APELAÇÃO CÍVEL - A 60 (SESSENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS - NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF35424 - BEAP

 

 

                EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - DIREITO PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO ORDINÁRIA - CONCURSO PÚBLICO - INAPTIDÃO NO EXAME MÉDICO - VALOR ATRIBUÍDO À CAUSA INFERIOR A 60 (SESSENTA) SALÁRIOS MÍNIMOS - COMPETÊNCIA - DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA - LEI FEDERAL Nº 12.153/2009 - NECESSIDADE DE PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL - IRRELEVÂNCIA - DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA

                - É do Juizado Especial da Fazenda Pública, por força do artigo 2º da Lei Federal nº 12.153/2009, a competência absoluta para processar, conciliar e julgar causas cíveis de até 60 (sessenta) salários mínimos, ajuizadas em desfavor do Estado, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, excetuadas aquelas demandas elencadas no § 1º do referido artigo.

                - Tratando-se de controvérsia envolvendo a declaração de direitos, ajuizada depois de 23.06.2015, não se aplicam mais as limitações de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, impostas pelas Resoluções 641/2010 e 700/2012, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, conforme permitido pelo artigo 23 da Lei Federal nº 12.153/2009.

                - A necessidade de realização de prova pericial não afasta, por si só, a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, sendo autorizada expressamente pelo artigo 10 da Lei 12.153/2009, a realização dos exames técnicos de baixa complexidade.

                - O reconhecimento da incompetência absoluta do Juízo da Fazenda Pública induz a remessa dos autos ao juízo competente.

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.16.094407-0/001 - Comarca de ...

 

Apelante(s): ...

Apelado(a)(s): ...

 

A C Ó R D Ã O

 

                Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de ..., na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E, DE OFÍCIO, ANULAR A SENTENÇA, DETERMINANDO A REMESSA DOS AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚLICA.

 

DES. MOACYR LOBATO

Relator

 

V O T O

 

                Trata-se de recurso de apelação cível interposto por ... contra a sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da 1ª Vara da Fazenda Pública e Autarquias da Comarca de Belo Horizonte que, nos autos da ação ordinária, ajuizada em desfavor do ESTADO ..., extinguiu o processo, sem resolução do mérito, nos termos dos artigos 267, IV, do CPC/1973, ante a incompetência absoluta reconhecida de ofício, condenando o autor ao pagamento das custas processuais, suspensa a exigibilidade, por litigar sob o pálio da justiça gratuita.

                Em suas razões, o autor/apelante sustenta, em síntese, que o MM. Juiz de Primeira Instância julgou extinto o feito, por se tratar de ação cujo valor da causa seria inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, razão pela qual a competência seria do Juizado Especial da Fazenda Pública, mas que, a despeito do valor da causa ser inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, o caso não está dentre as hipóteses da Resolução 700/2012, do Tribunal de Justiça do Estado de ..., e que, além disso, também demandará dilação probatória consubstanciada em prova pericial, razão pela qual deveria ser anulada a sentença proferida nestes autos, determinando-se a regular tramitação para análise da questão de mérito, com produção de prova pericial. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso.

                O réu/apelado, em suas contrarrazões, pugnou pela manutenção da sentença.

                Recurso próprio e tempestivo, ausente o preparo em face da justiça gratuita deferida.

                Passo a decidir.

                A Lei Federal nº 12.153/2009 dispôs acerca da competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública estabelecendo em seu artigo 2º, o âmbito de sua competência:

               

                Art. 2º É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos.

                § 1º Não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública:

                I - as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos;

                II - as causas sobre bens imóveis dos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios, autarquias e fundações públicas a eles vinculadas;

                III - as causas que tenham como objeto a impugnação da pena de demissão imposta a servidores públicos civis ou sanções disciplinares aplicadas a militares.

                § 2º Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de 12 (doze) parcelas vincendas e de eventuais parcelas vencidas não poderá exceder o valor referido no caput deste artigo.

