VÍNCULO DE EMPREGO X AUTÔNOMO - DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO - MEF35512 - LT

 

 

PROCESSO TRT/RO Nº 01165-2014-004-03-00-1

 

Recorrentes :       (1) Totvs S.A.

                               (2) Rodrigo César Miranda de Sousa

Recorridos :         Os Mesmos

 

E M E N T A

 

                VÍNCULO DE EMPREGO x AUTÔNOMO. Pela análise das provas constituídas nos autos, é fácil concluir que a reclamada, ao impor ao reclamante a constituição de pessoa jurídica, buscou na verdade se eximir do cumprimento da lei trabalhista e previdenciária, atraindo a aplicação da previsão contida no art. 9º da CLT. As atividades desempenhadas pelo reclamante eram essenciais ao desenvolvimento, manutenção e subsistência das atividades básicas da demandada, da qual não poderia prescindir para operar e atender as suas finalidades, não restando demonstrada autonomia nos serviços prestados pelo reclamante por meio da sua empresa. Assim, se os serviços prestados pelo reclamante eram desenvolvidos de forma não eventual, onerosa, pessoal, e com subordinação jurídica, evidencia-se a presença de todos os elementos da relação de emprego entre as partes, o que autoriza a declaração do vínculo de emprego entre elas.

                Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recursos ordinários, oriundos da 4ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, em que figuram, como recorrentes, TOTVS S.A. e RODRIGO CÉSAR MIRANDA DE SOUSA, e, como recorridos, OS MESMOS.

RELATÓRIO

 

                O Juízo da 4ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte/MG, pela sentença de fls. 1056/1062, decidiu declarar, de ofício, a incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar e julgar o pedido de recolhimento das contribuições previdenciárias incidentes sobre as parcelas de natureza salarial pagas durante o alegado pacto laboral e não discutidas nos autos (item “c” do rol à fl. 12); declarou prescritas as pretensões referentes às parcelas com termo inicial de exigibilidade em data anterior a 16.07.2009, ressalvado o FGTS como parcela principal, cuja prescrição é trintenária, nos termos da Súmula 362 do TST, e, no mérito, resolveu julgar procedentes, em parte, os pedidos formulados, para condenar a reclamada ao pagamento das parcelas constantes da parte dispositiva da sentença.

                Embargos de Declaração opostos pelo reclamante (fls. 1069/1070) e julgados improcedentes (fls. 1072/1074).

                A reclamada interpôs recurso ordinário (fls. 1075/1079v.) alegando inexistência de relação empregatícia; insubsistência do pedido de declaração de nulidade do contrato de prestação de serviços; ausência dos elementos ensejadores do vínculo de emprego; requer a exclusão das seguintes parcelas: verbas rescisórias, PLR, vale alimentação, reajuste salarial, multa do artigo 477 da CLT, ressarcimento de despesas com deslocamento, RSR em relação às comissões e multa do artigo 477 da CLT.

                Preparo recursal às fls. 1080/1081.

                Recurso ordinário interposto pelo reclamante (fls. 1083/1093) requerendo sejam incluídas na condenação as seguintes parcelas: diferenças de comissões a partir de 01.04.2011; equiparação salarial e indenização do plano de saúde restituição de despesas com a constituição de pessoa jurídica por imposição da reclamada.

                Contrarrazões do reclamante (fls. 1098/1102) e da reclamada (fls. 1104/1106).

                Dispensada a remessa dos autos à PRT, ante a inexistência de interesse público capaz de justificar a intervenção do Órgão no presente feito (art. 82, II, do RI).

                É o relatório.

 

                JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

                Conheço dos recursos ordinários interpostos, porquanto atendidos os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade.

 

JUÍZO DE MÉRITO

                RECURSO DA RECLAMADA

                VÍNCULO DE EMPREGO

                VERBAS RESCISÓRIAS

                Insurge-se a reclamada em face do reconhecimento da relação empregatícia. Discorda da declaração de nulidade do contrato firmado entre a recorrente e a empresa do demandante. Assegura que firmou contrato de prestação de serviços entre duas pessoas jurídicas, por prazo certo, não havendo falar em relação de emprego e vislumbra violação direta aos artigos 2º e 3º da CLT.

