PARECER 18361, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2020, MINISTÉRIO DA ECONOMIA - MEF37181 - LT

 

 

Documento Público. Ausência de sigilo.

 

Recurso Extraordinário nº 576.967/PR. Tema nº 72 de repercussão geral. É inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade.

 

Tese definida em sentido desfavorável à Fazenda Nacional. Autorização para dispensa de contestar e recorrer com fulcro no art. 19, VI, "a", da Lei nº 10.522, de 2002, e art. 2º, V, da Portaria PGFN nº 502, de 2016.

 

Possibilidade de estender os fundamentos determinantes do precedente às contribuições de terceiros, cuja base de cálculo seja a folha de salários, com amparo no art. 19, § 9º, da Lei nº 10.522, de 2002, e no art. 2º-A, da Portaria PGFN nº 502, de 2016.

 

Inviabilidade de aplicá-los à contribuição previdenciária a cargo da empregada.

 

Manifestação Explicativa de que trata o art. 3º da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 01, de 2014, e art. 19, VI, a c/c art. 19-A, III, da Lei nº 10.522, de 2002.

 

Processo SEI nº 10951.102856/2020-85

 

I - Objeto da Presente Manifestação Explicativa

 

1 - Trata-se da análise do julgamento do Recurso Extraordinário nº 576.967/PR[1], submetido à sistemática dos arts. 1.036 e seguintes do Código de Processo Civil, no qual o Supremo Tribunal Federal - STF, apreciando o tema nº 72 de repercussão geral, fixou a seguinte tese: "É inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário maternidade".

 

2 - Registre-se que a matéria discutida no presente acórdão é similar ao objeto da ADI nº 5.626, na qual a Procuradoria-Geral da República postulou a aplicação da técnica de interpretação conforme a Constituição ao art. 28, §§ 2º e 9º, "a", parte final, da Lei nº 8.212, de 1991, para atribuir ao salário-maternidade a qualidade de salário-de-contribuição apenas para fins de cálculo de outros benefícios previdenciários, dele afastando incidência direta da contribuição previdenciária a cargo do empregador.

 

3 - Por conta do término do julgamento do tema nº 72, o Ministro Relator[2] julgou a indigitada ação de controle concentrado prejudicada, considerando que o Plenário da Corte já havia solucionado a controvérsia constitucional nela posta. O trânsito em julgado da referida decisão monocrática ocorreu em 23.10.2020.

 

4 - Considerando a pacificação da tese jurídica pelo STF, a presente Manifestação Explicativa objetiva formalizar a orientação da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional - PGFN quanto à dispensa de contestação e recursos nos processos judiciais que versem sobre o tema nº 72 de repercussão geral, bem como delimitar a extensão e o alcance do julgado paradigma, a fim de permitir que a orientação da Corte Suprema seja corretamente observada pela Receita Federal do Brasil - RFB, nos termos do art. 3º da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 01, de 2014[3].

 

5 - Vale recordar que, antes mesmo da publicação do respectivo acórdão de julgamento, a Coordenação-Geral de Atuação Judicial perante o STF - CASTF concluiu pela inviabilidade de interposição de recurso contra a aludida decisão, em razão das peculiaridades do caso concreto.

 

6 - Diante disso, por meio Nota Conjunta SEI nº 3/2020/COJUD/CRJ/PGAJUD/PGFN-ME, foi autorizada a dispensa de impugnação judicial nas ações que discutam a matéria ora versada, nos termos do art. 2º, §3º, da Portaria 502, de 2016, sem prejuízo dos procedimentos previstos na Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 01, de 2014, para posterior inclusão da matéria em lista.

 

7 - Ademais, por intermédio do Ofício SEI nº 206957/2020/ME, datado de 21.08.2020, a RFB foi cientificada da finalização do julgamento do tema nº 72. Em resposta, o referido órgão encaminhou à PGFN, em 22.09.2020, a Nota COSIT nº 361, de 17 de setembro de 2020, por meio da qual foram feitos questionamentos e considerações acerca da aplicação do entendimento firmado pelo STF no tocante ao salário-maternidade, conforme prevê o art. 2º, §2º, da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1, de 2014.

 

8 - É a síntese da consulta. Passa-se à apreciação.

 

II - Conteúdo do julgado

 

9 - No Recurso Extraordinário nº 576.967/PR, interposto pelo Hospital Vita Batel S.A. (empregador), discutia-se se o salário-maternidade configura hipótese de incidência da contribuição previdenciária patronal, sediada no art. 195, I, ‘a", da Carta Constitucional, a qual delimita o exercício da competência tributária da União sobre "a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;"[4].

 

10 - A grosso modo, o Recorrente sustentava que, com a edição da Lei nº 6.136, de 1974, o salário-maternidade passou a se qualificar como benefício previdenciário, não se amoldando, portanto, ao conceito de "folha de salários e demais rendimentos trabalho", de que trata o art. 195, I, "a", da Constituição, e regulado mais detalhadamente no art. 22, I, da Lei nº 8.212, de 1991.

 

11 - Em outras palavras, o empregador buscava afastar a natureza salarial do salário-maternidade, para tornar nulas as disposições da Lei nº 8.212, de 1991, que respaldam a incidência da contribuição previdência patronal sobre a referida verba, a qual, para ser validamente exigida, deveria constar de lei complementar, nos termos dos arts. 195, §4º e 154, I, do Texto Constitucional

 

12 - Sob esse ponto de vista, o empregador afirma que a incidência tributária sobre o salário-maternidade é formalmente inconstitucional, por não se amparar na materialidade econômica enunciada no art. 195, I, "a", da CF, e afrontar os arts. 195, § 4º c/c art. 154, I, do Texto Constitucional.

 

13 - Na sequência, aduz que o pagamento da contribuição previdenciária patronal durante o período de licença-maternidade constitui nítida medida discriminatória em desfavor das mulheres, pois desestimula o empregador a contratá-las devido ao maior custo da sua mão de obra em comparação com a masculina. Por conta disso, a tributação a cargo do empregador afronta a cláusula constitucional que assegura a igualdade de gêneros na disputa por uma vaga de trabalho, sendo, também, materialmente inconstitucional.

 

14 - Com base nessa argumentação, requer a declaração de inconstitucionalidade formal e material do art. 28, §2º, da Lei nº 8.212, de 1991.

 

15 - Em sua peça de contrarrazões, a União defende a validade da cobrança sobre o salário-maternidade, sustentando que (i) o caráter salarial da verba possui conformação constitucional com o art. 195, I, "a", da CF, e legal com o art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, vez que a mulher permanece na folha de pagamentos do empregador (natureza salarial) durante o gozo integral de sua licença-maternidade e (ii) que inexiste norma isentiva no rol do art. 28, da Lei nº 8.212, de 1991, prevendo a sua não incidência sobre a mencionada parcela.

 

16 - Na sessão plenária virtual finalizada em 04.08.2020, o STF, ao julgar o tema 72 de repercussão geral, acolheu a tese defendida pelo Recorrente e deu provimento ao seu apelo extraordinário, em acórdão assim ementado, da lavra do Min. Luís Roberto Barroso:

 

"Ementa: DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA DO EMPREGADOR. INCIDÊNCIA SOBRE O SALÁRIO - MATERNIDADE. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL.

 

1 - Recurso extraordinário interposto em face de acórdão do TRF da 4ª Região, que entendeu pela constitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária "patronal" sobre o salário-maternidade.

 

2 - O salário-maternidade é prestação previdenciária paga pela Previdência Social à segurada durante os cento e vinte dias em que permanece afastada do trabalho em decorrência da licença-maternidade. Configura, portanto, verdadeiro benefício previdenciário.

 

3 - Por não se tratar de contraprestação pelo trabalho ou de retribuição em razão do contrato de trabalho, o salário-maternidade não se amolda ao conceito de folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício. Como consequência, não pode compor a base de cálculo da contribuição previdenciária a cargo do empregador, não encontrando fundamento no art. 195, I, a, da Constituição. Qualquer incidência não prevista no referido dispositivo constitucional configura fonte de custeio alternativa, devendo estar prevista em lei complementar (art. 195, §4º). Inconstitucionalidade formal do art. 28, §2º, e da parte final da alínea a, do §9º, da Lei nº 8.212/91.

