REEXAME NECESSÁRIO/APELAÇÃO CÍVEL - MANDADO DE SEGURANÇA - BHTRANS - LICITAÇÃO - CONCORRÊNCIA PÚBLICA - EXCESSO DE FORMALISMO - ATO ILEGAL - DIREITO LÍQUIDO E CERTO - RECONHECIMENTO - SENTENÇA MANTIDA - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF37619 - BEAP

 

 

-              Revela-se ilegal e abusivo o ato de exclusão de licitante em concorrência pública, fundamentado em formalismo exacerbado, consistente na exigência de autenticação de documento de autoria da própria gestora do certame, impondo-se reconhecer a existência de direito líquido e certo à reintegração do impetrante ao processo licitatório, sob pena de ofensa ao princípio da razoabilidade e de prejuízo ao próprio interesse público envolvido, haja vista o objetivo de avaliação da melhor proposta apresentada.

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.12.292733-8/001 - Comarca ...

 

Apelante(s): ...

Apelado(a)(s): ...

Autorid Coatora: ...

 

A C Ó R D Ã O

 

                Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, à unanimidade, em CONFIRMAR A SENTENÇA EM REEXAME NECESSÁRIO, E JULGAR PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO.

 

DESA. HILDA MARIA PÔRTO DE PAULA TEIXEIRA DA COSTA

Relatora

 

V O T O

 

                Trata-se de mandado de segurança, com pedido liminar, impetrado por Antônio Lima dos Santos em face do Diretor Presidente da BHTRANS Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte, Ramon Victor César, pleiteando que a autoridade apontada como coatora reconheça que o impetrante foi classificado na primeira fase da concorrência pública, versada no edital nº 02/2012, contando com 28 (vinte e oito) pontos.

                Sustenta o impetrante, em suma, que foi desclassificado no processo administrativo nº 02/2012, referente à Permissão do Serviço de Transporte por Táxi de Belo Horizonte, porque supostamente teria deixado de reconhecer firma em documento comprobatório de sua experiência profissional, o qual foi emitido pelo próprio impetrado.

                Aduz que a proposta por ele apresentada atingiu a pontuação máxima prevista no edital do certame, qual seja, 28 (vinte e oito) pontos, devendo prevalecer a presunção de legitimidade e veracidade do documento público apresentado.

                Com a inicial vieram os documentos de fls. 17-265.

                Pela decisão de fls. 266-270, foi deferido o pedido liminar formulado na inicial, para permitir "que o impetrante participe da próxima fase da Concorrência Pública nº 02/2012".

                Notificada, a autoridade coatora prestou suas informações às fls. 275-285, alegando, preliminarmente, descabimento da via processual eleita, em razão da impossibilidade de dilação probatória, bem como a necessidade de formação de litisconsórcio necessário em relação aos demais licitantes. No mérito, sustentou, em suma, que a desclassificação do impetrante se deu de forma legítima, porquanto as regras estabelecidas para o certame não foram atendidas. Juntou os documentos de fls. 289-337.

                Em parecer de fls. 338-343, o Ministério Público opinou pela denegação da ordem.

                A douta Juíza singular, Luzia Divina de Paula Peixoto, em seu decisum de fls. 344-347, concedeu a segurança requerida, para "declarar nulo o ato que desclassificou o impetrante em razão da ausência de reconhecimento de firma no documento apresentado nos termos do item 11.3, alínea 'd' do Edital nº 02/2012".

                Inconformada, a BHTRANS Empresa de Transportes e Trânsito de Belo Horizonte interpôs recurso de apelação (fls. 348-357), alegando, em resumo, que "o Poder Público Municipal possui inegável poder de regulamentar, fiscalizar e definir as normas obrigatórias dos contratos de permissão de serviços públicos a ele inerentes".

                Sustenta que "o próprio apelado/impetrante confirmou que deixou de reconhecer firma no documento comprobatório de sua experiência profissional como condutor de táxi durante a fase de apresentação das propostas técnicas vinculadas à CP nº 02/2012".

                Afirma que "não seria legítimo, nem tampouco justo que o ora apelado, que teve conhecimento das regras editalícias e concordou com as mesmas, seja agora 'reinserido' na CC 02/2012, na fase final do certame, sem que tenha sido sorteado dentre os licitantes previamente classificados pela BHTRANS".