                Alega que jamais houve qualquer tipo de exigência ou imposição da reclamada ao recorrido, para a constituição de pessoa jurídica, haja vista que a mesma já existia à data do ajuste do contrato de prestação de serviços em comento. Nega tenha ocorrido a alegada fraude, tampouco se vislumbra a presença de qualquer dos elementos caracterizados da relação de emprego, afirmando que o recorrido não possuía superior hierárquico.

                Salienta que o serviço prestado pelo reclamante era somado aos serviços prestados por outras empresas, realizado com total liberdade, sem controle de jornada e pago mediante nota fiscal. Aduz que as atividades do reclamante eram eventuais, impessoais e insubordinadas, na medida em que o obreiro não cumpria ordens emanadas pela reclamada, tendo absoluta autonomia na execução de suas atividades, comparecia apenas eventualmente na empresa, bem como podia ser substituído por qualquer outro funcionário.

                Argumenta que mesmo no trabalho autônomo há um traço fiscalizador e diretivo dos serviços, o que não configura subordinação jurídica, mas apenas a necessidade de que a contratante tenha a possibilidade de observar se o contrato está sendo cumprido.

                Afirma que como não há relação de emprego, via de consequência é a reforma da sentença quanto à anotação da CTPS, pagamento das verbas rescisórias (aviso prévio, 13º salário, férias + 1/3, FGTS + 40%, entrega de guias, PLR e vale alimentação, deferidos em primeiro grau.

                Examina-se.

                Para a caracterização de vínculo empregatício faz-se necessária a presença concomitante dos requisitos: pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e subordinação jurídica.

                Na inicial, o reclamante alegou que trabalhou para a reclamada no período de 25.03.1996 a 27.06.2013, sem solução de continuidade. Alegou que, incialmente teve sua CTPS assinada, situação esta que perdurou até 30.04.2009 e, em 01.05.2009, passou a laborar na modalidade PJ, tendo sido obrigado a constituir a pessoa jurídica denominada RCMS. Na modalidade PJ exerceu as funções de executivo de atendimento e relacionamento e gestor de atendimento e relacionamento, atuando, nos dois últimos casos, na venda de produtos e prospecção de clientes.

                A reclamada, por sua vez, em que pese ter negado o vínculo empregatício, admitiu a prestação de serviços por meio de pessoa jurídica pré-existente.

                E admitida a prestação de serviços, cabia à reclamada comprovar a tese defensiva, qual seja, a de trabalho autônomo, por se tratar de fato impeditivo ao direito do reclamante (art. 333, II do CPC). Contudo, do encargo não se desincumbiu, haja vista que as provas produzidas revelam que existiu relação de emprego entre as partes, estando presentes os requisitos indispensáveis, para a caracterização do vínculo empregatício, previstos nos artigos 2º e 3º da CLT.

                O reclamante prestou serviços em favor da reclamada durante dois períodos. O primeiro, com CTPS anotada, com admissão em 25.03.1996 e dispensada em 01.04.2009 (vide documentos de fls. 760/779).

                O segundo período, como pessoa jurídica constituída, denominada RCMS Suporte em Tecnologia e Informática Ltda (vide contrato de constituição da sociedade empresária limitada e ficha de inscrição cadastral junto à Prefeitura, às fls. 780/786). Registre-se que a pessoa jurídica foi cadastrada no “Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica” em 01.04.2009 (vide fl. 785).

                O contrato de prestação de serviços celebrado entre a reclamada e a empresa constituída pelo autor, juntado às fls. 787/793, tinha por finalidade promover ativamente a venda dos produtos e serviços; respeitar a política da TOTVS sobre a venda dos produtos e serviços; apresentar até o 5º dia do mês subsequente ao mês vencido relatórios mensais do andamento dos negócios e informações detalhadas sobre as condições de atuação no mercado corporativo, tais como a situação dos clientes e perspectivas de negócios e fornecer a TOTVS, sempre que solicitado, todas e quaisquer informações disponíveis em seus arquivos, relacionados a vendas e outras atividades previstas no contrato (vide, por exemplo, cláusula 8, fl. 788).

