DISPENSA DISCRIMINATÓRIA - NÃO COMPROVAÇÃO - REINTEGRAÇÃO INDEVIDA - DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO - MEF36726 - LT

 

 

PROCESSO TRT/RO Nº 01433-2013-104-03-00-2

 

 

Recorrente(s): Lucila Dias Neri

Recorrido(s): Sociedade Hospitalar de Uberlândia S.A.

 

E M E N T A

 

                DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. NÃO COMPROVAÇÃO. REINTEGRAÇÃO INDEVIDA. Não existindo nos autos provas ou indicativos que levem à conclusão de que a doença que acomete a reclamante, embora grave, tenha suscitado estigma ou preconceito no seu ambiente de trabalho, o caso tratado nos autos não se insere na previsão contida na Súmula 443 do c. TST. Referido entendimento jurisprudencial não deve ser aplicado a todo e qualquer situação em que o trabalhador dispensado é portador de doença grave, sob pena de banalizar a norma protetiva malferir o direito potestativo do empregador de dispensar seus empregados.

                Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, em que figuram, como recorrente, LUCILA DIAS NERI, e, como recorrida, SOCIEDADE HOSPITALAR DE UBERLÂNDIA S.A., proferiu-se o seguinte acórdão:

 

R E L A T Ó R I O

 

                A Exmª. juíza Alessandra Duarte Antunes dos Santos Freitas, da 4ª Vara do Trabalho de Uberlândia, por meio da r. sentença de fls. 859/864v (vol. 5), cujo relatório adoto e incorporo, integrada pela decisão de embargos de declaração de fls. 875/875v (vol. 5), julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por Lucila Dias Neri em face da Sociedade Hospitalar de Uberlândia para condenar a reclamada ao pagamento da verba descrita no dispositivo de fls. 863v/864.

                Os embargos de declaração interpostos pela reclamante, às fls.865/869 (vol. 5), foram conhecidos e providos em parte (decisão de fls. 875/875v, vol. 5).

                A reclamante interpõe recurso ordinário às fls. 877/932 (vol. 5). Argui a nulidade da sentença por cerceamento de defesa e pugna pela sua reforma em relação aos seguintes tópicos: a) inépcia do pedido de indenização por acidente biológico; b) horas extras e reflexos; c) domingos em dobro; d) adicional de insalubridade em grau máximo; e) devolução dos descontos por faltas; f) indenização por danos morais, materiais e pela estabilidade provisória pela doença ocupacional; g) indenização por danos morais pela dispensa discriminatória; h) forma de aplicação dos juros; e i) honorários advocatícios.

                Contrarrazões ofertadas pela reclamada às fls. 935/949 (vol. 5), com preliminar de não conhecimento parcial do recurso por inovação recursal.

                Instrumentos de mandato coligidos aos autos às fls. 37 (reclamante) e 121 (reclamada).

                Dispensado o parecer do Ministério Público do Trabalho, porque ausente interesse público na solução da controvérsia.

 

                JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

                PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO PARCIAL DO RECURSO ARGUIDA EM CONTRARRAZÕES

                Em contrarrazões, a reclamada argui preliminar de não conhecimento do pedido de pagamento de adicional noturno em relação às horas diurnas trabalhadas em prorrogação à jornada noturna sob o argumento de que referido fundamento não consta na causa de pedir, tratando-se de inovação recursal.

                Sem razão, pois o pedido de pagamento de diferenças de adicional noturno foi feito de forma ampla, de modo a contemplar toda a jornada de trabalho, inclusive as horas diurnas em prorrogação da jornada noturna.

                Rejeito a preliminar.

                Presentes os pressupostos objetivos e subjetivos de admissibilidade, conheço do recurso ordinário interposto pela reclamante.

 

                JUÍZO DE MÉRITO

                NULIDADE DA SENTENÇA

                Argui a reclamante a nulidade da sentença por cerceamento do direito de defesa em razão do indeferimento da realização de novas perícias médica e para a constatação da insalubridade e de expedição de ofício ao INSS. Argumenta que o perito médico não pediu a realização de exames complementares e não visitou seu local de trabalho, concluindo pela ausência de nexo causalidade de forma parcial e desfundamentada.

