IFRS
16: UMA VISÃO CONTÁBIL PRÁTICA E CRÍTICA DA NOVA NORMA DE LEASING SOB A ÓTICA DAS ARRENDATÁRIAS
- MEF35868 - IR
EDUARDO BONA SAFE DE MATOS *
FERNANDO DAL-RI MURCIA **
1. INTRODUÇÃO
Em janeiro de 2016, o Iasb
emitiu a IFRS 16 - Leases. No cenário nacional, em
razão do processo de convergência das normas contábeis brasileiras às normas
internacionais, a IFRS 16 foi incorporada pelo Comitê de Pronunciamento
Contábeis (CPC), por meio de uma revisão do Pronunciamento Técnico CPC 06 -
Operações de Arrendamento Mercantil. Tal Revisão, aprovada em outubro de 2017,
resultou no CPC 06(R2).
Perceba-se, portanto, que no cenário nacional não foi
emitida uma nova norma contábil, um novo CPC; ao contrário, o Comitê de
Pronunciamentos Contábeis optou por manter o Pronunciamento original que
tratava de leasing, qual seja, o CPC 06, agora revisado para incorporar
o novo modelo contábil trazido pela IFRS 16.
O CPC 06(R2) entrou em vigor em 2019, devendo ser
aplicado pelas entidades para períodos anuais iniciados em, ou após, 1º de
janeiro de 2019. Salienta-se que, a partir da entrada em vigor do CPC 06(R2),
estão automaticamente revogados: (i) o CPC 06 (R1) - Operações de Arrendamento
Mercantil e (ii) a ICPC 03 - Aspectos Complementares das Operações de
Arrendamento Mercantil (IFRIC 4, SIC-15 e SIC-27).
A justificativa internacional para as mudanças na
norma de leasing é que a norma anterior (IAS 17) é baseada na
classificação das operações (financeiro e operacional) de acordo com o nível de
exposição aos riscos e benefícios de cada uma das partes do contrato, também
conhecido como modelo de propriedade (IASB, 2016e). Biondi
et al. (2011) afirmam que
“infelizmente” a IAS 17 está “infestada” de brechas que fazem com que as
entidades não sigam os reais interesses da norma. Essa classificação é
criticada por diversas razões e, também, é o motivo da maior parte da produção
acadêmica contábil relacionada a leasing (MONSON, 2001). Para mais
detalhes sobre as literaturas de arrendamento nacionais e internacionais, ver
Matos e Murcia (2019).
Entre as críticas realizadas, fala-se em:
arbitrariedade, estruturação de operações, baixa comparabilidade, alta
complexidade, comportamento oportunista de gestores por meio da utilização de off-balance e do não reconhecimento de passivos, brechas e
falta de simetria entre arrendador e arrendatário, entre outros (BIONDI et al., 2011; FRANZEN; CORNAGGIA; SIMIN, 2009; IMHOFF;
THOMAS, 1988; JAMAL; TAN, 2010; MATOS, E. B. S. DE; NIYAMA, 2013; MORALES-DÍAZ;
ZAMORA-RAMÍREZ, 2018; RYAN et al., 2001).
A maior crítica refere-se ao uso de estruturação de
operações com a finalidade de obter os benefícios de divulgação que existem
para os casos de classificação do arrendamento como operacional. Nesse caso, as
empresas consideram serem prejudiciais as necessidades de reconhecimento de
passivos em suas demonstrações financeiros e a aceleração do reconhecimento de
despesas que ocorre nos arrendamentos financeiros. Assim, o arrendamento
operacional seria melhor com relação aos indicadores de liquidez e solvência.
No operacional, pode haver ainda um aumento de medidas de rentabilidade, como o
ROA (COLLINS; PASEWARK; RILEY, 2012; IMHOFF; THOMAS, 1988).
A atual norma - IFRS 16 e CPC 06(R2) – vem, na
opinião dos normatizadores, tentar sanar tais
problemas, principalmente no que concerne aos modelos contábeis relacionados às
companhias arrendatárias, sendo este o principal foco
do presente estudo (IASB, 2016e).
Para as arrendatárias,
agora a norma apresenta um modelo único de contabilização, baseado no direito
de uso do ativo, procurando evidenciar a questão da essência sobre a forma
contratual e diminuindo a possibilidade de estruturação de operações por parte
dos preparadores de informação (IASB, 2016e). Nesse sentido, todas as operações
que possuam características de arrendamento serão reconhecidas no passivo das
entidades, assim como em seus ativos, com reconhecimentos mensais de despesas
de juros e depreciação. Há ainda, reconhecimentos mensais das amortizações das
parcelas e do direito de uso (IASB, 2016d).
Tomando como base esse cenário de mudança normativa,
objetiva-se, neste paper, em estudo de
natureza técnica, apresentar uma visão contábil acerca da nova norma de
arrendamento mercantil, IFRS 16 - Leases, incorporada
ao cenário nacional por meio da revisão do Pronunciamento Técnico CPC 06(R2).
Assim, procura-se descrever e discutir as principais mudanças normativas do leasing,
seus efeitos e os principais pontos de atenção que os preparadores de
informação deverão se preocupar.
Contribui-se, portanto, pela discussão teórica,
técnica e prática de uma temática tempestiva em decorrência da recente
modificação da norma contábil. Ainda, torna-se relevante a discussão de
preceitos normativos neste momento, haja vista que as mudanças trarão impactos
nas rotinas de trabalho de diferentes empresas, contadores e analistas de
informações contábeis. Portanto, seu conhecimento é contributivo para essas
áreas.
Para atingir o objetivo, o paper
está estruturado da seguinte forma: Além desta introdução, apresentam-se,
na seção 2, uma fundamentação teórica baseada nos principais aspectos do novo
modelo contábil, desmembrados na apresentação de conceitos preliminares
necessários para a compreensão da norma, os expedientes práticos e uma discussão
dos critérios de reconhecimento, mensuração e apresentação propriamente ditos.
Em seguida, na seção 3, apresenta-se uma breve descrição metodológica da
pesquisa, seguida pela discussão dos resultados, que envolve a apresentação de
modelos contábeis por meio de exemplos e discussão dos principais pontos que
envolvem maior complexidade e julgamento na aplicação da norma, os quais
demandarão uma análise compreensiva dos contadores e auditores. Por fim, são
feitas as considerações finais do estudo de forma a direcionar a discussão do paper.
2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA - IFRS 16/CPC 06(R2)
O presente tópico objetiva apresentar, sumariamente,
o modelo contábil das operações de arrendamento mercantil trazido pelo CPC
06(R2)/IFRS 16. Inicialmente, abordam-se conceitos preliminares, como regras de
transição, definição e prazo do arrendamento. Em seguida, discute-se o novo
modelo contábil propriamente dito, incluindo os critérios de reconhecimento,
mensuração e apresentação das operações de leasing.