                Conforme se infere de fls. 17/46, estas atividades coincidem com as tarefas atribuídas pela reclamada através do Guia de Referência - versão 14.0, aos empregados que, como o reclamante, ocupavam o cargo de Executivo de Atendimento e Relacionamento.

                Trata-se de exercício de tarefas ínsitas às atividades primordiais da reclamada, pois de acordo com o estatuto social da demandada, a Companhia tem como objeto, dentre outros, (...) a prestação de serviços de consultoria, assessoria, exploração de direitos de uso de sistemas informatizados próprios ou de terceiros, (...) a prestação de serviços de processamento de dados, treinamento e compra e venda de computadores, seus acessórios, periféricos e suprimentos, podendo importar bens e serviços relacionados a sua atividade principal (...) prestação de serviços de consultoria em gestão de negócios (...) (artigo 3º - fl. 674).

                Inexistem dúvidas de que as atividades desempenhadas pelo reclamante são essenciais ao desenvolvimento, manutenção e subsistência das atividades básicas da demandada, da qual não pode prescindir para operar e atender as suas finalidades.

                Logo, pela análise das provas constituídas nos autos, é fácil concluir que ao impor ao reclamante a constituição de pessoa jurídica, a reclamada buscou, na verdade, se eximir da lei trabalhista e previdenciária, atraindo a aplicação da previsão contida no art. 9º da CLT.

                Ademais, ao contrário do alegado pela defesa, não restou demonstrada autonomia nos serviços prestados pelo reclamante por meio da sua empresa.

                Com efeito, o conjunto probatório dos autos revela que o autor foi empregado e não apenas trabalhador autônomo.

                Para melhor elucidação, transcreve-se a prova oral produzida, in verbis:

                Depoimento da preposta:

 

                que o reclamante trabalhou pela RM Sistemas a partir de 1996 nas funções de analista, coordenador e arquiteto com vínculo celetista e no período seguinte trabalhou para a reclamada com Pessoa Jurídica como executivo de vendas e depois como gerente; que como executivo de vendas o reclamante fazia vendas e como gerente estava ele subordinado à diretoria e a ele subordinado o pessoal de vendas; que como executivo de vendas o reclamante não tinha metas a cumprir; que como gerente o reclamante coordenava a equipe de vendas, mas não tinha metas; que na área de vendas havia várias equipes cada uma subordinada a um gerente; que era a diretoria que determinava a equipe na qual trabalharia um executivo; que a área de vendas era dividida em seguimentos; que a diretoria também determinava o seguimento de cada executivo; que a diretoria a qual ficam subordinadas as pessoas jurídicas é lotada em São Paulo; que o executivo de vendas não é responsável também pelo pós-vendas; (...) que à época do reclamante havia na reclamada funcionário celetista que trabalhava nas vendas; (...).

 

                A testemunha do reclamante, Flávio Ricardo Conrado, declarou, in verbis:

 

                que trabalhou para a reclamada de 1997 a 2013, à exceção do período de 2000 a 2005, em que trabalhou para outra Empresa; que nesses dois períodos em que trabalhou para a ré, laborou o depoente como consultor, gerente de projetos e gerente de vendas; que trabalhou com o Reclamante em Belo Horizonte, a partir de 2007; que nesse período o Reclamante trabalhou como arquiteto de vendas, vendedor/executivo de vendas e gerente de vendas; que como executivo o Reclamante estava subordinado ao depoente que já exercia a função de gerente; que o Reclamante mesmo como executivo ou gerente de vendas tinha metas mensais e anuais a cumprir; que o Reclamante como executivo recebia salário fixo mais variável; (...) que mesmo como gerente o Reclamante tinha metas a cumprir; que os gerentes de vendas estavam subordinados ao diretor regional, lotado em Belo Horizonte, no mesmo escritório; (...) que o diretor regional também dava ordens aos executivos diretamente; que os responsáveis pelos pós-venda são o vendedor e o gerente; (...) que não era o depoente quem fazia o pagamento ao Reclamante de sua remuneração; que conhece os valores da remuneração do Reclamante, pois o depoente era gestor dele e o depoente participou do processo de seleção do Reclamante para gerente.