 

4 - Esta Corte já definiu que as disposições constitucionais são legitimadoras de um tratamento diferenciado às mulheres desde que a norma instituidora amplie direitos fundamentais e atenda ao princípio da proporcionalidade na compensação das diferenças. No entanto, no presente caso, as normas impugnadas, ao imporem tributação que incide somente quando a trabalhadora é mulher e mãe cria obstáculo geral à contratação de mulheres, por questões exclusivamente biológicas, uma vez que torna a maternidade um ônus. Tal discriminação não encontra amparo na Constituição, que, ao contrário, estabelece isonomia entre homens e mulheres, bem como a proteção à maternidade, à família e à inclusão da mulher no mercado de trabalho. Inconstitucionalidade material dos referidos dispositivos.

 

5 - Diante do exposto, dou provimento ao recurso extraordinário para declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, prevista no art. art. 28, §2º, e da parte final da alínea a, do §9º, da Lei nº 8.212/91, e proponho a fixação da seguinte tese: "É inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário maternidade"."

 

17 - O dispositivo da decisão encontra-se vazado nos seguintes termos:

 

Diante do exposto, considerando os argumentos formal e material, dou provimento ao recurso extraordinário, para declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, prevista no art. 28, §2º, da Lei nº 8.212/1991, e a parte final do seu §9º, alínea a, em que se lê "salvo o salário-maternidade", e proponho a fixação da seguinte tese: "É inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade."

 

18 - Findo o julgamento, o Recorrente opôs embargos declaratórios contra o v. acórdão em tela, ainda pendente de apreciação pelo STF, para que a tese firmada no tema nº 72 alcance[5] as contribuições de terceiros, considerando que essas exações ficam a cargo do empregador e incidem sobre a "folha de salários", a mesma base de cálculo do tributo objeto do julgamento do tema nº 72.

 

19 - Por sua vez, a Fazenda Nacional concluiu pela inviabilidade de interpor qualquer recurso em face do julgado, de maneira que a questão jurídica decidida sob o regime da repercussão geral (art. 1.036 e seguintes do CPC) encontra-se pacificada e o julgamento do RE nº 576.967/PR atrai a aplicação do disposto no art. 19, VI, "a", da Lei nº 10.522, de 2002. Cabe à PGFN, então, buscar identificar o conteúdo e os limites de aplicação da tese jurídica acolhida pelo STF (ratio decidendi), para que seja, doravante, adequadamente observada pelos órgãos da Administração Tributária. É o que se passa a expor.

 

20 - O voto-condutor do acórdão[6], acatado de forma majoritária, segmentou a apreciação do mérito recursal em três partes bem definidas, a saber: (i) retrospectiva histórica da legislação que disciplina o salário maternidade, (ii) o exame normativo do campo de incidência da contribuição previdenciária devida pelo empregador e (iii) a verificação de compatibilidade (ou não) entre a exação patronal e o princípio da igualdade de gêneros na disputa por uma vaga no mercado de trabalho.

 

21 - Pois bem. Passa-se a examinar os argumentos invocados pelo STF para justificar a sua decisão de excluir o salário-maternidade da base de cálculo da contribuição previdenciária patronal.

 

22 - Como mencionado, o Ministro Relator inaugura o seu voto apresentando a cronologia histórica da evolução normativa havida em torno do salário-maternidade, desde a Constituição de 1934 até os dias atuais. Essa retrospectiva é crucial para a Corte precisar a partir de qual momento a sua natureza jurídica foi alterada.

 

23 - Na visão do Tribunal, numa fase inicial, compreendida entre a Carta de 1934 e o momento anterior à Lei nº 6.136, de 1974, o salário-maternidade possuía evidente caráter salarial, dado que seu pagamento era de inteira responsabilidade do empregador, que deveria suportar integralmente os custos inerentes à remuneração da mulher durante todo o período da sua licença-maternidade. Assim, ao longo do aludido período, a verba configurava-se em prestação trabalhista custeada pelo empregador, o que tornava a mão-de-obra feminina bem mais onerosa do que a masculina para o contratante.

 

24 - Com a finalidade de romper com a manutenção desse cenário discriminatório e promover um maior incentivo à contratação de mulheres no mercado de trabalho, a Convenção nº 103 da Organização Internacional do Trabalho ratificada pelo Brasil, em 18 de junho de 1965, e promulgada pelo Decreto nº 58.820, de 14 de julho de 1966[7], deu um passo importante ao retirar do empregador o custo das prestações devidas às suas empregadas.

 

25 - In casu, a assunção desse compromisso foi o pilar responsável por impulsionar a construção de uma nova lógica nacional direcionada à maior inclusão das mulheres nos postos de trabalho. Isso porque, para o fim de cumprir as obrigações pactuadas internacionalmente, era preciso que o legislador evoluísse na disciplina interna da matéria.

 

26 - Imbuída desse espírito, a Lei nº 6.136, de 1974, foi editada, com a finalidade de conferir novos contornos ao salário-maternidade, que passou a ser considerado uma prestação assegurada pela previdência social[8], ou seja, um benefício previdenciário. A partir desse marco legislativo, o empregador estava desobrigado de arcar com o ônus salarial da empregada durante o seu afastamento laboral, em razão da maternidade.

 

27 - Dando continuidade à narrativa, o voto-vencedor pontua que a promulgação da Constituição de 1988 manteve a tradição de assegurar à mulher - gestante ou não - direitos sociais voltados a promoção da igualdade de gênero, tornando indene de dúvidas a natureza previdenciária da verba. Nas palavras do Relator "Com a Constituição de 1988, tornou-se ainda mais inconteste a natureza previdenciária da prestação, conforme art. 201, II, que, ao disciplinar a Previdência Social estipula entre suas finalidades a cobertura da proteção à maternidade, especialmente à gestante...".

 

28 - Com vistas a corroborar ainda mais a sua tese no sentido de que o salário-maternidade consiste em um benefício previdenciário, o Ministro Relator cita em seu voto: (i) precedente da Corte formado no julgamento da ADI nº 1.946[9], (ii) bem como os seguintes dispositivos da legislação previdenciária (ii.1) o art. 18, I, g, da Lei nº 8.213, de 1991[10], que inclui expressamente o salário-maternidade entre as prestações devidas pelo Regime Geral de Previdência Social (ii.2) e o art. 28, §9º, "a", da Lei nº 8.212, de 1991[11], cujo comando determina a não incidência da contribuição previdenciária sobre os benefícios previdenciários com exceção do salário-maternidade, o que a contrario sensu leva à conclusão inafastável de que se trata da única verba previdenciária sobre a qual recai a tributação.

 

29 - Em arremate, o Relator encerra seu raciocínio rechaçando qualquer tese defensiva no sentido de que a verba possui feição salarial, asseverando que a segurada desempregada vinculada à Previdência Social também faz jus ao seu recebimento, de acordo com a legislação específica[12].

 

30 - Nessa linha de intelecção, o julgador afirma que, desde a Lei nº 6.136, de 1974, o salário-maternidade constitui-se em benefício previdenciário, premissa crucial para a compreensão da segunda parte do voto que se debruça especificamente sobre o alcance da expressão constitucional "folha de salários e demais rendimentos do trabalho", base de cálculo do tributo versado no art. 195, I, "a", da CF.

 

31 - Faz-se um breve aparte para recordar que, ao longo dos anos, houve variação no modo de pagamento do salário-maternidade, a depender do regramento estabelecido na legislação. Ora, a lei atribuía a responsabilidade ao empregador, garantindo-lhe sempre, após a edição da Lei nº 6.136, de 1974, a devida compensação com os valores pagos; ora, a incumbência ficou exclusivamente a cargo do INSS. Vale transcrever as elucidativas explicações fornecidas no voto-condutor acerca disso:

 

"25 - Quanto à forma de pagamento da prestação, até o fim de 1999, consistia em atribuição do empregador, que compensava os valores pagos na guia de recolhimento da previdência. Com a promulgação da Lei nº 9.876/99, houve alteração no modo de pagamento, que passou a ser feito exclusivamente pelo INSS, situação que perdurou até a Lei nº 10.710/03, que atribuiu, novamente, ao empregador a responsabilidade pelo benefício, podendo esse efetivar a devida compensação (...)