                Preparo recursal à fl. 358.

                Não houve oferecimento de contrarrazões (fl. 359-v).

                A douta Procuradoria-Geral de Justiça, em parecer da lavra da ilustre Procuradora, Eliane Falcão, opinou pela manutenção da sentença, em reexame necessário, julgando-se prejudicando o recurso voluntário.

                É o relatório.

                Em juízo de admissibilidade, não obstante a douta Juíza sentenciante não tenha determinado a remessa necessária deste feito, verificando que a sentença concedeu a segurança requerida, impõe-se a submissão desta, de ofício, ao duplo grau de jurisdição, nos termos do §1º do art. 14 da Lei nº 12.016/2009.

                Presentes os pressupostos de admissibilidade, conheço da remessa necessária e do recurso voluntário.

                Conforme preceitua o art. 1º, da Lei nº 12.016/09:

 

                "Art. 1º. Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça."

 

                Neste ínterim, enquanto para as ações em geral a existência da vontade de lei para o direito alegado é uma condição para sentença favorável, no mandado de segurança, isto é insuficiente, pois é preciso não só a existência do direito alegado, mas também é necessário que ele seja líquido e certo.

 

                Segundo leciona Hely Lopes Meirelles:

 

                "Direito líquido e certo é o que se apresenta manifesto na sua existência, delimitado na sua extensão e apto a ser exercitado no momento da impetração. Por outras palavras, o direito para ser amparável por mandado de segurança, há de vir expresso em norma legal e trazer em si todos os requisitos e condições de sua aplicação ao impetrante: se sua existência for duvidosa; se sua extensão ainda não estiver delimitada; se seu exercício depender de situações e fatos ainda indeterminados, não rende ensejo à segurança, embora possa ser defendido por outros meios judiciais". (Mandado de Segurança, São Paulo: Malheiros Editores, p. 35)

 

                Na verdade, direito líquido e certo é o que resulta de fato certo, de si mesmo concludente, inconcusso, que não desperte dúvidas, isento de obscuridade, que não reclame produção ou cotejo de provas. "O direito que depende de dilação probatória está excluído do âmbito do "writ" (RSTJ - 110/142). Em outras palavras, a questão duvidosa de fato não enseja o mandado de segurança, que exige "prova pré-constituída das situações e fatos que embasam o direito invocado pelo impetrante" (ob. e Autor citados, pág. 37).

                No caso em análise, o cabimento do presente mandado de segurança é evidente, restando encartada nos autos a prova necessária à compreensão do feito, não havendo que se falar na necessidade de dilação probatória.

                Por outro lado, a alegada necessidade de formação de litisconsórcio passivo entre todos os participantes da licitação também não tem cabimento, haja vista que, como bem observou a douta Procuradora Justiça em seu parecer, enquanto não proclamado o vencedor do certame, o retorno do impetrante à competição não implica em qualquer reflexo desfavorável aos demais licitantes.

                Assim, impõe-se a rejeição das preliminares suscitadas nas informações de fls. 275-285.

                Quanto ao mérito, depois de compulsar detidamente os documentos colacionados aos autos, verifico que o impetrante logrou comprovar a existência de ato ilegal por parte da autoridade apontada como coatora, bem como o direito líquido e certo a ser protegido pela via do mandado de segurança.

                Com efeito, verifica-se que a pretensa irregularidade na apresentação dos documentos pelo impetrante, a toda evidência, não compromete sua identificação, tampouco prejudica a análise da veracidade do que foi apresentado, haja vista se tratar de documento emitido pela própria autoridade impetrada.

                Estabelece o edital do certame, em seu item 11.3, alínea "d", a seguinte exigência:

 

                "comprovação de tempo de experiência como condutor de táxi (em anos completos - 365 dias) por meio de cópia autenticada da Carteira de Trabalho ou certidão(ões) com firma(s) reconhecida(s), da autoridade pública responsável pela gestão do Transporte" (fl. 110).

 

                No caso em análise, o autor cuidou de apresentar o referido documento, mas, por um equívoco, reconheceu a firma em seu original (fl. 28), apresentando com sua proposta técnica uma cópia que não continha igual reconhecimento de firma (fl. 25).

