IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA - MEF35417 - BEAP

 

 

REGINA BEATRIZ DOS REIS*

 

 

                INTRODUÇÃO

                Por ser um tema vasto, permeado de detalhes e interpretações específicas, a proposta deste trabalho é trazer à tona noções básicas acerca da legislação brasileira envolvendo a improbidade administrativa, regulamentada pela Lei Federal nº 8.429, de 03 de junho de 1992; de forma específica nos ateremos às regras básicas de caracterização do ato ímprobo, envolvendo necessariamente atos que importam em enriquecimento ilícito, que importam em prejuízo ao erário, que atentam contra os princípios da administração pública.

                O tema se mostra essencial, não somente para o administrador público, mas para todo servidor público, em qualquer esfera de governo, permitindo para tanto ser conhecedor dos seus deveres para com a administração, refletindo na execução das atividades vinculadas ao interesse público.

 

                1. A LEI 8.492/92

                A Lei nº 8.429/92 que trata da Improbidade Administrativa, enumera nos arts. 9 a 11, as hipóteses de responsabilização administrativa, ou seja, atos que configuram improbidade administrativa e, portanto, a legislação os sanciona justamente com o fim último de promover a proteção à probidade. Estes dispositivos indicam, de forma exemplificativa, as condutas que importam em enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário e atentem contra os princípios da administração pública, senão vejamos:

 

                1.1 ATOS QUE IMPORTAM EM ENRIQUECIMENTO ILÍCITO

                O artigo 9º da lei em comento dispõe que:

 

                Art. 9º - constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no art. 1º desta lei (...). (BRASIL, 1992)

 

                O enriquecimento ilícito administrativo sem justa causa conceitua-se pela constatação de acréscimo de bens ao patrimônio do agente público, em detrimento do erário, sem que para isso tenha havido motivo determinante justificável.

                Denota-se que sua configuração não é determinada pelo enriquecimento de grande vulto, bastando apenas a identificação de acréscimos ocorridos de forma indevida.

                Para se configurar enriquecimento ilícito é necessária a identificação de três quesitos essenciais, os quais citamos:

 

                A causa, ou ato, tenha sido praticado por um agente público;

                a inexistência de fundamento que justifique a apropriação alheia;

                a obtenção da vantagem por parte do agente público em virtude da sua condição profissional.

 

                Percebe-se que não há vinculação necessária entre o enriquecimento ilícito e a constatação de algum resultado danoso à Administração Pública, ou seja, para caracterizar o primeiro não há que obrigatoriamente se constatar o segundo, basta apenas a expectativa de sua efetivação.

 

                Ainda da análise do art. 9º realçamos o inciso I, que apresenta:

 

                Art. 9º (...) I - receber, para si ou para outrem, dinheiro, bem móvel ou imóvel, ou qualquer outra vantagem econômica, direta ou indireta, a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente de quem tenha interesse, direto ou indireto, que possa ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público. (BRASIL, 1992)

 

                Configura-se assim o recebimento de vantagens econômicas a título de comissão, percentagem, gratificação ou presente como exemplos de recebimento indevido às custas da função que o agente administrativo ocupa, realçando que a norma ao definir a expressão “para outrem” cerca também o entendimento de que não somente a vantagem conferida ao próprio agente é passível de questionamento, mas também sua concessão à família ou a terceiros com vinculação comprovada ao propósito da ação.

                Logo, é possível a responsabilização de agentes por força de enriquecimento de parentes ou terceiros que obtiveram vantagens vedadas pelo ordenamento jurídico.

                Os incisos seguintes estabelecem condutas relativas realização da despesa pública, estabelecendo que:

 

                II - perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem móvel ou imóvel, ou a contratação de serviços pelas entidades referidas no art. 1° por preço superior ao valor de mercado. (BRASIL, 1992)

 

                Vincula-se a atuação do Agente Público ao instituto da licitação, em especial às regras emanadas da Lei Federal nº 8.666/93, cuja inobservância possa caracterizar a percepção de vantagem econômica, configurando-se o enriquecimento ilícito.

                Já o inciso III estabelece que perceber vantagem econômica, direta ou indireta, para facilitar a alienação, permuta ou locação de bem público ou o fornecimento de serviço por ente estatal por preço inferior ao valor de mercado. (BRASIL, 1992).

