APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PRELIMINAR - APLICABILIDADE DA LEI Nº 8.429/92 AOS AGENTES POLÍTICOS - MÉRITO - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE SERVIDORES - REITERAÇÃO - ATIVIDADE PERMANENTE - ATO ÍMPROBO COMPROVADO - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF36871 - BEAP

 

 

                1- A Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) se aplica aos agentes políticos, uma vez que a improbidade administrativa está disciplinada no § 4º do art. 37 da Constituição Federal, que foi regulamentado pela norma em comento, sem restrição quanto aos agentes públicos sujeitos às suas sanções; 2- A Lei 8.429/92 divide os atos de improbidade administrativa entre aqueles que importam em enriquecimento ilícito em razão do recebimento de vantagem patrimonial indevida (art. 9º), os que causam prejuízo ao erário por ação ou omissão (art. 10), o que implicam em concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário (art. 10-A) e aqueles que atentam contra os princípios da administração pública, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições (art. 11); 3- Na análise do elemento subjetivo do tipo para a caracterização do ato de improbidade administrativa, deve ser acentuado de que se trata de conduta que somente poderá tipificada na modalidade dolosa ou, no caso do art. 10 da Lei de Improbidade, na modalidade de culpa grave; 4- A contratação temporária de servidores em inobservância à Constituição da República ou à norma local, de forma reiterada, quando o Administrador Público tinha ciência da necessidade da realização de concurso público, caracteriza improbidade administrativa por violação ao disposto no art. 11 da Lei nº 8.429/92.

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0713.15.000964-3/001 - Comarca de ...

 

Apelante(s): ...

Apelado(a)(s): Ministério Público do Estado de Minas Gerais

Litisconsorte: Município de ...

 

A C Ó R D Ã O

 

                Vistos etc., acorda, em Turma, a 4ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

 

DES. RENATO DRESCH

Relator

 

V O T O

 

                Trata-se de Apelação Cível interposta nos autos da Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS em face de ..., pretendendo a condenação do requerido pela prática de ato de improbidade tipificado no art. 11 da Lei nº 8.429/92, em razão da contratação temporária irregular de servidores no período em que foi Prefeito do Município de ...

                Por sentença de fls. 412/415 a Juíza Giovanna Travenzolli Abreu Lourenço, da 1ª Vara Cível da Comarca de Viçosa, julgou parcialmente procedente o pedido inicial para reconhecer a prática de ato de improbidade administrativa pelo requerido, tipificada no art. 11 da Lei nº 8.429/92, para condená-lo ao pagamento de multa civil no valor correspondente a cinco vezes a remuneração do Prefeito vigente à época da propositura da ação, bem como para suspender seus direitos políticos pelo prazo de 3 (três) anos.

                O requerido apelou às fls. 427/436 pretendendo, preliminarmente, a concessão dos benefícios da gratuidade judiciária. Aduz, ainda, ausência de interesse de agir, por inadequação da via eleita, diante da inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos. No mérito, afirma que as contratações temporárias relatadas na inicial referem-se ao ano de 2005, primeiro ano de seu mandato, e 2012, último ano de mandato, sendo que mesmo antes de assumir a chefia do Poder Executivo municipal referida prática já estava instaurada, conforma se infere da inicial quando informa que desde 2001 outros prefeitos já realizavam a contratação temporária de servidores. Aduz que ao assumir a chefia da municipalidade deparou-se com a falta de concurso público e a necessidade das contratações temporárias, pois somente em 2007 foi possível a realização de concurso público. Sustenta que o encerramento do prazo de validade do concurso público em 2012 demandou novas contratações temporárias, o que implica na ausência de dolo na realização das referidas contratações, de forma urgente, pois não havia tempo hábil para a realização de novo concurso. Informa que as contratações foram precedidas de orientação jurídica e amparadas pelo art. 25 da Lei nº 8.666/93 e art. 37, IX, da Constituição Federal, não havendo violação aos princípios que regem a Administração Pública. Requer a reforma da sentença para que seja julgada improcedente a pretensão inicial.

                Contrarrazões apresentadas às fls. 439/451, pugnando pelo não provimento do recurso.

                O Município de ... opinou pelo não provimento do recurso às fls. 452/453.

