APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DESPEJO CUMULADA COM COBRANÇA DE ALUGUÉIS - CONTRATO VERBAL - AUSÊNCIA DE PROVA - ÔNUS DA PARTE AUTORA - LOCAÇÃO NÃO CARACTERIZADA - PEDIDO INICIAL JULGADO IMPROCEDENTE - SENTENÇA MANTIDA - RECURSO NÃO PROVIDO - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF35940 - AD

 

                - Se a parte autora da ação de despejo alega a existência de contrato verbal de locação e se a parte ré nega a existência da relação locatícia, é daquela requerente o ônus de provar a existência da locação.

                - Ausente a prova do contrato de locação verbal, deve ser mantida a decisão de improcedência.

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.19.061214-3/001 - Comarca de Governador Valadares

 

Apelante(s): Antônio Silveira Filho, Hugo de Magalhaes Silveira, Jose Ivomar da Silveira, Paulo de Magalhaes Silveira, Stela Fatima da Silveira, Suzana Aparecida de Magalhaes Silveira

Apelado(a): Rosimeire Lemos dos santos

 

A C Ó R D Ã O

 

                Vistos etc., acorda, em Turma, a 17ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

 

DES. EVANDRO LOPES DA COSTA TEIXEIRA

Relator.

V O T O

 

                Trata-se de apelação interposta por ANTONIO SILVEIRA FILHO, HUGO DE MAGALHAES SILVEIRA, JOSE IVOMAR DA SILVEIRA, PAULO DE MAGALHAES SILVEIRA, STELA FATIMA DA SILVEIRA e SUZANA APARECIDA DE MAGALHAES SILVEIRA, contra a sentença (ID 555388624), proferida nos autos da ação de despejo c/c cobrança de aluguéis ajuizada em face de ROSIMEIRE LEMOS DOS SANTOS, que julgou improcedentes os pedidos e condenou a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios fixados em 10% do valor do pedido inicial.

                Em suas razões recursais (ID637056884), a parte autora pediu a reforma da sentença para que seja declarada a rescisão do contrato de locação verbal entre as partes, determinando a desocupação do imóvel no prazo legal, sob pena de despejo compulsório, bem como a condenação da parte ré ao pagamento dos aluguéis devidos em todo o período e os demais encargos locatícios previstos na lei, condenando-a, por fim, no pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios de 20% sobre o valor do débito a ser apurado em liquidação. Disse que a prova produzida é conclusiva para corroborar a existência da locação ajustada verbalmente entre as partes, sendo que as testemunhas ouvidas informaram com coerência e certeza que as partes de fato contrataram o pagamento de aluguel mensal, conforme se pode aferir dos depoimentos colhidos na audiência de instrução e julgamento.

                Contrarrazões pela negativa de provimento ao recurso (ID696006094).

 

                DA INCIDÊNCIA DO NOVO CPC

                De início, registro que a sentença apelada foi proferida e publicada quando já em vigor o novo CPC, que é, portanto, o que incide na espécie.

 

                JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

                Conheço do recurso, eis que presentes os pressupostos de admissibilidade.

 

                PRELIMINARES

                Não há preliminares a serem enfrentadas.

 

                MÉRITO

                Os autores alegaram que no dia 23 de maio de 2017 adquiriram por meio de herança, na proporção de 16,66% da fração de dois imóveis, para cada uma, por meio de Escritura Pública de Inventário (ID 36456945).

                Disseram que o primeiro autor - Antônio Silveira -, antes mesmo do óbito de sua genitora, ocorrido em 05.08.2015, teria alugado para a parte ré, pelo valor mensal de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais), por meio de contrato verbal, um barracão de 03 (três) cômodos, edificado sobre o lote situado da Rua Tupinambá, nº 35.

                Disseram, ainda, que a parte ré teria descumprido sua obrigação após o quinto mês de locação, deixando de pagar os alugueis até a presente data, conforme planilha de ID 36456273, sem justificativa.

                Em sua defesa a parte ré alegou que o imóvel era pertencente a Antônio Jose da Silveira e Raimunda de Magalhães Silveira, que nasceu em 22.04.1979, sendo que, aos 04 (quatro) anos de idade, ela e sua irmã Maria José Martins dos Santos, passaram a morar com o referido casal, que tinham a sua guarda, os quais são os pais dos autores, sendo tratada como se fosse da família, ou seja, filha do casal e irmã dos requerentes, haja vista que na certidão emitida pelo INSS enquadrou-se como filha de seus guardiões.