                Nesta hipótese, o agente público visa beneficiar a terceiros em detrimento dos cofres públicos, pela alienação, permuta, locação de bem ou prestação de serviço, por valores inferiores aos praticados no mercado, pior ainda se gratuitamente.

                A legislação busca assim, cercar todo e qualquer tipo de desvio de conduta que vise deteriorar o erário em benefício do particular, caracterizado por um ato imputado a um executor e que se mostra desviado de seu curso legal e ético.

                O inciso IV traz como conduta ímproba:

 

                IV - utilizar, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidores públicos, empregados ou terceiros contratados por essas entidades. (BRASIL, 1992)

 

                A conduta prevista no inciso supra citado é prática historicamente conhecida na Administração Pública brasileira e se concretiza com a utilização irregular de bens, serviços e servidores das entidades já citadas em benefício próprio ou de qualquer outro particular.

                Outro ato de improbidade administrativa é citado no inciso V, que apresenta como conduta ímproba:

 

                V - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para tolerar a exploração ou a prática de jogos de azar, de lenocínio, de narcotráfico, de contrabando, de usura ou de qualquer outra atividade ilícita, ou aceitar promessa de tal vantagem. (BRASIL, 1992)

 

                Trata-se, portanto, de um ato grave, em que aquele que possui o dever profissional de reprimir práticas delituosas, se associa a particulares para, ao contrário, praticá-las ou permitir que ocorram.

                O inciso VI, importa igualmente em enriquecimento ilícito o ato ímprobo praticado pelo agente público que:

 

                VI - receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indireta, para fazer declaração falsa sobre medição ou avaliação em obras públicas ou qualquer outro serviço, ou sobre quantidade, peso, medida, qualidade ou característica de mercadorias ou bens fornecidos a qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei. (BRASIL, 1992)

 

                É fato que os atos administrativos revestem-se essencialmente de legitimidade, e por decorrência geram consequências fáticas, independentemente da verificabilidade judicial.

                Nestes termos, as manifestações de vontade expedidas pelas autoridades competentes, se estas agirem de maneira ímproba, podem, sem dúvida, causar dano ao Erário e atentar contra o interesse público. Note-se que o dispositivo exige o emprego de declaração, sendo este o ato que consuma a ação que frauda o direito e encobre a realidade.

                O inciso VII, acrescenta como ato de improbidade “adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à evolução do patrimônio ou à renda do agente público”. (BRASIL, 1992)

                Determina, por conseguinte, como ato ilícito, a constatação da evolução patrimonial do agente público de forma incompatível com a sua remuneração.

                Certamente a ilicitude terá ocorrido em momento anterior à aquisição dos bens, ocasionando, em decorrência, o enriquecimento indevido, presumindo-se que a capacidade financeira do agente público não comporta o patrimônio por ele arrecadado.

                A evolução patrimonial elevada e irregular, mesmo que os bens estejam em nome de terceiros, e que se mostre incompatível com a condição profissional do agente público, representa um indício da ocorrência do ato de improbidade administrativa.

                Marcelo Figueiredo, ao comentar o inciso em questão, critica a formulação feita pelo legislador, se não vejamos:

 

                A formulação não é feliz. O ato jurídico de aquisição de bens em desproporção com a renda do agente ou com sua evolução patrimonial não pode ser considerada ato de improbidade. É dizer, a simples aquisição isoladamente, não configura improbidade. A aquisição, a compra, a venda etc. são atos lícitos e permitidos. Existe na lei uma presunção de enriquecimento ilícito, situação muito similar às hipóteses previstas na legislação do imposto de renda, alusivas aos ‘sinais exteriores de riqueza’. É preciso ter cuidado ao aplicar o dispositivo. O intérprete deve dar caminhos e meios para que o agente possa justificar por todos os modos em Direito admitidos a origem de suas rendas e proventos e, assim, dar a oportunidade para que a ‘verdade real’ (em contraposição à ‘verdade formal’- das declarações de renda do agente ímprobo) venha à tona. (FIGUEIREDO, 2000, p. 72)

 

                Nestes termos, podemos estabelecer que caberá ao agente público justificar a origem do patrimônio questionado e sua condenação obrigatoriamente deve ser precedida de formalização do devido processo legal, com direito ao contraditório e ampla defesa por parte do acusado.