Importante ressaltar que o foco da presente seção é o
tratamento contábil dos arrendatários, quais sejam aqueles que obtêm o direito
de uso de um ativo ao longo de um prazo determinado. De fato, é o arrendatário
quem sofrerá impactos relevantes a partir de 2019. Isto porque o CPC 06(R2) não
trouxe alterações significativas no tocante à contabilidade dos arrendadores
(MATOS; NIYAMA, 2018; MORALESDÍAZ; ZAMORA-RAMÍREZ, 2018).
Entre os argumentos do órgão para a não alteração do
modelo das arrendadoras, está de acordo com o normatizador
internacional (IASB, 2016a), o fato de o modelo do arrendador ser bem compreendido
pelos usuários, de não haver ajustes significativos nas análises das
demonstrações financeiras dos arrendadores por parte dos analistas e que não
entendem ser a contabilidade do arrendador falha em comparação à do
arrendatário. Nesse sentido, ocorreram apenas algumas poucas alterações no
tratamento contábil dos arrendadores, dentre elas a exigência de uma maior
divulgação em nota explicativa (IASB, 2016d).
2.1 Conceitos Preliminares
A regra de transição já deve ser aplicada a partir de
2019, havendo duas opções: (a) retrospectivamente, a cada período de relatório
anterior apresentado, aplicando o CPC 23 - Políticas Contábeis, Mudança de
Estimativa e Retificação de Erro; ou (b) retrospectivamente, com efeito
cumulativo reconhecido no patrimônio líquido na data da aplicação inicial da
norma. O método previsto em (a) é também chamado de retrospectivo integral; já
o disposto em (b) é denominado de retrospectivo modificado (DELOITTE, 2016).
O método retrospectivo integral, aplicado conforme
preconiza o CPC 23, exige que as empresas determinem o valor contábil de todos
os contratos de arrendamento como se tais contratos tivessem sempre sido
contabilizados conforme o CPC 06(R2). Tal exigência, além de custosa, pode ser
impraticável para algumas empresas (KPMG, 2018).
Já no método retrospectivo modificado, o arrendatário
não precisa refazer a informação comparativa. Ao contrário, ele deverá
reconhecer o efeito cumulativo da aplicação inicial do CPC 06(R2) como um
ajuste no patrimônio líquido (lucros acumulados ou reserva de lucros) na data
de aplicação inicial (KPMG, 2018). Esse método tende a ser menos oneroso e o
maior impacto seria aos arrendamentos antes classificados como operacionais.
Verifica-se, portanto, que há uma possível diferença entre setores, sendo mais
afetados aqueles com maior carga de arrendamentos operacionais, como setor
hoteleiro, transportes e varejo (MORALES-DÍAZ; ZAMORA-RAMÍREZ, 2018).
As empresas e os profissionais da contabilidade devem
dar certa atenção a esse ponto, principalmente por ser este o momento de maior
força de trabalho na aplicação da norma, uma vez que deverão ser revistos todos
os contratos de leasing e, principalmente, aqueles contratos que antes
não eram classificados como arrendamento e agora passam a ser (KPMG, 2018).
Outro ponto de atenção refere-se à definição dada a
um arrendamento, sendo o primeiro passo a verificação se a operação atende à
definição de arrendamento. Define-se, no CPC, 2017, p. 18, arrendamento como:
“o contrato, ou parte do contrato, que transfere o direito de usar um ativo
(ativo subjacente) por um período de tempo em troca de contraprestação.”
(grifos não constam no original).
Note-se inicialmente que o arrendamento é um contrato
que, para fins das IFRS, é definido como um acordo entre duas ou mais partes
que cria direitos e obrigações executáveis. Tal contrato transfere o direito de
uso de um ativo por um período determinado de tempo. Em contrapartida, pela
cessão do
direito de uso, o
arrendador recebe uma contraprestação do arrendatário, geralmente valores
monetários. Assim, conforme CPC (2017, p. 3), “um contrato é, ou contem, um
arrendamento se ele o transmite o direito de controlar o uso de ativo
identificado por um período de tempo em troca de contraprestação.” (grifos não
constam no original). Ressalta-se aqui a importância da verificação da essência
sobre a forma jurídica, isto porque o contrato pode não estar explicitamente
identificado como um contrato de arrendamento, porém podem ser supridas as
características de uma operação de arrendamento conforme o CPC 06(R2), ou seja,
não são apenas os contratos “formais” de arrendamentos que estão sob o escopo
da nova norma. Ao contrário, a caracterização independe da forma jurídica do
contrato. Neste sentido, também estarão sob o escopo da norma de arrendamento,
por exemplo, os contratos de aluguel.
A questão central para fins de alcance/escopo da
norma é avaliar se um contrato contém (ou não) um arrendamento. Visando
auxiliar esta avaliação, o CPC 06(R2) fornece orientações para a análise do
enquadramento de um contrato como um arrendamento. Três são os principais
requisitos para a identificação de um arrendamento (DELOITTE, 2016):
i) Existência de um ativo
identificável: o ativo deve ser especificamente identificado no contrato ou deve-se
ser capaz de identificação no momento da sua disponibilização. Adicionalmente,
o arrendador não poderá ter o direito substantivo de substituir o ativo durante
o período de uso.
ii) O arrendatário tem direito
de obter, substancialmente, todos os benefícios econômicos do uso do ativo
durante a vigência do contrato: esses benefícios referem-se à utilização do
ativo, sua produção e potenciais fluxos de caixa que resultem desses itens,
assim como o direito ao uso comercial do ativo (inclusive subarrendamento).
iii) O arrendatário tem o
direito de direcionar o uso do ativo durante o período do contrato: refere-se
ao direito do arrendatário de gerenciar o ativo e tomar as decisões relevantes
quanto ao seu uso.
Note-se que (ii) e (iii) evidenciam justamente o
direito de controlar o ativo; este direito de controle é similar àquele
previsto no CPC 36 (IFRS 10) – Demonstrações Financeiras Consolidadas.
Portanto, em linhas gerais, pode-se concluir que um contrato será enquadrado
como um arrendamento, para fins do CPC 06(R2), quando: (i) existir um ativo
identificável e (ii) o direito de controle deste ativo for transferido do
arrendador para o arrendatário por um prazo predeterminado em troca de uma
contraprestação (CPC, 2017; DELOITTE, 2016).
Por fim, outro ponto importante a se observar no
início da aplicação da norma de leasing refere-se ao prazo do
arrendamento que, conforme (CPC, 2017, p. 20), “é o prazo não cancelável
durante o qual o arrendatário tem o direito de usar o ativo subjacente,
juntamente com: (a) períodos cobertos por opção de prorrogar o arrendamento, se
o arrendatário estiver razoavelmente certo de exercer essa opção; e (b)
períodos cobertos por opção de rescindir o arrendamento, se o arrendatário
estiver razoavelmente certo de não exercer essa opção.” (grifos não constam no
original).