 

26 - Ressalto, apenas, que essa sistemática não se aplica ao microempreendedor individual (MEI), cuja eventual empregada receberá diretamente pelo INSS (Lei nº 12.470/11)".

 

32 - Atualmente, a matéria encontra-se disciplinada no art. 72 da Lei nº 8.213, de 1991[13], que impõe, em regra, ao empregador, o encargo do seu pagamento com a subsequente compensação dos respectivos valores pagos à mulher - a única exceção está prevista no §3º do mesmo dispositivo em que o pagamento incumbe diretamente ao INSS.

 

33 - Apesar dessas constantes modificações operacionais na forma de pagamento, o que parece importante registrar é que o ônus do pagamento da verba não é mais suportado pelo empregador, pois, ainda que haja o seu adiantamento à funcionária, a lei lhe garante o direito à compensação integral da quantia despendida.

 

34 - Fixada a natureza jurídica da verba como benefício previdenciário, desde a Lei nº 6.136, de 1974, o Tribunal preocupou-se em verificar a sua compatibilidade com a materialidade econômica de incidência do tributo disciplinado no art. 195, I, "a", da CF, em consonância com os estreitos limites do pedido formulado no recurso extremo proposto pelo empregador. Ou seja, o objeto de exame do acórdão paradigma recaiu tão-somente sobre a validade da cobrança da contribuição previdenciária devida pelo empregador sobre o salário-maternidade, conforme se pode comprovar ipsis litteris nas palavras do próprio Relator:

 

"II - A NÃO INCLUSÃO DO SALÁRIO-MATERNIDADE NA BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA "PATRONAL"

 

35 - O art. 149 da Constituição incluiu as contribuições sociais no sistema tributário nacional, atribuindo, como regra, à União a competência para instituí-las. O dispositivo, ainda, faz remissão ao art. 146, III, para afastar qualquer dúvida quanto à incidência das normas gerais da legislação tributária à espécie. A seguridade social (art. 195), o seguro-desemprego (art. 239) e a educação (art. 212, §5º), são algumas das finalidades para as quais contribuições sociais já foram instituídas [17].

 

36 - As contribuições sociais destinadas à seguridade social estão disciplinadas no art. 195 da Constituição, com redação dada pela EC nº 20/98. A base de cálculo da contribuição social a cargo do empregador está prevista no inciso I do dispositivo constitucional, o qual restringe a incidência da exação à folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício (alínea a); à receita ou ao faturamento (alínea b); e ao lucro (alínea c). As contribuições sociais incidentes sobre a receita ou o faturamento e sobre o lucro não interessam à solução da presente controvérsia, que se limita à análise da alínea a.

 

35 - Justamente sob o influxo dessa importantíssima delimitação da controvérsia a ser solucionada pela Corte, o voto-vencedor direciona-se a definir o alcance da expressão "folha de salários e demais rendimentos do trabalho", que constitui a hipótese de incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador, indicada no art. 195, I, "a", CF, para, na sequência, decidir se o benefício previdenciário em questão encaixa-se em sua base de cálculo. Eis o teor do preceito constitucional inserido no centro do debate:

 

"Artigo 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

 

I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

 

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

 

36. Sendo assim, qualquer exegese feita pela Corte volta-se à compreensão da expressão normativa "folha de salários e demais rendimentos do trabalho", que compõe a base de cálculo da exação previdenciária patronal.

 

37 - Para tanto, o julgador relembra que o alcance constitucional do mencionado termo, "para fins de instituição de contribuição social sobre o total das remunerações"[14], foi delineado no julgamento do tema nº 20 de repercussão geral, cuja tese restou redigida nos seguintes termos: "A contribuição social a cargo do empregador incide sobre ganhos habituais do empregado, quer anteriores ou posteriores à Emenda Constitucional nº 20/1998".

 

38 - Na concepção do Tribunal, a noção constitucional de "folha de salários" pressupõe tanto a existência de ganhos habituais recebidos pelo empregado (tese firmada no tema nº 20) quanto a obrigatoriedade de que o pagamento decorra "diretamente da relação de trabalho e em virtude da atividade laboral desenvolvida pelo trabalhador"[15]. Resta muito claro da leitura do acórdão-paradigma a obrigatoriedade da presença desse binômio (habitualidade do ganho e pagamento relacionado à contraprestação pelos serviços prestados ou pelo tempo posto à disposição do empregador), para que a materialidade econômica da contribuição previdenciária patronal esteja devidamente caracterizada.

 

39. Finalizada a análise constitucional da "folha de salários", o Relator lança seu olhar para a disciplina legal da matéria constante no art. 22, I, da Lei nº 8.212, de 1991, que especifica mais detalhadamente a base de cálculo do tributo em comento, senão vejamos:

 

Artigo 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:

 

I - vinte por cento sobre o total das remunerações pagas, devidas ou creditadas a qualquer título, durante o mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços, destinadas a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços, nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa. (Redação dada pela Lei nº 9.876, de 1999). (Vide Lei nº 13.189, de 2015) (Vigência)

 

40 - Com efeito, o voto-vencedor considera que o preceptivo acima possui plena conformação com o art. 195, I, "a", CF, na medida em que reforça a exigência de que a base de cálculo da referida exação pressupõe a existência de uma remuneração destinada a retribuir as atividades laborais prestadas ou o tempo posto à disposição do empregador.

 

41 - À luz dessa argumentação arvorada no art. 195, I, "a, da CF e no art. 22, I, da Lei nº 8.212, de 1991, o Relator define muito claramente o aspecto material de incidência da contribuição previdenciária patronal como sendo o pagamento de uma remuneração habitual com a finalidade de recompensar os serviços realizados.

 

42 - Nesse sentido, para o STF, é inconteste a ausência do referido binômio, nos casos de recebimento do salário-maternidade. A um, porque, de acordo com a tese firmada no tema nº 20, não há habitualidade do ganho pela empregada, "uma vez que há limitações biológicas para que a mulher engravide e usufrua da licença-maternidade com habitualidade[16]". A dois, porque a verba se trata de benefício previdenciário, que não se presta a retribuir qualquer trabalho, pois a mulher não exerce suas funções laborais durante a licença-maternidade[17], ainda que o vínculo trabalhista seja mantido[18].

 

43 - Forte nessa motivação, a verba em discussão não se amolda ao conceito constitucional de "folha de salários" delimitado pelo STF, sendo sua cobrança formalmente inválida, pela ausência dos pressupostos necessários à configuração do binômio acima explicado, a saber, ausência de habitualidade do ganho e de contraprestação por qualquer serviço prestado ou pelo tempo posto à disposição do empregador

 

44 - Ademais, a caracterização da referida verba como uma materialidade econômica sem respaldo no art. 195, I, "a", da CF, implica a criação de nova fonte de custeio da seguridade social, sem observância do disposto nos arts. 195, §4º c/c 154, I, ambos da CF, que impõem a exigência de lei complementar nessa hipótese.

 

45 - À vista desses argumentos, o Tribunal declarou o art. 28, §2º, da Lei nº 8.212, de 1991, formalmente inconstitucional[19], porque o dispositivo considera remuneração verba despida de feição salarial, desrespeitando, assim, os arts. 195, I, "a", da CF e 195, §4º c/c art. 154, I, da CF.

 

46 - Vale notar que, apesar de o Relator não ter declarado formalmente inconstitucional o art. 28, §9º, "a", parte final, da mesma lei, nessa parte do voto, tal reconhecimento consta no dispositivo do acórdão[20], de modo que essa norma também deve ser considerada nula por vício de forma, à luz do que restou decidido pelo STF.

 

47 - Ainda, como o art. 28, da Lei nº 8.212, de 1991, trata do salário-de-contribuição, que é a base de cálculo da contribuição previdenciária da empregada, abre-se um parêntese para (i) explicar o porquê de a postulação recursal ter requerido a declaração de invalidade de regras insertas nesse dispositivo e (ii) enunciar as distinções incidentes na espécie que interditam a extensão da ratio decidendi (no tocante à invalidade formal) do tema nº 72 a essa outra exação.

