AGRAVO DE INSTRUMENTO - INTERDIÇÃO DE LATICÍNIO - ATO ADMINISTRATIVO REVESTIDO DE LEGITIMIDADE - EXERCÍCIO DO PODER DE POLÍCIA MUNICIPAL - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF36447 - BEAP

 

                1. Diante de infração administrativa o agente público não está investido de discricionariedade, sendo seu ato vinculado ao grau de gravidade da infração. 2. Não tem amparo legal a pretensão de funcionamento para o exercício de atividade comercial empresa sem as respectivas licenças. 3. A interdição de estabelecimento, em exercício do poder de polícia, é punição à infração sanitária (Lei Estadual nº 13.317/1999). 4. O exercício da atividade econômica sem aprovação pelo Poder Público coloca em risco toda a coletividade e pode prejudicar o comércio local e a organização urbana, o que não se pode admitir.

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0325.15.001206-1/001 Comarca de ...

 

Agravante(s): ...Comercio e Serviços Ltda - ME

Agravado(a)(s): Inst Mineiro Agropecuaria - IMA

 

A C Ó R D Ã O

 

                Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, á unanimidade, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

 

DES. RENATO DRESCH

Relator

 

V O T O

 

                ...COMÉRCIO E SERVIÇOS LTDA.-ME interpôs agravo de instrumento contra decisão proferida pelo Juiz Substituto Vinícius da Silva Pereira, da Comarca de Itamarandiba, nos autos da ação anulatória de ato administrativo por ela aviada em face do INSTITUTO MINEIRO DE AGROPECUÁRIA, que indeferiu o pedido de antecipação de tutela, com o qual pretendia autorização para o retorno às atividades do laticínio.

                Informa que é empresa de laticínio e, como tal, fornece leite para os programas Leite pela Vida, Fome Zero, bem como para a Prefeitura, creches, hospitais e escolas, todavia, em 13.04.2015, em razão de fiscalização, sofreu interdição cautelar total do estabelecimento.

                Aduz que o referido ato apresenta vícios, já que não contém motivação, além de não obedecer ao devido processo legal, sendo desproporcional e irrazoável, pois considera que há situações que não importam risco à saúde pública, restringindo-se a "questões burocráticas, documentais", em relação às quais não foi orientada acerca dos seus mecanismos de defesa.

                Alega que a interdição do estabelecimento lhe causa prejuízos e afirma que a decisão recorrida não analisou as provas apresentadas.

                Requer seja atribuído o efeito ativo ao recurso para a determinação da reabertura do estabelecimento, sendo-lhe concedido prazo para sanar eventuais irregularidades e, alternativamente, que se determine a realização de perícia técnica e inspeção judicial antes da determinação de reabertura.

                Foi indeferido o efeito suspensivo recursal (fls. 306/309).

                Informações prestadas à fl. 316.

                Em contraminuta (fls. 319/333), o INSTITUTO MINEIRO DE AGROPECUÁRIA - IMA, alegando a inexistência dos requisitos para a concessão da tutela antecipada. No mérito, sustenta a legalidade da medida de interdição, de natureza cautelar e não punitiva, já que a lei estabelece requisitos para o registro no serviço de inspeção estadual, que, se não atendidos, caracterizam a "não conformidade" sanitária, autorizando a interdição provisória. Também aduz que o ato administrativo foi devidamente motivado. Pugna pela manutenção da decisão agravada.

                É o relatório.

                Conheço do recurso, diante da presença dos pressupostos de admissibilidade.

                A agravante se insurge contra a decisão que indeferiu seu pedido de antecipação dos efeitos da tutela, para suspender a determinação de interdição cautelar do estabelecimento.

                O ato administrativo pode ser conceituado genericamente, de acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, como:

                Declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes - como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional. (Curso de Direito Administrativo. 19ª ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 359).

                Os elementos básicos exigidos para a validade dos atos administrativos são o agente, o objeto, a forma, o motivo e o fim. Além disso, o ato administrativo tem como atributos ou prerrogativas a presunção de legitimidade (ou validade), a imperatividade, a exigibilidade ou a executoriedade.

                O ato administrativo pode ser questionado judicialmente, para discutir vícios na sua formação ou mesmo a existência do próprio fato, todavia, o controle da razoabilidade e da proporcionalidade será feito sob a ótica da moralidade e finalidade, para apurar a ocorrência, ou não, de ilegalidade ou de abuso de poder, ou se os fundamentos da decisão estão amparados na lei ou em princípio gerais de direito que norteiam a matéria.

                Quando se trata de infração administrativa o agente público não está investido de discricionariedade. Seu ato é vinculado ao grau de gravidade da infração.

                Uma das formas de regulamentação da atividade econômica é a licença, que se caracteriza como "ato vinculado, unilateral, pelo qual a Administração faculta a alguém o exercício de uma atividade, uma vez demonstrado pelo interessado o preenchimento dos requisitos legais exigidos". (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros. 2005. p. 408)

                A licença para exercício da atividade econômica, exteriorizada pelo alvará de funcionamento, é indispensável ao desempenho da atividade e deve ser concedida ao interessado sempre que preenchidos os requisitos legais.