Note-se que o prazo do arrendamento deverá
considerar, caso exista, a opção de prorrogação (ou a opção de rescisão) quando
o arrendatário estiver razoavelmente certo de que irá exercê-la. Nessa
avaliação do “razoavelmente certo”, o arrendatário deverá analisar os fatos e
as circunstâncias que criam os incentivos econômicos para a sua tomada de
decisão de exercer (ou não) sua opção. A reavaliação do “razoavelmente certo”
só deverá ser conduzida na ocorrência de um evento/circunstância significativa
que esteja sob o controle do arrendatário e que não tenha sido previamente
considerada (CPC, 2017).
Importante salientar que o prazo do arrendamento é
iniciado quando o arrendador disponibiliza o ativo para o uso do arrendatário.
Tal prazo deverá incluir eventuais períodos de arrendamento gratuito, caso
existam (CPC, 2017).
2.2 Expedientes Práticos da Norma
Em resumo, pode-se dizer que quase todos os contratos
de arrendamento passam a ser registrados no Balanço Patrimonial. Em razão
disso, ocorrerão igualmente alterações na Demonstração do Resultado dos
arrendatários. As despesas de todos os arrendamentos passam a registradas como
despesas de depreciação e despesas de juros, e não mais como despesas de
“aluguel”. Nesse sentido, as despesas referentes aos arrendamentos operacionais
passam a ter o mesmo tratamento contábil quer era dado às despesas decorrentes
dos arrendamentos financeiros. Além disso, diversos pontos possibilitam
escolhas contábeis (IASB, 2016b).
Com base nessa possibilidade de escolhas contábeis,
apresentam-se, no Quadro 1, pontos que são de possibilidade de escolha por
parte dos preparadores das demonstrações contábeis a partir de 2019.
Ressalte-se que a finalidade desta seção não é realizar uma descrição detalhada
dos requisitos do CPC 02(R2). Ao contrário, o objetivo é fazer uma breve
apresentação dos principais requerimentos, sem nenhuma pretensão de esgotar a
discussão do tema.
Quadro 1 - Expedientes Práticos da Norma (CPC,
2017; IASB, 2016d) |
|
Definição de
Arrendamento |
A entidade não precisa
avaliar se um contrato é ou contém um arrendamento na data da aplicação
inicial. Nesse sentido, conforme faculdade prevista na letra (a), item C3, do
Apêndice C do CPC 06(R2), a companhia poderá aplicar o referido
pronunciamento a contratos que foram anteriormente identificados como
arrendamento, utilizando o CPC 06 (IAS 17) e a ICPC 03 (IFRIC 4). |
Método adotado na
transição |
As empresas poderão
optar pelo método retrospectivo modificado na data de transição, conforme a
letra (b), item C5, do Apêndice C do CPC 06(R2). Assim, as Demonstrações
Financeiras de 2018 continuarão sendo apresentadas, para fins comparativos,
utilizando-se o tratamento antigo do leasing (IAS 17). |
Mensuração do Ativo de
Direito de Uso |
A entidade poderá
escolher mensurar o ativo de direito de uso para os arrendamentos
anteriormente classificados como operacionais (IAS 17), pelo valor
equivalente ao passivo de arrendamento, ajustado pelo valor de quaisquer
pagamentos de arrendamento antecipados ou acumulados referentes a esse
arrendamento, conforme a alínea “ii”, letra (b), item C8 do Apêndice C do CPC
06(R2). |
Arrendamentos de Curto
Prazo |
As empresas podem adotar
a isenção - prevista na letra a, item 5 do CPC 06(R2) - referente aos arrendamentos
de curto prazo, quais sejam aqueles com prazo inferior a 12 meses. Nesse
sentido, os pagamentos associados a esses arredamentos continuarão sendo
reconhecidos como despesa em base linear. |
Arrendamentos que se
encerram no ano de 2019 |
As entidades podem optar
por não aplicar os requisitos da nova norma - conforme faculta a aliena “i”,
letra c, item C10, do Apêndice C do CPC 06(R2) - para os contratos nos quais
o prazo de arredamento se encerra dentro de 12 meses da data da aplicação inicial.
Assim, os arrendamentos que se encerram no ano de 2019 continuarão sendo
contabilizados como despesa de forma linear. |
Arrendamentos de Baixo
Valor |
As companhias podem
adotar a isenção – prevista na letra b, item 5 do CPC 06(R2) - referente aos
arrendamentos para os quais o ativo subjacente é de baixo valor. |
Arrendamentos de Baixo
Valor |
As companhias podem
adotar a isenção – prevista na letra b, item 5 do CPC 06(R2) - referente aos
arrendamentos para os quais o ativo subjacente é de baixo valor. |
Fonte:
elaboração própria.
Apesar das definições e dos
conceitos básicos apresentados anteriormente, a norma possui fontes de escolha,
ou seja, na prática, as empresas podem definir alguns critérios para a
transição das normas, entre elas, as que devem ser consideradas como ponto de
atenção nesse momento foram listadas no Quadro 1. A maior parte desses
critérios refere-se ao primeiro ano de aplicação e transição da norma, porém
cabe destaque para uma exceção que permeará toda a aplicação de contratos de arrendamentos
em qualquer período de vigência do CPC 06(R2).
A nova norma prevê duas isenções
ao princípio básico de que todos os arrendamentos devem ser registrados no
Balanço Patrimonial, que são os arrendamentos de curto prazo e os em que o
ativo subjacente seja de baixo valor (DELOITTE, 2016; IASB, 2016b; KPMG, 2018).
A definição de arrendamento de curto prazo encontra-se prevista no Apêndice A
do CPC 06(R2) e refere-se aos arrendamentos que possuem o prazo de arrendamento
de 12 meses ou menos. Ressalta-se que, caso o arrendamento contenha a opção de
compra, ele não pode ser classificado como de curto prazo. Aqui abre-se uma
brecha para certa estruturação de operações, mas cabe ressaltar a importância
do papel da ética no julgamento profissional e da auditoria. Por mais que
contratos sejam estruturados para apresentar um prazo mais curto, o julgamento
profissional deve ser com base no prazo mais provável de ocorrer, ou seja, o
razoavelmente certo de ocorrer com base nas melhores estimativas da
administração.
No tocante ao arrendamento cujo
ativo subjacente é de baixo valor, não existe uma definição explícita. A norma
apenas fornece diretrizes para que o arrendatário efetue seu julgamento e
desenvolva sua política contábil. Apesar disso, apresentações do Iasb e de empresas de auditoria deixam a entender que esse
valor seria igual, ou inferior, a 5 mil dólares (DELOITTE, 2016; KPMG, 2018).