 

48 - Como explicado antes, o art. 22, da Lei nº 8.212, de 1991, em alinhamento ao art. 195, I, "a", da CF, reforça a noção de que a base de cálculo da contribuição patronal incide sobre a "folha de salários", expressão compreendida como uma remuneração habitual decorrente do trabalho. Por sua vez, o §2º do art. 22 disciplina que as parcelas listadas no §9º do art. 28 da mesma lei não são consideradas remuneração, in verbis: "§ 2º Não integram a remuneração as parcelas de que trata o § 9º do art. 28".

 

49 - Ou seja, por força do art. 22, §2º, da Lei nº 8.212, de 1991, a regência do que se entende por remuneração para algumas parcelas foi remetida para a norma aludida no art. 28, §9º, que ao desqualificá-las como remuneração acaba por excluí-las do campo de incidência da contribuição previdenciária patronal. Decerto, como o dispositivo versa sobre a base de cálculo da contribuição da empregada, essas mesmas verbas também não constituem salário-de-contribuição e, portanto, não sofrem a incidência dessa outra exação.

 

50 - In casu, importa para esta manifestação somente tratar da parte final da alínea "a" do §9º do art. 28:

 

"§ 9º. Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente:

 

a) os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, salvo o salário-maternidade".

 

51 - A alínea "a" do § 9º do art. 28 é expressa no sentido de que os benefícios previdenciários não integram o salário-de-contribuição[22], não sendo, assim, base de cálculo da contribuição da empregada. Por conta da remissão imposta pelo art. 22, §2º e à luz do alcance constitucional dado pelo STF para a expressão "folha de salários" prevista no art. 195, I, "a", da CF, esses mesmos benefícios não compõem, também, a base de cálculo da contribuição do empregador, por não serem remuneração. Vale notar que a primeira parte da alínea "a" do §9º do art. 28, ao excluir os benefícios previdenciários do campo normativo do art. 195, I, "a", da CF, encontra-se em conformidade com o entendimento firmado pela Corte nesta repercussão geral no sentido de que não são salário.

 

52 - Contudo, a regra enunciada no art. 28, §9º, "a", parte final traz uma exceção: o salário-maternidade.

 

53 - Da leitura do art. 22, §2º c/c alínea "a" do § 9º do art. 28, pode-se extrair que o salário-maternidade é um benefício previdenciário que configura remuneração para fins de cobrança da contribuição previdenciária patronal. Além disso, configura salário-de-contribuição para fins da cobrança da contribuição da empregada. Essa sistemática é corroborada pelo art. 28, §2º, da Lei nº 8.212, de 1991, que prevê:

 

"§ 2º. O salário-maternidade é considerado salário-de-contribuição".

 

54 - Nessa perspectiva, é o dispositivo em comento que considera o salário-maternidade como integrante da remuneração (art. 22, §2º) e do salário-de-contribuição, incluindo-o no alcance das contribuições previdenciárias a cargo do empregador e do empregado. Por certo, o tratamento tributário conferido pela lei para fins de incidência dessas exações sobre o salário-maternidade leva em conta as respectivas bases de cálculos desses dois tributos, que, de fato, são completamente diferentes, conforme se verá a seguir.

 

55 - Não obstante a lei incluir o salário-maternidade como verba passível de incidência da contribuição do empregador e da empregada, o reconhecimento da invalidade formal do art. 28, §2º, §9º, "a", parte final, da Lei nº 8.212, de 1991, se deu tão-somente para o fim de asseverar que essa verba (benefício previdenciário que é) jamais poderá compor o conceito constitucional de "folha de salários" delimitado pela Corte como necessário à incidência da contribuição previdenciária patronal. Essa linha hermenêutica de intelecção que vincula a invalidade da cobrança ao conceito de remuneração devida em razão do trabalho consta expressamente na conclusão do Relator, in verbis:

 

"44 - Logo, o art. 28, §2º, da Lei nº 8.212/91, ao afirmar expressamente que o salário-maternidade compõe o salário de contribuição e, portanto, a base de cálculo da contribuição previdenciária, cria nova fonte de custeio em relação às materialidades previstas no art. 195, I, a, da Constituição, uma vez que elege verba paga pela Previdência, com clara natureza de benefício e que não remunera qualquer trabalho ou serviço.

 

45 - É inconteste a inconstitucionalidade formal da incidência objeto do presente recurso."

 

56 - O que se pretende deixar claro aqui é que o exame da Corte adentrou no art. 28, da Lei nº 8.212, de 1991, apenas porque a postulação recursal provocou, tendo em vista que o disposto no §2º do art. 22, remete ao conceito de remuneração de algumas parcelas - como a do salário-maternidade - para o mencionado artigo. Desse modo, somente uma leitura totalmente isolada e destoada do julgamento pode levar o intérprete a pensar que o art. 28, §2º e § 9º, "a", parte final, da Lei nº 8.212, de 1991, foi declarado nulo para todos os efeitos, inclusive para invalidar a base de cálculo da contribuição previdenciária da empregada, tese que merece ser duramente combatida em juízo.

 

57 - Resumindo, o art. 28, §2º e § 9º, "a", parte final, da Lei nº 8.212, de 1991, deve ser considerado inválido tão-somente para o fim de compreender que o salário-maternidade não é remuneração, logo não integra a base de cálculo da contribuição previdenciária a cargo do empregador.

 

58 - Noutro giro, o mesmo dispositivo continua válido para fins de incidência da contribuição da empregada, em razão das evidentes diferenças normativas existentes entre essas duas exações previdenciárias, que constituem o distinguishing a ser levado a juízo, para rechaçar qualquer exegese no sentido de que a tese firmada no tema nº 72 alcança a contribuição da empregada, senão vejamos:

 

a) as contribuições previdenciárias em apreço possuem fundamentos constitucionais diversos:

 

a.1) a contribuição previdenciária do empregador ampara-se no art. 195, I, "a", da CF, que estabelece a "folha de salários e demais rendimentos do trabalho" como sua materialidade econômica. O alcance desse termo perpassa necessariamente pelo Texto Constitucional, tendo sido delimitado, pelo STF, como sendo uma remuneração habitual devida em razão do trabalho. Nesse sentido, a definição dessa base de cálculo é de índole constitucional, o que levou o Tribunal a reconhecer a existência de repercussão geral da matéria;

 

a.2) a contribuição do empregado é fundamentada no art. 195, II, da CF, o qual não define a sua base de cálculo da exação. Ao revés, a Carta Maior utilizou-se neste dispositivo de fórmula totalmente diferente da prevista no art. 195, I, "a", da CF, ao conferir ampla liberdade ao legislador infraconstitucional para normatizar o seu campo de incidência, que pode em tese abarcar qualquer verba, exceto aposentadoria e pensão no RGPS. Em relação a esse tributo, a jurisprudência do STF é firme em não reconhecer a repercussão geral da matéria quando pendente discussão sobre a natureza jurídica das verbas que podem constituir sua base de cálculo, por considerar o assunto infraconstitucional[21];

 

b) as bases de cálculo dos tributos são completamente diversas: a do empregador é a "folha de salários", conceito constitucional cuja disciplina encontra reforço na regulamentação prevista no art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991; a do empregado é o salário-de-contribuição", definição que ficou a cargo do legislador disciplinar, estando a sua regência no art. 28, da Lei nº 8.212, de 1991.

 

59 - Deve-se pontuar, ainda, que o único objeto do julgamento circunscreve-se à verificação de compatibilidade vertical entre as disposições da Lei nº 8.212, de 1991, que consideram o salário-maternidade remuneração para fins de incidência da contribuição previdenciária do empregador, e o paradigma constitucional do art. 195, I, "a", da CF, não tendo o STF enfrentado se é válida a qualificação da verba como salário-de-contribuição, à luz do que dispõe o art. 195, II, da CF.

 

60 - Em síntese, saber se o salário-maternidade pode integrar o salário-de-contribuição é assunto totalmente estranho ao julgamento, (i) seja porque essa exação se fundamenta no art. 195, II, CF, que não é objeto do acórdão (e sequer é citado no voto), (ii) seja porque a definição de sua base de cálculo não é constitucional e não se confunde com a de "folha de salários", (iii) seja porque não há qualquer postulação recursal nesse sentido, até porque o Recorrente é o empregador, (iv) seja porque o próprio Relator delimitou que o objeto do julgamento gira em torno do art. 195, I, "a", da CF, (v) seja porque o dispositivo do precedente vinculou a invalidade do art. 28 ao conceito de remuneração.