                Continuando a análise dos termos da legislação, temos o inciso VIII que indica como ato ímprobo:

 

                VIII - aceitar emprego, comissão ou exercer atividade de consultoria ou assessoramento para pessoa física ou jurídica que tenha interesse suscetível de ser atingido ou amparado por ação ou omissão decorrente das atribuições do agente público, durante a atividade. (BRASIL, 1992)

 

                Constata-se assim, como passível de punição, nos termos legais, o vínculo gerado entre o agente público e o particular, identificado na forma de emprego, comissão ou consultoria, com o fim último de atender algum interesse desse particular.

                O pilar deste entendimento encontra-se no princípio da impessoalidade, que de forma resumida veda a existência de qualquer relação hierárquica entre agentes públicos e particulares.

                O inciso IX assim estabelece como ato ilícito a constatação de percepção de “vantagem econômica para intermediar a liberação ou aplicação de verba pública de qualquer natureza”. (BRASIL, 1992)

                O fato descrito acima muitas vezes ocorre diante da burocracia estatal, não tendo até mesmo como estabelecer uma vinculação de causa e efeito. Em outros termos, se a burocracia incentiva a ocorrência deste ato ilícito ou se, em contrapartida, o agente utiliza a burocracia de forma a incentivar e, muitas vezes, obrigar que um particular necessite de seus serviços para a liberação da verba pretendida, originando a tão conhecida “propina”.

                No entanto, é clara a visualização de que qualquer ato de intermediação de verbas públicas por parte do agente público, estará, de alguma forma, favorecendo-o, configurando-se como um ato ilícito.

                O inciso X do artigo em comento determina como ato de improbidade administrativa "receber vantagem econômica de qualquer natureza, direta ou indiretamente, para omitir ato de ofício, providência ou declaração a que esteja obrigado”.

                Trata-se da omissão do agente público em relação a seus deveres, deveres estes que incluem o cumprimento ao princípio da legalidade e ao ato de dar execução à lei. Obviamente, como contrapartida, esta omissão origina o recebimento de vantagens ilícitas por parte do agente público.

                O inciso XI denomina o agente ímprobo como sendo aquele que "incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei”.

                São três os requisitos para o enquadramento na tipificação normativa prevista no inciso XI, quais sejam: que o autor seja agente público; que a coisa adquirida seja pública; e que ocorra a efetiva apropriação desta por parte do agente ímprobo.

                Por fim, estabelece o inciso XII do art. 9º da Lei de Improbidade Administrativa, que é ato de improbidade originário do enriquecimento ilícito "usar, em proveito próprio, bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1° desta lei”.

                Ressalta-se que o legislador tipifica apenas a utilização do bem em proveito próprio, sem que haja intenção de acrescentar o bem (apropriação), a renda, a verba ou valor ao seu patrimônio.

 

                1.2 ATOS QUE CAUSAM PREJUÍZO AO ERÁRIO

                O art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa fixa que:

 

                Art. 10 - constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: - O agente público deve ter em sua consciência o dever de fidelidade para com a Administração Pública, agindo com diligência e boa-fé, não podendo permitir que terceiros dilapidem o patrimônio público, muito menos poderá colaborar para que isto ocorra. (BRASIL, 1992)

 

                Diante da redação apresentada pela legislação, torna-se essencial distinguir o conceito de Erário e de Patrimônio Público. Patrimônio público possui um conceito mais abrangente, uma vez que compreende o conjunto de bens e direitos públicos de valor econômico, artístico, estético, histórico e turístico. Já o Erário integra o patrimônio público, limitando-se aos bens e direitos de valor econômico, ou seja, aos recursos financeiros do Estado.

                Os incisos I, II e III, dispõem sobre atos atinentes ao patrimônio público. De acordo com estes dispositivos, constitui ato de improbidade administrativa:

 

                I - facilitar ou concorrer por qualquer forma para a incorporação ao patrimônio particular, de pessoa física ou jurídica, de bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei.

