante da modulação da
decisão acima citada, o início do perecimento do direito para o autor tem como
marco 13.11.2019, prazo que se consumará primeiro. A partir desta data é que os
cinco anos passariam a se consumar, primeiro em relação às lesões anteriores ao
marco, e então àquelas posteriores a 13.11.2014. Até lá não há que se cogitar
de prescrição do FGTS.
Assim,
dou parcial provimento ao recurso, para declarar que a prescrição quinquenal
decretada na origem alcança o período aquisitivo das férias compreendido entre
01 de julho de 2009 e 30 de junho de 2010.
MÉRITO
Recurso
da reclamada
Da
relação de emprego. Das verbas rescisórias. Da inclusão do recorrido na
categoria dos securitários e aplicação das normas coletivas correspondentes.
A
recorrente se insurge contra o reconhecimento de vínculo de emprego com o
recorrido, no período de 01.07.2008 até 14.07.2016, sustentando que celebrou
contrato de franquia (Lei nº 8.955 de 1994) com a empresa FERREIRA & LOPEZ
ADMINISTRADORA E CORRETORA DE SEGUROS DE VIDA LTDA., da qual o autor era sócio
majoritário, para que ele pudesse ter direito ao uso e exploração de sua marca,
e, ainda, pudesse comercializar os seus produtos (seguro de vida). Acrescenta
que o recorrido tinha total liberdade para realizar suas atividades e que não
ficaram demonstrados os demais pressupostos da relação de emprego.
Examina-se.
De
início, vale registrar que a caracterização da relação empregatícia pressupõe a
presença de determinados pressupostos. São eles: pessoalidade, subordinação,
onerosidade, não eventualidade e a ausência de assunção dos riscos do
empreendimento pelo prestador de serviços.
Extrai-se
dos autos que o reclamante prestou serviços para a reclamada, a partir de
01.07.2008, mediante a formalização de um contrato de pré-franquia (id Num.
977ccc1). Posteriormente, em 09.01.2009, foi firmado o contrato de franquia (id
Num. fd5372e) com a pessoa jurídica por ele constituída em 06.10.2008 para tal
fim, nos termos do contrato social, cujo objetivo social é a administração e
corretagem dos seguros dos ramos vida, capitalização, planos previdenciários e
saúde (cláusula II, id Num. cea75b8 - REF.: 1). O Instrumento Particular de Distrato de Contrato de Franquia revela que referido pacto
vigorou até 20.05.2016 (id Num. dd92bc8).
As
partes produziram prova oral. O juízo de origem atribuiu o valor de simples
informação aos depoimentos, ao fundamento de que ficou nítido o propósito das
testemunhas obreiras e patronal de beneficiarem o autor da demanda e a
reclamada, respectivamente.
Apesar
disso, os elementos do processo autorizam a ilação de que a relação
estabelecida entre as partes era mesmo a de emprego.
Com
efeito, verifica-se que o reclamante sempre prestou serviços de forma pessoal,
mesmo após a exigência da reclamada para que constituísse pessoa jurídica a fim
de formalizar o contrato de franquia.
Nesse
sentido, o preposto da ré declarou "que as atividades são as mesma
durante o período de pré franquia e quando há vinculação à franqueadora; que na
pré franquia ele exerce as atividades como autônomo e na vinculação à
franqueadora passa a realizá-las por meio da pessoa jurídica..."(id
Num. b48247d - REF.: 2).
Ainda,
para viabilizar a constituição da pessoa jurídica, verifica-se que a ré arcou
com os custos necessários, o que se extrai do depoimento da própria testemunha
patronal, in verbis:
"que
a reclamada ajudou no custeio da abertura da PJ do depoente e custeou contador
durante 2 anos..." (id Num. b48247d - REF.: 4).
Mas
não é só. O próprio contrato de franquia celebrado pelas partes prevê, na
cláusula nona, a isenção do pagamento de taxa de franquia pelo
reclamante-franqueado (id Num. fd5372e - REF.: 9).
Também
há previsão no item 5.4 do referido ajuste que cabe à franqueadora a apuração e
pagamento das comissões geradas ao franqueado, o que contradiz a própria
natureza do contrato de franquia, como assentado na sentença recorrida.
O
reclamante também recebeu da reclamada, nos primeiros anos do pacto ajustado,
determinado valor a título de Bolsa Treinamento, para que pudesse arcar com as
suas despesas até o recebimento de comissões sobre as vendas em valor
necessário para tanto.