 

61 - Acerca do tributo devido pela empregada, é fundamental esclarecer que o legislador infraconstitucional possui plena liberdade para determinar a sua base de cálculo, a qual só não pode recair sobre a aposentadoria e pensão do RGPS, por expressa restrição constitucional nesse sentido. Amparado nessa garantia que lhe foi conferida pelo art. 195, II, da CF, o legislador legitimamente optou por excluir todos os benefícios previdenciários da incidência dessa contribuição, exceto o salário-maternidade (art. 28, §9º, "a", parte final da Lei nº 8.212, de 1991). Diante disso, não se vislumbra qualquer óbice constitucional apto a invalidar a cobrança da contribuição da empregada sobre o salário-maternidade.

 

62 - Aliás, dificilmente haverá a análise de compatibilidade entre o art. 28, §2º e §9º, "a", parte final e o art. 195, II, da CF, por parte do STF, já que o próprio Tribunal considerou não haver repercussão geral da matéria[23], porque a regência da base de cálculo desse tributo foi delegada ao legislador infraconstitucional.

 

63 - Feitas essas distinções acima (fecha-se o parêntese), parece forçoso concluir que os fundamentos determinantes invocados pelo Tribunal para reconhecer a invalidade formal da incidência da contribuição previdenciária do empregador sobre o salário-maternidade não podem ser aplicados à contribuição da empregada.

 

64 - Na sequência, a Corte passa a enfrentar a seguinte questão: a exação previdenciária patronal efetiva (ou não) o princípio de isonomia entre homens e mulheres consagrado no art. 5º, I, da CF? A sua cobrança é, portanto, materialmente constitucional?

 

65 - Por certo, a Carta Maior estabelece a igualdade de gêneros e também institui critérios diferenciadores de tratamento às mulheres necessários a assegurar a efetiva isonomia entre elas e os homens.

 

Nas palavras do Relator, "Os distinguishings estabelecidos pelo texto constitucional e pela jurisprudência da Corte se justificam pelas condições biológicas femininas e pelas dificuldades que elas podem gerar para equidade de tratamento da mulher no mercado de trabalho"[24].

 

66 - A fim de comprovar que as mulheres continuam sendo alvo de discriminação no mercado de trabalho em razão da maternidade, o Relator cita diversas pesquisas e estudos realizados por organismos internacionais (ONU, Banco Mundial, OIT e Fórum Mundial), bem como apresenta dados estatísticos que convergem para essa mesma conclusão. Em seguida, o julgador invoca estudo da OIT que detectou, no cenário brasileiro, a causa para a manutenção desse quadro discriminatório sofrido pelas mulheres, in verbis:

 

55 - Acerca especificamente dos efeitos da maternidade no custo de contratação de mulheres, a OIT realizou estudo abrangendo cinco países da América Latina, dentre eles o Brasil, e concluiu que, relativamente ao caso brasileiro, os custos adicionais para o empregador correspondem a 1,2% da remuneração bruta mensal da mulher [29].

 

Referido quantum está associado à responsabilização pela prestação, a cargo da Previdência Social, e a partir do pagamento, pelo empregador, de quotas ao seguro social [30]. Além disso, o estudo aponta que o empregador contrata um substituto para realizar as funções da empregada durante parte da licença-maternidade (36% dos dias) [31], o que, consequentemente, já importa em incremento nos custos, em virtude dos direitos trabalhistas associados a essa contratação.

 

67 - De acordo com a OIT, a causa para a discriminação de gênero no mercado de trabalho decorre do maior custo inerente à admissão das funcionárias em razão da sua condição biológica de poder ser mãe. Como a mão-de-obra feminina é mais cara em comparação à masculina, os empregadores são desestimulados a contratar empregadas para as suas empresas.

 

68 - Diante disso, o voto-vencedor passa a conclamar a adoção de medidas pelo Poder Público necessárias ao rompimento com esse cenário de injustiça imposto às mulheres há anos, que sofrem grande desvantagem profissional em comparação aos homens tão-somente em razão de demandar economicamente mais do empregador, por conta de sua condição biológica, por conta do seu sexo, por ser mulher, por poder ser mãe e consequentemente precisar se afastar do seu trabalho para cuidar do seu filho.

 

69 - Nessa perspectiva, a mão-de-obra feminina já vem carimbada na mente do empregador como sendo mais onerosa para o seu orçamento do que a masculina. A discriminação entre os gêneros decorre puramente disso: de uma causa matemática que encarece a mão-de-obra da mulher oriunda da condição feminina de poder vir a ser mãe.

 

70 - Assim, muitas vezes, a mulher sequer disputa com um homem pela vaga e, se por acaso conseguir disputar, já inicia essa concorrência com uma grande desvantagem. De posse dessas informações, deve-se buscar neutralizar esse obstáculo econômico considerado pelo empregador na sua decisão de não admitir uma mulher, levando a uma concorrência mais igualitária entre os sexos.

 

71 - Sob esse viés, para o Relator, a efetiva igualdade de concorrência entre homens e mulheres na disputa por um emprego, tal como idealizada pela Constituição Federal, poderá ser alcançada quando o valor de contratação de uma mulher for igual (ou ao menos bem próximo) ao de um homem, sempre sob o enfoque do empregador. Afinal, é ele o principal ator a ser estimulado a contratar mais funcionárias.

 

72 - Essa importante afirmação traça um caminho objetivo a ser perseguido na busca da promoção da igualdade de gêneros: a desoneração dos gastos da mão-de-obra feminina decorrentes da sua condição biológica, para o empregador. Em outras palavras, o bolso do empregador precisa ser aliviado, para que o aspecto econômico oriundo da condição biológica da mulher não seja levado em consideração em sua decisão de não a contratar.

 

73 - Por certo, nem todos os custos para o empregador decorrentes da maternidade são passíveis de serem diminuídos. Isso porque, como destacado pelo estudo da OIT, o empregador tende a contratar outra pessoa para exercer as atividades da mulher em gozo da licença-maternidade, gasto que impreterivelmente ele continuará a suportar. Não obstante, os dispêndios possíveis de serem minimizados devem ser retirados do orçamento do empregador, em prol da isonomia de gêneros.

 

74 - Vale recordar que a primeira ação concreta voltada a esse intento partiu do Poder Legislativo com a edição da Lei nº 6.136, de 1974, que, como mencionado, transformou o salário-maternidade em benefício previdenciário. No entanto, ao longo dos anos, o recolhimento da contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade permaneceu sendo de responsabilidade do empregador.

 

75 - Não se desconhece que a alteração legislativa acima trouxe um grande avanço em prol do maior acesso às mulheres aos postos de trabalho, mas que, nos dias de hoje, se verifica insuficiente para a efetiva concreção da igualdade de gêneros, pois, para o empregador, o custo da mão-de-obra feminina ainda é superior quando comparado ao dos homens, sobretudo em razão do recolhimento da contribuição previdenciária patronal durante o afastamento da funcionária.

 

76 - Firmada essa premissa, a tributação patronal sobre o salário-maternidade constitui, para o orçamento do empregador, um encargo econômico a maior advindo da condição biológica da mulher que encarece a sua mão-de-obra quando comparada a de um homem, configurando motivo para a sua não admissão.

 

77 - Isto posto, a Corte entendeu ser necessário avançar ainda mais na concretização dos desígnios constitucionais direcionados a alcançar a isonomia entre os gêneros, excluindo do ordenamento jurídico a incidência da contribuição previdenciária patronal sobre a verba em comento, por considerá-la causa de discriminação suportada pelas mulheres.

 

78 - Nesse sentido, a tributação a cargo do empregador desestimula a contratação de empregadas e promove justamente o inverso do que almeja o Texto Constitucional. É, portanto, materialmente inconstitucional por ofender diretamente o princípio da isonomia, consagrado no art. 5, I, da CF e nos tratados de Direitos Humanos dos quais o Brasil é signatário voltados a combater essa forma de tratamento.

 

79 - Com base nessa fundamentação, o STF reconheceu a invalidade material do art. 28, §2º e §9º, "a", parte final, da Lei nº 8.212, de 1991, dispositivos que davam suporte à incidência previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade.

