APELAÇÃO CÍVEL/ - DIREITO ADMINISTRATIVO - INDENIZAÇÃO - ACIDENTE - BURACO EM VIA PÚBLICA - RESPONSABILIDADE CIVIL DO MUNICÍPIO - DANOS MATERIAIS E MORAIS - INDENIZAÇÃO DEVIDA - RECURSO DESPROVIDO - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF37034 - BEAP

 

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0045.12.000834-2/001 - Comarca de ...

 

 

Apelante: Município de ...

Apelado: ...

 

A C Ó R D Ã O

 

                Vistos etc., acorda, em Turma, a 6ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E, DE OFÍCIO, ALTERAR OS CONSECTÁRIOS LEGAIS.

 

DES. AUDEBERT DELAGE

Relator

 

V O T O

 

 

                Trata se de recurso de apelação interposto pelo Município de ... contra a sentença de fls. 127/131-TJ que, nos autos da ação de responsabilização civil com pedido de indenização por danos morais e estéticos, ajuizada por ... em face do apelante, julgou procedentes os pedidos iniciais para, condenar o requerido a pagar ao autor a quantia de R$ 10.894,00 (dez mil oitocentos e noventa e quatro reais) a título de indenização por danos materiais, além da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por danos morais.

                Sobre os valores, determinou a incidência de correção monetária de acordo com o IPCA-E e juros moratórios, nos termos estipulados pela redação do art. 1º-F, da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei 11.960/09.

                Ao final, condenou o réu ao pagamento de honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85, §3º, I, do CPC.

                Nas razões recursais de fls. 133/139-TJ, o Município de ... bate-se pela reforma da sentença, para que seja reduzido o quantum indenizatório fixado a título de danos materiais e morais. Pontua que a jurisprudência pátria é pacifica no sentido de que os danos materiais não são presumidos, devendo ser comprovados por diversos meios de provas. Aduz que, pelas provas colacionadas aos autos, o valor real do dano sofrido pelo autor corresponde a quantia de R$ 4.120,00 e não R$ 10.894,00, conforme decidido em primeiro grau. Quanto ao dano moral, defende que o seu valor deve ser revestido de caráter pedagógico e retributivo, e que referida quantia deve ser proporcional ao tamanho do dano e sua repercussão na vida da vítima, somado às condições econômicas do causador, sob pena de enriquecimento ilícito.

                Contrarrazões apresentadas às fls.140/142-TJ.

                A douta Procuradoria-Geral de Justiça, com vista dos autos, manifestou se às fls. 147, pela desnecessidade de intervenção ministerial no feito.

                Preenchidos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso de apelação.

                Trata-se de ação de responsabilização civil com pedido de indenização por danos materiais, morais e estéticos, aforada por ... em face do Município de ..., sob a alegação de que, no dia 04 de abril de 2009, por volta das 18:30hs, sofreu acidente ocasionado por um buraco existente na via pública, quando conduzia sua bicicleta pela Rua Monsenhor João Alexandre, no bairro Bonsucesso, localizado no Município de .../MG.

                Ao julgar a lide, o d. sentenciante reconheceu a responsabilidade do Município de ... e condenou o réu a pagar ao autor a quantia de R$ 10.894,00 (dez mil oitocentos e noventa e quatro reais) a título de indenização por danos materiais, além da quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais) a título de indenização por danos morais.

                Inconformado, a municipalidade pugna pela redução do quantum indenizatório.

                A meu sentir, não merece acolhida a tese recursal.

                Como é sabido, a responsabilidade civil dos entes públicos, segundo norma do art. 37, § 6º da Constituição Federal é, em regra, objetiva, bastando que se prove sua conduta, comissiva ou omissiva, e o nexo de causalidade entre a mesma e o dano sofrido pelo indivíduo, para que nasça o dever de indenizar.

                Além disso, se o dano tem origem na inexistência, mal funcionamento ou atraso na prestação de serviços de cuja realização estava incumbida a Administração, deverá ela arcar com as consequências de sua ineficiência, por ofensa ao princípio constante do art. 37, da Constituição Federal.