Destaca-se
ainda que a reclamada custeava integralmente o plano de saúde fornecido aos
franqueado e sua família.
É
cediço que a relação empregatícia é informada pelo princípio da alteridade,
segundo o qual o empregador é quem assume os riscos do empreendimento
econômico, jamais podendo transferi-los ao empregado. O fato de a reclamada
arcar com as despesas necessárias à viabilização da execução dos serviços
constitui indício de que esta não era revestida de autonomia, sendo certo que a
"pejotização" ocorreu como forma de
dissimular a relação empregatícia.
O
fenômeno denominado "pejotização" é uma
realidade atual. É certo que nem toda contratação através de pessoas jurídicas
é fraudulenta. Por outro lado, inúmeros são os casos dessa forma de contratação
visando apenas redução de custo e precarização dos
direitos trabalhistas, como ocorre na hipótese vertente.
A
presença da onerosidade também foi demonstrada, pois o reclamante, em
contraprestação às atividades executadas em benefício da reclamada, recebeu
valores a título de Bolsa de Treinamento (que na realidade tratava-se de
garantia mínima salarial) e comissões.
De
mais a mais, a presença do pressuposto da subordinação, principal elemento na
distinção do trabalho subordinado e trabalho autônomo, ficou patente no
depoimento da testemunha ouvida a rogo da própria reclamada, que revela a
supervisão dos LP (Life Planner)
pelo "Master franqueados" hierarquicamente
superiores e que atuavam na função gerencial. Inclusive, era necessário que o
gerente comercial vistasse a proposta.
Além
disso, muito embora os corretores cumprissem parte da jornada externamente,
também é certo que eram lotados em uma das agências da empresa e prestavam seus
serviços internamente, sendo certo que até mesmo contavam com uma mesa e um
telefone específico na agência.
Sobre
a matéria, esclareceu a testemunha patronal que "trabalha na reclamada
desde janeiro de 2011, sendo como master franqueado
há dois anos e três meses; que o depoente coordena uma equipe de 13 LPs; que acompanha o resultado dos LPs
orienta e realiza treinamento de
técnica de vendas; [...] que era necessário que o master franqueado vistasse a
proposta física; que cada LP tinha uma mesa e um telefone específico na
agência; [...] que a função de gerente comercial constante do
formulário de agenda equivale ao master franqueado B;
que ficou sabendo que o Sr Felipe foi advertido por postar em rede social
documento com a logomarca da empresa."
O
conjunto probatório dos autos revela tal nível de ingerência nas atividades
laborais por parte da reclamada, que não se compatibiliza com a autonomia
sustentada em defesa.
Este Eg. Regional, no julgamento de casos análogos envolvendo a
mesma reclamada, já decidiu pelo reconhecimento do vínculo empregatício,
conforme se colhe dos seguintes julgados:
CONTRATO
DE FRANQUIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS FÁTICO-JURÍDICOS INERENTES AO VÍNCULO
EMPREGATÍCIO. Descaracteriza o contrato de franquia a inserção do suposto
franqueado na estrutura organizacional e na dinâmica da empresa, bem como a
prática de atividades objetivamente voltadas para a concretização do objeto
social da franqueadora. Ademais, fatores como o pagamento de bolsa para
treinamento, a garantia de comissionamento mínimo, o
comparecimento habitual à empresa, a estipulação de meta semanal para vendas e
a punição por não seguir os métodos de trabalho impostos pela recorrente,
inclusive durante o período de treinamento, são suficientes para evidenciar a
subordinação de que trata o artigo 3º da CLT, visto que demonstram o
direcionamento do trabalho do empregado segundo a metodologia previamente
estabelecida pela reclamada. (TRT da 3.ª Região; Processo:
0001765-80.2014.5.03.0139 RO; Data de Publicação: 19/08 /2016; Órgão Julgador:
Oitava Turma; Relator: Ana Maria Amorim Rebouças; Revisor: Jose Marlon de
Freitas).