 

80 - Seguindo essa linha de raciocínio, afirma-se que mais um importante passo foi dado, agora pelo Poder Judiciário, para que homens e mulheres possam concorrer a uma vaga no mercado de trabalho com paridade de condições, na medida em que se avançou no sentido de aproximar o gasto da mão-de-obra feminina e masculina para o empregador.

 

81 - Por fim, vale mencionar ainda que o Ministro Relator, em obter dictum, afirmou que "o período de afastamento em que se recebe o benefício deve ser computado como tempo de contribuição (...)", porque a condição biológica da mulher não pode servir para lhe colocar em situação de desvantagem em relação aos homens. Mais uma vez, o voto-condutor invoca o princípio da isonomia para reiterar que o afastamento da mulher decorrente de sua condição biológica de poder vir a ser mãe não pode prejudicar a aquisição de seus direitos previdenciários, devendo o tempo de licença-maternidade ser computado como tempo de contribuição para fins de aposentadoria.

 

82 - Vê-se que a argumentação utilizada pela Corte para reconhecer a invalidade material da incidência da contribuição previdenciária do empregador sobre o salário-maternidade não pode ser estendida para tornar indevida a contribuição previdenciária cargo da empregada (art. 195, II, da CF). Isso se justifica com base nos estudos e pesquisas mencionados pelo Relator que sinalizam que a causa para a realidade atual de discriminação suportada pela mulher gira em torno do maior gasto despendido pelo empregador para a sua contratação. Por essa razão, não faz sentido levantar a bandeira em prol da isonomia, para desonerar a funcionária de arcar com a sua contribuição previdenciária, porque essa medida é indiferente para o bolso do empregador e em nada colaborará para a sua maior inserção no mercado de trabalho.

 

83 - Considerando que os fundamentos determinantes para reconhecer a invalidade formal e material da incidência da contribuição previdenciária patronal sobre o salário-maternidade não podem ser estendidos à contribuição previdenciária da empregada, deve-se impugnar judicialmente as demandas que objetivem aplicar a tese do tema nº 72 à exação da segurada. Essas ações devem ser duramente combatidas, com a apresentação das distinções aplicáveis à espécie, a fim de evitar a consolidação de uma jurisprudência defensiva em torno da matéria.

 

Questionamentos feitos pela RFB na Nota COSIT nº 361, de 2020

 

84 - Na Nota COSIT nº 361, de 17 de setembro de 2020, encaminhada à PGFN em 22.09.2020, a RFB tece algumas considerações sobre o julgado e formula questionamentos acerca da aplicação da tese firmada no RE nº 576.967/PR às contribuições previdenciárias a cargo da empregada e às contribuições patronais destinadas a terceiros. Indaga, ainda, sobre os efeitos retroativos da tese.

 

85 - Em relação à contribuição previdenciária devida pela segurada, o órgão fazendário alinha-se ao entendimento da PGFN no sentido de que esse tributo não constituiu objeto de julgamento do acórdão paradigma, bem como que os seus fundamentos determinantes também não podem ser estendidos, com base no art. 19, §9º, da Lei nº 10.522, de 2002[25], para tornar inválida a incidência dessa exação sobre o salário-maternidade, em razão das distinções normativas aplicáveis ao caso[26].

 

86 - Ratifica-se, pois, o entendimento manifestado pela Receita Federal do Brasil, nos seguintes termos:

 

"10 - Observa-se que a declaração de inconstitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária ao Regime Geral de Previdência Social (RGPS) sobre o valor do salário maternidade, segundo a tese firmada, não abrange a contribuição a cargo da segurada, somente a contribuição a cargo da empresa.

 

11 - A tese está em consonância com a alínea "a", inciso I, do art. 195 da CF/88, que não prevê a incidência de contribuição previdenciária, a cargo da empresa, sobre os valores pagos aos segurados do RGPS a título de benefícios previdenciários. A autorização deste dispositivo constitucional é para a incidência sobre os salários e demais rendimentos do trabalho. Diferentemente, quanto à contribuição a cargo dos trabalhadores vinculados ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS), o inciso II, art. 195, da CF/88 vedou sua incidência sobre os proventos de aposentadoria e pensão, dando ao legislador uma amplitude maior para instituir contribuição previdenciária sobre outros valores pagos à pessoa física, inclusive sobre os valores relativos aos demais benefícios previdenciários, caso do salário maternidade.

 

(...)"

 

87 - Essa mesma posição é compartilhada pela Secretaria de Previdência que encerra a sua manifestação concluindo que "a decisão do STF no Tema 72 não reconheceu a inconstitucionalidade da contribuição devida pela segurada em gozo do salário-maternidade"[27].

 

88 - Aliás, deve-se frisar que essa afirmação é tida pelo citado órgão como uma premissa inafastável a ser mantida e preservada como status quo para que a mulher não sofra qualquer repercussão previdenciária negativa, em razão do período de gozo do salário-maternidade.

 

89 - Em outras palavras, mesmo sendo indevida a contribuição previdenciária patronal, segundo a tese exarada no tema nº 72, o recolhimento da contribuição da segurada durante a licença-maternidade lhe assegura o pleno reconhecimento de seus direitos previdenciários, na medida em que o tempo de afastamento será computado como tempo de contribuição e carência.

 

90 - Cumpre transcrever os elucidativos esclarecimentos prestados pela área técnica na Nota Técnica SEI nº 48168/2020/ME [28] sobre a inexistência de repercussão previdenciária negativa à mulher, caso a exação previdenciária por ela devida permaneça hígida, in verbis

 

"No que se refere à repercussão previdenciária do período de gozo do salário-maternidade ante a ausência de contribuição patronal, embora o teor do dispositivo seja omisso em relação ao tema, a leitura da integralidade da fundamentação do voto do Ministro Relator indica sua preocupação com a matéria, em especial quando assegura a contagem do período para fins de gozo de aposentadoria.

 

A partir da fundamentação exposta pelo Ministro Relator em relação à necessidade de observância do princípio da isonomia parece resultar claro que a inconstitucionalidade ora declarada não pode ser utilizada como fundamento para prejudicar a contagem desse período na fruição de benefícios previdenciários futuros pela segurada.

 

De fato, o item 66 do Voto do Ministro Relator menciona expressamente que o período deve ‘ser computado como tempo de contribuição’, sem, contudo, conferir caráter de exclusividade a esse tempo como a única repercussão previdenciária possível, ou seja, sem excluir a sua contagem para fins de carência. É necessário, contudo, a leitura contextualizada com o princípio da isonomia, sobre o qual extensamente fundamenta seu voto.

 

66 - Afirmo, ainda, que o tempo de afastamento da mulher no período da licença-maternidade não pode ser deduzido da contagem do seu tempo para fins de cômputo para a aposentadoria. Essa observação, mais que pertinente, serve para, de fato, efetivar o princípio da isonomia sobre o qual fundamento o presente voto. Ressalta-se que se trata de benefício previdenciário e, assim, o período de afastamento em que se recebe o benefício deve ser computado como tempo de contribuição, do mesmo modo como ocorre no auxílio-doença acidentário (art. 29, §5º, da Lei nº 8.213/91). [40] Uma eventual dedução dos períodos de afastamento por licença-maternidade, além de atingir frontalmente o núcleo do direito fundamental aqui debatido, de modo a, mais uma vez, colocar a mulher em situação de desvantagem por questões estritamente biológicas, consistiria em verdadeira intervenção inadequada do Estado na autonomia da vontade da mulher e na unidade familiar. Serviria, ainda, como desestímulo à opção pela gestação, dado que, a cada gravidez, a profissional teria que permanecer quatro meses a mais no mercado de trabalho para alcançar a aposentadoria."

 

91 - Não há, no voto do Ministro Relator, nenhuma disposição restritiva à contagem do tempo de gozo do salário-maternidade para fins de carência ou a determinação de sua contagem exclusivamente para fins de tempo de contribuição. A leitura inicial que fazemos é pela repercussão previdenciária integral desse período. Ademais disso, pelo menos a princípio e salvo melhor juízo, a leitura da decisão judicial em sua inteireza indica que a mulher não deve sofrer restrição previdenciária em função de usufruir do benefício de salário-maternidade, sob pena de desvantagem exclusivamente em razão de sua condição biológica.