 

                A outra testemunha ouvida a rogo do reclamante, Fabiana Rezende, declarou, in verbis:

 

                que trabalhou para a Reclamada de 1997 a 2014; que trabalhou nas seguintes áreas e nessa ordem: desenvolvimento, implantação e comercial; que na área comercial trabalhou a depoente inicialmente como arquiteta, depois como executiva de atendimento e relacionamento, conhecida esta última função como vendedor; que trabalhou com o Reclamante no mesmo local; que trabalhou na mesma equipe que o Reclamante quando ele era executivo de vendas e depois quando promovido à gerente, a depoente estava a ele subordinada; que o documento de fls,439, refere-se ao mapa de vendas que era acompanhado pelos executivos, gerentes e pelo diretor; que o diretor comercial ficava lotado em Belo Horizonte.

 

                Conclui-se, pelo depoimento da preposta, que o reclamante, como executivo de vendas e como gerente, estava subordinado à diretoria e que, na área de vendas, havia várias equipes, cada uma subordinada a um gerente, sendo que era a diretoria que determinava a equipe e em qual segmento trabalharia o executivo.

                Quanto à subordinação, restou comprovado que o reclamante era subordinado ao gerente e ao diretor, conforme se extrai do citado depoimento. Além do mais, o fato de os representantes comerciais ficarem alocados na reclamada, com mesa e local próprio de trabalho é mais um indício da subordinação jurídica existente.

                As testemunhas também demonstraram as rotinas de trabalho na reclamada e revelaram que o reclamante sofria fiscalização diária em suas atividades, executando-as sob ordem e controle direto da reclamada, não possuindo ampla liberdade na condução de seu negócio, sendo obrigado a comparecer rotineiramente na empresa. Inexistia, pois, qualquer espaço para que o autor exercesse a autonomia na prestação dos seus serviços, laborando ele, na verdade, de forma pessoal, subordinada e não eventual. Acrescente-se que os pagamentos pelos serviços mediante notas fiscais, com periodicidade mensal, evidenciam o pressuposto da onerosidade.

                Assim, se os serviços prestados pelo reclamante eram desenvolvidos de forma não eventual, onerosa, pessoal, e com subordinação jurídica, evidencia-se a presença de todos os elementos da relação de emprego entre as partes, o que autoriza a declaração do vínculo de emprego entre elas, tal como decidido na origem.

                Na hipótese dos autos, configurou-se o que a doutrina tem denominado por pejotização, fenômeno no qual os empregados prestam serviços através de pessoa jurídica para a empresa (empregadora), na tentativa de burlar o cumprimento das leis trabalhistas, dissimulando a relação de emprego, o que não pode ser tolerado, incidindo, no caso, o art. 9º/CLT.

                Ressalta-se que a empresa não foi constituída pelo reclamante, anteriormente à contratação pela reclamada, uma vez que desde 25.03.1996 ele já laborava em favor desta última, na qualidade de analista de sistemas, coordenador de T.I. e arquiteto, sucessivamente.

                Por todo o exposto, considerando as circunstâncias fáticas que delineiam o caso concreto, bem analisadas pelo douto sentenciante, prevalece a ideia de que a relação havida entre as partes era permeada pelos pressupostos fáticos jurídicos da relação de emprego, previstos nos arts. 2º e 3º, da CLT.

                E mantido o vínculo de emprego, mero corolário é o pagamento das verbas rescisórias (aviso prévio, 13º salários, férias + 1/3, FGTS + 40%, entrega de guias), PLR e vale alimentação, deferidos em primeiro grau, bem como a anotação da CTPS obreira.

                Nada a modificar.

 

                MULTA DO ARTIGO 477 DA CLT

                Insurge-se a reclamada em face da r. sentença que a condenou ao pagamento da multa prevista no art. 477/CLT.

                Examino.

