SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - FÉRIAS REGULAMENTARES - PERÍODO DE GOZO - ATO DISCRICIONÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - AUSÊNCIA DE MOTIVAÇÃO - IMPOSSIBILIDADE - DIREITO LÍQUIDO E CERTO - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF36723 - BEAP

 

 

                Reexame necessário - mandado de segurança - servidor público municipal - férias regulamentares - período de gozo - ato discricionário da Administração Pública - ausência de motivação - impossibilidade -direito líquido e certo - comprovação - sentença confirmada.

                1. A administração pública, no exercício de seu poder discricionário, por conveniência e oportunidade pode, a bem do interesse público, determinar o período do gozo de férias por parte de seus servidores.

                2. Impõe-se, todavia, que o ato esteja fundamentado no interesse superior da administração e do serviço.

                3. A ausência de motivação válida do ato pelo qual é determinado o início imediato do gozo de férias pela servidora municipal importa na nulidade do ato administrativo, de modo a se impor a confirmação da sentença em que concedida a segurança, para cassá-lo.

 

REEXAME NECESSÁRIO 1.0017.12.006849-3/001 - Comarca de ...

 

Remetente: ..., ...

Autor(es)(a)s: ...

Ré(u)(s): Município de ...

Autori. Coatora: Prefeito do Município de ...

 

A C Ó R D Ã O

 

                Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em confirmar a sentença, em reexame necessário.

 

DES. MARCELO RODRIGUES

Relator

 

V O T O

 

                Cuida-se de reexame necessário da sentença de fls. 49/50v, que, nos autos do mandado de segurança impetrado por ... contra ato imputado ao prefeito do Município de ..., concedeu a segurança postulada, para declarar a nulidade do ato administrativo pelo qual concedidas férias à servidora, ora impetrante, pelo período de 13.9.2012 a 26.10.2012. Como medida necessária, ratificou a liminar de fls 16/17.

                Deixou de impor condenação ao pagamento das custas processuais e de honorários advocatícios, por força da isenção legal decorrente do disposto, respectivamente, nas Leis 14.939, de 2003 e 12.016, de 2009.                E, ainda, determinou a remessa dos autos a este Tribunal, a teor do disposto no art. 14, § 1º, desse último diploma legal.

                Não houve interposição de recurso pelas partes.

                A Procuradoria-Geral de Justiça se manifestou às fls. 66/69.

 

                1. Reexame necessário

                O reexame necessário, instituto previsto no art. 475 do Código de Processo Civil de 1973, correspondente ao art. 496, da Lei 13.105, de 2015, bem como na Lei 12.016, de 7 de agosto de 2009, em seu artigo 14, § 1º, não é recurso, mas condição legal de eficácia da sentença, cuja incidência não depende da vontade das partes.

                Acertada, pois, a remessa oficial.

                Passo à análise do mérito.

 

                2. O caso concreto

                Colhe-se dos autos que a impetrante, servidora pública efetiva do Município de ..., ocupante do cargo de técnico em contabilidade, foi comunicada em 13.9.2012 de que, por ato praticado, de ofício, pelo impetrado, seria colocada em gozo de férias, a partir daquele dia, até a data de 25.10.2012.

                Na petição inicial, sustenta a impetrante a nulidade do ato, ao fundamento de ausência de motivação para a sua prática.

                Alega que o ato teria sido praticado como forma de retaliação à manifestação por ela externada na ocasião, perante o impetrado, de que não votaria nele nas eleições daquele ano.

                Aduz que, no dia seguinte, compareceu ao setor onde desempenhava as suas funções, quando se viu impossibilitada de ter acesso ao local, porquanto a fechadura da porta teria sido trocada.

                Ressalta não ter o costume de gozar férias em tal época do ano, bem como que tinha, na oportunidade, inúmeras tarefas pendentes, a caracterizar a inconveniência da imposição de férias naquele momento, razão pela qual impetrou o presente writ.

                A eficácia do ato restou suspensa, por força da decisão pela qual concedida a medida liminar pleiteada pela impetrante (fls. 16/17).

                Pela sentença, foi concedida a segurança impetrada, por considerar o juiz que o ato impugnado, a par de não apresentar motivação, foi praticado "com o vício do abuso de poder" (f. 50).

 

                3. Férias de servidor

                Impende consignar que, embora as férias do servidor público constituam direito a ele assegurado constitucionalmente, é pacífico na jurisprudência que a época de gozo do benefício fica submetido à discricionariedade da Administração Pública, à qual incumbe decidir o momento oportuno para a sua fruição pelo servidor, observadas a conveniência e oportunidade do serviço, e o interesse público.

                A propósito, ensina Hely Lopes Meirelles:

 

                A discricionariedade, como já vimos, traduz-se na livre escolha pela Administração, da oportunidade e conveniência de exercer o poder de polícia, bem como de aplicar as sanções e empregar os meios conducentes a atingir o fim colimado, que é a proteção de algum interesse público. Neste particular, e desde que o ato de polícia administrativa se contenha nos limites legais e a autoridade se mantenha na faixa de opção que lhe é atribuída, a discricionariedade é legítima.