Como há certa possibilidade de manipulação, o CPC 06(R2) dá algumas diretrizes
para a avaliação do valor. Inicialmente, o valor deve ser de um produto similar
novo, mesmo que o bem arrendado já seja usado. Ainda, a definição de baixo
valor independe do porte, setor ou características da empresa arrendatária. Por fim, a norma indica possíveis bens de
baixo valor como: computadores pessoais, tablets,
pequenos mobiliários e telefones (CPC, 2017). Ressalta-se, aqui, novamente, a
ética do profissional da contabilidade e a importância da auditoria para a verificação
da essência dessas transações.
Caso essas exceções realmente
sejam aplicadas pela entidade, o arrendatário pode optar por não reconhecer
esses ativos e passivos de leasing e as despesas do contrato deverão ser
reconhecidas de forma linear ou em outra base sistemática que melhor reflita o
padrão de benefício do arrendatário.
2.3 Critérios de Reconhecimento, Mensuração e Apresentação
Uma vez compreendidas as premissas gerais dos
arrendatários - em que todos os arrendamentos são registrados no Balanço
Patrimonial - bem como suas isenções, apresentam-se a seguir as exigências
específicas para reconhecimento, mensuração e apresentação dos ativos e
passivos do arrendamento.
O reconhecimento do ativo e do passivo de
arrendamento deve ocorrer na data de início do contrato de arrendamento, sendo
que a mensuração inicial do ativo deriva da mensuração do passivo. Assim,
pode-se dizer que a mensuração do ativo de direito de uso se dá pelo custo e
deve ser feita considerando (CPC, 2017):
i) o valor inicial do passivo de
arrendamento;
ii) pagamentos de arrendamento
efetuados antes da data de início, menos incentivos recebidos;
iii) custos diretos iniciais;
iv) estimativa de custos para
desmontagem e remoção do ativo subjacente que sejam de responsabilidade da arrendatária.
A complexidade aqui encontra-se no item (i),
relacionado ao valor inicial do passivo de arrendamento. Nesse caso, podem ser
encontradas diversas formas de flexibilização nos contratos de arrendamento.
Por esse motivo, indica-se que sejam considerados, nessa mensuração do custo,
os valores presentes dos pagamentos futuros de arrendamento. Para isso, os
fluxos de caixa previstos deverão ser descontados à taxa implícita do contrato,
caso esta possa ser determinada. Na impossibilidade de obtenção da taxa
implícita, o arrendatário deverá utilizar a taxa incremental de empréstimos
(essa taxa, de forma simplificada, representa a taxa de mercado que seria
cobrada para financiar um item similar). Além disso, devem ser incluídas as
opções e pagamentos inevitáveis (na essência), pagamentos variáveis que
dependam de índice ou taxa, valor residual garantido, preço do exercício de
compra (se houver razoável expectativa de realização dessa opção), e outros
pagamentos que sejam razoavelmente certos de que ocorrerão (CPC, 2017).
Após essa mensuração do passivo, define-se a
mensuração inicial do ativo. Subsequentemente, o ativo do direito de uso
continuará a ser mensurado pelo custo, exceto quando a entidade utilizar o
método de reavaliação - não permitido pela legislação brasileira - ou o direito
de uso se referir a propriedade por investimento que a entidade opte por
mensurar pelo valor justo (CPC, 2017). Observa-se, portanto, que a mensuração
inicial a ser feita é a do passivo de arrendamento e, por consequência, o valor
do passivo de arrendamento será o valor contábil do ativo de direito de uso
(ativo). Assim, pode-se perceber a nítida relação, na mensuração inicial, dos
dois valores reconhecidos no ativo e no passivo.
As mensurações subsequentes do ativo e do passivo
ocorrem de forma distinta. Com base nesse modelo de custo, o ativo deve ser
alvo de depreciação, nos moldes dos requerimentos do CPC 27 (Ativo
imobilizado), assim como deverá ser testado para fins de impairment
(CPC 01). Em linhas gerais, este já era o tratamento previsto para os
arrendamentos financeiros na norma antiga (IAS 17/CPC 06-R1). Portanto, o que a
nova norma fez foi expandir tais exigências para todos os contratos de
arrendamento.
Já o passivo de leasing, na mensuração
subsequente, será aumentado para refletir os juros sobre o financiamento e
diminuído na medida das liquidações das parcelas (CPC, 2017). Do mesmo modo,
ele deverá ser remensurado para refletir as alterações nos pagamentos do
arrendamento. O valor dessas remensurações deverá ser registrado como
contrapartida ao ativo de direito de uso. Nesse sentido, salienta-se que o
ativo de direito de uso deverá ser ajustado conforme as remensurações da dívida
de leasing (KPMG, 2018).
Um outro ponto de atenção refere-se ao momento em que
houver alteração no prazo do arrendamento ou na avaliação da opção de compra do
ativo subjacente, a remensuração do passivo deverá ser realizada, utilizando-se
a taxa de desconto revisada na data da remensuração. Cabe ressaltar que essa
remensuração não é semelhante ao que se chama de reavaliação, portanto, a
remensuração, nos critérios do CPC é possível pela legislação brasileira.
Já nos casos em que a remensuração do passivo
resultar de mudanças nos pagamentos em razão de
alterações do valor residual
ou em decorrência de mudanças em índices ou taxas de desconto que servem de
referência para os pagamentos, a taxa de desconto deve permanecer a mesma do
reconhecimento inicial, ou seja, a taxa de desconto permanecerá inalterada. A
única exceção neste caso ocorrerá quando a alteração nos pagamentos do contrato
decorrer da própria alteração na taxa de juros que é variável; nesta situação,
a taxa de desconto deverá ser igualmente revisada (CPC, 2017).
Essas modificações, que podem, ou não, gerar
remensurações, também podem ocorrer em uma extensão que leva à necessidade de
outros comportamentos por parte do contador. Em resumo, as modificações serão
tratadas da seguinte maneira (CPC, 2017):
i) a modificação deverá ser
contabilizada como uma transação em separado sempre que houver um aumento no
escopo do arrendamento e o aumento de preço for proporcional a esse aumento de
escopo;
ii) a modificação deverá ser
registrada como ajuste no ativo e também na DRE (ganho ou perda) sempre que
houver uma redução de escopo do contrato de arrendamento;
iii) outras modificações deverão
ser ajustadas no ativo de direito de uso.
Após a discussão dos critérios de reconhecimento,
mensuração inicial e mensuração subsequente, apresentam-se alguns pontos com
relação à apresentação e evidenciação das informações de arrendamento por parte
das arrendatárias. Dada a complexidade inerente à
nova norma de arrendamento, é fundamental uma adequada divulgação destas
operações nas Demonstrações Financeiras do arrendatário.