                Aduz, também, que a perita que analisou a insalubridade alterou sua conclusão pericial de forma parcial, após informações e documentos prestados extemporaneamente nos autos. Acrescenta que a expedição de ofício ao INSS para prestar informações sobre os benefícios concedidos era indispensável.

                Inicialmente, cabe pontuar que apesar de arguir a reclamante a nulidade da sentença, por cerceamento do direito de defesa, a arguição deve ser entendida como violação do direito à produção de prova garantida no inciso LV artigo 5º Constituição da República. Isto porque o direito à ampla defesa é prerrogativa restrita do réu, que tem o ônus processual respectivo (artigo 336 do CPC/2015). O autor, por óbvio, não pode cerceado no direito de defesa, mas pode ter sido impedido de produzir prova.

                Pois bem.

                De acordo com o art. 480 do CPC/2015, o Juiz pode determinar, em virtude de requerimento da parte ou até mesmo de ofício, a realização de nova prova pericial, se a matéria não lhe parecer suficientemente esclarecida. Portanto, a designação de nova perícia é faculdade do juiz, sendo que, mesmo depois de realizada uma segunda perícia, o julgador não está obrigado a acatar o seu resultado (parágrafo único do art. 480, § 3º, do CPC/2015).

                Impende destacar que o perito oficial goza da isenção e da confiança do Juízo, sendo que as impugnações da autora foram devidamente rechaçadas pelo "expert" nos esclarecimentos prestados, por ambos os vistores.

                Em que pese a perita que realizou a pesquisa sobre a insalubridade ter alterado suas conclusões a partir de informações prestadas posteriormente pela reclamada, não há qualquer nulidade no procedimento, pois o perito pode, a qualquer tempo, solicitar documentos que entender pertinentes a ambas as partes (art. 429 do CPC/1973, atual art. 473, § 3º, do CPC/2015). Não há qualquer impedimento na retificação da conclusão pericial após a apresentação de novos questionamentos.

                Nem se diga que houve parcialidade, pois a reclamante poderia ter juntado novos documentos, como o fez quando do pedido de esclarecimentos ao perito médico, às fls. 764/802 (vol. 4), que foram prontamente analisados.

                De se pontuar, ainda, que a reclamante não lançou qualquer insurgência quanto à nulidade do laudo médico-pericial, estando, portanto, preclusa a impugnação lançada sob esse enfoque.

                Com relação ao requerimento de informações ao INSS, não houve qualquer prejuízo, porque a própria autora juntou documento que comprova que o auxílio doença concedido a partir de 03.08.2012 foi de origem acidentária/ocupacional, no código B91 (fl. 773, vol. 4).

                Cabe registrar, por fim, que o juiz pode deixar de considerar as conclusões periciais podendo firmar seu convencimento por outras provas existentes nos autos (art. 479 do CPC/2015), sendo desnecessária a realização de novas perícias.

                Rejeito.

 

                INÉPCIA DA INICIAL - ACIDENTE BIOLÓGICO

                Entende a reclamante que a preliminar de inépcia acolhida pela r. decisão deve ser afastada, tendo em vista que o processo do trabalho é regido pelo princípio da simplicidade, não se sujeitando ao mesmo rigor que o processo civil comum. Aduz que não houve prejuízo para a defesa, tendo a reclamada apresentado impugnação específica em relação ao pedido de pagamento de indenização por acidente biológico, considerado inepto.

                Com razão.

                Não se pode olvidar que a informalidade é um dos princípios norteadores do processo do trabalho, não se aplicando aqui o rigor que impera no processo civil. Não se trata da extinção ou da desconsideração das formas e dos princípios processuais basilares, mas sim da eliminação dos exageros formalistas que dificultam o acesso à Justiça.

                Vejamos quais os requisitos exigidos pelo art. 840, §1º da CLT:

 

                Sendo escrita, a reclamação deverá conter a designação do juiz do Trabalho, ou do juiz de direito, a quem for dirigida, a qualificação do reclamante e do reclamado, uma breve exposição dos fatos de que  resulte o dissídio, o pedido, a data e a assinatura do reclamante ou de seu representante. (grifo nosso)

 

                Como se verifica no dispositivo legal supra transcrito, faz-se necessária apenas uma breve exposição dos fatos e o pedido, desde que a narrativa da exordial permita uma compreensão razoável dos limites da demanda.

