AÇÃO DE USUCAPIÃO - IMÓVEL DECLARADO DE UTILIDADE PÚBLICA PELO MUNICÍPIO - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF35381 - BEAP

 

 

                EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO. IMÓVEL DECLARADO DE UTILIDADE PÚBLICA PELO MUNICÍPIO. SEGUNDA FASE DA DESAPROPRIAÇÃO. PROVA DA IMPLEMENTAÇÃO. INEXISTÊNCIA. EFEITOS. Inexistindo prova da execução da segunda fase da desapropriação, não há como concluir que o imóvel integra o patrimônio público do Município, sendo, portanto, em tese, passível de usucapião.

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.16.061216-4/001 - Comarca de ...

 

Apelante(s):...

 

A C Ó R D Ã O

 

                Vistos etc., acorda, em Turma, a 10ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

 

DES. VICENTE DE OLIVEIRA SILVA

Relator

 

V O T O

 

                Trata-se de recurso de apelação interposto por ..., pelo qual busca a reforma da sentença proferida pelo Juiz de Direito da 1ª Vara Empresarial, de Fazenda Pública e Registros Públicos da Comarca de ... - MG (ordem nº 25), integrada pela decisão de ordem nº 28, que, em autos de Ação de Usucapião, ajuizada em face de réu desconhecido, julgou extinto o processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, CPC/1973, por impossibilidade jurídica do pedido, em razão do imóvel ser de propriedade do Município de ...-MG.

                Em suas razões (ordem nº 30), sustenta a apelante que, por meio do Decreto nº 031, de 25.03.2013, o Município de ... declarou vários imóveis de utilidade pública, para fins de desapropriação amigável ou judicial, destinada à execução de obras de drenagem e receptação de esgoto pela COPASA, dentre eles o lote descrito na petição inicial.

                Explica que todas as desapropriações e indenizações devidas e necessárias para a realização das obras já foram realizadas pela COPASA, sendo que, na maioria dos casos, a obra não afetou nem 10% dos imóveis.

                Diz que quanto ao imóvel, objeto da usucapião, não foi necessária desapropriação, fato que poderia ter sido constatado, caso o juiz condutor do processo tivesse determinado a expedição de ofício ao Município de ...-MG e à COPASA.

                Conclui que, dessa forma, por não integrar o patrimônio do Município de ..., o imóvel objeto da lide é juridicamente possível de ser adquirido por usucapião, razão porque deve ser cassada a sentença e retomada a marcha processual.

                Ao final, pede provimento ao recurso.

                Preparo: ausente, por litigar a recorrente sob o pálio da gratuidade da justiça. (ordem nº 10).

                Não foram apresentadas contrarrazões.

                Evidenciado o interesse público do imóvel objeto da lide, a douta Procuradoria-Geral de Justiça foi intimada para se manifestar (ordem nº 34), tendo deixado de emitir parecer, por entender desnecessária a participação do parquet no feito (ordem nº 35).

                É o relatório.

                Conheço do recurso, eis que presentes os requisitos condicionantes de sua admissibilidade.

                O Decreto-lei nº 3.365, de 21 de junho de 1941, dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. E dele se extrai que o procedimento da desapropriação é dividido em duas fases.

                A primeira, denominada declaratória, tem por escopo a declaração de utilidade pública firmada por decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito (art. 6º).

                A segunda fase, chamada executória, diz respeito às providências para a efetivação da manifestação de vontade relativa à primeira fase, podendo ser subdivida em administrativa (quando o Poder Público e o Expropriado acordam quanto à indenização e o ato da expropriação) e judicial (quando a Administração ajuíza Ação Expropriatória perante o Poder Judiciário), conforme art. 10 e seguintes do Decreto-lei em comento.

                No caso em exame, não há prova de que a segunda fase tenha se realizada. Logo, em tese, por ainda não integrar o patrimônio público, o imóvel descrito na petição inicial é passível de usucapião.

                Nesse sentido, José Carlos de Moraes Salles, no livro A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, 3ª ed., Editora Revista dos Tribunais, p. 131, leciona:

 

                "1.3 Relembre-se, ademais, que a declaração de utilidade pública não se confunde com a desapropriação propriamente dita.

                Pela primeira, declara-se um bem de utilidade pública ou de interesse social, para fins de expropriação.