Alguns dos critérios que sofreram alterações
envolvem: a apresentação no Balanço Patrimonial dos ativos e passivos de leasing
poderão ser apresentados de forma separada, isto é, em rubrica específica, ou
em conjunto com outros ativos e passivos, sendo que, neste caso, deverão ser
divulgados separadamente em Nota Explicativa. Na Demonstração de Resultados
deverão ser registradas, de forma separada, a despesa de depreciação do direito
de uso e a despesa de juros do passivo de arrendamento. Por fim, na
Demonstração dos Fluxos de Caixa, os pagamentos de principal deverão ser
apresentados nas atividades de financiamento. Já o pagamento de juros poderá
ser apresentado como financiamento ou nas atividades operacionais, conforme a
política contábil elegida pela empresa.
Com relação à evidenciação, nas Notas Explicativas,
requer-se a divulgação de informações quantitativas e qualitativas com base nos
itens 52 a 60 do CPC 06(R2). Entre as divulgações exigidas pela nova norma de leasing,
têm-se (CPC, 2017):
a)
encargos de depreciação para ativos de direito de uso por classe de ativo
subjacente;
b)
despesas de juros sobre passivos de arrendamento;
c)
despesa referente a arrendamentos de curto prazo;
d)
despesa referente a arrendamentos de ativos de baixo valor;
e)
despesa referente a pagamentos variáveis de arrendamento não incluída na
mensuração de passivos de arrendamento;
f)
receita decorrente de subarrendamento de ativos de direito de uso;
g)
saídas de caixa totais para arrendamentos;
h)
adições a ativos de direito de uso;
i)
ganhos ou perdas resultantes de transações de venda e retro arrendamento;
j)
valor contábil de ativos de direito de uso ao final do período de relatório por
classe de ativo subjacente etc.
O normatizador
internacional (Iasb) espera, com essas exigências de
apresentação e evidenciação, que as informações referentes aos arrendamentos
sejam mais comparáveis e representadas de forma mais fidedigna (IASB, 2016d), o
que poderia auxiliar os investidores e demais usuários da informação contábil
em seus processos de tomada de decisões. Apesar disso, como já demonstrado, e
estando de acordo com o movimento da contabilidade de forma internacional, a
norma não possui critérios totalmente objetivos, tendo diversos pontos que
possibilitam tomada de decisões por parte da administração e uma maior
exigência de julgamento por parte do preparador da informação. Essa questão e
essas escolhas fazem com que possa haver diferentes efeitos nas empresas e em
seus indicadores e dados contábeis.
Daí vem a importância de uma correta divulgação,
sempre a empresa primando pelo custo x benefício daquela informação e pela
qualidade do relatório financeiro como um todo. As informações dadas em notas
explicativas devem fornecer evidências que permitam aos usuários realizar
cálculos ou acompanhamentos reais das operações de arrendamento e avaliar seus
reais efeitos, impactos e características dessas operações para a empresa, de
modo a auxiliar, mesmo que utilizando critérios distintos de empresas
concorrentes, na comparabilidade das informações.
3. METODOLOGIA
O presente artigo possui natureza técnica e teórica.
Observa-se sua contribuição para a pesquisa científica, não por meio de métodos
e metodologias específicas, mas, sim, por produzir conhecimento explanatório
com base normativa e teórica (JACKSON, 2011).
Mesmo a pesquisa não possuindo natureza empírica,
classifica-se como uma pesquisa descritiva e exploratória (JACKSON, 2011). Isso
se deve, principalmente, por ela se assemelhar ao que se chama de ensaio teórico
de cunho normativo (KABIR, 2005). Esses ensaios podem ter diferentes objetivos,
porém, sua natureza relaciona-se com a discussão de um determinado tema com
base em literatura preexistente, seja livros, normas e outros documentos
bibliográficos, de modo a fomentar discussões futuras sobre esse tema. De forma
aplicada à Contabilidade, pesquisas normativas devem levar em consideração a
discussão de critérios normativos, como reconhecimento, mensuração e
apresentação, assim como efeitos para usuários, conceitos básicos e o próprio
objetivo da contabilidade (KABIR, 2005).
Para a consecução do objetivo da pesquisa com base na
metodologia aplicada, procurou-se utilizar como base da discussão a própria
norma alvo de análise - IFRS 16/CPC 06(R2) - assim como documentos emitidos por
normatizadores contábeis, estudos técnicos de
práticos e consultores e estudos acadêmicos. Com base nisso, procura-se
contribuir com a discussão do tema de arrendamento mercantil.
4. DISCUSSÕES E RESULTADOS
4.1 Tratamento Contábil Aplicável aos Arrendatários
Conforme já mencionado, com a entrada em vigor do CPC
06(R2), passa a existir um único modelo contábil para os arrendatários, no qual
todos os arrendamentos são registrados no Balanço Patrimonial. Neste sentido, o
modelo contábil previsto na IFRS 16 (CPC 06-R2) é fundamentalmente distinto
daquele previsto na IAS 17 (CPC 06-R1), isto porque, no modelo anterior, apenas
os arrendamentos financeiros eram registrados no Balanço; os operacionais eram
considerados off balance. No Quadro 2, apresentam-se os principais critérios
contábeis a serem utilizados no modelo contábil das arrendadoras com base na
legislação atual.
Quadro 2 - Resumo do modelo contábil das arrendatárias com base em CPC (2017) e IASB (2016d) |
|
IFRS 16 CPC 06(R2) |
Arrendatário |
Reconhecimento |
Na “data de início do
arrendamento” reconhecer um ativo de direito de uso e um passivo de
arrendamento. |
Mensuração Inicial |
Ativo: Avaliado ao
custo. Tende a refletir a mensuração do passivo mais custos diretos iniciais.
Passivo: Valor presente
dos pagamentos. (Taxa: taxa de juros
implícita no contrato; se não for determinável, utilizar a taxa incremental
de empréstimo do arrendatário). |
Mensuração Subsequente |
Ativo: Direito de uso
avaliado ao custo, menos valores de depreciação acumulada. Passivo: Aumenta pelo incorrência dos juros e decresce em decorrência dos
pagamentos. |
Opções |
Incluir pagamentos
variáveis que dependem de índices/taxas, Valor Residual Garantido, opção de
compra que é razoavelmente certa. |
BP |
Ativo: Direito de uso
separado dos demais ativos. Passivo: Obrigações do
arrendamento separadas dos demais passivos. |
DRE |
Juros: Custo financeiro; Depreciação: Despesa
operacional. *Juros e depreciação
devem ser apresentados de forma separada. |
DFC |
Pagamento do principal:
fluxo de caixa de financiamento. Pagamento dos juros:
atividades operacionais ou de financiamento (escolha contábil) |
Impairment |
Sim |
Reavaliação |
Sim (mudança no prazo do
arrendamento ou da opção de compra) |
Fonte: elaboração própria.