                A Procuradoria-Geral de Justiça manifestou-se às fls. 457/460v., opinando pelo não provimento do recurso.

                É o relatório.

                Conheço do recurso, diante da presença de seus pressupostos de admissibilidade.

                Da gratuidade judiciária

                Nos termos do art. 98 c/c e art. 99, §3º do CPC/15, a pessoa natural, brasileira ou estrangeira, com insuficiência de recursos para arcar com o pagamento das custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios faz jus à justiça gratuita, presumindo-se verdadeira a alegação de insuficiência da parte.

                Da declaração de pobreza emana a presunção relativa de necessitado.

                A gratuidade da justiça constitui direito da parte e, portanto, apenas deve ser indeferida quando comprovada a ausência dos requisitos legais para concessão do benefício.

                Tendo em vista que o apelante declarou a insuficiência de recursos (fl. 437) e não há elemento objetivo que afaste a presunção de hipossuficiência decorrente da declaração de pobreza, deve ser concedido o benefício.

                Assim, defiro o pedido de gratuidade judiciária formulado pelo apelante.

                Da inaplicabilidade da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos

                A Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa) se aplica aos agentes políticos, uma vez que a improbidade administrativa está disciplinada no § 4º do art. 37 da Constituição Federal, que foi regulamentado pela norma em comento, sem restrição quanto aos agentes públicos sujeitos às suas sanções.

                O Supremo Tribunal Federal, em recentes decisões, tem se manifestado pela aplicação da Lei de Improbidade Administrativa aos agentes políticos, nestes termos:

 

                EMENTA: "MEDIDA CAUTELAR INOMINADA INCIDENTAL" - IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA - AGENTE POLÍTICO - COMPORTAMENTO ALEGADAMENTE OCORRIDO NO EXERCÍCIO DE MANDATO DE GOVERNADOR DE ESTADO - POSSIBILIDADE DE DUPLA SUJEIÇÃO TANTO AO REGIME DE RESPONSABILIZAÇÃO POLÍTICA, MEDIANTE "IMPEACHMENT" (LEI Nº 1.079/50), DESDE QUE AINDA TITULAR DE REFERIDO MANDATO ELETIVO, QUANTO À DISCIPLINA NORMATIVA DA RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL POR IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (LEI Nº 8.429/92) - EXTINÇÃO SUBSEQUENTE DO MANDATO DE GOVERNADOR DE ESTADO - EXCLUSÃO DO REGIME FUNDADO NA LEI Nº 1.079/50 (ART. 76, PARÁGRAFO ÚNICO) - PLEITO QUE OBJETIVA EXTINGUIR PROCESSO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, EM RAZÃO DE, À ÉPOCA DOS FATOS, A AUTORA OSTENTAR A QUALIDADE DE CHEFE DO PODER EXECUTIVO - LEGITIMIDADE, CONTUDO, DE APLICAÇÃO, A EX-GOVERNADOR DE ESTADO, DO REGIME JURÍDICO FUNDADO NA LEI Nº 8.429/92 - DOUTRINA - PRECEDENTES - REGIME DE PLENA RESPONSABILIDADE DOS AGENTES ESTATAIS, INCLUSIVE DOS AGENTES POLÍTICOS, COMO EXPRESSÃO NECESSÁRIA DO PRIMADO DA IDEIA REPUBLICANA - O RESPEITO À MORALIDADE ADMINISTRATIVA COMO PRESSUPOSTO LEGITIMADOR DOS ATOS GOVERNAMENTAIS - PRETENSÃO QUE, SE ACOLHIDA, TRANSGREDIRIA O DOGMA REPUBLICANO DA RESPONSABILIZAÇÃO DOS AGENTES PÚBLICOS - DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO À AÇÃO CAUTELAR - INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE AGRAVO - PARECER DA PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA POR SEU IMPROVIMENTO - RECURSO DE AGRAVO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

                (AC 3585 AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, DJe 28.10.2014)

 

                EMENTA Agravo regimental no agravo de instrumento.