                II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie.

                III - doar à pessoa física ou jurídica bem como ao ente despersonalizado, ainda que de fins educativos ou assistenciais, bens, rendas, verbas ou valores do patrimônio de qualquer das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem observância das formalidades legais e regulamentares aplicáveis à espécie. (BRASIL, 1992)

 

                Para a configuração do ato ilegal relacionado no inciso I visualiza-se como necessária a incorporação ao patrimônio particular de bens, rendas ou valores pertencentes à entidade pública, a conduta do agente facilitando ou concorrendo para a incorporação ilícita e o nexo entre a incorporação indevida e a atuação funcional dolosa ou culposa do agente público.

                Já o inciso II, veda a utilização do patrimônio público sem a observação das formalidades legais e a norma no inciso III proíbe doações ilícitas a pessoas físicas, jurídicas, "ente despersonalizado", ainda que de fins educativos ou assistenciais.

                Denota-se que o instituto da doação possui nuances diferenciadas da adotada no direito privado.

                Marcelo Figueiredo trata a possibilidade do instituto da doação no direito público nos seguintes termos:

 

                Entendemos que a doação, enquanto instituto, é perfeitamente possível no direito público em geral, guardadas as peculiaridades do bem em questão e o interesse público exaustivamente justificado. Assim, desde que haja previsão legal, autorização legislativa, a conveniência, a expressa motivação do ato final, controles efetivos do legislativo e do Tribunal de Contas – enfim, transparência e legalidade no procedimento -, é possível a aplicação do instituto no direito público. (FIGUEIREDO, 2000, p.73)

 

                Os incisos IV, V e VIII, dispõem sobre atos atinentes às licitações. De acordo com estes dispositivos, constitui ato de improbidade administrativa:

 

                IV - permitir ou facilitar a alienação, permuta ou locação de bem integrante do patrimônio de qualquer das entidades referidas no art. 1º desta lei, ou ainda a prestação de serviço por parte delas, por preço inferior ao de mercado.

                V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado.

                VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente; (Redação dada pela Lei nº 13.019, de 2014)

 

                Os incisos IV e V são semelhantes. A diferença reside na posição da entidade pública e do particular no contrato ilícito. Enquanto no inciso IV, a Administração mediante conduta dolosa ou culposa de agente público vende, permuta ou aluga um bem público, ou ainda, presta serviço a terceiro por preço inferior ao do mercado, no inciso V, a entidade compra, permuta ou aluga bem ou contrata serviço particular por valor superior ao de mercado.

                Em virtude da complexidade dos processos licitatórios e da ausência, muitas vezes, de estrutura administrativa, é comum a observação do disposto no inciso supracitado. Entretanto, os meios de fiscalização estão cada vez mais presentes, inclusive com entidades da sociedade civil participando efetivamente do respectivo controle.

                Os incisos VI, VII, IX e X, dispõem sobre atos atinentes à Responsabilidade Fiscal e Tributária. De acordo com estes dispositivos, constitui ato de improbidade administrativa:

 

                VI - realizar operação financeira sem observância das normas legais e regulamentares ou aceitar garantia insuficiente ou inidônea.

                VII - conceder benefício administrativo ou fiscal sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie.

                IX - ordenar ou permitir a realização de despesas não autorizadas em lei ou regulamento.

                X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à conservação do patrimônio público. (BRASIL, 1992)

 

                Por fim, o inciso XI dispõe sobre atos de favorecimento a terceiros. De acordo com este dispositivo, constitui ato de improbidade administrativa:

 

                XI – permitir que se utilize, em obra ou serviço particular, veículos, máquinas, equipamentos ou material de qualquer natureza, de propriedade ou à disposição de qualquer das entidades mencionadas no art. 1° desta lei, bem como o trabalho de servidor público, empregados ou terceiros contratados por essas entidades. (BRASIL, 1992)

 

                1.3 ATOS QUE ATENTAM CONTRA OS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

                Com referência aos princípios que regem a administração pública, nosso objetivo agora é relatar os termos legais que definem os atos que atentam contra os mesmos.