Esse modelo é similar a propostas já realizadas por
estudos anteriores (MCGREGOR, 1996; NAILOR; LENNARD, 2000), assim como as
propostas discutidas durante a elaboração da IFRS 16 pelo IASB. Ressalta-se que
essa intenção de capitalização dos arrendamentos não é recente e que o
interesse em um modelo baseado no direito de uso com o reconhecimento de
(quase) todas as operações de arrendamento nos ativos e passivos das arrendatárias já é discutido no ambiente internacional
desde o início da vigência da IAS 17 (IASB, 2016c).
IASB (2016b), ao apresentar a norma, afirma que, além
dos efeitos no Balanço Patrimonial, a DRE também sofrerá modificações. Antes o
que era contabilizado como arrendamento operacional, conforme a IAS 17,
apresentava uma despesa única mensal. Agora, com a IFRS 16, a despesa será
desmembrada em “depreciação” e “juros”. Nesse sentido, ambas deixariam de ser
computadas no EBITDA para aparecerem após o cálculo desse indicador, o que
levaria as empresas a apresentarem um maior EBITDA e maior resultado
operacional, porém um lucro líquido igual, conforme pode ser observado na
Figura 1 (os campos que apresentam setas são aqueles que receberão lançamentos.
Os demais não recebem lançamentos). Isso pode impactar empresas que possuem
remuneração variável baseada em algum desses indicadores/números contábeis
(IASB, 2016b; MATOS; MURCIA, 2019).
Figura 1 - Relação
dos modelos contábeis do arrendamento operacional (IAS 17) e do direito de
uso (IFRS 16) |
|||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||||
|
Fonte: adaptado de IASB,
2016c.
Morales-Díaz e Zamora-Ramírez (2018) se dedicam a estudar as implicações
dessa norma e partem da premissa de que os impactos do novo modelo contábil
serão consideráveis, assim como diversos estudos que capitalizaram as operações
de arrendamento já observaram. Além dos impactos apresentados na Figura 1,
espera-se, no decorrer do tempo, uma diminuição do PL, uma vez que se espera
que o valor do ativo seja amortizado em uma velocidade superior à amortização
do valor do passivo.
Além desses impactos no Balanço Patrimonial e na DRE,
e ainda no tocante às demonstrações contábeis dos arrendatários, é preciso
salientar os efeitos na Demonstração dos Fluxos de Caixa (DFC). Isso porque,
com a entrada em vigor do CPC 06(R2), as despesas de arrendamento deverão ser classificadas
na DFC em grupos distintos.
Para melhor compreensão dos efeitos internos
decorrentes da contabilização, apresenta-se, no Quadro 3, uma proposta de
lançamentos contábeis para o modelo do CPC 06(R2). Para isso, cria-se uma
situação hipotética de operação que seria classificada como arrendamento
mercantil perante a nova norma, porém, no modelo antigo, seria classificado
como arrendamento operacional e informações apenas seriam dadas em notas
explicativas.
Quadro 3 - Propostas de contabilização para as
arrendadoras com base no CPC 06(R2)/IFRS16 |
|||||
Lançamentos Iniciais |
2019 |
2020 |
2021 |
2022 |
2023 |
(Opção 1) Pelo
Recebimento do Bem |
|||||
D: Direito de uso (Ativo
Imobilizado) |
227.447 |
|
|
|
|
C: Obrigações com
Arrendamento (Passivo) |
227.447 |
|
|
|
|
(Opção 1) Pelo
reconhecimento inicial dos juros a transcorrer |
|||||
D: Encargos a Apropriar
(Passivo) |
72.553 |
|
|
|
|
C: Obrigações com
Arrendamento (Passivo) |
72.553 |
|
|
|
|
(Opção 2) Lançamento
Simplificado do reconhecimento do bem e juros |
|||||
D: Direito de uso (Ativo
Imobilizado) |
227.447 |
|
|
|
|
D: Encargos a Apropriar
(Passivo) |
72.553 |
|
|
|
|
C: Obrigações com
Arrendamento (Passivo) |
300.000 |
|
|
|
|
Lançamentos por
Competência/Subsequentes |
2019 |
2020 |
2021 |
2022 |
2023 |
Pela apropriação da
despesa de depreciação |
|||||
D: Despesa de
Depreciação do Direito de Uso (Resultado) |
45.489 |
45.489 |
45.489 |
45.489 |
45.490 |
C: Depreciação Acumulada
de Direito de Uso (Redutora de Ativo) |
45.489 |
45.489 |
45.489 |
45.489 |
45.490 |
Pela apropriação dos
juros mensais pelo regime de competência |
|||||
D: Despesa Financeira de
Arrendamento (Resultado) |
22.745 |
19.019 |
14.921 |
10.413 |
5.454 |
C: Encargos a Apropriar
(Passivo) |
22.745 |
19.019 |
14.921 |
10.413 |
5.454 |
(Opção 1) Pelo pagamento
das contraprestações |
|||||
D: Obrigações com
Arrendamento - Principal (Passivo) |
37.255 |
40.981 |
45.079 |
49.587 |
54.546 |
D: Obrigações com
Arrendamento - Juros (Passivo) |
22.745 |
19.019 |
14.921 |
10.413 |
5.454 |
C: Bancos (Ativo) |
60.000 |
60.000 |
60.000 |
60.000 |
60.000 |
(Opção 2) Pelo pagamento
das contraprestações |
|||||
D: Obrigações com
Arrendamento (Passivo) |
60.000 |
60.000 |
60.000 |
60.000 |
60.000 |
C: Bancos (Ativo) |
60.000 |
60.000 |
60.000 |
60.000 |
60.000 |
Fonte: elaboração própria.
Considere, portanto, que uma empresa mercantil tenha
assinado um contrato de aluguel de um galpão comercial, no início de 2019,
passando, a partir da mesma data, a ter o direito de uso do estabelecimento. O
contrato estipulava uma contraprestação anual (para no final de cada ano) no
valor de R$60.000,00, por um período de 5 anos e com uma taxa implícita de
juros de 10% ao ano. Os arrendatários não demonstram interesse em prorrogar o
contrato, uma vez que pretendem que seus estoques sejam esvaziados ao final
desse período.
Com base nessa situação, apresenta-se o modelo de
contabilização proposto de acordo com a IFRS 16/CPC 06(R2). Objetiva-se, com
isso, que haja uma contribuição para os contadores que possuem alguma dúvida
prática sobre o uso de contas contábeis. Questões conceituais e escolhas
contábeis decorrentes da nova norma estão sendo discutidas ao longo desse
artigo, porém, nesse momento, opta-se, pela apresentação de um modelo
de contabilização
aplicável atualmente. Para maior auxílio na compreensão, apresenta-se, também,
a memória de cálculo dos
valores,
que constam na Tabela 1.