 

92 - Desse modo, ante a inexistência de comando expresso em sentido contrário, nos parece, sob a ótica legislativa vigente, que o período deve ser computado para carência, até mesmo porque não foi atacada de inconstitucionalidade a incidência da contribuição devida pela própria segurada em gozo do benefício de salário-maternidade.

 

93 - Nessa linha, os argumentos apresentados pela Secretaria de Previdência podem ser levados ao conhecimento dos juízes, a fim de demonstrar a importância da manutenção da contribuição da segurada para o pleno reconhecimento de seus direitos previdenciários.

 

94 - Ao revés, a invalidade dessa exação pelo Poder Judiciário sem a respectiva modificação legislativa tende a acarretar um efeito perverso e nocivo à mulher, que passará a sofrer administrativamente as repercussões negativas previdenciárias decorrentes desse entendimento judicial.

 

95 - À vista disso, considerando que a tese firmada no tema nº 72 não alcança a contribuição previdenciária da empregada, que continua válida no ordenamento jurídico, orienta-se a defendê-la em juízo, com a apresentação das distinções aplicáveis ao caso, que foram abordadas no tópico anterior desta manifestação.

 

96 - Lado outro, quanto às contribuições destinadas a terceiros[29], o melhor entendimento parece ser o de estender a ratio decidendi do tema nº 72 a elas, a fim de tornar a sua incidência sobre o salário-maternidade também inconstitucional sob o prisma formal e material, nos termos do art. 19, §9º, da Lei nº 8.212, de 1991. Explica-se.

 

97 - Essas exações são de responsabilidade do empregador e incidem sobre a "folha de salários", à luz do que prevê o art. 240 da CF e o art. 62 do ADCT. Eis o teor, respectivamente, desses dispositivos:

 

"Artigo 240. Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.

 

Artigo 62. A lei criará o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR) nos moldes da legislação relativa ao Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e ao Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (SENAC), sem prejuízo das atribuições dos órgãos públicos que atuam na área."

 

98 - Em decorrência do entendimento de que o salário-maternidade é benefício previdenciário (e não salário) e não se amolda ao conceito constitucional de "folha de salários" delimitado pelo Tribunal, a incidência das contribuições de terceiros sobre parcela sem caráter salarial também é formalmente inválida.

 

99 - Ademais, de acordo com os estudos e pesquisas citados no voto do Relator, que foram explicados no tópico anterior deste parecer, a tributação a cargo do empregador durante a licença-maternidade é causa para a manutenção da realidade discriminatória sofrida pelas mulheres, que deixam de ser contratadas pelo maior custo de sua mão-de-obra oriunda de sua condição biológica. Essa situação, como já demonstrado, impõe uma grande desvantagem profissional à mulher que se vê preterida a conseguir um emprego, porque, caso venha a ser mãe, o seu custo torna-se mais oneroso para o empregador.

 

100 - Dessa maneira, seguindo a mesma premissa adotada para a contribuição previdenciária a cargo do empregador, a contribuição de terceiros sobre o salário-maternidade, cuja base de cálculo seja a folha de salários, viola o princípio da isonomia, porque ao encarecer a mão-de-obra feminina, fomenta justamente o contrário do que o Texto Constitucional idealiza no art. 5, I, da CF.

 

101 - Por conta disso, entende-se viável aplicar os fundamentos determinantes do acórdão paradigma do tema nº 72, para tornar inconstitucional a incidência da contribuição de terceiros sobre o salário-maternidade, estando a carreira dispensada de atuar judicialmente nas demandas que pretendam excluir a referida verba da base de cálculo das contribuições de terceiros que incidam sobre a "folha de salários", conforme autorização constante no art. 2º-A da Portaria PGFN nº 502, de 2016, c/c art. 19, §9º, da Lei nº 10.522, de 2002.

 

102 - Cumpre esclarecer que a extensão da ratio decidendi feita por esta CRJ só alcançará as contribuições de terceiros que incidam exatamente sobre a mesma base de cálculo das contribuições previdenciárias do empregador ("folha de salários"), não sendo possível a extensão, caso alguma contribuição de terceiro venha a ser cobrada sobre outra materialidade econômica, em nítida discordância com o art. 240 da CF.

 

103 - Considerando as inúmeras contribuições de terceiros existentes e a diversidade de legislações disciplinando o assunto, entende-se necessária a oitiva da Coordenação-Geral de Assuntos Tributários acerca desse tópico, com vistas a esclarecer se todas as contribuições de terceiros atualmente em vigor recaem, de fato, sobre a "folha de salários", apresentando os dispositivos legais correspondentes. Caso haja alguma contribuição de terceiros incidindo sobre base de cálculo diversa de "folha de salários", faz-se imprescindível essa explicitação pela área tributária, pois tal exação não estará abarcada pela dispensa de impugnação judicial acima autorizada.

 

104 - Finalmente, em relação à última indagação formulada pela RFB, cumpre noticiar que a decisão proferida no tema nº 72 não foi objeto de pedido de modulação de efeitos, de modo que a declaração de inconstitucionalidade da incidência da contribuição previdenciária do empregador sobre o salário-maternidade produzirá efeitos retroativos, devendo-se, por certo, observar os prazos prescricionais aplicáveis ao ajuizamento das ações e aos pleitos administrativos.

 

III - Conclusões e encaminhamentos

 

105 - Ante o exposto, propõe-se a inclusão do tema objeto da presente Nota Explicativa na lista de dispensa de contestação e recursos desta Procuradoria-Geral, com fulcro no art. 19, VI, "a" e § 9º, da Lei nº 10.522, de 2002, c/c o art. 2º, V, da Portaria PGFN nº 502, de 2016, nos termos seguintes:

 

"1.8 - Contribuição Previdenciária

 

xx) Inconstitucionalidade da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade.

 

Resumo: O STF, julgando o tema 72 de repercussão geral, firmou a tese de que "É inconstitucional a incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade".

 

Observação 1. Os fundamentos determinantes do acórdão-paradigma podem ser estendidos às contribuições de terceiros a cargo do empregador e incidentes sobre a folha de salários, para reconhecer a inconstitucionalidade da sua incidência sobre o salário-maternidade.

 

Observação 2. Por sua vez, a ratio decidendi do tema nº 72 não se aplica à contribuição previdenciária devida pela empregada, na medida em que essa exação não foi objeto de julgamento do RE nº 576.967/RJ e possui contornos constitucionais e legais distintos do caso julgado, devendo-se defender a validade dessa exação em juízo.

 

Precedente: RE nº 576.967/RJ (tema 72 de repercussão geral)

 

106 - Sugere-se que a presente Manifestação Explicativa, uma vez aprovada, seja remetida à RFB para os fins da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 01/2014.

 

107 - Propõe-se, também, o seu envio para a Coordenação-Geral de Assuntos Tributários, em caráter de urgência, a fim de que se manifeste sobre o questionamento formulado pela Nota COSIT/RFB nº 361, de 2020, no tópico sobre a extensão da ratio decidendi às contribuições de terceiros, especificamente em relação àquelas de suas espécies com eventual base de cálculo diversa da folha de salários e que não estão abarcadas pelos efeitos desta manifestação, consoante item nº 103.

 

108 - Propõe-se, ainda, que sejam realizadas as alterações pertinentes na gestão de matérias no Sistema de Acompanhamento Judicial - SAJ, assim como a inclusão do tema na lista de dispensa de contestar e recorrer disponível na internet.

 

109 - Por derradeiro, recomenda-se ampla divulgação da presente Manifestação Explicativa no âmbito desta Procuradoria-Geral.

 

110 - À consideração superior.

 

Documento assinado eletronicamente

 

JULIANA BUARQUE SANTANA LOMBARDI

 

Procuradora da Fazenda Nacional

 

[1] Inteiro teor do acordão publicado no DJe, em 21 de outubro de 2020, sem trânsito em julgado ainda.

 

[2] Relator Ministro Celso de Mello.