                Cita-se de início os ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello no que se refere a violação dos princípios:

 

                Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível e seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. (MELLO, 2001, p.772)

 

                Neste arcabouço, temos o art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa que determina em seu caput que "constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições (...)" (BRASIL, 1992)

                Apresenta-se assim exemplificações de improbidade administrativa atentatórias contra os princípios da Administração Pública, sobre as quais expomos:

                O inciso I traz como conduta ímproba "praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência".

                Trata-se da prática por agente público de ato administrativo com fim ilegal, desvio de finalidade ou que extrapola as suas atribuições.

                O inciso II, define como ato de improbidade administrativa "retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício”.

                É dever do agente público se portar conforme suas obrigações perante a administração, não podendo por capricho, interesse pessoal ou mesmo ineficiência, deixar de cumprir suas obrigações para com a administração. Assim procedendo, estará tipificada a conduta do inciso II.

                Os incisos III e VII, definem, respectivamente, como ato de improbidade que viola o dever de sigilo:

 

                III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo. (BRASIL, 1992)

                VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço. (BRASIL, 1992)

 

                Muitos dos atos administrativos precisam ser realizados sem a antecipação da publicidade para não frustrar seus objetivos. Logo, quando exigido (através de lei), é vedado ao agente dar publicidade ou fornecer informações que minem o interesse público.

                É fácil perceber que determinadas informações, se vierem a público antes do momento certo, poderão prejudicar ou mesmo impedir o cumprimento da finalidade do ato administrativo.

                O inciso IV define como ato ímprobo que viola o dever de publicidade "negar publicidade aos atos oficiais". (BRASIL, 1992)

                O princípio da publicidade está previsto no art. 37, caput, da Constituição Federal, funcionando como uma garantia dos administrados.

                Há de existir transparência na gestão da coisa pública, sendo obrigatória a visibilidade social dos atos praticados.

                O inciso V traz como ato de improbidade administrativa por ferir o princípio da isonomia "frustrar a licitude de concurso público". (BRASIL, 1992)

                Por fim, traz o inciso VI como conduta ímproba do agente administrativo "deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo”.(BRASIL, 1992)

                O agente público tem o dever de prestar contas de dinheiro, bens e outros valores públicos de que tenha utilizado em sua administração. Trata-se de exigência constitucional prevista no art. 70, parágrafo único. Presume-se que o agente que deixa de prestar contas para com a Administração, o faz por estarem irregulares.

                A legislação aborda ainda outros temas de grande importância, como sanções administrativas aplicáveis quando configurado o ato ímprobo, e hipóteses de prescrição e decadência, temas também salutares e que serão abordados em outra oportunidade, dada sua extensão e importância.

 

                REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

                BRASIL, Constituição Federal, promulgada em 05 de outubro de 1988. Disponível em :< https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em 15 mai. 2006;

                BRASIL, Lei nº 8.429, de 03 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis aos agentes públicos nos casos de enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional e dá outras providências. Disponível em :< https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em 15 mai. 2006;

                BRASIL, Lei nº 8.666, de 21 de junho de1993. Regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências. Disponível em :< https://www.planalto.gov.br/>. Acesso em 15 mai. 2006;

                FIGUEIREDO, Marcelo. Probidade administrativa. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.

                GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 2 tiragem. Rio de Janeiro. Lumen Juris: 2002;

                MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 14 ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

                NETO, Eurico Bitencourt. Improbidade Administrativa e Atentado aos Princípios da Administração Pública, 2ª ed. São Paulo, 2000.

                NUNES, Silvério Carvalho. Legalidade Justa e Moralidade Administrativa. 3ª ed. São Paulo. 2001

                PAZZAGLI FILHO, Marino. ROSA, Márcio Fernando Elias. FAZZIO JR. Waldo. Improbidade administrativa – aspectos jurídicos da defesa do patrimônio público. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

                PAZZAGLI FILHO, Marino. Lei de improbidade administrativa comentada: aspectos constitucionais, administrativos, civis, criminais, processuais e de responsabilidade fiscal: legislação e jurisprudência atualizadas. São Paulo: Atlas, 2002;

 

 


*Contadora, Administradora, pós-graduada em Auditoria e em Gestão Pública, colaboradora/consultora do BEAP.

 

 


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