Tabela 1 |
||||||||||
Memória de Cálculo do
Passivo |
|
|
Memória de Cálculo do
Ativo |
|
||||||
|
Parcela Anual |
Juros |
Amortização |
Saldo Devedor |
|
|
Custo Ativo |
Amortização Acumulada |
Valor Líquido |
Desp. Deprec. |
2019 início |
|
|
|
227.447 |
|
2019 início |
227.447 |
0 |
227.447 |
|
2019 final |
60.000 |
22.745 |
37.255 |
190.192 |
|
2019 final |
227.447 |
45.489 |
181.958 |
45.489 |
2020 |
60.000 |
19.019 |
40.981 |
149.211 |
|
2020 |
227.447 |
90.978 |
136.469 |
45.489 |
2021 |
60.000 |
14.921 |
45.079 |
104.132 |
|
2021 |
227.447 |
136.467 |
90.980 |
45.489 |
2022 |
60.000 |
10.413 |
49.587 |
54.545 |
|
2022 |
227.447 |
181.956 |
45.491 |
45.489 |
2023 |
60.000 |
5.454 |
54.546 |
0 |
|
2023 |
227.447 |
227.446 |
0 |
45.490 |
Na análise do Quadro 3, pode-se observar que os
lançamentos se restringem aos grupos de ativo e passivo, no Balanço
Patrimonial, e de despesas, na DRE. Entretanto, como já argumentado, outras
demonstrações também sofrem efeitos de tal contabilização, assim como os
indicadores. Algo a ser observado é que, como em contratos que antes eram
reconhecidos como arrendamento financeiro, as despesas financeiras de juros são
decrescentes ao longo do período, impactando, nos diferentes períodos do
contrato, os indicadores de forma também diferente.
Com relação aos indicadores, sendo eles
representantes dos maiores efeitos da nova norma para os usuários externos, Morales-Díaz e Zamora-Ramírez
(2018), assim como Iasb (2016c), demonstram que a
tendência, além das modificações no EBITDA, é de um aumento dos indicadores de
alavancagem/endividamento, em decorrência do aumento do passivo, e de uma
diminuição do ROA, em decorrência do reconhecimento do ativo. Assim, os autores
demonstram diversos pontos de escolhas em que as entidades poderiam realizar
escolhas de forma a diminuir os impactos desejados.
Essa pesquisa (MORALES-DÍAZ; ZAMORA-RAMÍREZ, 2018)
demonstra saídas contábeis para que empresas possam manipular a informação para
a que mais as agrada. Para isso, os autores se utilizam de pontos da norma que
invocam a subjetividade na avaliação por parte das entidades e propõem, por
exemplo, escolhas para que as empresas possam apresentar o menor passivo
possível. Para esse objetivo, os autores propõem que as empresas separem os componentes
do arrendamento e os demais componentes o máximo possível e procurem conseguir
deixar o arrendamento com “baixo” valor ou curto prazo, pois ambos estariam
fora do escopo da norma (essa é uma das formas citadas por Jamal
e Tan (2010) como sendo utilizada por preparadores
para se esquivar da aplicação da norma).
Ainda, para os autores, as empresas devem aplicar a
exceção do escopo para arrendamentos de intangível, evitando assim de
contabilizá-los, além de justificar o prazo do contrato como sendo o menor
possível, evitando contabilizar opções de renovações e, por consequência,
diminuindo os pagamentos mínimos (que são a base de mensuração dos passivos)
(MORALES-DÍAZ; ZAMORA-RAMÍREZ, 2018).
Ressalta-se que o referido artigo propõe técnicas
para se utilizar de brechas da norma para benefício das empresas, sendo essa
postura questionada do ponto de vista ético, uma vez que há o uso de premissas
subjetivas para manipulação de informações, porém é um indício de que a IFRS 16
ainda possui brechas, fato este já criticado desde a IAS 17
4.2 Principais Desafios na Aplicação da Nova Norma
Conforme discutido anteriormente, as disposições
previstas na nova norma de arrendamentos impactarão de forma significativa a
contabilidade das entidades brasileiras. Isto porque, como praticamente todas
as empresas nacionais celebram algum tipo de contrato de aluguel (imóveis,
carros, softwares etc.), a IFRS 16/CPC 06(R2) será uma norma que
produzirá impacto generalizado no mercado.
Nesta seção, discutem-se dois temas considerados
“polêmicos” acerca da aplicação da norma, isto porque irão demandar julgamento
significativo por parte dos contadores e auditores. São eles: (i) a
determinação da taxa de desconto, e (ii) a definição do prazo do arrendamento.
4.2.1 Determinação da taxa de desconto
A subjetividade inerente na determinação da taxa de
desconto dos contratos de arrendamento decorre do fato da maior parte dos
contratos não possuir uma taxa explícita. Imagine-se, por exemplo, que uma
empresa tenha celebrado um contrato de aluguel de um imóvel por três anos.
Veja-se que não haverá neste contrato uma taxa de juros explícita - até porque,
entre as partes, essa não é considerada uma operação de financiamento. Neste
contexto, a empresa precisará “construir” uma taxa para descontar os fluxos de
caixa futuros dos aluguéis, conforme prevê o CPC 06(R2).
Na inexistência de uma taxa explícita, o item 26 do
CPC 06(R2) determina que a empresa utilize a sua taxa incremental de
empréstimo, que, de forma simplificada, seria a taxa de mercado cobrada para
financiar o referido imóvel. Note-se que esta taxa não é diretamente
observável, uma vez que se trata da taxa de juros hipotética, aquela que a
empresa pagaria ao captar recursos para obter o ativo objeto de arrendamento
(CPC, 2017).Na prática, a determinação dessa taxa precisará envolver não apenas
a equipe contábil, mas igualmente as áreas de controladoria e finanças das
empresas. De maneira geral, a construção dessa taxa será o resultado: (i) da
taxa básica de juros (Selic ou CDI) e (ii) do spread
cobrado para realizar a operação de arrendamento. O segundo item é justamente o
mais complexo e envolverá a elaboração de uma política contábil a ser aplicada
de forma consistente pelas empresas.
Importante salientar que essa taxa de desconto pode
ser vista por outro ângulo, qual seja o do arrendador (locador). Isso porque
tal taxa será justamente a rentabilidade auferida pelo dono do imóvel na
transação. Este, o arrendador, cede o direito de uso do imóvel em troca de uma
rentabilidade. Para a arrendatária (locatária) isto
representa o custo da transação; já para o arrendador trata-se da taxa de
retorno, sua remuneração. Veja-se, conforme já discutido na seção anterior,
que, na ótica da norma, o arrendamento passa a ser encarado como uma transação
financeira; é por essa razão, inclusive, que o passivo gerará juros no
resultado da arrendatária. O custo desta operação é
justamente a taxa que deverá ser utilizada para descontar os fluxos de caixa
previstos no contrato de arrendamento.