                No caso concreto, verifico que a autora declinou expressamente na causa de pedir as razões pelas quais entendia ser devida a indenização pelo acidente biológico sofrido no trabalho (fls. 13/17, vol. 1), permitindo à ré apresentar sua defesa, com plena ciência da extensão dos pedidos correlatos, tendo inclusive apresentado documentos que comprovam o acidente de trabalho (fls. 111/114 - vol. 1 - e documentos de fls. 369/387, vol. 2).

                Ainda que assim não fosse, apesar de costumeiramente a parte alocar seus pedidos ao final da petição, em rol destacado, penso que a iniciativa não passa de mera forma didática, visto que o Código de Processo Civil em momento algum faz tal exigência, apenas impondo a existência do pedido e da causa de pedir, sem nenhuma exigência de sua localização topográfica no corpo da exordial (art. 330, § 1º, I, do CPC/2015).

                Embora não seja o usual, não há qualquer óbice legal que impeça o autor de aglutinar a causa de pedir e pedido, ao invés de consignar sua pretensão ao final da petição, como ocorre no caso, conforme o segundo parágrafo de fl. 17 (vol. 1).

                Logo, afasto a inépcia declarada na sentença e com fundamento no art. 1.013, § I, do CPC/2015, passo a analisar o mérito do pedido.

                A reclamante foi contratada em 01.10.2007, para exercer as funções de técnica de enfermagem, sendo dispensada imotivadamente em 06.02.2013, mediante aviso prévio indenizado (CTPS, fls. 41/43; TRCT, fls. 51/52).

                É incontroversa nos autos a ocorrência de acidente típico de trabalho, no dia 13.10.2012, com emissão de CAT por parte do empregador (fl. 387, vol. 2), causado pela perfuração do quarto dedo com material perfurocortante (agulha).

                Em relação à dinâmica do acidente, a empresa procedeu à “investigação e análise do acidente de trabalho” (fls. 369/370, vol. 2), na qual foi apurado que a reclamante sofreu a perfuração por desatenção no manuseio da injeção, tendo realizado todos os exames médicos necessários, que não detectaram nenhuma contaminação.

                Em suas razões recursais, a reclamante afirma que o dano moral ficou comprovado, pois é presumível sua angústia em razão do risco de contaminação ao qual foi exposta.

                Todavia, não houve incapacitação para o trabalho ou necessidade de afastamento das atividades, tendo a recorrente permanecido trabalhando normalmente e sem limitações, o que autoriza concluir que do referido acidente não resultaram danos efetivos. Igualmente, como ressaltado, não houve qualquer contaminação. Também não ficou demonstrada culpa da empresa no acidente acima mencionado, porque ocorreu por desatenção da obreira no manuseio da injeção.

                Assim sendo, ausentes os requisitos de reparação civil, quais sejam o dano, a conduta culposa ou dolosa do agente e o nexo de causalidade entre eles (Código Civil, arts. 186 e 927) indevida a indenização postulada por danos morais, aliás, inexistentes.

                Desprovejo.

 

                ADICIONAL DE INSALUBRIDADE

                A reclamante não se conforma com o indeferimento do pagamento de adicional de insalubridade em grau máximo. Argumenta que laborou em contato com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas, bem como objetos não esterilizados, como demanda a norma regulamentadora. Acrescenta que a análise da insalubridade deve ser qualitativa e não quantitativa.

                Analiso.

                Na petição inicial, a reclamante postulou o pagamento do adicional de insalubridade em grau máximo sob o argumento de que tinha contato com pacientes em isolamento.

                Determinada a realização de perícia técnica, a perita descreveu minuciosamente as atividades realizadas pela reclamante e concluiu que ela laborava durante todo o contrato de trabalho em contato e com risco de contaminação permanente por agentes biológicos, cabendo-lhe o enquadramento do Anexo 14 da NR-15 (Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego) como insalubridade de grau máximo (fls. 553/554, vol. 3).

                A reclamada impugnou o laudo pericial afirmando que a perita não observou a norma regulamentadora ao aferir o grau de insalubridade, pois confundiu pacientes com precaução com os em isolamento para fins da caracterização de insalubridade em grau máximo, nos termos da Norma Regulamentadora 15 da Portaria 3.214/78 do Ministério do Trabalho e Emprego (fls. 558/561, vol.3).