                O fato de o vínculo empregatício ter sido reconhecido somente em juízo não constitui óbice para a aplicação da multa do art. 477, mormente quando foi constatada fraude por meio de celebração de contrato de natureza civil.

                Nesse sentido é a OJ 25 deste TRT, in verbis:

                Mesmo havendo séria controvérsia sobre a existência do vínculo empregatício e sendo este reconhecido apenas em juízo, aplica-se ao empregador a multa por atraso no pagamento das verbas rescisórias.

 

                A necessidade de pronunciamento judicial a respeito da controvérsia instaurada elide apenas a multa do art. 467 da CLT e não a mora prevista no art. 477 da CLT, vez que de acordo com o disposto no § 8° do referido dispositivo legal, a multa somente é indevida nas hipóteses em que, comprovadamente, o trabalhador der causa à mora.

                Provimento que se nega.

 

                RESSARCIMENTO DE DESPESAS COM TRANSPORTE

                A reclamada afirma que, dada a ausência de vínculo de emprego, não prospera o pedido de ressarcimento dos valores gastos com transporte. Alega que o transporte é benefício que o empregador antecipará ao empregado para despesas com deslocamento, o que não é o caso do reclamante, que não era seu empregado.

                Examina-se.

                O depoimento do preposto demonstrou a utilização de veículo próprio na prestação dos serviços, conforme abaixo transcrito, in verbis:

 

                (...) que o executivo visita clientes com veículo próprio; que a reclamada paga uma ajuda de custo para cobrir despesas com quilometragem; que desconhece o valor desta ajuda de custo; que não sabe quantos quilômetros eram rodados pelo reclamante por mês; (...).

 

                E confessada a utilização de veículo próprio na prestação dos serviços, pois necessário para a realização de visitas a clientes em favor da reclamada, forçoso manter o pagamento das despesas com veículo e a respectiva indenização. Isso porque competia ao empregador fornecer aos seus empregados os meios necessários à prestação de serviços, não podendo transferir o custo do empreendimento ao trabalhador.

                O uso de veículo particular pelo trabalhador, para consecução dos serviços em benefício da empregadora, sem o ressarcimento total das despesas com o seu uso, importa em transferência dos riscos da atividade econômica ao obreiro, em ofensa ao art. 2º/CLT.

                Nada a prover.

 

                PAGAMENTO DO RSR EM RELAÇÃO ÀS COMISSÕES

                Volta-se a reclamada contra a condenação. Afirma que todos os pagamentos foram realizados a tempo e modo, não demonstrando o autor a existência de diferenças a seu favor.

                Ao exame.

                É incontroverso que o autor recebeu comissões pelas vendas realizadas, seja como empregado, seja quando trabalhando sob a veste da pessoa jurídica.

                Nesta toada, é certo que é devido o pagamento do repouso semanal remunerado considerando que o empregado recebia remuneração composta de parte fixa mais comissões. Nesse sentido, o artigo 7º, da Lei 605 /49 e a Súmula 27 do TST: É devida a remuneração do repouso semanal e dos dias feriados ao empregado comissionista, ainda que pracista.

                Importante destacar que além de vedado o salário complessivo, não ficou provado o pagamento do RSR nos recibos de pagamento juntados, ônus da reclamada, em razão do princípio da aptidão para a prova.

                Portanto, fica mantida a condenação e desprovido o recurso.

 

                RECURSO DO RECLAMANTE

                DIFERENÇAS DE COMISSÕES A PARTIR DE 01.04.2011

                Segundo o reclamante, a partir de 01.04.2011 houve modificação no pagamento dos valores das comissões, pois a reclamada passou a descumprir o contrato de remuneração vigente a partir de setembro de 2010, que estipulava o pagamento das comissões com base nos percentuais previstos às fls. 416/426. Afirma que apesar da mudança de função não houve qualquer mudança no fato gerador das comissões, prevalecendo o contratado nas folhas 416/426.

                Entende que a alteração no cálculo das comissões descumpre o contrato vigente de setembro de 2010 até o final do pacto laboral, além de acarretar alteração contratual lesiva. Aduz que houve confissão ficta da preposta quanto ao tema e que a prova oral comprovou a redução salarial.