                § 3º (VETADO)

                § 4º No foro onde estiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta.

 

                É certo que o artigo 23 da mencionada Lei Federal 12.153/09 dispôs:

 

                Art. 23. Os Tribunais de Justiça poderão limitar, por até 5 (cinco) anos, a partir da entrada em vigor desta Lei, a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, atendendo à necessidade da organização dos serviços judiciários e administrativos.

                E, no âmbito do Tribunal de Justiça de ..., tal limitação se deu por meio das Resoluções 641/10 e 700/12.

                Todavia, em se tratando de ações ajuizadas a partir de 23.06.2015, ou seja, mais de 5 (cinco) anos depois da entrada em vigor da Lei Federal nº 12.153/2009, os critérios para a definição da competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública são apenas aqueles estabelecidos na mencionada legislação federal, não se aplicando mais as limitações feitas por este eg. TJMG, por meio das Resoluções referidas.

                No caso dos autos, o autor/apelante deu à causa o valor de R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais).

                Com efeito, tratando-se de controvérsia cujo valor da causa é inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, resta manifesta a competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública.

                Acrescente-se, ademais, que o questionamento trazido no apelo a respeito de eventual necessidade de produção de prova pericial não se justifica, haja vista que, caso indeferida tal prova no Juizado Especial da Fazenda Pública, caberá ao autor/apelante, querendo, se insurgir contra tal decisão pelos meios próprios.

                Além disso, o Enunciado nº 11 do FONAJE - Fórum Nacional de Juizados Especiais -, afasta da competência dos Juizados Especiais apenas as causas que demandem produção de prova de maior complexidade, mostrando-se oportuna a transcrição:

 

                ENUNCIADO 11 - As causas de maior complexidade probatória, por imporem dificuldades para assegurar o contraditório e a ampla defesa, afastam a competência do Juizado da Fazenda Pública.

 

                Pela análise do que dos autos consta, tenho que a competência para processamento e julgamento da ação ordinária no caso em questão é do Juizado Especial da Fazenda Pública.

                Isso porque, a despeito do enunciado mencionado, a necessidade de realização de prova pericial não afasta, por si só, a competência absoluta dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, sendo autorizada, pelo artigo 10 da Lei Federal nº 12.153/2009 a realização dos exames técnicos:

 

                Art. 10. Para efetuar o exame técnico necessário à conciliação ou ao julgamento da causa, o juiz nomeará pessoa habilitada, que apresentará o laudo até 5 (cinco) dias antes da audiência.

 

                Sobre o tema já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça:

 

                ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. VALOR ATÉ 60 SALÁRIOS MÍNIMOS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PROPOSTA PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECONHECIMENTO DE DIREITO INDIVIDUAL. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS.

                1. A orientação desta Corte de Justiça é no sentido de que as causas relacionadas a fornecimento de medicamentos até 60 salários mínimos submetem-se ao rito dos Juizados Especiais, não sendo a necessidade de perícia argumento hábil a afastar a referida competência.

                2. A presente ação civil pública, ajuizada pela Defensoria Pública do Estado de ..., busca o reconhecimento de direito individual determinado, ainda que sob a forma de ação coletiva, qual seja, o direito da assistida para acesso a medicamento para tratamento de nefrite lúpica (lúpus). Portanto, a competência é do Juizado Especial Federal.

                3. "A Primeira Seção desta Corte firmou o entendimento de que a exceção à competência dos Juizados Especiais Federais prevista no art. 3º, § 1º, I, da Lei 10.259/2001 se refere apenas às ações coletivas para tutelar direitos individuais homogêneos, e não às ações propostas individualmente pelo próprios titulares". (CC 83.676/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, DJU de 10.09.07). Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 1469836/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 03.03.2015, DJe 09.03.2015).

 

                PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO PROPOSTA CONTRA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO. JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. ARTIGO 2º DA LEI 12.153/2009. NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL COMPLEXA. VALOR DA CAUSA INFERIOR A 60 SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA ABSOLUTA.