                Sobre o tema, acrescento lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, citada por Rui Stocco:

 

                "Quando o dano foi possível em decorrência de uma omissão do Estado (o serviço não funcionou, funcionou tardiamente ou ineficientemente) é de aplicar-se a teoria da responsabilidade subjetiva. Com efeito, se o Estado não agiu, não pode logicamente ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é, só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar o evento lesivo. Deveras, caso o Poder Público não estivesse obrigado a impedir o acontecimento danoso, faltaria razão para impor-lhe o encargo de suportar patrimonialmente as consequências da lesão. Logo, a responsabilidade estatal por ato omissivo é sempre responsabilidade por comportamento ilícito. E sendo responsabilidade por ato ilícito é necessariamente responsabilidade subjetiva (...)". (Tratado de Responsabilidade Civil, Quinta Edição, Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 2001, p. 751).

 

                No caso em comento, restou provada a negligencia do Poder Público Municipal quanto à ausência de manutenção da via pública, o que se confirma através das fotografias de fls. 17/20-TJ.

                Ainda, é possível colher do depoimento prestado pela testemunha ... que "não havia iluminação pública no local e no momento estava tudo escuro; que havia o poste, mas não tinha iluminação; que até o momento a rua sofre com falta de iluminação; que o buraco não tinha qualquer sinalização; que o buraco estava na descida da rua; que em hipótese alguma seria possível o autor avistar o buraco considerando as condições da via e iluminação no local; que após este fato demorou muito tempo para que a PMC reparasse o buraco, tanto que o buraco abriu mais e a rua foi interditada;"

                Importante ressaltar que a municipalidade não apresentou qualquer prova de que o acidente do autor tenha sido causado por motivo diverso, prevalecendo a versão exposta na inicial e nos documentos que a seguiram.

                Assim, verificada a responsabilidade civil do Município de ..., deve ser confirmada a condenação à reparação pelos danos materiais e morais sofridos pelo autor.

                Em caso semelhante, já decidiu este e. Tribunal:

 

                "APELAÇÃO. DIREITO CIVIL E ADMINISTRATIVO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. ACIDENTE DE TRÂNSITO. AUSÊNCIA DE SINALIZAÇÃO EM VIA PÚBLICA. BURACOS. INCONTROVERSO CONHECIMENTO DO PODER PÚBLICO. "FAUTE DU SERVICE". ATO OMISSIVO. MUNICÍPIO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. NEGLIGÊNCIA. DANOS MORAIS E MATERIAIS COMPROVADOS. PRECEDENTES DO STJ. CORREÇÃO MONETÁRIA. IPCA-E. RECURSO

PARCIALMENTE PROVIDO. - O Estado responde objetivamente pelos danos causados aos administrados, conforme preceito da CF, art. 37, § 6º. Somente deixa de ser responsabilizado se demonstrar que o dano ocorreu por culpa exclusiva da vítima. - Em se tratando de ato omissivo do Poder Público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, exigindo-se a comprovação de dolo ou culpa, numa de suas três modalidades - negligência, imperícia ou imprudência para gerar o direito à indenização. - A existência de obstáculo/buraco não sinalizado em via pública caracteriza negligência e omissão específica do Município ante o descumprimento do seu dever de conservá-la, ou, pelo menos, sinalizar adequadamente o local, a fim de evitar acidentes. - Reconhecida a falha na prestação do serviço pelo Município, deve ser confirmada a condenação à reparação pelos danos materiais sofridos pelo autor. - Em se tratando de dano moral, o valor constante da inicial aparece mais como sugestão, e, se cabe ao juiz determiná-lo, definindo-lhe os parâmetros, a procedência se refere à existência ou não do direito à indenização. - Na fixação do "quantum", em dano moral, prevalecerá o prudente arbítrio do julgador, levando em consideração as circunstâncias do caso. - Recurso não provido." (TJMG - Apelação Cível 1.0105.12.030677-1/001, Relator(a): Des.(a) Wander Marotta, 5ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 28.09.2017, publicação da súmula em 10.10.2017).

 

                No tocante aos danos materiais, de fato, assim como bem pontuado pela municipalidade, estes não são presumidos, devendo o autor, portanto, fazer prova do direito alegado.

                Todavia, conforme bem fundamentado pelo d. magistrado "os documentos de fls.35/37 comprovam que a parte autora desembolsou o valor de R$ 1.134,00, para pagamento de tratamento odontológico em razão da lesão sofrida.

                Já os documentos de fls. 36 e 39 comprovam que o autor precisaria desembolsar ainda o valor de R$ 3.060,00 para realizar tratamento ortodôntico e R$ 6.700,00 para realização de quatro implantes ósseos integrados. [...]

                Assim, considerando a comprovação das despesas materiais suportadas pelo autor e havendo necessidade de tratamentos futuros, deve a parte ré ser compelida ao pagamento do valor de R$ 10.884,00 a título de indenização de danos materiais emergentes."