                Pretende sejam pagas diferenças de comissões, a serem apuradas dos documentos juntados aos autos, conforme a planilha de fl. 428 e documentos denominados “MAPA DE VENDAS - TOTVS BELO HORIZONTE”, sendo que o mapa relativo ao ano de 2011, 2012 e 2013 encontram-se às fls. 436/642 dos autos.

                Ao exame.

                A testemunha do reclamante, Flávio Ricardo Conrado, declarou, in verbis:

 

                (...) que o Reclamante como executivo recebia salário fixo mais variável; que as comissões eram pagas da seguinte forma: 05% sobre as licenças, 03% sobre os serviços e 80% sobre as duas primeiras manutenções; que o Reclamante era um dos vendedores que mais "performavam" a equipe do depoente e a sua remuneração mensal, incluindo fixo e variável giravam em torno de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais); que o Reclamante sofreu uma perda salarial muito grande quando passou a gerente, percebendo um remuneração mensal em torno de R$ 12.000,00 a R$ 13.000,00, aí incluídos fixo, um percentual sobre o atingimento da lucratividade da Empresa e o percentual sobre as metas alcançadas por sua equipe; que mesmo como gerente o Reclamante tinha metas a cumprir; (...) que não era o depoente quem fazia o pagamento ao Reclamante de sua remuneração; que conhece os valores da remuneração do Reclamante, pois o depoente era gestor dele e o depoente participou do processo de seleção do Reclamante para gerente.

 

                Na inicial, à fl. 04, item 4, o reclamante apresentou planilha exemplificativa da sua remuneração mensal, apresentando parte fixa e variável (comissão) e o total percebido. Da mencionada planilha se extrai que a média total salarial do obreiro, a partir de abril de 2011, é bem superior a março de 2011, inclusive em relação ao mencionado teto intitulado “TARGET”, que o reclamante alega ser de R$ 15.000,00. Cite-se, a título exemplificativo, que em agosto de 2011 o autor recebeu R$ 5.000,00 de salário fixo acrescido de R$ 39.172,47 de comissões, perfazendo o total de R$ 44.172,47 (vide fl. 04).

                E ante o que ficou evidenciado na petição inicial, não se pode validar os documentos pretendidos pelo reclamante. Ademais, a planilha de fl. 428 e os e-mails de fls. 430 em diante tratam-se de documentos unilaterais e não servem de demonstração do débito.

                Também não se há falar em confissão da preposta, pois embora ela tenha dito que desconhecesse os critérios de pagamento de comissões, o reclamante cuidou em trazer tal fato de forma bem exemplificativa na petição inicial, infirmando, assim, as declarações da preposta.

                Como o juízo “a quo” definiu a matéria com brilhantismo, peço venia para transcrever o julgado, no aspecto e passo a adotá-la como razões de decidir. Vejamos:

 

                (...) Quanto à remuneração devida nesse período, restou evidenciado que o Autor percebia salário mensal fixo acrescido de comissões sobre os negócios feitos, primeiramente sobre aqueles por ele realizados como executivo de atendimento e relacionamento até 31.03.2011 (EAR) e, após, sobre aqueles realizados pela equipe por ele gerenciada como gerente de atendimento e relacionamento (GAR), remuneração essa toda englobada nas notas fiscais de serviço conforme demonstrado no quadro do item 4 da inicial à fl.04 (fato esse admitido em defesa à fl.742, mormente ao dali constar que (...) o que de fato é feito com base nas notas fiscais de prestação de serviço que inclui o pagamento da parte fixa mais as comissões (...), o que encontra amparo na prova oral produzida às fls.1041/1042.

                E reconhecida a relação de emprego vindicada com a Ré e em atenção aos princípios da economia e celeridades processuais, arbitro que a remuneração fixa mensal do Autor deverá ser aferida pelo quadro do item 4 da inicial à fl.04, à míngua de prova de fato modificativo nos autos, sendo o valor a título de comissões mensais apurado pela diferença aferida entre o referido salário fixo e o valor  total constante das notas fiscais juntadas aos autos. (...)