                Prequestionamento implícito. Impossibilidade. Alegada existência de ofensa direta a normas constitucionais, a permitir o conhecimento do recurso. Decisão atacada que apreciou adequada e exaustivamente as questões em debate nos autos. Eventuais ofensas concernentes ao plano infraconstitucional. Precedentes. 1. Não admite a Corte a existência de prequestionamento implícito. Se a análise das alegadas violações às normas constitucionais em que fundamentado o recurso extraordinário depende, para sua verificação, da apreciação de normas infraconstitucionais e dos fatos em debate nos autos, tal como aqui ocorre, cuida-se de ofensa meramente reflexa, de insuscetível constatação, em recurso extraordinário. 2. A ação de improbidade administrativa, com fundamento na Lei nº 8.429/92, também pode ser ajuizada em face de agentes políticos. Precedentes. 3. A análise da legalidade de ato administrativo pelo Poder Judiciário não implica a violação do princípio da separação de poderes, sendo certo que a apreciação de contas de detentor de mandato eletivo pelo órgão do Poder Legislativo competente não impede o ajuizamento de ação civil pública com vistas ao ressarcimento de danos eventualmente decorrentes desses mesmos fatos. Precedentes. 4. Agravo regimental não provido.

                (AI 809338 AgR/RJ, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe 24.03.2014)

 

                É de se destacar que a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da Reclamação nº 2.138/DF não possui efeito vinculante erga omnes, limitando-se às partes daquele processo.

                Nesse sentido, confira-se trecho do voto proferido pela Ministra Cármen Lúcia no Ag. Reg. na Reclamação 4.119/BA:

                De se ver que os efeitos da decisão proferida cingem-se às partes envolvidas naquele feito (Reclamante: União; Reclamados: Juízo da 14ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal e Relator da Ação Cautelar nº 1999.34.00.016727-9 do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, Interessados: Ministério Público Federal e Ronaldo Mota Sardemberg), razão pela qual não serve como paradigma para o ajuizamento de outras reclamações.

                Essa decisão, proferida em processo do qual o Reclamante não participou, tem efeitos apenas inter partes. Assim, tem-se por incabível a reclamação em que se alega o descumprimento de decisão proferida em outra reclamação, que, por óbvio, não tem efeito vinculante. (Rcl 4119 AgR/BA, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, DJe 28.10.2011)

                Bem assim, a pendência de recurso extraordinário, no qual foi reconhecida a repercussão geral da matéria, embora demonstre a possibilidade de alteração do atual entendimento, não impede a sua aplicação.

                Desse modo, aplica-se a Lei de Improbidade Administrativa ao agente político, devendo ser rejeitada a preliminar de inadequação da via eleita.

                Da caracterização da improbidade administrativa

                A Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa encontra fundamento no art. 37, § 4º, da Constituição Federal, pelo qual:

                § 4º Os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

                Para Arnaldo Rizzardo:

 

                Os atos de improbidade são aqueles que atentam contra o erário, o patrimônio público e os princípios e parâmetros da ordem moral e constitucional, praticados pelos agentes públicos ou por aqueles que lidam com o erário e os bens do Estado, isto é, pelas pessoas ligadas a atividades que interessam ou são executadas em favor dos entes públicos. (Ação Civil Pública e Ação de Improbidade Administrativa. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense. 2014. p. 359)

                A Lei 8.429/92 divide os atos de improbidade administrativa entre aqueles que importam em enriquecimento ilícito em razão do recebimento de vantagem patrimonial indevida (art. 9º), os que causam prejuízo ao erário por ação ou omissão (art. 10), o que implicam em concessão ou aplicação indevida de benefício financeiro ou tributário (art. 10-A) e aqueles que atentam contra os princípios da administração pública, violando os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições (art. 11).

 

                GARCIA e ALVES destacam:

 

                Da leitura dos referidos dispositivos legais, depreende-se a coexistência de duas técnicas legislativas: de acordo com a primeira, vislumbrada no caput dos dispositivos tipificadores da improbidade, tem-se a utilização de conceitos jurídicos indeterminados, apresentando-se como instrumento adequado ao enquadramento do infindável número de ilícitos passíveis de serem praticados, os quais são frutos inevitáveis da criatividade e do poder de improvisação humanos; a segunda, por sua vez, foi utilizada na formação de diversos incisos que compõem os arts. 9º, 10 e 11, tratando-se de previsões, específicas ou passíveis de integração, das situações que comumente consubstanciam a improbidade, as quais, além de facilitar a compreensão dos conceitos indeterminados veiculados no caput, têm natureza meramente exemplificativa, o que deflui do próprio emprego do advérbio "notadamente". (GRACIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris. 2010. pp. 293/294)

 

                Assim, a tipificação dos atos de improbidade não está vinculada como números clausus às hipóteses enumeradas nos incisos dos arts. 9º, 10, 10-A e 11 da Lei de Improbidade Administrativa.