                Em seus esclarecimentos, a i. vistora retificou suas o laudo pericial, concluindo que a reclamada demonstrou que o contato da reclamante com pacientes em isolamento não era permanente e contínuo, caracterizando somente a insalubridade em grau médio, cujo adicional já vinha sendo pago à recorrente (fl. 567, vol. 3).

                Como sustenta a reclamante, os dados do gráfico de fl. 571 (vol. 3), que acompanha os esclarecimentos periciais, não se referem ao período do seu contrato de trabalho. Contudo, tal circunstância, por si só, não é capaz de invalidar as conclusões periciais, pois a testemunha Vanessa Maria, indicada pela autora, confirmou que não havia setor de isolamento de pacientes no hospital (fl. 857, vol. 5).

                Nos termos estabelecidos no Anexo 14 da NR-15 - Atividades e Operações Insalubres, Portaria n. 3214/78 do Ministério do Trabalho, a insalubridade em grau médio se caracteriza em trabalhos e operações em contato permanente com pacientes, animais ou com material infecto-contagiante em hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios e postos de vacinação, e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana, enquanto a insalubridade em grau máximo se caracteriza em trabalho ou operações, em contato permanente com pacientes em isolamento por doenças infecto contagiosas, bem como objetos de seu uso, não previamente esterilizados; carnes, glândulas, vísceras, sangue, ossos, couros, pelos e dejeções de animais portadores de doenças infecto contagiosas (carbunculose, brucelose, tuberculose); esgotos (galerias e tanques) e lixo urbano (coleta e industrialização).

                Entendo que a d. perita, em seus esclarecimentos, interpretou adequadamente a referida norma, pois para gerar direito ao adicional de insalubridade em grau máximo é necessário que fique cabalmente provado que o empregado tenha mantido contato permanente e direto com pacientes portadores de doenças infecto contagiosas ou com material infecto contagiante, o que exige toque corporal ou manuseio dos materiais usados pelos portadores de tais moléstias, o que não é o caso do autora, pois não havia área de isolamento no hospital, podendo se concluir que o contato era apenas eventual.

                Não há dúvidas que a caracterização da insalubridade parte de critérios qualitativos, porém, o contato eventual com o agente insalubre em grau máximo não gera o direito ao adicional de insalubridade. Apenas o contato permanente, ainda que intermitente, é capaz de gerar ao empregado o direito a esse adicional de remuneração (Súmula 47 do TST).

                Observo, ainda, que não se pode confundir intermitência com eventualidade, pois aquela pressupõe que o trabalho persista no tempo, com constância e habitualidade na exposição ao risco durante a execução do contrato de trabalho, ainda que não se dê em todos os dias trabalhados ou durante toda jornada. Ficam descartadas apenas as hipóteses de trabalho ocasional, esporádico ou eventual, que é o caso dos autos.

                Sem reparos a sentença recorrida no particular.

 

                HORAS EXTRAS - VALIDADE DA JORNADA 12X36 - DOMINGOS EM DOBRO

                A reclamante postula o pagamento de horas extras sob o argumento de que a compensação de jornada na modalidade 12x36 não é válida. Afirma que laborava em atividades insalubres sem autorização da autoridade competente e que a jornada de doze horas supera o máximo previsto na lei de dez horas diárias. Acrescenta que labora pelo menos em dois domingos por mês sem compensação e postula o pagamento em dobro na forma da Súmula 146 do TST.

                Analiso.

                O artigo 7º, XIII da Constituição da República estabelece como condição necessária para a validade das jornadas especiais a existência de negociação coletiva prévia (acordo coletivo de trabalho ou convenção coletiva) ou lei (Súmula 444 do TST) dispondo expressamente sobre compensação da jornada para aqueles empregados que trabalhem em escala de 12x36 horas de serviço.

                Na hipótese, a jornada especial é válida porque há previsão na cláusula quarta do ACT de 2013/2014, verbis:

 

                QUARTA – JORNADA DE TRABALHO

                ....