                1. O art. 2º da Lei 12.153/2009 possui dois parâmetros - valor e matéria - para que uma ação possa ser considerada de menor complexidade e, consequentemente, sujeita à competência do Juizado Especial da Fazenda Pública.

                2. A necessidade de produção de prova pericial complexa não influi na definição da competência dos juizados especiais da Fazenda Pública. Precedente: REsp 1.205.956/SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 01.12.2010; AgRg na Rcl 2.939/SC, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, DJe 18.09.2009; RMS 29.163/RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe 28.04.2010.

                3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 753.444/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13.10.2015, DJe 18.11.2015).

 

                No mesmo sentido, o entendimento deste eg. Tribunal de Justiça:

 

                CONFLITO DE COMPETÊNCIA SUSCITADO PELA PARTE - AÇÃO ORDINÁRIA - CURSO DE FORMAÇÃO DE SOLDADOS - CANDIDATO CONTRAINDICADO - VALOR DA CAUSA INFERIOR A SESSENTA SALÁRIOS MÍNIMOS - NECESSIDADE DE REALIZAÇÃO DE PERÍCIA - POSSIBILIDADE - BAIXA COMPLEXIDADE - COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA RECONHECIDA.

                - A Lei Federal n. 12.153/2009 estabelece a competência absoluta dos Juizados Especiais da Fazenda Pública para processar e julgar feitos cujo valor da causa é inferior a 60 (sessenta) salários mínimos.

                - A eventual necessidade de realização de prova pericial, por si só, não possibilita o afastamento de referida competência, notadamente quando a perícia não é de grande complexidade, como é o caso. (TJMG - Conflito de Competência 1.0000.16.018708-4/000, Relator(a): Des.(a) Versiani Penna, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 15.07.2016, publicação da súmula em 26.07.2016).

 

                CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA E VARA DA FAZENDA PÚBLICA. AÇÃO NA QUAL É OBJETIVADA A APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TÉRMINO DA VIGÊNCIA DA RESOLUÇÃO Nº 700/2012 QUE LIMITAVA A COMPETÊNCIA MATERIAL DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. HIPÓTESE QUE NÃO SE ENQUADRA NAS EXCEÇÕES À COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS PREVISTA NO ART. 2º, §1º, DA LEI 12.153/09. PRODUÇÃO DE PROVA PERICIAL. COMPETÊNCIA DO SUSCITADO.

                - A competência limitada do Juizado Especial da Fazenda Pública instituída pela Resolução nº 700/2012, em face de autorização da Lei nº 12.153/2009, expirou em 23 de junho de 2015, e, a partir desta data, as causas cujo valor econômico seja igual ou inferior a 60 salários mínimos não mais integram a competência da justiça estadual, excetuadas as ações mencionadas no art. 2º, § 1º, da referida lei.

                - São dois os critérios para fixação de competência do Juizado Especial da Fazenda Pública: o valor da causa e a matéria; sendo certo que a dilação probatória no âmbito dos Juizados Especiais é admitida por expressa previsão legal e não pode ser utilizada como mais um critério para definição de competência. (TJMG - Conflito de Competência 1.0000.16.038640-5/000, Relator(a): Des.(a) Alberto Vilas Boas, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28.06.0016, publicação da súmula em 04.07.2016).

 

                Na espécie, vê-se que pretende o autor/apelante a realização de perícia técnica para comprovar sua aptidão para o cargo para o qual prestou concurso público, perícia essa que se revela de baixa complexidade, incluída na hipótese do artigo 10 transcrito.

                Nesse sentido, no caso em tela, considerando a elaboração da prova em questão, a fixação da competência do Juizado Especial da Fazenda Pública não afronta aos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade economia processual e celeridade, inexistindo óbice para a tramitação da demanda em seu âmbito.