                Afirmou que sempre morou na mesma residência localizada na rua Tupinambás, com seu pais socioafetivos, auxiliando em seus afazeres domésticos, colaborando na manutenção do lar, nunca sendo cobrada nenhum tipo de aluguel, até porque era considerada filha e os requerentes seus irmãos.

                Após o falecimento do senhor Antônio Jose da Silveira, em 09.07.1990, continuou a residir no mesmo imóvel juntamente com a senhora Raimunda, a quem chamava de mãe; que, após ter engravidado, passou a morar em um barracão que fica dentro do imóvel da rua Tupinambás, passando então a ser sua residência.

                Quando a senhora Raimunda de Magalhães Silveira faleceu, em 05.08.2015, os autores queriam a sua saída do imóvel, inclusive ameaçando de cobrar-lhe alugueis e derrubar o barracão, mas desde a sua tenra idade mora no imóvel e nunca existiu qualquer tipo de negociação/contrato de aluguel.

                Por meio desta ação os autores pediram o despejo cumulado com cobrança de aluguéis e encargos locatícios com base em suposto contrato de locação verbal.

                Como sabido, não há óbice em que o pedido inaugural tenha por objeto contrato verbal de locação, desde que reste, indubitavelmente, comprovada a relação locatícia.

                Sobre a matéria lecionam Paulo Restiffe Neto e Paulo Sérgio Restiffe:

 

                "O Direito brasileiro não exige forma especial para a constituição da relação jurídica de locação de imóvel, que pode ser contratada por escrito ou não.

                Também não dispõe expressamente sobre a prova da locação imobiliária, disciplinando a matéria as regras de direito comum, e por isso impondo o ônus da prova a quem invoca a locação e pretenda, pois, beneficiar-se." (Locação: Questões Processuais - 4. ed. - RT - 2000).

 

                Todavia, em que pese a inicial apresentar alegações de que fora firmado contrato de locação sob a forma verbal com a apelada não fizeram prova do alegado, pois não colacionou qualquer instrumento hábil a demonstrar algum indício da negociação, do ajuste de preço, enfim, que pudesse sustentar a existência do contrato em comento.

                A única prova que faz referência ao suposto contrato de locação é o depoimento de duas testemunhas que afirmaram ter ouvido da parte ré que ela pagava aluguel no valor de R$ 150,00 para os autores. Confira-se:

 

                "conhece as partes desde 1999 a 2000 para cá, quando era mototaxista; a requerida residia na casa da mãe dos requerentes e diariamente pegava mototáxi para tal local; inicialmente a requerida morava no imóvel pois era guardada ou tutelada pela mãe dos requerentes; depois da morte ela foi morar em um barracão nos fundos e disse para o declarante que pagava aluguel de R$ 150,00 (cento e cinquenta reais); tem conhecimento de que a requerida morava com a pessoa de nome ZÉ MARIA, mas nunca viu o mesmo de rosto; nunca viu a requerida efetuando qualquer pagamento aos requerentes; no imóvel tem mais de uma construção, e o barracão utilizado por ROSIMEIRE era utilizado por ANTÔNIO que cedeu para a mesma morar; a requerida na época que disse pagar aluguel, tinha uma menina de dois anos e não disse há quanto tempo estava pagando aluguel." (testemunha ISRAEL DIAS DE MOURA, f. 54648789- Pág. 02)

 

                "foi vizinho próximo aos litigantes de 1980 a 1990; de lá para cá, tem o costume de pintar a casa para os mesmos; ao que se recorda, a requerida passou a residir no imóvel de 1982 a 1983, mais ou menos; a requerida residia com a mãe dos requerentes e com aqueles que não eram casados; não sabe a data que a mãe dos requerentes veio a óbito; não chegou a ir no velório e enterro da mãe dos mesmos, já que não tem intimidade com a família; certa vez foi contratado para pintar o imóvel, sendo o barracão dos fundos há uns cinco ou seis anos, para que a requerida lá residisse; presenciou a mesma combinar com ANTÔNIO que pagaria aluguel mas não recorda do valor, mas se tratava de valor ínfimo; nunca viu a requerida pagando qualquer aluguel a algum dos requerente; não viu o requerente e a requerida combinando data para pagamentos dos alugueis; não sabe de maiores detalhes a respeito de aluguel contratado, notadamente prazo de duração do contrato." (testemunha NILTON CÉZAR DE OLIVEIRA, f. 54648789-Pág. 03)

