LICITAÇÕES - TEORIA E PRÁTICA - MEF36740 - BEAP

 

MÁRIO LÚCIO DOS REIS*

 

 

                Palestra de divulgação do livro “ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - ESTUDOS DE CASOS” - Edição 2019 - Apoio do SINESCONTÁBIL - Sindicato dos Escritórios de Contabilidade, Auditoria e Perícias do Estado de Minas Gerais.

                AUTOR: Mário Lúcio dos Reis

 

                O Prefeito de um município de pequeno porte comentava conosco que em sua equipe técnica conta com três servidores efetivos que integram a Comissão Permanente de Licitações e se revezam na Presidência da comissão e no cargo de Pregoeiro há vários anos, nos quais o referido Executivo diz depositar sua inteira confiança, visto que, ao longo dos anos, os seus processos licitatórios já passaram por pente fino dos Auditores do Tribunal de Contas em inspeções de rotina ou via denúncias, também por parte da Promotoria de Justiça em apuração de denúncias e mesmo de auditorias particulares contratadas pela Prefeitura para este fim. Em nenhuma destas inspeções nunca ocorreu apontamentos de erros, falhas, omissões ou quaisquer irregularidades nos processos licitatórios.

                Apesar disto, concluía o Prefeito, por contraditório que pareça, o Departamento de Licitações e compras é o campeão de reclamações de todos os secretários municipais, da contabilidade e de outros departamentos. Reclamam principalmente da longa demora entre a formulação do pedido de compra e a conclusão do processo licitatório, causando máquinas e veículos paralisados por semanas ou até meses para aquisições de peças, prazos de convênios não cumpridos por atraso na licitação, além de fornecedores do Município, que reclamam estar há tempos tentando vencer licitações para fornecer à Prefeitura, mas não conseguem atender a todas as cláusulas editalícias.

                Como não reclamam da honestidade e da dedicação dos servidores, de fato intocáveis, o Executivo não se sente à vontade para substituir os referidos membros da CPL e Pregoeiro, que seria a solução natural.

 

                TEORIA VERSUS PRÁTICA NA LICITAÇÃO

                Pode-se adiantar que seguramente estes três servidores participaram ao longo do tempo, de diversos cursos e seminários sobre licitações, que em geral conduzem ao satisfatório domínio do conteúdo das leis licitatórias, como a de nº 8.666/93, a 10.520/02 e outras, deixando a desejar, contudo, na aplicação prática, que só o dia-a-dia do servidor dedicado vai lhe proporcionar.

                De fato, as leis proporcionam um processo perfeito no sentido estético, legal e documental, impecável pois sob a ótica de quem o examina nestes aspectos. Não é por outra razão que até hoje não foi sequer divulgado, salvo em meios muitos restritos, o nome da empresa de auditoria que auditou as contas da Petrobras nos últimos anos em que aconteceram incólumes todas as falcatruas que desviaram estimados R$ 70 bilhões dos cofres da corporação. Com efeito, a responsabilidade é da Administração...

                A Auditoria é contábil, e assim sendo, por mais que os auditores entendam da legislação e apliquem as técnicas mais apuradas de auditoria, afinal estão diante de documentação perfeita sob os aspectos legais, de organização e de aparência física, tal a competência da equipe de licitações lamentavelmente formada com vistas a fraudar o erário em prol do conluio da própria quadrilha que se apoderou da corporação, como foi o caso das Petrobrás.

                A lei não impede, por exemplo, que o projeto básico de uma obra de bilhões de reais seja elaborado e assinado por um único engenheiro, sabendo-se que esta é a peça mais importante do processo, sujeita a encobrir erros, equívocos, fraudes e superfaturamento, vez que dela depende toda a sequência do processo até a execução, medições e pagamentos da obra.

                A lei não impede inúmeras cláusulas editalícias que nada ou quase nada têm a ver com a obra, senão o objetivo exclusivo de eliminar ou restringir a concorrência; pelo contrário, a lei do pregão vetou o uso desta modalidade para obras e serviços de engenharia, que segundo se sabe muito mais pelo lobby das empreiteiras do que pelas dificuldades de disputa de preços entre os concorrentes habilitados, fato que tirou da Administração Pública a possibilidade de redução de até 2/3 (dois terços) dos custos de suas compras e contratações, como aconteceu em relação aos bens considerados de natureza comum.

 

                FONTES E INDÍCIOS DA FRAUDE

                A batalha entre a Comissão de Licitação/Pregoeiro e os fornecedores é muito parecida com a que se trava entre a polícia e o ladrão; quando um aplica uma nova técnica o outro busca superá-la; os fornecedores estão sempre em contato entre si, cada um querendo levar vantagem nas licitações, nem sempre oferecendo o melhor preço, o melhor produto ou serviço; a CPL/Pregoeiro detecta artimanhas dos licitantes e busca evitá-las enquanto estes inventam novas fórmulas, novas combinações prévias.