4.2.2 Definição do Prazo do Arrendamento
A definição do prazo do arrendamento parece, em um
primeiro momento, trivial. Veja-se o caso do exemplo anterior, onde o prazo do
contrato de aluguel é de três anos. Acontece que a nova norma contábil prevê
que sejam consideradas igualmente as opções de renovação do contrato - caso o
arrendatário esteja razoavelmente certo de que irá exercer a opção de renovação
(CPC, 2017). “Razoavelmente certo” é de certa forma um grau de probabilidade,
assim como remoto, possível, provável, praticamente certo; conceitos previstos
na norma que versa sobre Provisões, o CPC 25 - Provisões, Passivos Contingentes
e Ativos Contingentes.
No caso concreto, será necessário o exercício de
julgamento por parte dos contadores que deverão levar em conta as informações
disponíveis a época de encerramento dos Balanços. Neste contexto, a
complexidade dos contratos e as incertezas jurídicas presentes no Brasil acabam
por tornar esse julgamento ainda mais difícil.
Entre os possíveis casos “polêmicos”, têm-se: (i)
contratos com prazo indeterminado, (ii) contratos cujo objeto em si ou o valor
do aluguel encontra-se sob litígio, como acontece nas ações renovatórias e
revisionais de aluguel, (iii) contratos já formalmente encerrados, mas que o
arrendatário continua utilizando o ativo e pagando pela utilização, etc.
Adicionalmente, tem-se o julgamento de qual prazo
considerar para fins de renovação, caso isso seja razoavelmente certo: (i)
mesmo prazo do contrato vigente, (ii) prazo médio dos contratos da empresa,
etc. Enfim, apesar de a definição do prazo do arrendamento ser, a priori,
algo relativamente simples, as disposições normativas aliadas à complexidade
existente na prática de negócios decorrente das mais diversas cláusulas
contratuais e do inseguro ambiente jurídico podem dificultar o estabelecimento
dos prazos do arrendamento.
5. Considerações Finais
Considerando as mudanças propostas nas novas normas
de arrendamento mercantil, objetivou-se, neste estudo de cunho mais normativo,
apresentar uma visão contábil acerca da nova norma de arrendamento mercantil,
IFRS 16 - Leases, incorporada ao cenário
nacional por meio da revisão do Pronunciamento Técnico
CPC 06(R2).
Essas mudanças giram em torno de críticas que já eram
realizadas ao modelo contábil anterior de leasing (IAS 17 e CPC 06-R1),
quem eram a de possibilidade de estruturação de operações por meio da
classificação dos arrendamentos em financeiros ou operacionais. Nesse sentido,
a nova proposta traz o conceito de direito de uso, em que todas as operações de
arrendamento deverão ser reconhecidas nos ativos e passivos das empresas arrendatárias, com reconhecimento periódico e separado, na
DRE, das despesas de juros e de depreciação.
Há certa resistência por parte dos arrendatários, em
decorrência de que os demais usuários possam entender a capitalização dos
arrendamentos e seu reconhecimento no passivo como uma diminuição na qualidade
da saúde financeira das empresas, uma vez que, provavelmente, serão impactados
os indicadores de liquidez, rentabilidade e o EBITDA. Entre os efeitos
esperados, há o aumento do EBITDA e do resultado operacional, principalmente
para as empresas que possuíam maior volume de arredamentos antes classificados
como operacionais. Outro indicador que sofrerá variação e é de amplo uso do
mercado é o ROA, já que tende a ser diminuído em função do reconhecimento dos
arrendamentos no ativo. Ainda, outros indicadores de alavancagem e
endividamento sofrerão efeitos negativos em decorrência do reconhecimento de
passivos. Apesar do efeito já
esperado nos indicadores, pode haver outro ponto de atenção, que é com relação
ao uso de covenants. Entidades que possuem
contratos de dívida e que possuem cláusulas de covenants
deverão estar atentas para verificar se os efeitos da nova norma de leasing
não trarão quebras desses contratos e procurar uma renegociação com os credores
para que não sofram as sanções contratuais.
Fora os impactos diretamente nas demonstrações
financeiras, há que se atentar a alguns pontos de escolhas contábeis por parte
das administrações das empresas. Esses pontos podem auxiliar para que entidades
procurem trazer informações que sejam melhores para seus dados financeiros em
detrimento do correto uso e aplicação da norma. Nesse sentido, deve haver
atenção da auditoria e dos demais interessados nas informações contábeis sobre
os pontos de escolha e determinação das taxas de desconto, da definição do
prazo dos contratos e dos itens incluídos na mensuração inicial dos ativos e
passivos.
Por mais que o estudo apresente os principais
efeitos, impactos esperados e questões contábeis relacionadas com a aplicação
do CPC 06(R2), diversos pontos de conflito, dúvidas e contradições ainda podem
ocorrer na prática das empresas ao se analisarem situações específicas. Isso
ocorre porque não há um padrão correto/fixo de contrato de leasing e,
mesmo que houvesse, para a Ciência Contábil, o fato que gera a contabilização é
a análise da essência econômica das transações. Assim, como os contratos podem
possuir diferentes cláusulas e características, dúvidas de aplicação podem
surgir e indica-se que as empresas procurem aplicar os princípios gerais da
norma, caso não haja exemplificação do caso específico. Salienta-se ainda que o
referido pronunciamento trará desafios na sua aplicação prática que demandarão
julgamento significativo dos preparadores e auditores das demonstrações
contábeis. No presente estudo, dois desses aspectos considerados “polêmicos”
foram discutidos: (i) estabelecimento da taxa de desconto e (ii) determinação
do prazo do arrendamento.
Com base no que foi apresentado e discutido no paper, e em cumprimento aos objetivos iniciais
propostos, vê-se que o ano de 2019 é um ano-chave para as empresas que possuem
alguma operação de arrendamento, já que terão que trocar e atualizar toda sua
estrutura de controle e registro contábil dessas operações. Por fim,
ressalta-se que as informações discutidas neste paper
referem-se aquelas que são exigidas pelo Iasb e CPC.
A norma norte-americana também foi modificada, porém com critérios distintos,
não fazendo parte do escopo do artigo.
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* Doutorando em Controladoria e Contabilidade na
FEA/USP. Mestre em Ciências Contábeis pelo Programa Multiinstitucional
e Inter-Regional de Pós-Graduação em Ciências Contábeis da UnB/UFPB/UFRN.
Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade de Brasília (UnB). Atualmente
é Professor Assistente da Universidade de Brasília, lecionando principalmente
nas áreas de contabilidade societária e contabilidade geral.
** Professor do Departamento de Ciências Contábeis
e Atuariais da Universidade de São Paulo - FEA/USP. Diretor de Pesquisas da Fipecafi. Doutor em Contabilidade e Controladoria pela USP.
Mestre em Contabilidade pela UFSC. Graduado em Business Management
(Administração) pela Webber International University (EUA), em Contabilidade pela Universidade do
Vale do Itajaí e em Direito pela Universidade Paulista.
(Fonte: RBC nº 238)
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