                Em caso semelhante decidiu este e. Tribunal:

 

                CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA - JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA - VARA DA FAZENDA PÚBLICA - CERTIDÃO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO COMO ALUNO APRENDIZ - AÇÃO QUE DEMANDA EXAME PERICIAL - PERÍCIA DE BAIXA COMPLEXIDADE - COMPETÊNCIA DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA

                - A competência é o critério para distribuição entre os órgãos judiciários das atribuições relativas ao desempenho da jurisdição.

                - Conforme o Enunciado nº 11 do FONAJE, as causas de maior complexidade probatória, por imporem dificuldades para assegurar o contraditório e a ampla defesa, afastam a competência do Juizado da Fazenda Pública.

                - A realização de exames técnicos de baixa complexidade no âmbito dos Juizados Especiais é autorizada pelo art. 10 da Lei nº 12.153/09. (TJMG - Conflito de Competência 1.0000.16.009279-7/000, Relator(a): Des.(a) Dárcio Lopardi Mendes, 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 07.07.0016, publicação da súmula em 12.07.2016).

 

                Com efeito, deve ser reconhecida a competência do Juizado Especial da Fazenda Pública para julgamento da presente demanda, eis que inserida no rol de competência absoluta previsto pelo art. 2º da Lei Federal nº 12.153/2009, não afastada pela necessidade de produção de prova técnica.

                Noutro giro, diferentemente do desfecho sentencial que extinguiu o feito sem resolução meritória, deveria o digno Juiz da causa declinar da competência, remetendo os autos ao órgão jurisdicional competente, nos termos do artigo 113, § 2º, do CPC/1973, aplicável à espécie:

 

                Art. 113. (...)

                § 2º. Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao juiz competente.

                Isso porque, sendo o juízo de origem absolutamente incompetente para apreciar e julgar a demanda, cabível será a declinação, com a consequente remessa dos autos, ao juízo competente, apresentando-se a extinção prematura medida que desprestigia a moderna concepção do processo, sustentada pelos princípios da economia, instrumentalidade e celeridade processual, orientada pelo aproveitamento máximo dos atos processuais quando não há prejuízo para a defesa das partes.

 

                Mediante tais considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO E, DE OFÍCIO, ANULO A SENTENÇA, DETERMINANDO A REMESSA DOS PRESENTES AUTOS AO JUÍZO COMPETENTE DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA.

                Custas, na forma da lei.

                DES. LUÍS CARLOS GAMBOGI - De acordo com o(a) Relator(a).

                JD. CONVOCADA LÍLIAN MACIEL SANTOS

                Acompanho o E. Relator em seu judicioso voto, tecendo algumas considerações

                Pretende o autor que seja anulada a r. sentença, tendo em vista que a despeito do valor da causa ser inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, o caso não está dentre as hipóteses da Resolução 700/2012, do Tribunal de Justiça do Estado de ..., e que, além disso, a ação demandará dilação probatória consubstanciada em prova pericial.

                O recorrente atribuiu à causa o valor de R$ 880,00 (oitocentos e oitenta reais).

                É importante ressaltar que a competência dos juizados especiais não se limita à questão referente à matéria elencada no artigo 2º da Lei nº 12.153/2009 e ao valor da causa.

                Há de se dar uma interpretação sistêmica da Lei nº 12.153/2009 em consonância com o art. 98, I, da Constituição da República que estatui, verbis:

 

                "Art. 98 - A União, o Distrito Federal, os Territórios e os Estados criarão:

 

                I - juizados especiais, providos por juízes togados ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau". - grifamos.

 

                Noutros dizeres, é possível verificar-se que o principal critério orientador da competência dos juizados Especiais Cíveis e da Fazenda Pública não é o limite valorativo dos bens jurídicos que estão "sub judice". Mas antes e, principalmente, a menor complexidade em termos probatórios da matéria envolvida na controvérsia.

