REEXAME NECESSÁRIO - AÇÃO COMINATÓRIA DE OBRIGAÇÃO DE FAZER - DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO - ESCOLA PÚBLICA MUNICIPAL - MATRÍCULA DA CRIANÇA - INSTITUIÇÃO DE ENSINO MAIS PRÓXIMA DA RESIDÊNCIA - PREVISÃO CONSTITUCIONAL - OBRIGAÇÃO ATRIBUÍDA AO PODER PÚBLICO MUNICIPAL - INJURIDICIDADE DA OMISSÃO DO MUNICÍPIO - MANUTENÇÃO DO 'DECISUM' DE PRIMEIRO GRAU - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF37599 - BEAP

 

 

                1. O atendimento em escola às crianças de 04 (quatro) a 17 (dezessete) anos constitui dever constitucionalmente atribuído ao Estado.

                2. O art. 4º, inc. X, da Lei Federal nº 9.394/96, com a redação dada pela Lei Federal nº 11.700/2008, garante a vaga do aluno do ensino fundamental na escola pública "mais próxima de sua residência"

                3. É cabível a fixação de multa diária em face da Fazenda Pública em sede de cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, nos termos do § 1º do art. 536 do CPC/15 e da posição firmada pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp 1.474.665-RS, julgado sob a sistemática de recursos repetitivos.

 

REMESSA NECESSÁRIA-CV Nº 1.0024.16.104965-5/001 - Comarca de ...

 

Remetente: Juiz de Direito da Vara Cível da Infância e da Juventude da Comarca de ...

Autor: ... Representado P/ MÃE ...

Ré: Município ...

Interessado: ...

 

A C Ó R D Ã O

 

                Vistos etc., acorda, em Turma, a 1ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em CONFIRMAR A SENTENÇA, EM REEXAME NECESSÁRIO.

 

DES. EDGARD PENNA AMORIM

Relator

 

V O T O

 

                Trata-se de ação cominatória de obrigação de fazer movida por ..., representado por sua genitora ..., em face do MUNICÍPIO DE ...E a fim de compelir o requerido a providenciar a matrícula do menor na Escola Municipal Wladimir de Paula Gomes, instituição de ensino mais próxima à sua residência, para que ele possa cursar o 6º (sexto) ano do ensino fundamental.

                Adoto o relatório da sentença (fls. 51/57), por correto, e acrescento que o i. Juiz da Vara Cível da Infância e da Juventude da Comarca de ..., ..., julgou procedente o pedido, para confirmar a liminar de f. 19/24 e determinar que o MUNICÍPIO DE ... efetive a matricula do menor ... no 6ª (sexto) ano do fundamental na Escola Municipal .... Fixou que, em caso de superlotação da referida escola, a matrícula deverá ser efetuada em outra instituição de ensino, mais próxima da residência do menor ou do local de trabalho de seus genitores. Caso não haja vaga em escola municipal que atenda as características descritas, o MUNICÍPIO deverá matricular o requerente em outra escola e arcar com os custos do deslocamento, sob pena de multa diária fixada no valor de R$ 100,00 (cem reais), limitada à quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

                Sem interposição de recurso voluntário, os autos subiram a este eg. Tribunal de Justiça.

                Parecer da d. Procuradoria-Geral de Justiça às fls. 67/74, da lavra do i.

                Procurador JARBAS SOARES JÚNIOR, pela manutenção da sentença.

                Conheço da remessa necessária, presentes os pressupostos de admissibilidade.

                A questão submetida a este juízo está em saber se o MUNICÍPIO DE ... está obrigado a proceder a matrícula do menor - nascido em 30.04.2005 (f. 10) - na escola mais próxima à sua residência, conforme requerido na petição inicial de fls. 02/07.

                Sabe-se que a efetivação da garantia de atendimento em escola às crianças de 04 (quatro) a 17 (dezessete) anos constitui dever constitucionalmente atribuído ao ESTADO, nos seguintes termos:

 

                Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

 

                Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

                I - educação básica obrigatória e gratuita dos 04 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;

                II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; (...)

                § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.

                § 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente.

                § 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela frequência à escola. (Sublinhas deste voto.).

 

                Por sua vez, no plano infraconstitucional, a Lei nº 9.394/96 (Lei das Diretrizes e Bases da Educação Nacional) e o art. 54, inc. IV, da Lei nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) também impõem ao Poder Público o dever de viabilizar o acesso de crianças e adolescentes à educação básica, ademais de o art. 4º, inc. X, daquele primeiro diploma legal, com a redação dada pela Lei Federal nº 11.700/2008, garantir a vaga do aluno do ensino fundamental na escola pública "mais próxima de sua residência", "in verbis":

 

                Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: (...)

                X - vaga na escola pública de educação infantil ou de ensino fundamental mais próxima de sua residência a toda criança a partir do dia em que completar 4 (quatro) anos de idade.

 

                Conquanto a educação básica e o ensino fundamental de fato não se confundam, convenço-me, a partir da transcrição dos dispositivos acima, que ambas constituem dever do Poder Público e, no caso do segundo, obrigação prioritariamente atribuída ao MUNICÍPIO DE ... (art. 211, § 2º, da CR e art. 11, inc. V da Lei Federal nº 9.394/96), a quem incumbe efetivar aquele direito assegurado no ordenamento constitucional com a máxima prioridade, sob pena de incorrer em injurídica omissão.

                Quanto à alegação do MUNICÍPIO DE ... de que inexistem vagas na instituição de ensino requerida pelo autor, deve ser asseverado que nos autos não há qualquer prova apta a confirmar a referida informação.