                Do elemento subjetivo do tipo

                Na análise do elemento subjetivo do tipo para a caracterização do ato de improbidade administrativa, deve ser acentuado que se trata de conduta tipificada na modalidade dolosa, admitindo-se, nas hipóteses do art. 10 da Lei de Improbidade Administrativa, sua configuração na modalidade culposa.

 

                Vejamos a lição de NEVES e OLIVEIRA:

 

                Os atos de improbidade administrativa que causam prejuízos ao erário são os únicos que podem ser praticados sob a forma culposa.

                Em regra, a configuração da improbidade administrativa depende do dolo do agente público ou do terceiro, mas o art. 10 da Lei 8.429/1992, excepcionalmente, mencionou a culpa como elemento subjetivo suficiente para configuração da improbidade. Igualmente, o art. 5º da Lei, ao tratar da lesão ao erário, admitiu condutas comissivas ou omissivas, dolosas ou culposas.

 

                Parte da doutrina argumenta que a instituição legal da modalidade culposa da improbidade administrativa seria inconstitucional, uma vez que o art. 10, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, teria extrapolado os termos do art. 37, § 4.º, da CRFB, para punir não apenas o agente desonesto, mas, também, o inábil. Nessa linha de raciocínio, a legislação infraconstitucional não poderia "inovar" para considerar ato de improbidade aquele praticado de forma involuntária ou de boa-fé.

                Tem prevalecido, no entanto, a interpretação que admite a prática de improbidade, no caso do art. 10 da Lei 8.429/1992, na modalidade culposa. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção; OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Manual de Improbidade Administrativa - Direito Material e Processual. 3. ed. Método. 2014. VitalBook file.)

 

                No mesmo sentido tem decidido Superior Tribunal de Justiça:

 

                PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NÃO CONFIGURADO.

                ELEMENTO SUBJETIVO TIDO POR DESNECESSÁRIO PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REQUISITO INDISPENSÁVEL. PRECEDENTES DO STJ. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO.

                1. A questão central da presente demanda está relacionada à necessidade da presença de elemento subjetivo para a configuração de ato de improbidade administrativa previsto na Lei 8.429/92.

                2. O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento no sentido de que para a configuração do ato de improbidade administrativa é necessária a presença do elemento subjetivo (dolo ou culpa), não sendo admitido confundir com simples ilegalidade, tampouco a atribuição de responsabilidade objetiva em sede de improbidade administrativa.

                3. Ademais, também restou consolidada a orientação de que somente a modalidade dolosa é comum a todos os tipos de improbidade administrativa, especificamente os atos que importem enriquecimento ilícito (art. 9º), causem prejuízo ao erário (art. 10) e atentem contra os princípios da administração pública (art. 11), e que a modalidade culposa somente incide por ato que cause lesão ao erário (art. 10 da LIA).

                4. Por outro lado, a configuração da conduta ímproba violadora dos princípios da administração pública (art. 11 da LIA), não exige a demonstração de danos ao erário ou de enriquecimento ilícito, não prescindindo, em contrapartida, da demonstração de dolo, ainda que genérico. Nesse sentido, os seguintes precedentes: AgRg no AREsp 432.418/MG, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe 24.3.2014; Resp 1.286.466, 2ª Turma, Rel. Min. Eliana Calmon, DJe de 3.9.2013.