 

                Como bem apontado pelo d. juiz "a quo":

 

                "A prova produzida pelos requerentes é muito frágil no sentido de comprovar um contrato de locação verbal.

                É fato incontroverso nos autos que os pais dos requerentes detinham a guarda da requerida quando menor de idade e que a mesma desde os quatro anos sempre residiu na residência deles, e após o óbito, foi residir no barracão existente nos fundos.

                Não há que se falar em contrato de locação, o que leva a total improcedência do pedido de despejo e cobrança de aluguéis.

                Nessa via, não é possível averiguar sobre eventual usucapião por parte da requerida, devendo a mesma valer se da via própria para reconhecimento do usucapião, ou mesmo da filiação socioafetiva.

                Inexistindo contrato de locação, e sendo a prova produzida muito frágil, no sentido de tentar sustentar a existência de locação sem precisar data e valores, a improcedência da demanda é uma imposição legal, notadamente, restando comprovado que desde criança a requerida reside no imóvel, não sendo crível que após o falecimento dos pais dos requerentes, tenha sido convencionado locação com esta".

 

                Ou seja, deveria a apelante ter trazido aos autos alguma declaração, alguma nota ou documento que servisse como começo de prova, cujo ônus certamente lhe competia.

                Logo, fácil notar que a parte autora não se desincumbiu do ônus da prova, nos termos do art.373, I, do CPC.

                Vale aqui lembrar a máxima: "alegar e não provar é o mesmo que não alegar".

 

                Sobre o ônus da prova, ensina Vicente Greco Filho que:

 

                "O autor, na inicial, afirma certos fatos porque deles pretende determinada consequência de direito; esses são os fatos constitutivos que lhe incumbe provar sob pena de perder a demanda. A dúvida ou insuficiência de prova quanto a fato constitutivo milita contra o autor. O juiz julgará o pedido improcedente se o autor não provar suficientemente o fato constitutivo do seu direito". (Direito Processual Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 11ª ed., v. II, 1996, p. 204).

 

                No mesmo sentido, Antônio Claudio da Costa Machado, in "Código de Processo Civil Interpretado e Anotado", Editora Manole, comentando o dispositivo processual referido aduz que:

 

                "Fato constitutivo é aquele apto a dar nascimento à relação jurídica que o autor afirma existir ou ao direito que dá sustentação à pretensão deduzida pelo autor em juízo. Normalmente, ao autor é atribuído o encargo de provar vários fatos constitutivos e não apenas um; tudo dependerá da maior ou menor complexidade da causa de pedir apresentada na petição inicial. A consequência do não-desincumbimento do ônus da prova pelo autor é o julgamento de improcedência do pedido (actore non probante absolvitur reus)."

 

                Não é outro o entendimento desta Câmara:

 

"Ao autor compete o ônus probatório, nos termos do artigo 333, I, do Código de Processo Civil, "quanto ao fato constitutivo do seu direito", porquanto, no direito brasileiro, se a parte não apresenta sua prova, o magistrado não pode presumir a existência dos fatos arguidos na inicial" (Apelação Cível nº 1.0372.07.028466-9/001; Relatora Desembargadora Márcia de Paoli Balbino; d.j: 01.11.2007; d.p: 29.11.2007).

 

                Diante disso, o pedido inicial mostra-se improcedente, não merecendo provimento o presente recurso.

                POSTO ISSO, nego provimento ao recurso.

                Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, estes fixados em R$ 2.000,00, já com o acréscimo previsto nos §1º e 11 do art.85 do NCPC.

                DES. ROBERTO SOARES DE VASCONCELLOS PAES - De acordo com o Relator.

                DES. AMAURI PINTO FERREIRA - De acordo com o Relator.

 

                Súmula - "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO"

 

 

BOAD10217---WIN/INTER

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