DISPENSA ABUSIVA - CONFIGURAÇÃO - DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO - MEF37594 - LT

 

 

PROCESSO TRT/RO Nº 0010680-96.2015.5.03.0135

 

Recorrente :        Jucelia Bomfim dos Santos

Recorrido :           Magazine Luiza S/A

Relator :                Paulo Roberto de Castro

 

E M E N T A

 

                DISPENSA ABUSIVA. CONFIGURAÇÃO. Por falta de lei complementar que regulamente com seriedade o artigo 7º, inciso I, da CR/88 (relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa), ainda vigora, no ordenamento justrabalhista, o direito potestativo de resilição contratual, podendo o empregador dispensar o empregado sem que precise justificar sua decisão. Esse poder patronal, porém, não é ilimitado, pois deve ser exercido dentro dos contornos impostos por princípios basilares da ordem constitucional vigente, como a igualdade, a dignidade humana e os valores sociais do trabalho (artigos 1º, incisos III e IV, 3º, inciso IV, e 5º, caput e incisos I e XLI, da CR/88), bem como a valorização do trabalho humano e a função social da propriedade como fundamento e princípio da ordem econômica e aspectos reguladores da livre iniciativa (artigo 170, caput e inciso III, da CR/88). Atentar contra tais princípios, ainda que no exercício de um direito assegurado legalmente, configura abuso de direito e infirma de ilicitude o ato, na forma do artigo 187 do CC.

 

R E L A T Ó R I O

 

                O d. Juízo da 3ª Vara do Trabalho de Governador Valadares julgou procedentes, em parte, os pedidos da reclamante (Id b572b57).

                A reclamante interpõe recurso ordinário (Id 28ece13), insistindo nos pedidos de: a) diferenças salariais por acúmulo de funções; b) horas extras; c) lanche; d) indenização por danos morais por dispensa discriminatória.

                Contrarrazões da reclamada (Id 1f6ddde).

                Não houve remessa dos autos ao Ministério Público do Trabalho para

emissão de parecer circunstanciado, ante a ausência de interesse público na solução da controvérsia

(artigo 81 do Regimento Interno deste TRT).

                É o relatório.

 

                FUNDAMENTAÇÃO

                ADMISSIBILIDADE

                O recurso ordinário interposto pela reclamante é próprio, tempestivo e a representação está regular (Id 29bc038). Beneficiária da justiça gratuita, a recorrente está dispensada do preparo recursal.

                Conheço do recurso, porquanto atendidos os pressupostos de admissibilidade.

 

                MÉRITO

                ACÚMULO DE FUNÇÕES

                A reclamante afirma que, embora contratada como vendedora, também se ocupava das atividades de caixa, telemarketing, limpeza da sessão de vendas e conferência de mercadoria, sem a paga correspondente.

                Ao exame.

                Como é cediço, o acúmulo de funções se caracteriza pelo desequilíbrio qualitativo ou quantitativo entre as funções inicialmente atribuídas ao empregado, quando a empregadora passa a exigir-lhe, concomitantemente, outros afazeres alheios ao contrato e incompatíveis com a condição pessoal do trabalhador (artigo 456, parágrafo único, da CLT).

                Em sua defesa (Id efdb701, p. 12/15), a reclamada afirmou que todas as atividades da reclamante eram compatíveis com o cargo de vendedora, de quem, no entender da ré, é natural esperar que limpe o setor de vendas e faça a contagem das mercadorias disponíveis. Alegou, outrossim, que o contato telefônico com clientes não era atividade obrigatória e o empregado que optava por realizá-la tinha, como contraprestação, o acúmulo de pontos a serem trocados por produtos da loja.

                Da prova testemunhal (Id 1fb74e8), depreende-se que a reclamante, com efeito, tinha por atribuições limpar o setor de vendas, conferir o estoque de mercadorias, operar o caixa e fazer o mínimo de 160 ligações mensais a clientes, sem receber nenhum pagamento além das comissões estabelecidas no contrato.