                D) ‘Jornada de Plantão’, com 12 (doze) horas de trabalho por 36 (trinta e seis) de folga, observando-se:

                1 -Para aqueles que trabalhem sonb a denominada ‘escala de plantão’, as 12 (doze) horas serão entendidas como normais, sem incidência do adicional referido na cláusula terceira acima, ficando esclarecido igualmente não existirem horas extras no caso de serem ultrapassadas as 44 (quarenta e quatro) horas semanais, desde que o excesso seja compensado na semana seguinte, o que é próprio desta jornada de plantão, ou, de acordo com o Banco de Horas.

                ...” (fl. 64 - vol. 1)

 

                Embora o art. 59 da CLT preveja a possibilidade de acordo de prorrogação de jornada de no máximo duas horas extras diárias, a doutrina e jurisprudência firmaram o entendimento, hoje dominante, de que é possível a adoção de regimes de compensação de jornada que ultrapassem as duas horas extras diárias, desde que haja um período de repouso maior entre as jornadas diárias que propicie um descanso efetivo ao trabalhador.

                O motivo ensejador dessa permissão é a própria logística estrutural de certos trabalhos ou profissões que geram a necessidade de elastecimento da jornada, com períodos de descansos interjonadas mais prolongados, e o interesse dos trabalhadores em trabalhar mais horas em um dia de modo a possibilitar uma pausa maior para a vida social ou mesmo para exercerem outra atividade durante os intervalos interjornadas.

                Por outro lado, tratando-se de compensação de jornada em atividades insalubres, com o cancelamento da Súmula 349 do TST, por meio da Resolução 174/2011, não mais é permitida a negociação coletiva para suprir a autorização da autoridade competente em matéria de higiene e trabalho, não bastando a simples previsão nos instrumentos coletivos.

                Desse modo, a instituição do regime 12x36, no caso, por ser modalidade de prorrogação da jornada para posterior compensação, não poderia ocorrer sem a intervenção da autoridade competente.

                Contudo, a causa de pedir está deduzida na inicial (fls. 04/05, vol.1), a qual ficou limitada na tese de que a jornada de 12 horas seguidas de trabalho viola o disposto no art. 59, § 2º, da CLT, que limita a jornada suplementar em duas horas diárias. Somente nas razões recursais, a autora suscitou a tese de invalidade da compensação de jornada em atividade insalubre por falta de autorização da autoridade competente (art. 60 da CLT).

                A causa de pedir ora travada pela reclamante constituiu inovação recursal, vedada pelo princípio da preclusão e da estabilização da demanda. Admiti-la em sede recursal importaria em ofensa ao amplo direito de defesa da parte contrária, pois não lhe fora sequer oportunizada a juntada de qualquer documentação que comprovasse a existência da referida autorização.

                Salienta-se que a questão é relativamente nova no âmbito do direito do trabalho, decorrente de uma interpretação mais rígida do art. 60 da CLT, necessitando, pois, de um maior detalhamento na inicial, em que pese o princípio da simplicidade e da previsão do art. 840 da CLT.

                Não há falar, portanto, em pagamento de horas extras além da oitava hora ou da décima hora diária.

                Com relação aos domingos laborados, impende ressaltar que, diante das particularidades do regime especial de escala de 12x36 horas, embora não propicie a compensação dos feriados, há sim a compensação dos domingos laborados.

                Referida interpretação encontra-se atualmente pacificada no âmbito deste Regional com a edição da e Súmula 14, que assim dispõe:

 

                O labor na jornada de doze horas de trabalho por trinta e seis de descanso não exclui o direito do empregado ao recebimento em dobro dos feriados Trabalhados, mas apenas dos domingos, que já se encontram automaticamente compensados.

 

                Nada a prover.

 

                ADICIONAL NOTURNO

                A reclamante insiste no pagamento de diferenças de adicional noturno. Sustenta que não houve pagamento das horas diurnas laboradas em prorrogação da jornada noturna.

                A autora laborou em regime de compensação 12x36, estabelecida nos Acordos Coletivos de Trabalho de fls. 281/346, com predominância da jornada de 19h00 às 7h00, como se infere dos controles de ponto de fls. 130/204 (vols. 1/2).