 

[3] Artigo 3º Na hipótese de decisão desfavorável à Fazenda Nacional, proferida na forma prevista nos arts. 543-B e 543-C do CPC, a PGFN informará à RFB, por meio de Nota Explicativa, sobre a inclusão ou não da matéria na lista de dispensa de contestar e recorrer, para fins de aplicação do disposto nos §§ 4º, 5º e 7º do art. 19 da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, e nos Pareceres PGFN/CDA nº 2.025, de 27 de outubro de 2011, e PGFN/CDA/CRJ nº 396, de 11 de março de 2013. § 1º A Nota Explicativa a que se refere o caput conterá também orientações sobre eventual questionamento feito pela RFB nos termos do § 2º do art. 2º e delimitará as situações a serem abrangidas pela decisão, informando sobre a existência de pedido de modulação de efeitos. § 2º O prazo para o envio da Nota a que se refere o caput será de 30 (trinta) dias, contado do dia útil seguinte ao termo final do prazo estabelecido no § 2º do art. 2º, ou da data de recebimento de eventual questionamento feito pela RFB, se este ocorrer antes. § 3º A vinculação das atividades da RFB aos entendimentos desfavoráveis proferidos sob a sistemática dos arts. 543-B e 543-C do CPC ocorrerá a partir da ciência da manifestação a que se refere o caput. § 4º A Nota Explicativa a que se refere o caput será publicada no sítio da RFB na Internet.

 

[4] Redação incluída pela Emenda Constitucional nº 20 de 1998.

 

[5] Como visto, o tema nº 72 versou sobre a contribuição previdenciária patronal.

 

[6] Relatado pelo Ministro Luís Roberto Barroso.

 

[7] V. art. 4º, item 8: "[e]m hipótese alguma, deve o empregador ser tido como pessoalmente responsável pelo custo das prestações devidas às mulheres que ele emprega".

 

[8] V. Art. 1º Fica incluído o salário-maternidade entre as prestações relacionadas no item I, do artigo 22, da Lei número 3.807, de 26 de agosto de 1960, com a redação que lhe foi dada pelo artigo 1º, da Lei número 5.890, de 8 de junho de 1973

 

[9] A Corte atribuiu interpretação conforme a Constituição ao art. 14 da Emenda Constitucional nº 20, de 15.12.1998, para excluir o salário-maternidade do teto, à época, dos benefícios previdenciários do RGPS.

 

[10] "Artigo 18. O Regime Geral de Previdência Social compreende as seguintes prestações, devidas inclusive em razão de eventos decorrentes de acidente do trabalho, expressas em benefícios e serviços: I - quanto ao segurado: (...) g) salário-maternidade; [...]."

 

[11] Artigo 28. Entende-se por salário-de-contribuição: (...) § 2º O salário-maternidade é considerado salário-de contribuição. (...) § 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente: (...) a) os benefícios da previdência social, nos termos e limites legais, salvo o salário-maternidade;"

 

[12] V. arts. 15, 71-B, III e 73 da Lei nº 8.213, de 1991.

 

[13] Artigo 72. O salário-maternidade para a segurada empregada ou trabalhadora avulsa consistirá numa renda mensal igual a sua remuneração integral. (Redação Dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

 

§ 1º. Cabe à empresa pagar o salário-maternidade devido à respectiva empregada gestante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço. (Incluído pela Lei nº 10.710, de 2003)

 

§ 2º. A empresa deverá conservar durante 10 (dez) anos os comprovantes dos pagamentos e os atestados correspondentes para exame pela fiscalização da Previdência Social. (Incluído pela Lei nº 10.710, de 2003)

 

§ 3º. O salário-maternidade devido à trabalhadora avulsa e à empregada do microempreendedor individual de que trata o art. 18-A da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, será pago diretamente pela Previdência Social. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

 

[14] Trecho extraído do parágrafo 37 do voto do Ministro Relator.

 

[15] Trecho extraído do voto proferido pelo Ministro Luís Roberto Barroso no julgamento do tema nº 20 de repercussão geral.

 

[16] Justificativa dada pelo Ministro Relator para afastar a habitualidade do ganho.

 

[17] A Corte entendeu ser irrelevante entrar no debate acerca da natureza jurídica do afastamento, se configura suspensão ou interrupção do contrato de trabalho, vez que em ambas as situações o trabalhador deixa de prestar seus serviços ao empregador.

 

[18] É a manutenção do vínculo trabalhista que justifica a permanência da mulher na folha de salários da empresa.

 

[19] Artigo 28. Entende-se por salário-de-contribuição:

 

(...)

 

§ 2º. O salário-maternidade é considerado salário-de-contribuição.

 

[20] 69. Diante do exposto, considerando os argumentos formal e material, dou provimento ao recurso extraordinário, para declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade da incidência de contribuição previdenciária sobre o salário-maternidade, prevista no art. 28, §2º, da Lei nº 8.212/1991, e a parte final do seu §9º, alínea a, em que se lê "salvo o salário-maternidade", e proponho a fixação da seguinte tese: "É inconstitucional a incidência da contribuição previdenciária a cargo do empregador sobre o salário-maternidade."

 

[21] Tema nº 759: Incidência de contribuição previdenciária sobre a verba recebida por empregado a título de aviso prévio indenizado.

 

Tema nº 908: Incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregado. Definição da natureza jurídica de parcelas pagas ao empregado, para fins de enquadramento ou não na base de cálculo de contribuição previdenciária, conforme o art. 28 da Lei 8.212/1991.

 

[22] Vimos que o legislador infraconstitucional possui plena liberdade para determinar a base de cálculo da contribuição previdenciária da empregada, a qual só não pode recair sobre a aposentadoria e pensão, por expressa restrição constitucional nesse sentido. Assim, foi opção legítima do legislador excluir todos os benefícios previdenciários da incidência da indigitada contribuição, ressalvando apenas o salário-maternidade.

 

[23] Nesse sentido, vale citar o tema nº 908 no qual o STF entendeu não haver questão constitucional na seguinte matéria "Incidência de contribuição previdenciária a cargo do empregado. Definição da natureza jurídica de parcelas pagas ao empregado, para fins de enquadramento ou não na base de cálculo de contribuição previdenciária, conforme o art. 28 da Lei nº 8.212, de 1991.

 

[24] Trecho extraído do parágrafo 50 do voto-condutor.

 

[25] Artigo 19. Fica a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional dispensada de contestar, de oferecer contrarrazões e de interpor recursos, e fica autorizada a desistir de recursos já interpostos, desde que inexista outro fundamento relevante, na hipótese em que a ação ou a decisão judicial ou administrativa versar sobre: (Redação dada pela Lei nº 13.874, de 2019)

 

(...)

 

§ 9º. A dispensa de que tratam os incisos V e VI do caput deste artigo poderá ser estendida a tema não abrangido pelo julgado, quando a ele forem aplicáveis os fundamentos determinantes extraídos do julgamento paradigma ou da jurisprudência consolidada, desde que inexista outro fundamento relevante que justifique a impugnação em juízo. (Incluído pela Lei nº 13.874, de 2019)

 

[26] As distinções foram abordadas no tópico anterior.

 

[27] V. a Nota Técnica SEI nº 48168/2020/ME, abarcada em parte por sigilo profissional.

 

[28] Alguns excertos da citada nota encontram-se acobertados pelo sigilo profissional.

 

[29] Cumpre relembrar que o contribuinte opôs embargos de declaração contra o acórdão-paradigma, para que a tese firmada no tema nº 72 contemple as contribuições de terceiros. Esse assunto está pendente de apreciação pela Corte.

 

DESPACHO

 

Processo nº 10951.102856/2020-85

 

Coloco-me de acordo com o Parecer 18361 (11837277).

 

Brasília, 18 de novembro de 2020.

 

Documento assinado eletronicamente

 

SANDRO LEONARDO SOARES

 

Coordenador de Consultoria Judicial

 

De acordo. À consideração superior.

 

Documento assinado eletronicamente

 

MANOEL TAVARES DE MENEZES NETTO

 

Coordenador-Geral da Representação Judicial da Fazenda Nacional

 

Aprovo. Divulgue-se às unidades da PGFN, encaminhe-se à Secretaria Especial da Receita Federal para ciência, e, ainda, à Coordenação-Geral de Assuntos Tributários para manifestação quanto aos pontos pendentes não abarcados por este Parecer.

 

Documento assinado eletronicamente

 

ADRIANA GOMES DE PAULA ROCHA

 

Procuradoria-Geral Adjunta de Consultoria e Estratégia da Representação Judicial

 

 

MEF37181

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