                (Direito administrativo brasileiro. 35ª ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 138)

 

                O raciocínio percorrido não destoa da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

 

                RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. SERVIDORESPUBLICOS ESTADUAIS. FERIAS-PRÊMIO. GOZO. SUSPENSÃO. NECESSIDADE DO SERVIÇO. INTERESSE DA ADMINISTRAÇÃO. AUSENCIA DE DIREITO LIQUIDO E CERTO. - OS DIREITOS DOS SERVIDORES, RELATIVAMENTE A PERIODOS DE FERIAS, LICENÇAS, ETC, PODEM SER DETERMINADOS, SEU GOZO E USO, A CRITERIO DA ADMINISTRAÇÃO, CONFORME SUA CONVENIENCIA E INTERESSE. - DESSA FORMA, O ATO ATACADO, QUE SUSPENDEU A CONCESSÃO DO GOZO DE FERIAS-PRÊMIO POR NECESSIDADE DO SERVIÇO E RACIONALIZAÇÃO DE CUSTEIO, NÃO FERE DIREITO, MUITO MENOS LIQUIDO E CERTO DOS SERVIDORES QUE JA POSSUEM O TEMPO DE SERVIÇO NECESSARIO PARA USUFRUIR DE TAL BENEFICIO. - RECURSO DESPROVIDO. (Recurso ordinário em mandado de segurança 1997/0042296-8 - relator ministro José Arnaldo da Fonseca - j. em 9.12.1997) (grifou-se)

 

                Logo, a administração pública, no exercício de seu poder discricionário, por conveniência e oportunidade, pode, a bem do interesse público, determinar o período do gozo de férias por parte de seus servidores.

                Impõe-se-lhe, não obstante, indicar os fundamentos que embasam o seu agir, pois a alegada discricionariedade não pode ser confundida com arbitrariedade.

                A propósito, leciona Maria Sylvia Zanella Di Pietro acerca da motivação dos atos administrativos, que:

 

                O princípio da motivação exige que a administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Este está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle da legalidade dos atos administrativos.

                (Curso de direito administrativo. 14ª ed. São Paulo: Atlas, 2002, p. 82)

 

                Partindo-se dessas ponderações, é possível perceber que do ato administrativo impugnado não é possível extrair os eventuais motivos de sua conveniência e oportunidade, uma vez que dele não constou qualquer motivação e, além disso, o impetrado nem sequer se dignou a apresentar, nos autos, qualquer justificativa para a sua prática.

                Com efeito, não pode passar despercebido o fato de que a data de início do período de gozo das férias da impetrante é a mesma em que foi confeccionado o comunicado a ela dirigido, com vistas a informá-la de tais férias, o que vem a corroborar a alegação constante da inicial, de que a medida foi adotada num arroubo do impetrado e teve caráter punitivo, decorrente de divergências políticas da servidora com o prefeito municipal.

Evidencia-se, portanto, a nulidade do ato administrativo impugnado, haja vista a ausência de motivação válida para a sua prática.

                Nesse sentido é a jurisprudência desta Câmara:

 

                AGRAVO DE INSTRUMENTO - MANDADO DE SEGURANÇA - SERVIDOR PÚBLICO - CONCESSÃO DE FÉRIAS-PRÊMIO - DISCRICIONARIEDADE DA ADMINISTRAÇÃO - NECESSIDADE DE MOTIVAÇÃO - AUSÊNCIA - NULIDADE - CONCESSÃO LIMINAR DA SEGURANÇA - DECISÃO MANTIDA.

                - Embora o ato administrativo que indefere o pedido de concessão de férias-prêmio a servidor esteja na esfera discricionária da Administração Pública, é certo que não pode consubstanciar-se em atuação arbitrária de poder, deixando de observar as formalidades legais que fundamentam o ato administrativo, sendo, pois, indispensável a motivação do ato, com explicitação das razões fáticas e jurídicas que o fundamentem, o que não ocorreu no caso em questão.

                - Tendo restado demonstrada a plausibilidade do direito da agravada, bem como o periculum in mora, a medida liminar deve ser concedida.

                - Recurso a que se nega provimento. (Agravo de Instrumento 1.0024.12.075495-7/001, relatora a desembargadora Hilda Teixeira da Costa, julgamento em 14.05.2013, publicação da súmula em 27.05.2013)

 

                4. Dispositivo

                À luz destas considerações, em reexame necessário, confirmo a sentença, por seus jurídicos fundamentos.

                Sem custas recursais e honorários advocatícios, na forma da lei.

                DES. RAIMUNDO MESSIAS JÚNIOR - De acordo com o(a) Relator(a).

                DES. CAETANO LEVI LOPES - De acordo com o(a) Relator(a).

 

Súmula - "Confirmaram a sentença, em reexame necessário."

 

 

BOCO9592---WIN/INTER

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