                De acordo com o entendimento consolidado na Súmula 60, II, do TST, que interpretou o artigo 73, parágrafo 5º, da CLT, quando a jornada é cumprida integralmente em horário noturno (de 22h00 às 5h00, ainda que se inicie antes das 22h00), e se estenda para além deste horário, incide adicional noturno sobre todas as horas prorrogadas. Tal compreensão se aplica inclusive para os trabalhadores submetidos ao regime de 12x36 horas, eis que o objetivo da norma é recompensar o trabalhador pelos efeitos negativos ao seu organismo, decorrente do trabalho nessa condição, sobretudo quando a jornada se iniciou no horário diurno, perpassou todo o horário noturno e continuou para além das 5h00, exatamente quando o empregado já se encontra mais cansado.

                Neste sentido a Súmula 29 deste Regional e OJ n. 388 da SDI-1 do TST.

                Todavia, a reclamada afirmou em sua defesa que efetuava o pagamento dos adicionais noturnos de forma correta, sendo indevidas quaisquer diferenças.

                Assim, comungo do entendimento do juízo de origem, de que cabia à recorrente apontar eventuais diferenças, pois em todos os meses houve pagamento de adicional noturno, como se infere dos demonstrativos de salários de fls. 205/280 (vol. 2), ônus do qual não se desincumbiu.

                Nego provimento.

 

                DESCONTOS DE FALTAS

                Não se conforma a reclamante com os descontos, sob as rubricas “faltas”, em seus salários, sob o argumento de que apresentou atestados médicos para justificar as ausências, inclusive não assinou as folhas de ponto, por não concordar com as faltas lançadas.

                A ausência de assinatura da reclamante nos cartões de ponto não invalida os registros, a míngua de prova em contrário, pois sequer foram juntados os atestados médicos aos quais se refere a recorrente. Não cabe à reclamada o ônus de provar que os atestados não foram entregues, sob pena de ser obrigada a fazer prova de fato negativo.

                Assim, não tendo a autora logrado êxito em comprovar a ilicitude dos descontos efetuados a título de faltas, fica mantida a sentença que indeferiu o pedido de restituição dos valores descontados.

                Nego provimento.

 

                DOENÇA OCUPACIONAL - DANO MORAL

                A reclamante pugna pela revisão da sentença que reconheceu a inexistência de doença de natureza ocupacional e indeferiu o pedido de indenização pelo período de estabilidade e por danos morais e materiais. Sustenta que impugnou o laudo pericial e que a doença adquirida decorre diretamente das atividades exercidas para a reclamada.

                Em sua defesa, a reclamada nega qualquer responsabilidade por eventual doença da obreira sob o argumento de que a patologia não é incapacitante e decorre de múltiplos fatores (fls. 105/106, vol. 1).

                A Constituição da República assegura aos trabalhadores o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho por meio de normas de saúde, higiene e segurança (inciso XXII do art. 7º), à indenização, em casos de acidentes, desde que comprovada a culpa ou o dolo do empregador (inciso XXVIII do art. 7º), e à indenização pelo dano material ou moral decorrente da violação da intimidade, vida privada, honra ou imagem das pessoas (inciso V do art. 5º).

                Via de regra, a responsabilidade pela reparação de danos tem natureza subjetiva, nos termos do artigo 186 do Código Civil, que dispõe que, para configuração da culpa ensejadora da reparação do dano, é necessária a presença de três requisitos: o ato apontado como lesivo, o efetivo dano e o nexo causal entre o ato e o evento danoso.

                Determinada a realização de perícia médica a fim de apurar a existência da alegada doença ocupacional, o i. perito relatou a história clínico-ocupacional da autora (fls. 731/732, vol. 4) e, após descrever seu quadro clínico, concluiu o seguinte:

 

                “(...) No momento da perícia apresentou exame físico normal para idade e sexo, não sendo portadora de Tenossinovite de Quervain ou qualquer outra alteração nos membros superiores esquerdo e direito. Destarte, não há nexo causal entre a patologia de Tenossinovite de Quervain informada na inicial pela reclamante e as atividades realizadas durante o pacto laboral com a reclamada. (...) ” - fl. 739 (vol. 4)

 

                Além disso, destaco que o i. vistor constatou que “havia grande variação de atividades durante a jornada, o que possibilita a alternância de posturas e movimentos, afastando a repetitividade de movimentos” e também que a autora é destra e a doença foi acometida no “membro superior esquerdo, não dominante, menos solicitado durante a realização das atividades diárias” (fl. 746)

                Após a apresentação de novos documentos comprobatórios do procedimento cirúrgico pelo qual a reclamante foi submetida, o expert esclareceu que “houve incapacidade parcial para os trabalhos repetitivos durante o período do afastamento pós cirúrgico da tenossinovite de Quervain” (fl. 839, vol. 5). Contudo, ratificou o laudo pericial e concluiu que não há concausa, mesmo que provada a patologia.