RELAÇÃO
DE EMPREGO - CORRETOR DE SEGUROS - O corretor de seguros que trabalha nas
dependências de empresa dedicada à venda desse produto no mercado, a qual, para
isso, custeia totalmente o negócio, sujeito à observância de método de vendas
estabelecido pela seguradora, sendo, ademais, fiscalizado na prestação do
serviço, é, sem dúvidas, empregado, tanto mais quando as circunstâncias do caso
revelam a sua total incapacidade de se auto-organizar no mercado e a prestação
de serviços exclusiva para a tomadora. (TRT da 3.ª Região; PJe:
0011048-98.2015.5.03.0105 (RO); Disponibilização: 16 /08/2016, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 482; Órgão Julgador: Sexta Turma; Relator:
Jorge Berg de Mendonca)
CONTRATO
DE FRANQUIA E RELAÇÃO DE EMPREGO - DISTINÇÃO NECESSÁRIA. Sabidamente, o
contrato de franquia, sustentado como válido e eficaz pela Recorrente, consiste
no exercício de atividade empresarial típica, na qual um franqueador cede ao
franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de
distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos
ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de
implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou
detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no
entanto, fique caracterizado vínculo empregatício (artigo 2º da Lei nº
8.955/1994). Por certo, como explicitado no dispositivo legal supramencionado,
a relação mercantil entre franqueador e franqueado afasta a formação de uma
relação de emprego, porquanto cada uma das partes contratantes está a explorar,
por conta e risco próprios, sua atividade - seja de desenvolver e repassar a
técnica, marca, produto ou serviço, no caso do franqueador, seja de
explorá-los, nos termos da avença formulada, no caso do franqueado. Ocorre que,
no caso dos autos, restou claro que o Reclamante não se ativava verdadeiramente
como franqueado, mas sim como mero vendedor dos contratos de seguro comercializados
pela Reclamada, partindo desta as diretrizes para a venda do produto e o
próprio risco da atividade, incumbindo ao Obreiro apenas a oferta do serviço ao
público. Se, por sobre isso, cumpria o vendedor diretrizes, em manifesta
dependência hierárquica, não se há falar em contrato de franquia, mas em
manifesta relação de emprego, com as suas jurídicas consequências (TRT da 3.ª
Região; Processo: 0000182-23.2015.5.03.0140 RO; Data de Publicação: 09/08/2016;
Órgão Julgador: Oitava Turma; Relator: Marcio Ribeiro do Valle; Revisor:
Convocado Joao Alberto de Almeida).
CONTRATAÇÃO
ATRAVÉS DE PESSOA JURÍDICA. CASO CONCRETO EM QUE SE CONSTATA A FRAUDE.
RECONHECIMENTO DA RELAÇÃO DE EMPREGO. Quando demonstrado nos autos que o
contrato de prestação de serviços, firmado com a pessoa jurídica constituída
pela reclamante para este fim, visou ocultar autêntica relação de emprego,
impõe-se a confirmação do vínculo de subordinação em juízo com a consequente
condenação da empresa reclamada ao pagamento das verbas trabalhistas
pertinentes (TRT da3.ª Região; Processo: 0003132-13.2014.5.03.0181 RO; Data de
Publicação: 29/05/2015; Órgão Julgador: Nona Turma; Relator: Joao Bosco Pinto Lara; Revisor: Convocado Jesse Claudio
Franco de Alencar).
Nada
há a ser reparado na sentença relativamente ao reconhecimento da relação de
emprego.
Corolário
lógico do reconhecimento do vínculo empregatício entre as partes é a condenação
da ré no pagamento das parcelas trabalhistas correlatas (ali incluídas as
parcelas advindas do enquadramento sindical do autor na categoria profissional
dos securitários).
A
reclamada insurge-se especificamente apenas contra a anotação da função
"corretor de seguros" na CTPS e contra a sua condenação no pagamento
de indenização pela ausência de entrega de Guia do Seguro Desemprego.
Aqui,
vale frisar que o reclamante era verdadeiro corretor de seguros, conforme se
extrai dos autos, até mesmo porque "Life Planner", como era chamado, é o termo utilizado
pela Prudential do Brasil para designar o Corretor de
Seguros de Vida Personalizados.
Por
fim, não prospera o inconformismo da ré contra a determinação da sentença para
que ela entregue as guias CD/SD devidamente preenchidas, sob pena de pagamento
de indenização substitutiva caso, por sua culpa, fique o reclamante
impossibilitado de receber o benefício do seguro desemprego.
Considerando
o reconhecimento da dispensa imotivada, o reclamante faz jus ao
seguro-desemprego. Dessa forma, a quitação rescisória constitui ato que envolve
não só o pagamento do valor devido a título de rescisão contratual, como também
a satisfação das obrigações de entregar a guia CD /SD, por meio da qual o
reclamante poderá se habilitar ao seguro-desemprego.