                Em audiência, a testemunha Rafaela Miranda Santos, ouvida a rogo da reclamante, relatou que:

 

                "como vendedora a reclamante também limpava o seu setor, contava estoque e também fazia caixa; que tinha caixa no segundo piso; que tinha faxineira na loja; [...] que os vendedores tinham que ligar para os clientes para convidá-los a ir à loja e conferir ofertas; que havia uma meta de 160 ligações por mês e o vendedor que não conseguir atingir essa meta teria que ficar no final do mês fazendo ligações para atingir a meta; que isso acontecia também com a reclamante e a própria depoente; que a empresa não pagava quebra de caixa; que a reclamante já teve pagar quebra de caixa"

 

                Em seguida, Welinton Gomes da Silva, ouvido a rogo da reclamada, afirmou que:

 

                "que o vendedor tinha que limpar apenas o seu setor; que o vendedor fazia ligações telemarketing de uma lista de clientes, para convidar clientes para irem à loja; que isso era feito durante o expediente; que quando não tinha clientes para atender, fazia ligações para clientes virem à loja; [...] que havia meta de telemarketing de 160 ligações por mês; que no setor de vendas tem um caixa específico para receber venda com cartão, o que podia acontecer com vendedores; que na época podia receber também vendas em dinheiro nesse caixa e hoje esta possibilidade não existe mais; que não recebia quebra de caixa"

 

                Como visto, a faxina da loja era feita por empregado contratado para esse fim, ficando reservada à reclamante a função de limpar seu próprio setor de trabalho e organizar a mercadoria, o que, ao contrário do que afirma a recorrente, é atividade compatível com a natureza do cargo de vendedora, sem o condão de gerar desequilíbrio contratual em desfavor da empregada ou de configurar acúmulo de função.

                Por outro lado, segundo as testemunhas, a atividade de telemarketing era imposta aos vendedores, inclusive mediante a fixação de metas de ligações mensais, e aqui tenho que não se pode considerar que a realização de chamadas telefônicas a clientes seja inerente ao cargo de vendedora, mormente quando se trata de empregada remunerada apenas por comissões decorrentes das vendas concretizadas, como era o caso da autora.

                É certo que, durante a realização de atividades alheias ao contrato, a reclamante não percebia qualquer remuneração, pois estava impossibilitada de concretizar vendas. Sob esse aspecto, portanto, entendo caracterizado o acúmulo de funções.

                Destarte, por aplicação analógica do artigo 8º da Lei 3.207/57, a autora faz jus ao pagamento do adicional por acúmulo de função equivalente a 1/10 da remuneração mensal percebida, com reflexos em 13ºs salários, férias + 1/3, aviso prévio indenizado e FGTS + 40%.

                Provimento parcial.

 

                HORAS EXTRAS

                A reclamante afirma que os controles de ponto e o depoimento da testemunha constituem prova exaustiva da ocorrência de horas extras, as quais não chegaram a ser pagas, tampouco compensadas.

                Ao exame.

                Em audiência (Id 1fb74e8), ambas as testemunhas reconheceram a ocorrência de vários dias em que a reclamante, como vendedora, precisava antecipar sua chegada e de outros em que era necessário postergar sua saída.

                Os depoimentos se contradizem, no entanto, quanto à fidedignidade dos controles de jornada. Segundo Rafaela Miranda Santos, ouvida a rogo da autora, o labor em sobrejornada não podia ser registrado nos controles de ponto. Já Welinton Gomes da Silva, ouvido a rogo da reclamada, afirmou que as folhas de ponto consignam todos os horários verdadeiramente trabalhados.

                Estando dividida a prova testemunhal, verifica-se que os demais elementos probatórios corroboram a tese da defesa. As folhas de ponto colacionadas pela ré (Id 6fe57e0) apresentam marcações absolutamente variáveis e dignas de fé, inclusive com os registros de diversas ocasiões de labor sobrejornada.

                Ademais, os contracheques (Id 7dc6750) apresentam diversos valores pagos a título de horas extras e a autora não logrou demonstrar, sequer por amostragem, a existência de diferenças em seu favor. Por último, laudos periciais produzidos em outras demandas aferem a idoneidade dos registros eletrônicos de ponto na reclamada (Id 308167d, f73859d).

                Sendo esse o conteúdo do conjunto probatório, não há fundamento para se reformar a decisão de improcedência do pedido de horas extras.

                Nego provimento.

 

                LANCHE

                A reclamante afirma que, uma vez comprovado o labor em sobrejornada, faz jus ao lanche às expensas da reclamada.

                Ao exame.