                5. No caso dos autos, a Corte a quo, reconheceu a configuração de ato de improbidade administrativa a partir das seguintes premissas: a) "só a prova da ilicitude e do prejuízo ao erário público é suficiente a configurar improbidade administrativa, independentemente da culpa ou do dolo do agente público ou de benefício próprio, pois, na qualidade de gestor da máquina pública, qualquer conduta omissiva por sua parte é tida como abusiva no desempenho do seu cargo"; b) "é patente que a ação também foi proposta com amparo no art. 11 da Lei de Improbidade, por violação aos princípios que regem a Administração Pública, cuja incidência, da mesma forma, independe do elemento subjetivo ou comprovação de dano material"; c) "a aplicação está respaldada nas particularidades do caso, no enquadramento da conduta nos artigos 10, IX, e 11, II, da referida lei - ainda que inexistente o proveito econômico do ex-prefeito Municipal de Ritápolis".

                6. Assim, embora tenha afirmado a ilegalidade na conduta da parte recorrente, não reconheceu a presença de conduta dolosa ou culposa indispensável à configuração de atos de improbidade administrativa previstos na Lei 8.429/92: Sobre o tema: AgRg no AREsp 526.507/PE, 2ª Turma, Rel. Min. Humberto Martins, DJe de 19.8.2014; REsp 1.186.192/MT, 1ª Turma. Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe de 2.12.2013. 7. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1399825/MG; Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES; Segunda Turma; DJe 12.02.2015)

 

                AÇÃO DE IMPROBIDADE ORIGINÁRIA CONTRA MEMBROS DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO. LEI 8.429/92. LEGITIMIDADE DO REGIME SANCIONATÓRIO. EDIÇÃO DE PORTARIA COM CONTEÚDO CORRECIONAL NÃO PREVISTO NA LEGISLAÇÃO. AUSÊNCIA DO ELEMENTO SUBJETIVO DA CONDUTA. INEXISTÊNCIA DE IMPROBIDADE. 1. A jurisprudência firmada pela Corte Especial do STJ é no sentido de que, excetuada a hipótese de atos de improbidade praticados pelo Presidente da República (art. 85, V), cujo julgamento se dá em regime especial pelo Senado Federal (art. 86), não há norma constitucional alguma que imunize os agentes políticos, sujeitos a crime de responsabilidade, de qualquer das sanções por ato de improbidade previstas no art. 37, § 4º. Seria incompatível com a Constituição eventual preceito normativo infraconstitucional que impusesse imunidade dessa natureza (Rcl 2.790/SC, DJe de 04.03.2010). 2. Não se pode confundir improbidade com simples ilegalidade. A improbidade é ilegalidade tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Por isso mesmo, a jurisprudência do STJ considera indispensável, para a caracterização de improbidade, que a conduta do agente seja dolosa, para a tipificação das condutas descritas nos artigos 9º e 11 da Lei 8.429/92, ou pelo menos eivada de culpa grave, nas do artigo 10. 3. No caso, aos demandados são imputadas condutas capituladas no art. 11 da Lei 8.429/92 por terem, no exercício da Presidência de Tribunal Regional do Trabalho, editado Portarias afastando temporariamente juízes de primeiro grau do exercício de suas funções, para que proferissem sentenças em processos pendentes. Embora enfatize a ilegalidade dessas Portarias, a petição inicial não descreve nem demonstra a existência de qualquer circunstância indicativa de conduta dolosa ou mesmo culposa dos demandados. 4. Ação de improbidade rejeitada (art. 17, § 8º, da Lei 8.429/92). (AIA 30/AM; Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI; Corte Especial; DJe 28.09.2011)

 

                Assim, quanto aos ilícitos previstos nos artigos 9º e 11, da Lei de Improbidade, somente será admitida a sua imputação aos agentes que praticaram o ato na modalidade dolosa.

                Nesse sentido, confira-se a lição de GARCIA e ALVES:

 

                Diz-se que os ilícitos previstos nos arts. 9º e 11 não admitem a culpa em razão de dois fatores. De acordo com o primeiro, a reprovabilidade da conduta somente pode ser imputada àquele que a praticou voluntariamente, almejando o resultado lesivo, enquanto que a punição do descuido ou da falta de atenção pressupõe expressa previsão legal, o que se encontra ausente na hipótese. No que concerne ao segundo, tem-se um fator lógico- sistemático de exclusão, pois tendo sido a culpa prevista unicamente no art. 10, afigura-se que a mens legis é restringi-la a tais hipóteses, excluindo-a das demais. (Op. cit. p. 342).