                Cabe registrar que o entendimento do INSS em relação à natureza ocupacional da doença adquirida pela reclamante, com a concessão de benefício acidentário de 03.08.2012 a 11.09.2012 (fl. 723, vol. 4), não é vinculativo, mormente quando o perito de confiança do juízo concluiu pela inexistência do nexo causal.

                Tem-se, portanto, que a prova técnica dirimiu a contento a controvérsia acerca do estado de saúde física da reclamante e comprovou que a doença por ela adquirida foi tratada e resultou apenas incapacidade parcial, não tendo qualquer relação com as atividades exercidas, até porque afastou inclusive o nexo concausal (resposta ao quesito suplementar nº 6, fl. 839).

                Corrobora para as conclusões periciais o fato de a autora, atualmente, exercer as mesmas funções para outra empregadora, inclusive houve prestação de serviços concomitantes, a partir de 12.11.2011, sem novas queixas.

                Para a configuração de danos morais exige-se a ocorrência de violação aos valores próprios da personalidade, que importe em exposição ao ridículo ou agressão à honra e à dignidade humana. Exige-se, ainda, a existência de nexo causal entre a ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência praticados pelo agente e o dano causado. No caso, conforme já dito, não ficou demonstrado nos autos que a reclamante tenha sido acometida por doença ocupacional durante o pacto laboral, não se vislumbrando nos autos qualquer ato ilícito perpetrado pela empresa.

                Assim, inexistentes os requisitos da responsabilidade civil, não há amparo para o deferimento da indenização por danos morais vindicada.

                Também não tem razão a reclamante quanto à reparação por danos materiais pretendidas em relação à estabilidade acidentária e, muito menos, qualquer tipo de pensão, pois sequer houve redução na capacidade laborativa, circunstância que poderia dificultar a inserção da obreira no mercado de trabalho.

                Nego provimento.

 

                DISPENSA DISCRIMINATÓRIA

                Rebela-se a reclamante contra o reconhecimento de validade da dispensa e indeferimento da indenização por danos morais. Aduz que foi dispensada após seu retorno de afastamento previdenciário para tratamento de câncer, não havendo motivos outros para sua dispensa senão por razões de ordem discriminatória.

                Examina-se.

                É certo que o empregador dispõe do direito potestativo de rescindir o contrato de trabalho, sem justa causa, de acordo com a sua conveniência.

                Este direito não é, contudo, absoluto, encontrando limites nos princípios insertos na Constituição da República, que consagra como fundamentos da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inc. III e IV, art. 1º, Constituição da República), além de vedar qualquer forma de discriminação (inc. IV, art. 3º, CR).

                A Constituição da República garante, ainda, ao trabalhador o direito à relação de emprego protegida contra a dispensa arbitrária (inc. I, art. 7º), de modo que não se pode admitir que a rescisão do contrato por iniciativa do empregador importe violação a direito fundamental do empregado, ofendendo princípios consagrados na ordem constitucional.

                Nessa mesma linha de entendimento, o c. TST editou a Súmula 443, que assim dispõe:

 

                DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMAOU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012. Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.

 

                No caso dos autos, foi determinada a realização de perícia médica para avaliar a saúde da reclamante, tendo o perito concluído que a doença não guarda nenhuma relação com as atividades desempenhadas, além de não gerar inaptidão para o trabalho, pois remitiu totalmente, estando ela em fase de acompanhamento oncológico, pós tratamento (fl. 740, vol. 4).

                Destaca-se que ficou comprovado que houve regressão total do processo tumoral, conforme relatório médico de fl. 58 (vol. 1).

                Cabe registrar também que a obreira se afastou para o tratamento oncológico de 05.11.2010 a 31.07.2011 (fls. 179/187, vol. 1), tendo sido dispensada somente em 06.02.2013.