                Na conformidade do que estabelece a norma coletiva, "os empregadores ficam obrigados a fornecer lanche gratuito a seus empregados quando em trabalho extraordinário" (cláusula 22ª, CCT 2014/2015, Id 7825fa9).

                Segundo o exposto no item anterior, conquanto o pedido de horas extras seja improcedente, não há dúvida de que a autora cumpriu sobrejornada por diversas ocasiões, tendo recebido o pagamento correspondente ao labor extraordinário.

                A reclamada, entretanto, não comprovou ter fornecido o lanche de que trata a cláusula coletiva. Por essa razão, a reclamante faz jus à indenização do benefício, ora arbitrada em R$5,00 por dia de trabalho em que, com base nos cartões de ponto, constate-se a ocorrência de trabalho extraordinário.

                Provimento parcial.

 

                DISPENSA DISCRIMINATÓRIA

                A reclamante alega ter sido dispensada em razão de seu estado de saúde, que, no último mês de trabalho, forçou a obreira a faltar ao serviço por algumas vezes e fez cair seu rendimento. Sob esse fundamento, afirma ter sido discriminada e pede o pagamento de indenização por danos morais.

                Ao exame.

                Por falta de lei complementar que regulamente com seriedade o artigo 7º, inciso I, da CR/88 (relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa), ainda vigora, no ordenamento justrabalhista, o direito potestativo de resilição contratual, podendo o empregador dispensar o empregado sem que precise justificar sua decisão.

                Esse poder patronal, porém, não é ilimitado, pois deve ser exercido dentro dos contornos impostos por princípios basilares da ordem constitucional vigente, como a igualdade, a dignidade humana e os valores sociais do trabalho (artigos 1º, incisos III e IV, 3º, inciso IV, e 5º, caput e incisos I e XLI, da CR/88), bem como a valorização do trabalho humano e a função social da propriedade como fundamento e princípio da ordem econômica e aspectos reguladores da livre iniciativa (artigo 170, caput e inciso III, da CR/88).

                Atentar contra tais princípios, ainda que no exercício de um direito assegurado legalmente, configura abuso de direito e infirma de ilicitude o ato, na forma do artigo 187 do CC:

 

                "Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes."

 

                No caso em apreço, ambas as testemunhas (Id 1fb74e8) declararam que a reclamante foi dispensada porque não vinha cumprindo as metas impostas pela empregadora e que a queda da produtividade da obreira deveu-se à debilidade do seu estado de saúde, o que era de conhecimento da reclamada.

                Foi o que afirmou a testemunha Welinton Gomes da Silva, ouvido a rogo da ré:

 

                "que a reclamante foi dispensada devido à resultado, pois não estava atingindo meta; que antes da reclamante ser dispensada, ao que sabe, a mesma estava com sinais de doença e que o depoente acredita ser por causa de diabetes; que quando o vendedor não bate meta, já começava a se especular entre os vendedores se o mesmo iria continuar ou não; que se passasse 03 meses sem atingir resultados, a cobrança se torna maior e o funcionário pode ser mandado embora"

 

                No mesmo sentido, o depoimento da testemunha Rafaela Miranda Santos, verbis:

 

                "que no último mês da demissão da reclamante, esta descobriu que estava com diabetes e precisou faltar com atestado médico; que na demissão foi alegado que a reclamante não tinha atingido a sua meta do último mês, mas em verdade ao que sabe a reclamante no último mês estava de licença e, ao que sabe, a reclamante sempre cumpria suas metas"

 

                Não se discute a ocorrência de doença do trabalho ou doença profissional, tampouco se pleiteia a garantia provisória de emprego de que trata a norma previdenciária (artigo 118 da Lei 8.213/91). O pedido se fundamenta no exercício evidentemente abusivo do direito de resilição: a reclamada, sabedora de que a reclamante acabara de ser diagnosticada diabética, não apenas manteve a imposição de metas a essa trabalhadora com saúde debilitada, como também a dispensou por não cumprir tais metas.

                A teor da Súmula 443 do TST, presume-se discriminatória a despedida de empregado portador de doença grave que suscite estigma ou preconceito, nos seguintes termos:

 

                "SUM-443 DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. PRESUNÇÃO. EMPREGADO PORTADOR DE DOENÇA GRAVE. ESTIGMA OU PRECONCEITO. DIREITO À REINTEGRAÇÃO - Res. 185/2012, DEJT divulgado em 25, 26 e 27.09.2012

                Presume-se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito. Inválido o ato, o empregado tem direito à reintegração no emprego.