                A desapropriação, entretanto, só se verifica com o acordo entre expropriante e expropriado para a transferência do imóvel deste para aquele, ou principia com a citação para a ação judicial intentada, com o referido objetivo, pelo Poder Público ou por seus delegados."

 

                Na mesma linha, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, in Direito administrativo, 2ª edição, Editora Atlas, p. 124/127, ensina:

 

"A desapropriação desenvolve-se através de uma sucessão de atos definidos em lei e que culminam com a incorporação do bem ao patrimônio público.

                Esse procedimento compreende duas fases: a declaratória e a executória, abrangendo, esta última, uma fase administrativa e uma judicial.

                Na fase declaratória, o poder público declara a utilidade pública ou o interesse social do bem para fins de desapropriação.

                (...)

                A declaração de utilidade pública já produz alguns efeitos:

                a) submete o bem à força expropriatória do Estado;

                b) fixa o estado do bem, isto é, de suas condições, melhoramentos, benfeitorias existentes;

                c) confere ao Poder Público o direito de penetrar no bem a fim de fazer verificações e medições, desde que as autoridades administrativas atuem com moderação e sem excesso de poder;

                d) dá início ao prazo de caducidade da declaração (cf. Celso Antônio Bandeira de Mello, 1984: 197-8)".

 

                A primeira, denominada declaratória, tem por escopo a declaração de utilidade pública firmada por decreto do Presidente da República, Governador, Interventor ou Prefeito (art. 6º).

 

                "Embora a declaração de utilidade pública ou interesse social não seja suficiente para transferir o bem para o patrimônio público, ela incide compulsoriamente sobre o proprietário, sujeitando-o, a partir daí, às operações materiais e aos atos administrativos e judiciais necessários à efetivação da medida.

                (...)

                A segunda fase do procedimento da desapropriação - a executória - pode ser administrativa ou judicial. Compreende os atos pelos quais o poder público promove a desapropriação, ou seja, adota as medidas necessárias à efetivação da desapropriação, pela integração do bem no patrimônio público.

                (...)

                A desapropriação, quando incide sobre imóvel, somente se completa depois de efetuado o pagamento ou a consignação, pois, caso contrário, desatender-se-ia o mandamento constitucional da prévia indenização. Depois disso, a sentença que fixa o valor da indenização constitui título hábil para transcrição no Registro de Imóveis (art. 29 do Decreto-lei nº 3.365)."

 

                No mesmo tom, confira-se a jurisprudência:

 

                "APELAÇÃO CÍVEL E REEXAME NECESSÁRIO. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIO. ART. 550 CC/1916. ÁREA DECLARADA COMO SENDO DE UTILIDADE PÚBLICA. DECRETO EXPROPRIATÓRIO NÃO LEVADO A EFEITO NO PRAZO LEGAL (ART. 10, DO DECRETO LEI Nº 3.365/41). CADUCIDADE DO ATO. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. POSSIBILIDADE. PRESSUPOSTOS EXISTENTES. PROCEDÊNCIA MANTIDA. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. "Mera declaração de utilidade pública do imóvel não tem o condão de transferir o domínio do bem particular para público, sendo indispensável à realização de desapropriação. Aplicabilidade do art. 10 do Decreto-lei nº 3.365/41." (TJRS - Apelação Cível Nº 70019736966, Julgado em 24/09/2008). (TJ-PR - APCVREEX: 5470726 PR 0547072-6, Relator: José Carlos Dalacqua, Data de Julgamento: 05.08.2009, 18ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 203)

 

                Importante lembrar que a simples declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação, não transfere, por si só, a propriedade do imóvel para o Poder Público, por isso o bem pode ser também objeto de usucapião.

                Registro, por fim, que, em caso de posterior execução da segunda fase da desapropriação, a procedência da ação de usucapião irá alterar apenas a pessoa a quem se destinará a indenização.

                Em face do exposto, DOU PROVIMENTO AO RECURSO para cassar a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

                Custas recursais ao final, pela parte vencida.

                É como voto.

                DES. MANOEL DOS REIS MORAIS - De acordo com o(a) Relator(a).

                DES. CLARET DE MORAES - De acordo com o(a) Relator(a).

 

Súmula - "DERAM PROVIMENTO AO RECURSO

 

 

BOCO9471---WIN/INTER

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