                À toda evidencia, não é o maior ou menor valor dado à causa que necessariamente deva ser analisado e sim o grau de sua complexidade.

                No caso em tela, verifica-se que o Autor se submeteu ao Concurso Público sendo aprovado no certame para o cargo de Professor de Educação Básica - PEB - Nível I, Grau A - Matemática, classificação 136º. Nomeado em 27.06.2015 para a vaga ED 147107.

                Apresentou-se para realização do exame pré-admissional em 20.07.15, porém foi considerado inapto por apresentar "disfonia moderada além de alteração em análise acústica".

                Diante do pedido de prova pericial por parte do Autor, tem-se que tal prova é imprescindível para o desate da lide. Assim, somente a realização de perícia médica tem o condão de esclarecer indubitavelmente se o Autor apresenta ou não o problema alegado na inaptidão do exame pré-admissional.

                Em recente decisão publicada em 30.09.2016, o Órgão Especial desse Eg. Tribunal deu contornos ao tema, analisando a questão sob a ótica do rito imprimido pelo julgador. Se foi o procedimento comum o adotado a competência é da justiça comum e a competência recursal do Tribunal de Justiça. Se, ao contrário, o rito estabelecido foi do procedimento especial dos juizados especiais, nessa situação, a instância revisora seria a Turma Recursal.

                Neste sentido decidiu o Órgão Especial do TJMG:

 

                "CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA - ANULAÇÃO DE MULTA DECORRENTE DE INFRAÇÃO DE TRÂNSITO - RESOLUÇÕES 641/2010 E 700/2012, AMBAS DO TJMG - DEMANDA QUE TRAMITOU PERANTE JUIZ DE DIREITO COM JURISIDÇÃO COMUM E COM OBSERVÂNCIA DO PROCEDIMENTO COMUM ORDINÁRIO - COMPETÊNCIA RECURSAL - CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Em se tratando de sentença proferida por Juiz de Direito com jurisdição comum, em demanda que tramitou sob o procedimento comum ordinário, a competência para apreciar o recurso de apelação é da 1ª a 8ª Câmaras Cíveis do TJMG, e não da Turma Recursal do Juizado Especial. Com efeito, no caso dos autos, a despeito da matéria, da data de ajuizamento, do valor da causa, e do fato de ter sido apreciada por Juiz de Direito com jurisdição comum investido da competência prevista na Lei 12.153/19, não se observou o disposto na Resolução nº641/10, pois a demanda não tramitou conforme o rito previsto nesta Lei Federal. Assim, não há sentença proferida no âmbito dos Juizados Especiais da Fazenda Pública, conforme a Lei de regência destes e, como consequência, o recurso ora em apreço não se trata de recurso inominado, mas sim de recurso de apelação, a ser julgado por Câmara Cível do TJMG." (TJMG - Conflito de Competência 1.0000.16.027602-8/000, Relator(a): Des.(a) Geraldo Augusto, ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 14.09.2016, publicação da súmula em 30.09.2016).

 

                Assim, é possível extrair-se do julgamento acima, que a questão deve ser analisada sob a ótica da complexidade da causa e, que se o julgador ao despachar a inicial, imprimiu o rito comum, tal fato sugere que, em sua análise, a questão deva ser discutida na justiça comum e não no âmbito dos juizados especiais.

                A diretriz sobre a questão da complexidade já foi no RE 537.427, em que se destaca a seguinte ementa:

 

                "COMPETENCIA - JUIZADOS ESPECIAIS - CAUSAS CÍVEIS. A excludente da competência dos juizados especiais - complexidade da controvérsia (artigo 98 da Constituição Federal) - há de ser sopesada em face das causa de pedir constantes da inicial, observando-se em passo seguinte, a defesa apresentada pela parte acionada.