Não
liberadas as guias do seguro-desemprego no momento oportuno, qual seja, logo
após a dispensa, o trabalhador ficará impedido de receber as parcelas
correspondentes ao benefício, razão pela qual deve o empregador ser
responsabilizado pelo pagamento de indenização substitutiva, nos termos do
disposto na Súmula nº 389, item II, do TST.
Mantenho
a decisão de origem pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.
Nada
a prover.
Reflexos
das comissões nos repousos semanais remunerados
A
sentença condenou a reclamada no pagamento de repouso semanal remunerado, a
base de 1/6, sobre todas as comissões recebidas em todo período imprescrito.
A
reclamada se insurge, aduzindo que a base de cálculo é mensal e, por
conseguinte, já engloba os RSRs, não havendo que se
cogitar dos aludidos reflexos, sob pena de enriquecimento ilícito do
reclamante.
Sem
razão.
É
cediço que as comissões sobre as vendas não remuneram per se os dias de
repouso, estando correto o deferimento dos reflexos das comissões sobre os
repousos semanais remunerados.
Nada
a prover.
Recurso
do reclamante
Da
multa do parágrafo oitavo do art. 477 da CLT.
O
reclamante não se conforma com o indeferimento do seu pedido de condenação da
reclamada no pagamento da multa prevista no parágrafo oitavo do art. 477 da
CLT.
Com a
devida vênia do entendimento do juízo sentenciante, a meu ver, o fato de a
relação de emprego ter sido reconhecida judicialmente não impede a incidência
da multa do § 8º do art. 477 da CLT, cujo afastamento somente ocorre quando o
atraso do acerto rescisório dá-se por culpa do trabalhador, o que não se
verificou na hipótese.
Veja-se,
por oportuno, a recente Súmula 462 do TST, aplicada por analogia ao caso:
"MULTA
DO ART. 477, § 8º, DA CLT. INCIDÊNCIA. RECONHECIMENTO JUDICIAL DA RELAÇÃO DE
EMPREGO.
A
circunstância de a relação de emprego ter sido reconhecida apenas em juízo não
tem o condão de afastar a incidência da multa prevista no art. 477, §8º, da
CLT. A referida multa não será devida apenas quando, comprovadamente, o
empregado der causa à mora no pagamento das verbas rescisórias".
Dou
provimento, para condenar a reclamada no pagamento da penalidade em epígrafe,
no valor da média da remuneração do empregado nos últimos doze meses do
contrato.
Matérias
comuns a ambos os recursos
Das
horas extras
Insurge-se
a reclamada contra a sua condenação no pagamento de horas extras e seus
consectários, argumentando, em suma, que o reclamante estava inserido na
excludente do art. 62, I, CLT, já que desempenhava suas atividades
externamente. Na eventualidade, questiona a jornada acolhida na origem e afirma
que o intervalo intrajornada era usufruído regularmente. Por fim, requer que
sejam consideradas como extras apenas as horas trabalhadas além das 44 horas
semanais e que o adicional de horas extras seja de 50%.
O
reclamante também manifesta o seu inconformismo, postulando a majoração da
condenação no aspecto, a partir do acolhimento da jornada declinada na inicial,
ao argumento de que incumbia à ré juntar aos autos os controles de jornada.
Examina-se.
Dispõe
o art. 62, inciso I, da CLT, que ao exercer atividade externa incompatível com
a fixação de horário de trabalho, o empregado não tem direito ao recebimento de
horas extras.
Tal
dispositivo guarda regra restritiva de direitos em situação excepcional, devendo,
pois, receber interpretação também restritiva, de modo que não estarão isentas
as empresas de realizar o controle de jornada em relação a todo o empregado que
realize serviço externo, não podendo, outrossim, simplesmente optarem por não
controlar os horários de seus empregados ante qualquer peculiaridade que o
trabalho apresente.
Desse
modo, para o regular cabimento de tal exceção exige-se que o empregador não
disponha efetivamente de nenhum meio para aferir os horários de trabalho
praticados pelo empregado, vendo-se completamente impossibilitado de exercer
qualquer forma de controle de jornada.
Revela-se
necessário que se caracterize a absoluta inviabilidade de exercício de controle
de jornada pela empregadora, a fim de se justificar o afastamento das normas de
controle de jornada consolidadas, o que não se verificou in casu.