                Neste caso, não encontro motivos plausíveis para reformar a sentença neste tocante, devendo permanecer a condenação fixada em primeiro grau no valor de R$ 10.884,00 a título de danos materiais.

                Já em relação à ao dano moral, melhor sorte também não socorre o recorrente.

                Tenho adotado entendimento de que, para a configuração do dano moral não basta um mero dissabor ou aborrecimento. Só deve ser reputado como tal a dor, o vexame, o sofrimento que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflição, angústia e desequilíbrio em seu bem estar.

                Quanto a sua fixação, permito-me transcrever citações, doutrinária e jurisprudencial, que nos elucidam nessa tormentosa questão:

 

                "Ao fixar o valor da indenização, não procederá o juiz como um fantasiador, mas como um homem de responsabilidade e experiência, examinando as circunstâncias particulares do caso e decidindo com fundamento e moderação. Arbítrio prudente e moderado não é o mesmo que arbitrariedade". (Oliveira Deda, Enciclopédia Saraiva, vol. 22, p. 290).

 

                "Se, à falta de critérios objetivos da lei, o Juiz tem de se valer da prudência para atender, em cada caso, às suas peculiaridades assim como a repercussão econômica da indenização pelo dano moral, o certo é que o valor da condenação, como princípio geral, não deve ser nem tão grande que se converta em fonte de enriquecimento, nem tão pequeno que se torne inexpressivo". (TJMG - Ap. 87.244-3 - Rel. Des. Bady Curi).

 

                In casu, tenho que restou comprovado o sofrimento psíquico do autor já que, em razão do acidente, este sofreu um trauma direto na face, especificamente na região do maxilar, lábio inferior e superior, culminando, ainda, na perda de alguns dentes (fl.28/33).

                Através do depoimento prestado à fl. 119, colhe-se que o autor passou a ser chamado por apelidos e que "Douglas é conhecido como dentinho devido ao acidente, que na época as pessoas debochavam de Douglas já que ele ficou um período sem os dentes."

                Nesse passo, mostra-se adequado o montante fixado em R$ 10.000,00 (dez mil reais), eis que observado o caráter dúplice da condenação, isto é, a função educativa a desestimular a reiteração da prática da conduta pelo seu causador, e o aporte econômico do réu, de forma a proporcionar ao indenizado uma reparação sem constituir, contudo, meio de enriquecimento sem causa.

                Por fim, no que tange aos consectários legais incidentes sobre a condenação, por se tratar de ordem pública, podendo ser revista de ofício pelo Tribunal, sem que isso configure "reformatio in pejus", verifico que a sentença merece um pequeno reparo.

                Por aplicação da Súmula de nº 54 do STJ, tenho que os juros de mora, em caso de indenização por dano moral, devem incidir a partir do evento danoso.

 

                "Súmula 54 - Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual."

 

                Quanto à correção monetária, deve incidir desde a data do arbitramento da indenização, conforme a súmula 362 do STJ, senão vejamos:

                "Súmula 362 - A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento".

 

                Saliento que o Supremo Tribunal Federal, em 20.09.17, ao julgar o mérito da Repercussão Geral no RE nº 870.947/SE, definiu os critérios para a fixação de correção monetária e juros de mora nas condenações impostas à Fazenda Pública, nos termos do voto do em. Ministro Luiz Fux.

 

                Quanto aos juros moratórios, concluiu-se que:

 

                "O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09."

 

                Já em relação à correção monetária, ficou definido que:

 

                "O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina."

 

                Destarte, sob esses aspectos, a Corte Suprema manteve a aplicação do índice de remuneração da caderneta de poupança para as hipóteses de débito de natureza não tributária, relativamente aos juros de mora, porém, considerou inadequada a utilização da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, impondo, em substituição, o IPCA-E.

                Ante tais considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO, para manter inalterada a decisão de primeiro grau e, DE OFÍCIO, reformo parcialmente a sentença, para que os consectários legais incidentes sobre o valor da condenação sejam calculados nos moldes acima expostos.

                Custas, ex lege.

 

                DES. EDILSON OLÍMPIO FERNANDES - De acordo com o(a) Relator(a).

                DESA. SANDRA FONSECA - De acordo com o(a) Relator(a).

 

Súmula - "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO E, DE OFÍCIO, ALTERARAM OS CONSECTÁRIOS LEGAIS."

 

 

BOCO9629---WIN/INTER

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