                A CPL e o Pregoeiro devem se manter em permanente alerta para detectar e, se for o caso, evitar e até punir os indícios de conluio prévio entre os licitantes, como por exemplo:

                1- Propostas segmentadas: cada um apresenta proposta apenas de determinados itens, com os quais os demais licitantes não concorrem, não apresentam lances, cada um buscando a adjudicação dos itens de seu interesse, em geral superfaturados, contra os quais deve reagir a CPL/Pregoeiro.

                2- Proponente único, cujos preços devem ser objetos de negociação e rigorosa pesquisa de mercado, evitando-se o superfaturamento. Pode-se para isso suspender a reunião por alguns dias, pois a ausência de licitante é indício de conluio prévio ou tentativa de fraude.

                3- Orçamentos visivelmente superavaliados, na fase de cotação/pesquisa, com o objetivo de elevação do preço médio de referência, que acobertará a posterior proposta superfaturada. Devem ser excluídos estes orçamentos, não considerados no cálculo da média, se necessário substituídos por orçamentos de outros fornecedores imparciais.

                4- Desistência de proposta durante a seção de habilitação, sem justificativa: deve ser justificado e esclarecido o motivo da desistência sob pena de punição ao licitante, ante o forte indício de conluio entre os proponentes.

 

                LICITAÇÃO OBJETIVA – OS PERMISSIVOS LEGAIS

                A análise crítica dos preços, sobretudo na fase de cotação para orçamento, é de extrema importância como meio de evitar superavaliações, para o que basta analisar os itens mais significativos à base de amostragem, selecionando-se os de valores maiores, podendo-se comparar com os preços de compras anteriores e mesmo por experiência própria em relação aos preços de mercado.

                Preços inexequíveis, quando apontados pelos licitantes, devem ser examinados, mas não necessariamente implicam desclassificação do proponente, eis que a própria lei os admite desde que esclarecidos razoavelmente pelo fornecedor, não sendo também normal a aceitação de retirada da proposta a pedido do licitante alegando este motivo.

                A pesquisa de preços via internet é também permissível, mas não deve ser a única fonte, dada a divergência de preços da venda virtual, que elimina os pesados custos da venda direta, podendo resultar em preços médios de referência inexequíveis.

                Embora seja comum o Pregoeiro ou a CPL atribuírem às exigências da lei a culpa pela morosidade do processo ou pela compra mal feita e superfaturada, não achamos justa tal atribuição, pois a lei não é ignorante, nem tem qualquer objetivo de atravancar a Administração Pública ou seus gestores. Com efeito, a lei determina a regra geral de nenhuma compra sem licitação e de não contratar empresa em débito com a previdência e com tributos e contribuições. Porém, sabe o legislador que isto é impossível nos pequenos Entes Federados, motivo pelo qual abre dezenas de situações em que a licitação é dispensada ou inexigível, as quais não devem ser desprezadas pela CPL/pregoeiro. Da mesma forma abre no artigo 32, a hipótese do gestor dispensar toda e qualquer documentação dos artigos 29 a 31 da lei 8666/1993, visando não impedir que pequenos comerciantes, possam usufruir das compras governamentais.

 

                CONCLUSÃO

                Vimos que o objetivo prioritário da licitação é selecionar a melhor proposta para a Administração. Não é o de fiscalizar a arrecadação de tributos pela União, pelos Estados e pela Previdência Social. Cada um destes entes possui em seus quadros permanentes milhares de fiscais de renda muito bem remunerados para arrecadar seus créditos tributários. Ou seria o caso de a Lei determinar que a união exija a CND municipal de todos os contribuintes ao receberem a restituição do Imposto de Renda? Seria triplicada a arrecadação Municipal.

                Queremos com isto dizer que todos os documentos de habilitação prescritos nos artigos 29 a 31 da lei nº 8666/1993 são rigorosamente obrigatórios como regra geral, porém, os responsáveis pela licitação precisam conhecer e dominar todas as exceções abertas pela própria lei, pois estas objetivam justamente a minimizar as hipóteses de prejuízo ao erário, compras mal feitas ou superfaturamento. Por outro lado, precisam ter perspicácia e aplicar toda a sua competência no combate às tentativas de fraudes por parte dos proponentes e fornecedores.

                Com efeito, temos assistido à condenação e prisão de inúmeros políticos, dirigentes e ex-dirigentes de empresas estatais e mesmo privadas, todos por fraudes, prejuízos, furtos, superfaturamento, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, não se conhecendo nenhum caso cujo motivo seja falta de CND ou com estas vencidas, pequenos equívocos no edital ou em outras peças dos autos.

                Assim sendo, o foco principal da licitação há que ser a seleção da melhor proposta para a Administração, após o qual vêm todos os princípios obrigatórios como legalidade, publicidade, moralidade, probidade, igualdade e outros.

 

 

*Contador, Auditor, Economista, Administrador, Professor Universitário, Consultor BEAP, Auditor Gerente da Reis & Reis Auditores Associados.

 

 

BOCO9606---WIN

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