 

                E mais:

 

                O Superior Tribunal de Justiça proferiu algumas decisões em que realçou a necessidade de a transição da denominada improbidade formal para a improbidade material, conceitos analisados por ocasião do estudo do iter de individualização dos atos de improbidade, ser caracterizada pela presença da má-fé do agente público. (Op. cit. pg. 344).

 

                Seguindo a orientação doutrinária e jurisprudencial de que o ato de improbidade administrativa somente se caracteriza quando evidenciada a má-fé, seja por dolo ou culpa grave do agente, passo a analisar a hipótese dos autos.

                No caso em análise, pretende-se a condenação do réu pela prática de improbidade administrativa consubstanciada na contratação temporária de servidores sem concurso público entre os meses de janeiro e julho de 2005 e de fevereiro a outubro de 2012, quando era Prefeito do Município de ..., para exercerem atividades permanentes como, por exemplo, para os cargos de Auxiliar Administrativo, Servente Contínuo, Motorista e Ajudante de Obras e Serviços.

                Os contratos juntados às fls. 107/366 comprovam a realização de mais de cento e vinte contratações temporárias sem concurso público ou processo seletivo, para atendimento funções que não correspondiam à necessidade temporária de excepcional interesse público prevista no art. 37, IX, da CF/88.

                Bem assim, ainda que se admita que o requerido assumiu a chefia do Município de ... no ano de 2005 e não havia tempo hábil para a realização de concurso público, que ocorreu em 2007, verifica-se que foram realizadas novas contratações temporárias de forma irregular em 2012.

                Os documentos de fls. 55/56 e 60/63 demonstram que foram realizados mais de 100 (cem) contratos temporários no período de janeiro a dezembro de 2012, para cargos diversos como Auxiliar Administrativo, Agente Comunitário de Saúde, Professor da Educação Básica, Servente Contínuo, Dentista, Monitor de Ônibus, Enfermeiro-PSF, Motorista, Técnico em Enfermagem, Farmacêutico, Pedreiro, Ajudante de Obras e Serviços, Monitor de Esportes e Auxiliar de Consultório Dentário.

                A necessidade de ocupação permanente de cargos era de conhecimento da Administração Pública antes mesmo das contratações temporárias, uma vez que a Lei Municipal nº 1.083/2010, em seu Anexo II, já previa o quadro de vagas por cargo, o que possibilitaria a realização de concurso público no período.

                Ao optar por não preencher os cargos com os servidores aprovados no concurso realizado em 2007, bem como esperar o encerramento do prazo do certame para, sem a realização de novo concurso, contratar servidores temporários em ano eleitoral, fica evidente que o requerido agiu de forma deliberada com o intuito de violar a regra da obrigatoriedade de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público.

                Cumpre ressaltar que a ocorrência de dano, nestes casos, é prescindível, conforme jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

 

                ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATAÇÃO DE FUNCIONÁRIOS SEM CONCURSO PÚBLICO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. DOLO GENÉRICO EVIDENCIADO. DISPENSA DE LESÃO AO ERÁRIO. ATO DE IMPROBIDADE CONFIGURADO. 1. A Primeira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, nos autos do REsp 951.389/SC, firmou jurisprudência no sentido de que, para a configuração do ato de improbidade, faz-se necessária a análise do elemento volitivo, consubstanciado pelo dolo, ao menos genérico, de agir no intuito de infringir os princípios regentes da Administração Pública 2. O entendimento consolidado pela Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça assevera que os atos de improbidade administrativa descritos no art. 11 da Lei nº 8.429/92, dispensam a demonstração da ocorrência de dano para a Administração Pública ou enriquecimento ilícito do agente. 3. Diante do quadro fático delineado pelas instâncias ordinárias, não há como se afastar a ocorrência da prática de ato de improbidade administrativa previsto no art. 11 da Lei nº 8.429/1992, na medida em que houve efetivamente a contratação dos servidores de forma irregular, porquanto não demonstrada a necessidade temporária de excepcional interesse público, conforme determina o art. 37, IX da Constituição Federal. 5. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1073406/SE, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03.05.2018, DJe 04.06.2018)

 

                Assim, os fatos narrados na inicial e o conjunto probatório permitem aferir que o requerido agiu de forma deliberada com o intuito de realizar contratações temporárias em violação à regra do art. 37, IX, da CF/88, o que configura ato de improbidade administrativa tipificado no art. 11 da Lei nº 8.429/92.