                A certificação da veracidade do conteúdo do referido documento, contudo, era de fácil constatação pela ora apelante, haja vista se tratar e declaração prestada pela própria BHTRANS, através de seu "Supervisor das Permissões de Táxi e Escolar".

                Ressalte-se que, em momento algum, foi questionado o teor do documento apresentado pelo impetrante, limitando-se à ora apelante a se ater ao formalismo exacerbado da regra estabelecida no edital.

                Ademais, há que se destacar que a permanência do impetrante no certame não resultou qualquer prejuízo, sobretudo à BHTRANS, que, como bem observou a douta Procuradora de Justiça em seu parecer, viu ampliado o número de participantes no processo licitatório, em atenção ao interesse público envolvido.

                Em casos semelhantes, já decidiu este eg. Tribunal:

               

                "MANDADO DE SEGURANÇA - INABILITAÇÃO DE EMPRESA LICITANTE - RECUSA DE BALANÇO PATRIMONIAL SEM RECONHECIMENTO DE FIRMA DO CONTADOR QUE O SUBSCREVEU - ATO ILEGAL E ABUSIVO - SENTENÇA CONFIRMADA, NO REEXAME NECESSÁRIO. - O mandado de segurança consubstancia remédio de natureza constitucional destinado a proteger direito líquido e certo contra ato ilegal ou abusivo de poder emanado de autoridade pública. - O rigor excessivo no sentido de desqualificar a empresa impetrante por apresentar balanço patrimonial sem o reconhecimento da firma do contador que o subscreveu não se justifica, quando ausente a demonstração imediata de irregularidades quanto ao teor daquele documento, que estava devidamente registrado na JUCEMG, configurando-se a ilegalidade de sua inabilitação, com prejuízo para a finalidade última do procedimento licitatório, a saber, incremento da competição com a escolha da melhor proposta, segundo o interesse público.

                - Sentença confirmada, no reexame necessário. (Reexame Necessário-Cv 1.0074.08.043041-1/001, Relator(a): Des.(a) Eduardo Andrade, 1ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 14.07.2009, publicação da súmula em 24.07.2009) (Destaquei);

 

                "EMENTA: DIREITO ADMINISTRATIVO - APELAÇÃO CÍVEL/REEXAME NECESSÁRIO - MANDADO DE SEGURANÇA - LICITAÇÃO - DESCLASSIFICAÇÃO DE PROPOSTA - VÍCIO FORMAL - FORMALISMO EXACERBADO - PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE - Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam.

                - Na busca da preservação do interesse público no procedimento licitatório, o descumprimento a qualquer exigência formal, certas vezes, por sua irrelevância, deve ser temperado pelo princípio da razoabilidade e bom senso, repudiando-se formalismos exacerbados.- Demonstrado o direito líquido e certo da impetrante (empresa licitante inabilitada), na medida em que o formalismo excessivo na desclassificação da sua proposta por vício formal (erro material) não é consentâneo com o princípio da razoabilidade. Por consequência, a concessão da ordem para determinar seu prosseguimento no processo licitatório, em igualdade com os demais licitantes, é medida que se impõe. - Sentença confirmada. Recurso prejudicado. (Reexame Necessário-Cv 1.0216.11.007938-3/002, Relator(a): Des.(a) Heloisa Combat, 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 08.08.2013, publicação da súmula em 14.08.2013) (Destaquei).

 

                Dessa forma, constando-se que o licitante foi injustamente excluído do processo em razão de formalismo exacerbado, consistente na exigência de autenticação de documento de autoria da própria gestora do certame, há que se reconhecer a existência de direito líquido e certo à reintegração daquele ao certame, sob pena de ofensa ao princípio da razoabilidade e de prejuízo ao próprio interesse público envolvido, haja vista o objetivo de avaliação da melhor proposta apresentada.

                Em face do exposto, em reexame necessário, confirmo a sentença, e julgo prejudicado o recurso voluntário.

                DES. AFRÂNIO VILELA (REVISOR) - De acordo com o(a) Relator(a).

                DES. MARCELO RODRIGUES - De acordo com o(a) Relator(a).

 

Súmula - "CONFIRMARAM A SENTENÇA EM REEXAME NECESSÁRIO, E JULGARAM PREJUDICADO O RECURSO VOLUNTÁRIO"

 

 

BOCO9659---WIN/INTER

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