                Registre-se, ainda, que a pretensão submetida à apreciação judicial por meio da presente ação não busca a implementação da política pública de educação pelo MUNICÍPIO - o que dependeria da observância dos limites da separação dos poderes, especialmente quanto à competência de organização e de alocação de recursos pelo Executivo -, senão colima a inclusão do menor no sistema de ensino já implantado no âmbito local.

                Desta forma, tem-se que o direito à matrícula do menor em estabelecimento de educação infantil próximo à sua residência é subjetivo e decorre de imperativo constitucional.

                Assim, não vejo como afastar o reconhecimento deste direito ao requerente, sobretudo, porque o dispositivo da sentença, apesar de priorizar a instituição de ensino requerida na inicial, não limitou a efetivação da matrícula a esta, nos seguintes termos:

 

                ANTE AO EXPOSTO, julgo procedente o pedido inicial, para consolidar a tutela antecipada e para determinar, como determino ao Município de Belo horizonte que efetive a matrícula da criança abaixo referida no 6º ano do ENSINO FUNDAMENTAL, Na Escola Municipal infra especificada, no horário indicado.

                No caso de superlotação da ESCOLA referida acima, o Município de Belo Horizonte deverá providenciar a matrícula da criança em outra ESCOLA MUNICIPAL, mais próxima da residência da família da criança ou do local de trabalho dos genitores. Não havendo vaga em ESCOLA MUNICIPAL nestas condições, deverá o Município de Belo Horizonte providenciar a matrícula da criança em outra ESCOLA MUNICIPAL arcando com os custos do deslocamento. ("Sic" f. 56)

 

                Ou seja, ressalvou-se a possibilidade de matricular o demandante em escola diversa da primeiramente apontada, elegendo como critério para definição da instituição de ingresso aquilo que o legislador lhe foi conferiu a título de direito subjetivo - a matrícula na instituição de ensino mais próxima à sua residência - o que nada espelha senão a previsão contida no art. 4º, inc. X, da Lei Federal nº 9.394/96, já transcrito acima e, por isso, a condenação proferida pelo i. Juiz "a quo" atende ao comando constitucional, sem malferir o princípio da isonomia.

                Ainda, destaque-se é cabível a fixação de multa pecuniária em face do Poder Público, nos termos do § 1º do art. 536 do CPC/15.

                Neste diapasão, o indigitado entendimento foi veiculado também no Informativo nº 606, de 2 de agosto de 2017, do col. Superior Tribunal de Justiça, que traz a posição firmada no REsp nº 1.474.665-RS, julgado sob a sistemática de recursos repetitivos, nos seguintes termos:

 

                A questão posta em debate restringe-se a examinar a possibilidade de ser imposta multa diária cominatória (astreintes), a ente estatal, nos casos de descumprimento da obrigação de fornecer medicamentos. Inicialmente, observa-se que a problemática acerca da efetivação dos provimentos judiciais que impunham o cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer sempre foi notória, porque dependiam da colaboração espontânea do devedor. Diante disso, viu-se obrigado o legislador a criar mecanismos que pudessem conjurar essa impropriedade, a exemplo do art. 84 do Código de Defesa do Consumidor e posteriormente o art. 461 do Código de Processo Civil de 1973. Nesse caminho, a expressão "tais como", constante do § 5º do art. 461 do CPC/1973 é exemplificativa e garante ao magistrado poder para decidir sobre qual medida irá se valer para o cumprimento da decisão exarada por si. Trata-se do "poder geral de efetivação", concedido ao juiz para dotar de efetividade as suas decisões. Sob esse enfoque, a função das astreintes é justamente no sentido de superar a recalcitrância do devedor em cumprir a obrigação de fazer ou de não fazer que lhe é imposta, incidindo esse ônus a partir da ciência do obrigado e da sua negativa de adimplir a obrigação voluntariamente. E a particularidade de impor obrigação de fazer ou de não fazer à Fazenda Pública não ostenta a propriedade de mitigar, em caso de descumprimento, a sanção de pagar multa diária, conforme prescreve o § 5º do art. 461 do CPC/1973. Nesse ponto, convém alertar que, em se tratando do direito à saúde, com maior razão deve ser aplicado, em desfavor do ente público recalcitrante, o preceito cominatório, sob pena de ser subvertida garantia fundamental. Em outras palavras, é o direito-meio que assegura o bem maior: a vida. Diante disso, a jurisprudência desta Corte, em reiterados precedentes, admite a imposição de multa cominatória (astreintes), ex officio ou a requerimento da parte, a fim de compelir o devedor a adimplir a obrigação de fazer, não importando que esse devedor seja a Fazenda Pública. (STJ, REsp 1.474.665-RS, Rel. Min. BENEDITO GONÇALVES, Primeira Seção, por unanimidade, julgado em 26.4.2017, DJe 22.6.2017. Tema 98)

 

                Quanto ao valor arbitrado, não considero desarrazoado o valor de R$100,00 (duzentos reais) em que foi fixada a multa diária, razão pela qual deve ser por ora mantida, sem prejuízo da possibilidade de que este montante seja revisto pelo juiz ao longo do cumprimento de sentença, conforme permissivo do § 1º, do art. 537, do CPC/15.

                Ao exposto, em reexame necessário, confirmo a sentença.

                Custas, na forma da lei.

                DES. ARMANDO FREIRE (PRIMEIRO VOGAL) - De acordo com o Relator.

                DES. ALBERTO VILAS BOAS (SEGUNDO VOGAL) - De acordo com o Relator.

 

Súmula - "EM REEXAME NECESSÁRIO, CONFIRMARAM A SENTENÇA"

 

 

BOCO9655---WIN/INTER

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