                Conforme já elucidado alhures, o Autor percebia salário mensal fixo acrescido de comissões sobre os negócios feitos, primeiramente sobre aqueles por ele realizados como executivo de atendimento e relacionamento até 31.03.2011 (EAR) e, após, sobre aqueles realizados pela equipe por ele gerenciada como gerente de atendimento e relacionamento (GAR).

                E, certo é que, alterada a função exercida a partir de 01.04.2011 com majoração salarial expressiva no tocante à remuneração fixa mensal (de R$ 3.600,00 em setembro/2010 para R$.5.000,00 em abril/2011), não agrega à nova função gerencial assumida pelo Autor, a partir da citada data, a pactuação salarial específica anterior que foi feita ao título examinado para a função exercida em que a comissão advinha de negócios realizados individualmente pelo Autor.

                Se não bastasse, certo é que o próprio quadro do item 4 da inicial à fl.03 indica, a título de remuneração mensal, média total superior a partir de abril/2011, inclusive em relação ao mencionado teto titulado target no valor de R$ 15.000,00.

                Portanto, além da referida distinção de atividades desempenhadas com fato gerador específico para as comissões devidas, não se vislumbrou efetivo prejuízo no total remuneratório do Autor.

                Por tais fundamentos, indefiro o pedido em tela (item m do rol à fl.14).

 

                Desprovido.

 

                EQUIPARAÇÃO SALARIAL

                Pretende o reclamante, equiparação salarial com os modelos Leonardo César e Luiz Augusto. Argumenta que o fato de os modelos apontados trabalharem como consultores de vendas desde 2006 e 1991, respectivamente, não impede a equiparação pretendida, eis que o impeditivo é a diferença superior a dois anos na função. Alega que os paradigmas passaram a exercer a função equiparada em 01.07.2008, conforme confessado pela reclamada, e, portanto, sem diferença de tempo superior a dois anos em relação ao autor, que passou a exercer a função em 01.05.2009.

                Examina-se.

                Faz jus à equiparação salarial aquele empregado que tenha exercido, simultaneamente, a mesma função que seu paradigma, ambos atuando na mesma localidade e para o mesmo empregador.

                Na pretensão de equiparação salarial incumbe ao empregado a prova do fato constitutivo do direito, qual seja, a identidade de função com o paradigma. Por outro lado, é do empregador o ônus de provar a existência de fatos impeditivos, modificativos ou extintivos dessa igualdade, como orienta o item VIII da Súmula 6 do Colendo TST, tais como a existência de diferença de produtividade, de perfeição técnica, de tempo de serviço superior a dois anos na mesma função e, ainda, a existência de quadro de carreira devidamente homologado (art. 461 CLT).

                O princípio isonômico previsto no artigo 461 da CLT visa evitar a parcialidade do empregador, coibindo, assim, tratamento diferenciado a empregados que estejam em situação idêntica. Para tarefas iguais, os mesmos salários devem ser praticados (artigo 7º, XXX, da CF).

                Pois bem.

                Na inicial, o reclamante pleiteou o reconhecimento da equiparação salarial com os modelos Luiz Augusto Moreira de Castro e Leonardo César Ribeiro de Oliveira.

                A prova produzida não acolhe a tese obreira.

                O depoimento da preposta, no aspecto, contém o seguinte:

 

                que a área de vendas era dividida em seguimentos; que a diretoria também determinava o seguimento de cada executivo; (...) que os paradigmas Luiz Augusto e Leonardo Cesar também eram executivos; que o paradigma Luiz Augusto trabalhava como executivo de vendas desde 2007 e o paradigma Leonardo Cesar, trabalhava nessa mesma função desde 1991; que no período em que o reclamante foi executivo de vendas desempenhava as mesmas funções que os paradigmas; que à época do reclamante havia na reclamada funcionário celetista que trabalhava nas vendas; (...).