Conforme
constou da sentença, a viabilidade do controle é extraída dos termos do próprio
contrato de franquia celebrado entre as partes, onde consta que é dever do
franqueado elaborar e encaminhar ao Master B a sua
proposta de Agenda de Atividade Semanal (item 6.3, id Num. fd5372e - REF.: 6).
A
primeira testemunha do reclamante, sobre a questão, afirmou que "...
elaborava sua agenda de visitas com supervisão do gerente comercial [...] que
na agenda de atividades eram lançados o horário da agenda cumprida..."
(id Num. b48247d - REF.: 2).
A
segunda testemunha obreira, na mesma direção, alegou que "...realizava
agendamento com clientes com supervisão do gerente; que a agenda diária tinha
que ser passada ao gerente de agência; que havia alteração do gerente apenas
quando à logística e setorização das visitas"
(id Num. b48247d - REF.: 2/3).
A
testemunha patronal, a seu turno, não negou a possibilidade de controle,
limitando-se a afirmar "que o depoente pode ter acesso a agenda de
clientes dos LPs, mas isso não costuma ocorrer"
(id Num. b48247d - REF.: 4).
Não
prospera, assim, a tese da reclamada de que o reclamante estava inserido na
excludente do art. 62, I, do diploma celetista.
Quanto
aos horários de início, término da jornada e intervalo, também nada há a ser
modificado, porquanto a sua fixação está amparada no cotejo da petição inicial
com os depoimentos colhidos em audiência e no princípio da razoabilidade.
Aqui,
é importante ressaltar que, ao contrário do que sustenta o reclamante em seu
recurso, a ausência de juntada dos cartões de ponto não acarreta a automática
adoção dos horários declinados na peça de ingresso, quando há prova nos autos
em sentido contrário.
E
sendo mantida a jornada fixada na origem, correta é a sentença quanto à
condenação da ré no pagamento de indenização pelo labor no dia do securitário,
nos termos da cláusula 45ª dos diplomas coletivos.
Finalmente,
não prospera a pretensão da reclamada para que sejam consideradas como extras
apenas as horas trabalhadas além das 44 horas semanais e para que o adicional
de horas extras seja de 50%. O direito às horas extras a partir da 40ª hora
semanal de labor e ao adicional de 60% a partir da terceira hora extra diária
trabalhada são garantias previstas nos instrumentos coletivos da categoria dos
securitários, à qual o reclamante está vinculado em razão do vínculo
reconhecido com a reclamada, consoante já assentado em linhas transatas.
Nada
a prover.
Diferenças
salariais. Da equiparação salarial.
Na
petição inicial, o reclamante postulou o pagamento de diferenças salariais sob
dois argumentos: 1º) por motivo de redução da parte fixa do salário; 2º) em
virtude da equiparação salarial com o paradigma Herbert Paolinelli
de Castro.
Extrai-se
dos autos que a reclamada, inicialmente, pagava ao reclamante o valor de R$
2.600,00 (dois mil e seiscentos reais), a título de Bolsa Treinamento (TAP),
nos termos do disposto no anexo VIII do contrato de franquia, in verbis:
"Fica desde já acordado
entre as partes que o corretor franqueado fará jus a uma Bolsa de Treinamento,
na forma descrita no Manual de Compensation anexo ao
presente instrumento, a qual terá valor inicial de R$ 2.600,00 (dois mil e
seiscentos reais), podendo ser interrompida, suspensa ou reduzida de forma
decrescente ao longo do tempo, conforme critérios descritos naquele
manual" (id Num. 6723539 - REF.: 15).
Além do referido valor, o
reclamante também recebia comissões variáveis, conforme "Manual de Compensation para Life
Planners" (id Num. 253e6e5).
Apesar da insistência do
reclamante em denominar de parte fixa do salário o valor de R$ 2.600,00,
recebido a título de Bolsa de Treinamento (TAP), o princípio da primazia da
realidade sobre a forma conduz à ilação de que o referido valor era pago pela
reclamada a título de garantia mínima, exatamente como entendeu o juízo
sentenciante, até mesmo porque é patente o caráter precário desse pagamento, na
medida em que as reduções da TAP ocorrem simultaneamente ao aumento do valor
das comissões. Em que pese o reconhecimento do vínculo de emprego, a
precariedade da quitação da Bolsa Treinamento foi condição previamente
conhecida e contratualmente negociada e aceita pelo reclamante.