 

                Destaca-se nesse aspecto, os argumentos do voto-vista do i. Min. Ayres Britto:

 

                "Daqui se segue que o valor da causa não parece uma boa referência para a fixação da competência dos juizados especiais, apesar de sua previsão como um dos critérios objetivos do art. 3º da Lei 9.099/95. É que litígios existem como de menor complexidade fático-probatória, mas de expressiva dimensão patrimonial, como causas existem em sentido inverso: de simplificada demonstração quanto à sua base empírica, mas de grande vulto económico."

 

                Não se desconhece o entendimento recente explanado pelo colendo STJ, que não exime a competência do Juizado Especial apenas a necessidade de produção de provas, 'in verbis':

 

                "PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO PROPOSTA CONTRA O ESTADO DO RIO DE JANEIRO. JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. ARTIGO 2º DA LEI 12.153/2009. NECESSIDADE DE PROVA PERICIAL COMPLEXA. VALOR DA CAUSA INFERIOR A 60 SALÁRIOS MÍNIMOS. COMPETÊNCIA ABSOLUTA. 1. O art. 2º da Lei 12.153/2009 possui dois parâmetros - valor e matéria - para que uma ação possa ser considerada de menor complexidade e, consequentemente, sujeita à competência do Juizado Especial da Fazenda Pública. 2. A necessidade de produção de prova pericial complexa não influi na definição da competência dos juizados especiais da Fazenda Pública. Precedente: REsp 1.205.956/SC, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 01.12.2010; AgRg na Rcl 2.939/SC, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, Primeira Seção, DJe 18.09.2009; RMS 29.163/RJ, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, DJe 28.04.2010. 3. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 753.444/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 13.10.2015, DJe 18.11.2015).

 

                Com a devida vênia, discordo do referido posicionamento do STJ, considerando que a complexidade no âmbito dos juizados especiais a firmar ou não sua competência, se revela justamente no contexto probatório.

                Não se pode jamais afastar da principiologia que rege a Lei 9.099/95, destacando-se o princípio da celeridade e da informalidade. A se autorizar a realização de prova pericial, com todo o arcabouço que rege esse tipo de prova, estar-se-ia, por sem dúvida, ordinarizando o rito da lei especial, em afronta a suas premissas principiológicas.

                Além do que, o Excelso Pretório, na qualidade de intérprete maior da norma constitucional, assevera que o critério que "decola diretamente da Carta do texto constitucional e que, por isso mesmo vincula" nos dizeres do Min. Aytes Britto,é "o do baixo teor de complexidade empírica da causa".

                Com a leitura do artigo 98, I da Constituição Federal, percebe-se que o principal critério orientador da competência da Justiça Especial não é o limite valorativo imposto pelo inciso I do artigo 3º da Lei nº 9099/95, mas antes e principalmente a menor complexidade da causa, possibilitando uma maior efetivação da tutela jurisdicional do Estado às demandas de fácil e simples solução sem a necessidade das partes recorrerem à Justiça Comum.

                A posição majoritária na doutrina e jurisprudência, é a de que causas de menor complexidade são aquelas que não necessitam de prova pericial, ou qualquer outro instituto que necessite da paralisação do processo, justamente com o escopo do alcance de um processo célere e econômico.

                Assim, o próprio legislador constitucional trata harmonicamente essa questão entre o conflito e a adequada necessidade de produção de provas que se necessite. Nesses termos, se o conflito exigir produção de prova pericial, o que entendo ser o caso, é porque apresentou grande ou considerável grau de complexidade fático-probatória, não sendo possível que a causa se processe nos juizados especiais.

                Contudo, apesar desta longa fundamentação, em homenagem ao princípio da uniformização e estabilidade da jurisprudência, previsto no artigo 926 do NCPC, curvo-me ao entendimento desta colenda Câmara.

                Em casos desse naipe a 5º Câmara entende que deva ser analisado tão somente o valor da causa, independente da complexidade probatória do pedido.

                Destarte, a fim de não prejudicar a prestação jurisdicional que deve ser célere e eficaz, acompanho o voto do relator.

 

 

BOCO9477---WIN/INTER

REF_BEAP