 

                E da ficha de registro do paradigma Leonardo César Ribeiro de Oliveira (fls. 903/904) consta que ele foi admitido formalmente em 13.06.2000, na função de “Aux. Tec. Informática”, passando a “Consultor de Vendas” em 01.05.2006 e “Executivo de AR” em 01.08.2007. Consta, ainda, que “Executivo de AR” foi apenas uma alteração de nomenclatura do que antes era denominado Consultor de Vendas”.

                Em relação ao modelo Luiz Augusto Moreira de Castro, a ficha de registro juntada às fls. 940/941 revela que ele foi formalmente admitido em 01.10.1991, tendo sido promovido a “Repres. Técnico SR” em 01.08.1994, que teve sua nomenclatura alterada para “Consultor de Vendas” em 01.11.1999, em 01.05.2007, continuou como “Consultor de Vendas” e somente a nomenclatura do cargo foi alterada para “Executivo de AR” em 01.08.2007.

                Incontroversa a alteração das funções do autor para as atividades de executivo de AR em 01.05.2009, é patente a existência de diferença superior a 2 anos no exercício da função em relação aos dois modelos apontados, o que afasta o direito à equiparação, eis que fato obstativo, nos termos do parágrafo 1º do artigo 461 da CLT.

                Pelo exposto, fica indeferida a equiparação salarial pretendida, pelas razões expostas.

                Nada a ser modificado.

 

                INDENIZAÇÃO DO PLANO DE SAÚDE

                Insiste o autor no recebimento de despesas relativas à manutenção do plano de saúde, a partir de 05.05.2009, quando deixou de ter CTPS assinada, pois desde então não houve mais custeio pela ré, do seu plano se saúde. Entende que não tem o que comprovar, pois o direito é devido, pois lhe foi suprimido pela reclamada. Alega que a ré não cuidou de trazer aos autos os valores pagos até 01.05.2009, ônus que lhe cabia.

                Examina-se.

                Em que pesem as alegações do autor quanto à quitação de despesas para manutenção do plano de saúde, ele não cuidou de juntar nenhum comprovante que demonstre as despesas efetivamente por ele realizadas desde 2009 e que justificasse qualquer indenização.

                Não há norma convencional nos autos que estabeleça dever do empregador em conceder e/ou indenizar o empregado pelo não patrocínio de plano de saúde.

                Cabia ao reclamante comprovar o efetivo dano material decorrente do fato de não lhe ter sido garantido o acesso ao plano de saúde.

                Nada a prover.

 

                RESTITUIÇÃO DE DESPESAS COM A CONSTITUIÇÃO DE PESSOA JURÍDICA

                Insiste o reclamante no reembolso das despesas experimentadas em função da abertura e manutenção da pessoa jurídica constituída por determinação da reclamada.

                Ao exame.

                Apesar de evidenciado nos autos que a abertura da empresa em nome do obreiro foi exigida pela reclamada como condição de contratação na empresa, não há qualquer evidência que a pessoa jurídica por ele constituída tenha sido extinta após o término da prestação de serviços com a demandada.

                Cabia ao reclamante comprovar que requereu o registro do distrato social junto à JUCEMG, encerrando suas atividades, tão logo tivesse se desligado da reclamada, o que não ocorreu.

                Não bastasse, a empresa foi constituída pelo próprio reclamante, que também participou da alegada fraude, beneficiando-se dela.

                Logo, não é correto responsabilizar a demandada pelas despesas efetuadas com a abertura dessa empresa, pois o que se presume é que, se o obreiro ainda não deu baixa na mesma, deve ser porque dela, de algum modo, se beneficia.

                Desprovido.

 

                CONCLUSÃO

                Ante o exposto, conheço dos recursos ordinários interpostos pelos litigantes, e, no mérito, nego-lhes provimento.

 

                Fundamentos pelos quais,

                O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, pela sua Quinta Turma, à unanimidade, conheceu dos recursos ordinários interpostos pelos litigantes, e, no mérito, negou-lhes provimento.

                Belo Horizonte, 06 de setembro de 2016.

 

JOÃO BOSCO DE BARCELOS COURA

Juiz Relator Convocado

 

(TRT/3ª R./ART., DJ/MG, 19.09.2016)

 

BOLT7849---WIN/INTER

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