 

                Com efeito, a dispensa da empregada doente deve ser reputada discriminatória e abusiva, porque contrária aos princípios fundamentais acima elencados (dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho, valorização do trabalho humano e função social da propriedade).

                É preciso considerar que a reclamada acabou por excluir a reclamante do mercado de trabalho no momento em que mais necessitava de proteção à saúde, por ser portadora de doença, diabete, considerada no meio médico grave e determinante no desencadear de várias outras moléstias, mormente as de cunho emocional dentre as quais a relevante e preocupante depressão, recentemente reconhecida como causa determinante da elevação dos índices de suicídio, o que demonstra e ratifica a conclusão de que corretamente se incluiu entre as que alude a mencionada súmula 443/TST.

                Observe-se que não se trata de reconhecimento de contrato de trabalho ad eternum ou de se desconsiderar o direito potestativo da empregadora de pôr termo ao contrato de trabalho, mas da irregularidade da dispensa de empregada doente, haja vista, repita-se, o princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e o princípio dos valores sociais do trabalho.

                Nesse contexto, são indubitáveis o abalo psíquico e a ofensa à honra da reclamante, o que impõe o reconhecimento do dano moral in re ipsa.

                No que se refere ao quantum indenizatório, é cediço que o dano moral não tem valor definido e sua reparação deve ser estabelecida conforme o prudente arbítrio do juízo, seguindo os ditames da razoabilidade e da moderação. É preciso considerar a extensão do dano, a intensidade da culpa do agente e a condição econômica das partes, além da função pedagógica da condenação. Com base nesses critérios, fixo a indenização em R$ 10.000,00 (dez mil reais).

                Provimento parcial.

 

                Conclusão do recurso

                Conheço do recurso ordinário da reclamante. No mérito, dou-lhe parcial provimento, para acrescer à condenação o pagamento de: a) adicional por acúmulo de funções, equivalente a 1/10 da remuneração mensal percebida, com reflexos em 13ºs salários, férias + 1/3, aviso prévio indenizado e FGTS + 40%; b) indenização pelo lanche não concedido durante a relação de emprego, ora arbitrada em R$ 5,00 por dia de trabalho em que, com base nos cartões de ponto, constate-se a ocorrência de trabalho extraordinário; c) indenização por danos morais pela dispensa abusiva, ora arbitrada em R$ 10.000,00. Em decorrência, majoro o valor da condenação em R$ 15.000,00, devendo a reclamada arcar com custas complementares de R$ 300,00.

 

                Acórdão

                Fundamentos pelos quais

                O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em sessão ordinária da sua Sétima Turma, hoje realizada, sob a presidência do Exmo. Desembargador Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto, presente o Exmo. Procurador Arlélio de Carvalho Lage, representante do Ministério Público do Trabalho, computados os votos da Exma. Juíza convocada Sabrina de Faria Froes Leão (substituindo o Exmo. Des. Marcelo Lamego Pertence) e do Exmo. Des. Fernando Luiz Gonçalves Rios Neto, JULGOU o presente processo e, unanimemente, conheceu do recurso ordinário da reclamante. No mérito, sem divergência, deu-lhe parcial provimento, para acrescer à condenação o pagamento de: a) adicional por acúmulo de funções, equivalente a 1/10 da remuneração mensal percebida, com reflexos em 13ºs salários, férias + 1/3, aviso prévio indenizado e FGTS + 40%; b) indenização pelo lanche não concedido durante a relação de emprego, arbitrada em R$ 5,00 por dia de trabalho em que, com base nos cartões de ponto, constate-se a ocorrência de trabalho extraordinário; c) indenização por danos morais pela dispensa abusiva, ora arbitrada em R$ 10.000,00. Em decorrência, majorou o valor da condenação em R$ 15.000,00, devendo a reclamada arcar com custas complementares de R$ 300,00.

                Belo Horizonte, 6 de outubro de 2016.

 

PAULO ROBERTO DE CASTRO

Relator

 

(TRT/3ª R./ART., Pje, 07.10.2016)

 

BOLT8228---WIN/INTER

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