E sendo assim, não há que se falar
em redução salarial, pois o reclamante não demonstrou que o valor da garantia
mínima tenha sido desrespeitado, uma vez consideradas as comissões recebidas,
ônus que lhe incumbia (art. 373, I, do CPC, c/c art. 818 da CLT). Por isso, o
caso é de se negar provimento à sua pretensão recursal no particular.
Noutro giro, no tocante à
equiparação salarial, a sentença condenou a reclamada no pagamento de
diferenças salariais nos meses em que a remuneração bruta do autor foi inferior
à garantia mínima estipulada para o paradigma Herbert Paolinelli
de Castro, (considerados ainda os acréscimos obtidos nos autos
0000384-93.2014.5.03.0185, nos termos da Súmula VI do TST) e os limites
trazidos na inicial.
Aqui, é importante esclarecer
que, ao contrário do que sustenta o reclamante, não há que se falar em
extrapolação dos limites da lide, porque se extrai da defesa da reclamada a
expressa impugnação à tese de que o valor pago a título de Bolsa Treinamento
teria a natureza de salário fixo.
Com efeito, a reclamada é categórica
ao afirmar na contestação que "...ainda que o Reclamante tivesse
realmente sido empregado da Reclamada no período descrito na inicial, não
haveria espaço para se falar em redução salarial ou de incorporação ao contrato
de trabalho da Bolsa de Treinamento, por se tratar de uma remuneração
eminentemente condicional, motivo pelo qual deve ser julgado
improcedente o pedido de pagamento de diferenças remuneratórias", além
de citar julgados nos quais foi expressamente atribuída a natureza de garantia
mínima à Bolsa Treinamento (id Num. 6585a1b - REF.: 41/destaquei).
No entanto, tendo em vista que
ficou reconhecido no processo de n. 0000384-93.2014.5.03.0185 que a bolsa
treinamento recebida pelo paradigma no importe de R$ 6.500,00 possui natureza
de parte fixa do salário, e que no presente processo ficou decidido que a bolsa
treinamento recebida pelo reclamante possui natureza de garantia mínima, não há
como deferir o pleito equiparatório. Com efeito, uma
vez que o reclamante não recebe salário fixo, eventuais desníveis salariais
existentes entre ele e o paradigma indicado, só podem ser atribuídos a
diferença de produtividade.
Por isso, dou provimento ao
recurso da reclamada, para decotar da condenação as diferenças salariais
advindas da equiparação salarial, ficando prejudicados os demais itens do
recurso patronal (limitação da condenação no aspecto ao período de vinte e
quatro meses e a desconsideração dos acréscimos obtidos nos autos da reclamação
trabalhista 0000384-93.2014.5.03.0185 em equiparação salarial, por ausência de
pedido expresso na inicial).
Ao recurso do reclamante, nego
provimento.
ACÓRDÃO
FUNDAMENTOS PELOS QUAIS, o
Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em sessão ordinária da Nona
Turma, hoje realizada, à unanimidade, conheceu dos recursos ordinários;
rejeitou a preliminar eriçada; no mérito, sem divergência, deu provimento
parcial ao recurso da reclamada, para: a) declarar que a prescrição quinquenal
decretada na origem alcança o período aquisitivo das férias compreendido entre
01 de julho de 2009 e 30 de junho de 2010; b) para decotar da condenação as
diferenças salariais advindas da equiparação salarial, ficando prejudicados os
demais itens do recurso patronal no aspecto; deu provimento parcial ao recurso
do reclamante para condenar a reclamada no pagamento da multa do parágrafo
oitavo, do art. 477 da CLT, no valor da média da remuneração do empregado nos
últimos doze meses do contrato.
Tomaram parte no julgamento: Exmos. Juiz Convocado Alexandre Wagner de Morais Albuquerque
(Relator, substituindo o Exmo. Desembargador João Bosco Pinto Lara, em férias
regimentais), Desembargadora Mônica Sette Lopes
(Presidente) e Desembargadora Maria Stela Álvares da Silva Campos.
Procurador do Trabalho: Dr. Genderson Silveira Lisboa.
Sustentação oral: Dr. Bernardo Saletti Teixeira, pelo recorrente Marcus Paulo Ferreira
Gonçalves.
Belo Horizonte, 13 de setembro
de 2016.
ALEXANDRE WAGNER
DE MORAIS ALBUQUERQUE
Juiz Relator
(TRT/3ª R./ART., Pje,
15.09.2016)
BOLT7822---WIN/INTER
REF_LT