                Da aplicação das sanções

                Sobre a importância da correta aplicação das sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa, discorrem GARCIA e ALVES:

 

                Além dos mecanismos de prevenção já mencionados, o combate a` corrupção está diretamente entrelaçado a perspectiva de efetividade das sanções cominadas. A prática de atos de corrupção, dentre outros fatores, sofre um sensível estímulo nas hipóteses em que seja perceptível ao corrupto que reduzidas são as chances de que sua esfera jurídica venha a ser atingida em razão dos ilícitos que perpetrou. Por outro lado, a perspectiva de ser descoberto, detido e julgado, com a consequente efetividade das sanções cominadas, atua como elemento inibidor a` prática dos atos de corrupção. (GARCIA, Emerson e ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa, 8. ed. Saraiva, 2014. VitalBook file. p. 68)

 

                Tipificada a conduta do requerido na prática de ato previsto no art. 11, da Lei nº 8.429/92, a aplicação da sanção decorrerá do disposto no art. 12, inciso III, da Lei de Improbidade Administrativa, pelo qual:

 

                Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

                (...)

                III - na hipótese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos.

 

                Para a fixação da penalidade, deve ser levada em conta a gravidade do fato, a extensão do dano e o proveito patrimonial obtido pelos envolvidos.

                Daniel Amorim Assumpção Neves ressalta:

 

                Segundo expressa previsão do art. 12, parágrafo único, da Lei 8.429/1992, na fixação das penas o juiz levará em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente. A crítica certeira da doutrina é no sentido de que o dispositivo é insuficiente para municiar o juiz de todos os elementos que deve considerar na aplicação das penas.

                Assim, além dos elementos previstos pelo dispositivo ora mencionado, deve o juiz considerar a personalidade do agente, sua vida pregressa na Administração Pública, seu grau de participação no ato ilícito, os reflexos de seu ato e a efetiva ofensa ao interesse público. Esses elementos devem ser analisados quando couber ao juízo a fixação de penas mínimas e máximas previstas no art. 12 da LIA, o que ocorre com a suspensão dos direitos políticos e com a aplicação da multa civil. (NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Improbidade Administrativa - Direito Material e Processual, 2. ed. Método, 2013. VitalBook file.)

 

                Neste caso, não há prova da obtenção de proveito patrimonial pelo requerido ou de danos ao erário, limitando-se o ato ímprobo à contratação temporária irregular de servidores.

                Trata-se de ato que, embora corriqueiro, é reprovável e constitui um dos pilares da política de "compra" de votos ou de apoio político, notadamente em eleições municipais, embora no presente caso o Ministério Público não tenha produzido prova neste sentido, limitando-se a comprovar a necessidade de preenchimento dos cargos mediante concurso público e a ocorrência das contratações temporárias irregulares.

                Assim, a improbidade consistiu na contratação irregular de servidores para hipótese em que seria necessária a investidura mediante concurso público, por se tratar de atividades permanentes, mas sem prova de danos ao erário ou enriquecimento ilícito.

                Por esta razão, a condenação do requerido limitada ao pagamento de multa civil no valor correspondente a cinco vezes a remuneração do Prefeito vigente à época da propositura da ação, bem como na suspensão de seus direitos políticos pelo prazo de 3 (três) anos, revelou-se adequada e proporcional, notadamente pela sua finalidade de desestimular a referida prática.

                Assim, devem ser mantidas as sanções fixadas na sentença recorrida.

                Diante do exposto, nego provimento ao recurso e mantenho a sentença recorrida.

                Concedo os benefícios da gratuidade judiciária ao apelante, para isentá-lo do pagamento das custas processuais, não havendo, ainda, condenação em honorários de sucumbência em favor do Ministério Público estadual.

                DES. MOREIRA DINIZ - De acordo com o(a) Relator(a).

                DES. DÁRCIO LOPARDI MENDES - De acordo com o(a) Relator(a).

 

 

Súmula - "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."

 

 

BOCO9614---WIN/INTER

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