                Assim, inexistem indícios que levem à conclusão de que a doença da reclamante, embora grave, tenha suscitado estigma ou preconceito no seu ambiente de trabalho.

                Logo, o caso tratado nos autos não se insere na previsão contida na Súmula 443 do c. TST, que não deve ser aplicada a todo e qualquer caso em que o trabalhador dispensado é portador de doença grave, sob pena de malferir o direito potestativo do empregador de dispensar seus empregados.

                Portanto, foi válida a dispensa da reclamante e, em razão da inexistência de ato ilícito, descabe o pagamento de indenização por dano moral, a teor do que dispõem os artigos 186 e 927 do Código Civil, ou a reintegração pretendida.

                Nada a prover.

 

                HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

                Insiste a reclamante no pagamento de honorários advocatícios em razão da necessidade de contratação de advogado.

                Na Justiça do Trabalho, os honorários advocatícios somente são devidos quando houver prestação de assistência judiciária pelo sindicato profissional do trabalhador. A lei outorga o "jus postulandi" ao trabalhador (art. 791 da CLT), que também pode se valer da assistência do sindicato de sua categoria. Não são devidos honorários de sucumbência em favor de advogado particular.

                Registre-se que os arts. 14 e 16 da Lei 5.584/70 foram recepcionados pela Constituição da República e o art. 133 da Carta Magna não aboliu o "jus postulandi" no processo trabalhista (art. 791 da CLT), competindo ao sindicato da categoria, por meio dos profissionais do direito por ele credenciados, promover a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais (art. 8º, inciso III, da Constituição Federal).

                No mesmo sentido é o entendimento sedimentado na Súmula 329 do c. TST, segundo o qual mesmo após a promulgação da Constituição da República de 1988, permanece válido o entendimento consubstanciado na Súmula nº 219 do Tribunal Superior do Trabalho.

                Ademais, o c. TST, ao editar a citada Instrução Normativa 27, dispôs, expressamente, em seu art. 5º, que "exceto nas lides decorrentes da relação de emprego", os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência".

                A questão está pacificada neste Tribunal, conforme Súmula 37:

 

                "POSTULADO DA REPARAÇÃO INTEGRAL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PERDAS E DANOS. INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 389 E 404 DO CÓDIGO CIVIL. É indevida a restituição à parte, nas lides decorrentes da relação de emprego, das despesas a que se obrigou a título de honorários advocatícios contratados, como dano material, amparada nos arts. 389 e 404 do Código Civil. DEJT/TRT3/Cad. Jud: 21.05.2015, 22.05.2015 e 25.05.2015."

 

                Assim, se a parte autora optou pela contratação de advogado particular, cabe a ela arcar com as despesas do profissional designado para representá-lo em Juízo, não podendo o seu empregador ser responsabilizado pelas despesas decorrentes.

                Nego provimento.

                APLICAÇÃO DOS JUROS

                Postula a reclamante que os juros sejam calculados a partir do evento danoso. Invoca a aplicação do disposto na Súmula 54 do STJ.

                Mantenho a sentença no particular, porquanto na Justiça do Trabalho os juros de mora são devidos a partir da data do ajuizamento da reclamação trabalhista, nos termos do art. 883 da CLT e art. 39 da Lei 8.177/91.

                Nego provimento.

 

                CONCLUSÃO

                Rejeito a preliminar de não conhecimento parcial do recurso por inovação recursal arguida em contrarrazões e conheço do recurso ordinário da reclamante. No mérito, dou provimento parcial ao apelo para afastar a inépcia do pedido de indenização por danos morais pelo acidente biológico e indeferir o pedido.

 

                FUNDAMENTOS PELOS QUAIS, o Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em Sessão da sua Segunda Turma, hoje realizada, à unanimidade, rejeitou a preliminar de não conhecimento parcial do recurso por inovação recursal arguida em contrarrazões e conheceu do recurso ordinário da reclamante; no mérito, sem divergência, deu provimento parcial ao apelo para afastar a inépcia do pedido de indenização por danos morais pelo acidente biológico e indeferir o pedido.

                Belo Horizonte, 27 de setembro de 2016.

 

Maristela Íris da Silva Malheiros

Desembargadora Relatora

 

(TRT/3ª R./ART., DJ/MG, 05.10.2016)

 

BOLT8084---WIN/INTER

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