                Sobre a licença, destaca Hely Lopes Meirelles:

                Licença é o ato administrativo vinculado e definitivo pelo qual o Poder Público, verificando que o interessado atendeu a todas as exigências legais, faculta-lhe o desempenho de atividades ou a realização de fatos materiais antes vedados ao particular, como, p. ex., o exercício de uma profissão, a construção de um edifício em terreno próprio. A licença resulta de um direito subjetivo do interessado, razão pela qual a Administração não pode negá-la quando o requerente satisfaz todos os requisitos legais para sua obtenção, e, uma vez expedida, traz a presunção de definitividade. Sua invalidação só pode ocorrer por ilegalidade na expedição do alvará, por descumprimento do titular na execução da atividade ou por interesse público superveniente, caso em que se impõe a correspondente indenização. A licença não se confunde com a autorização, nem com a admissão, nem com a permissão.

                (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 17. ed. São Paulo: Malheiros. 1992. p. 170)

                Caso o estabelecimento não possua a licença de funcionamento, poderá a Administração aplicar as penalidades previstas em lei e até mesmo interditar o exercício da atividade.

                Frise-se que a interdição de estabelecimento comercial desprovido de alvará de funcionamento é ato da Administração Pública que prescinde da propositura de ação judicial para a sua consecução, tendo em vista a autoexecutoriedade e a coercibilidade atribuídas ao poder de polícia.

                Neste sentido, decisão deste TJMG acerca da interdição de laticínio no mesmo Município de Borda da Mata:

 

                APELAÇÃO CÍVEL. REEXAME NECESSÁRIO. ANULATÓRIA. INTERDIÇÃO CAUTELAR DA FABRICAÇAO E COMERCIALIZAÇÃO DE PRODUTO. NULIDADE DO ATO ADMINISTRATIVO. AUSÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA EM REEXAME NECESSÁRIO. RECURSO PROVIDO. 1. A interdição cautelar do estabelecimento ou do produto quando constatada infringência às normas sanitárias decorre do exercício do poder de polícia da Administração, com o fim de resguardar o interesse público ao impedir a circulação de mercadorias potencialmente nocivas à saúde da coletividade. 2. Demonstrado que o ato administrativo respeitou as normas insertas na Lei Estadual nº 13.317/99, notadamente quanto ao laboratório responsável pela análise do material, bem como quanto à forma de coleta das amostras, impõe-se a manutenção do ato atinente à interdição cautelar das atividades da empresa apelada. (Apelação Cível nº 1.0083.10.002225-6/001 - 0022256-93.2010.8.13.0083(1) - Relator: Des. Bitencourt Marcondes - Órgão Julgador: 8ª CÂMARA CÍVEL - Comarca de Origem: Borda da Mata - Data de Julgamento: 07/03/2013 - Data da publicação da súmula: 14/03/2013) (grifos)

 

                Feitas estas considerações, verifica-se, no caso dos autos, que o laticínio agravante foi vistoriado pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA) - autarquia criada pela Lei Estadual nº 10.594, de 07.01.1992, que tem como finalidade, dentre outras, a "certificação de produtos agropecuários no Estado, visando à preservação da saúde pública e do meio ambiente e ao desenvolvimento do agronegócio" (art. 2º, Decreto nº 45.800, de 06.12.2011) -, em 26.01.2015 (fl. 012-TJ), e firmou Termo de Compromisso para a se adequar às exigências legais (fl. 010-TJ).

                Todavia, em nova vistoria, esta realizada em 13.04.2015 (fls. 052/053-TJ), constatou que não foram sanadas algumas irregularidades, razão pela qual a empresa foi notificada (fl. 055-TJ) e interditada, conforme Auto de Interdição nº 011590 (fl. 054-TJ), em decorrência de "certificado vencido; não cumprimento do termo de compromisso...".

                Não prospera a alegação da agravante de que inexiste fundamentação no ato administrativo, uma vez que no Auto de Interdição constam tanto o motivo, quanto a fundamentação legal para a aplicação da sanção para infração sanitária, que, aliás, foi aplicada conforme previsão contida no art. 97, VII, da Lei Estadual nº 13.317/1999 (Código de Saúde do Estado de Minas Gerais).

                Portanto, dado prazo razoável para a empresa regularizar seu funcionamento, isto não ocorreu, de modo que a interdição do estabelecimento é medida de rigor.

                O exercício da atividade econômica sem aprovação pelo Poder Público coloca em risco toda a coletividade e pode prejudicar o comércio local e a organização urbana, o que não se pode admitir.

                Assim, não há fundamentos para alterar a decisão agravada.

                Diante do exposto, nego provimento ao recurso.

                Custas pela agravante.

                DES. MOREIRA DINIZ - De acordo com o(a) Relator(a).

                DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES - De acordo com o(a) Relator(a).

 

Súmula - "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO"

 

 

BOCO9556---WIN/INTER

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