CONTRATO DE FRANQUIA - NULIDADE - RESPONSABILIDADE DA TOMADORA DOS SERVIÇOS - DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO - MEF37787 - LT

 

PROCESSO TRT/RO Nº 0010898-98.2015.5.03.0079

 

Recorrente: Telemar Norte Leste S/A

Recorrido: Jivago Cesar Sanches, Eng Telefonia Ltda - ME

 

E M E N T A

 

                CONTRATO DE FRANQUIA. NULIDADE. RESPONSABILIDADE DA TOMADORA DOS SERVIÇOS. O contrato de franquia é a modalidade de negócio por meio do qual o franqueador cede ao franqueado o direito de uso de sua marca comercial e o formato do negócio a ser explorado em troca de remuneração. Demonstrado, contudo, que a celebração desta espécie de contrato teve como único objetivo mascarar uma relação de terceirização de serviços, já que envolvia a transferência da execução de parte das atividades empresariais da franqueadora à empresa indigitada franqueada, deve ser reconhecida a nulidade do contrato de franquia, nos termos do art. 9º da CLT, com a consequente responsabilização da tomadora dos serviços.

 

RELATÓRIO

 

                Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, em que figuram como recorrente, TELEMAR NORTE LESTE S/A, e como recorridos, JIVAGO CÉSAR SANCHES e ENG TELEFONIA LTDA., proferiu-se o seguinte acórdão:

                O Exmº. Juiz Henoc Piva, titular da Vara do Trabalho de Varginha, por meio da r. sentença de ID daf900c, cujo relatório adoto e incorporo, pronunciou a prescrição parcial, extinguindo com resolução de mérito, nos termos do art. 487, II, do CPC/2015, as verbas com exigibilidade anterior a 30/07/2010, e julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados por Jivago César Sanches em face de ENG Telefonia Ltda. e Telemar Norte Leste S/A para condenar as reclamadas, a segunda de forma subsidiária, ao pagamento das verbas descritas no dispositivo de Págs. 9/11 (ID daf900c).

                Embargos de declaração aviados pela primeira reclamada (ENG Telefonia) de ID 6eea9a9, conhecidos e julgados improcedentes (decisão de ID 4fd9807).

                A segunda reclamada (Telemar) interpõe recurso ordinário de ID ceeb1ac. Insurge-se em relação aos seguintes tópicos da sentença: a) carência da ação; b) ilegitimidade passiva; c) responsabilidade subsidiária; d) verbas rescisórias; e) comissões retidas; e f) honorários assistenciais.

                Juntou comprovante de pagamento do depósito recursal e do recolhimento das custas processuais (IDs 06b0c6e e 84d7ad2).

                Contrarrazões pelo reclamante (ID 20c50e2), com preliminar de não conhecimento do recurso por estar a sentença em conformidade com Súmula do TST.

                Instrumentos de mandato coligidos aos autos pelo reclamante (ID 7c4594b) e pela segunda reclamada (ID edc34d1 e 59efcae).

                Dispensado o parecer do Ministério Público do Trabalho, porque ausente interesse público na solução da controvérsia.

 

                FUNDAMENTAÇÃO

                VOTO

                JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

                PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO ARGUIDA EM CONTRARRAZÕES PELO AUTOR PELA APLICAÇÃO DO ART. 932, iv, DO NCPC

                O autor suscita, em contrarrazões, preliminar de não conhecimento do recurso da segunda reclamada por confronto com a Súmula 331 do TST (ID 20c50e2 - Pág. 3). Alega, em suma, que a sentença está em conformidade com a jurisprudência do TST e o art. 932, IV, "a", do Código de Processo Civil de 2015, possibilita ao relator que negue seguimento a recurso em confronto com súmula do respectivo tribunal.

                Sem razão.

                O recurso interposto pela Telemar não se enquadra na hipótese autorizada pelo art. 932, IV, "a", do CPC/2015, aplicável ao processo do trabalho, porque trata de matéria fática que enseja a reapreciação das provas, envolvendo, ainda, controvérsia razoável em torno do direito a ser aplicado à espécie. Ademais, o referido dispositivo fala em negar provimento e não conhecimento ao recurso interposto.

                Rejeito.

                Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso ordinário interposto pela segunda reclamada (Telemar).

 

                JUÍZO DE MÉRITO

                CARÊNCIA DA AÇÃO/INÉPCIA DA INICIAL

                Aduz a reclamada Telemar que o autor não declinou nenhum fundamento fático ou jurídico em face dela recorrente, mormente porque não houve qualquer relação jurídica entre as partes. Argumenta que não é o caso de terceirização, mas de contrato de franquia com a ex-empregadora do reclamante.

                Analiso.

                De início, as alegações da recorrente nada tem a ver com as condições da ação, que inclusive foram extirpadas no Novo Código de Processo Civil, embora tenham permanecido o interesse de agir e a legitimidade como pressupostos da ação. A falta de fundamentos fáticos ou jurídicos do pedido se refere mais à inépcia do que à carência da ação.

                Pois bem, feito referido esclarecimento, não se pode olvidar que a informalidade é um dos princípios norteadores do processo do trabalho, não se aplicando aqui o rigor que impera no processo civil. Não se trata da extinção ou da desconsideração das formas e dos princípios processuais basilares, mas sim da eliminação dos exageros formalistas que dificultam o acesso à Justiça.

                Depreende-se da legislação trabalhista, mais precipuamente do art. 840, § 1º, da CLT, dispõe que basta uma breve exposição dos fatos e o pedido, desde que a narrativa da exordial permita uma compreensão razoável dos limites da demanda.

                No caso, o reclamante declinou na petição inicial que a recorrente se beneficiava diretamente dos serviços por ele prestados e, apesar de não ter se referido à terceirização, postulou a condenação subsidiária com fundamento na Súmula 331, IV, do TST (ID baaadc5 - Pág. 10/11), permitindo à segunda reclamada apresentação da defesa de forma ampla, como foi feito.

                Desse modo, não há qualquer impedimento para a análise do mérito da demanda, de modo que não procede o pedido de extinção do processo.

                Rejeito.

 

                ILEGITIMIDADE PASSIVA

                Argui a segunda reclamada sua ilegitimidade passiva, ao argumento de que firmou com a ex-empregadora do reclamante contrato de franquia baseado na venda de produtos e serviços tão somente. Assevera que os empregados da franqueada não possuem qualquer vínculo consigo, não havendo subordinação. Acrescenta que a única responsável pelas verbas pleiteadas é a primeira reclamada.

                É sabido que o direito de ação é autônomo e a legitimidade é examinada em abstrato, mesmo porque a relação jurídica processual é diversa da relação material. Assim, a simples indicação da recorrente para compor o polo passivo da demanda, é o que basta para legitimá-la para a causa por ser ela a titular dos interesses que se opõem aos do autor.

                Ademais, as questões eriçadas pela Telemar dizem respeito ao próprio direito material controvertido, não se situando, portanto, no campo da defesa indireta ao processo.

                Rejeito.

 

                CONTRATO DE FRANQUIA - TERCEIRIZAÇÃO

                A segunda reclamada se insurge contra a responsabilidade subsidiária que lhe foi imputada na decisão de primeiro grau, sob o argumento de que firmou com a primeira ré um contrato de franquia, de natureza meramente comercial. Acresce que as empresas possuem administrações distintas, sem qualquer ingerência de uma nos negócios da outra, pelo que não possui qualquer responsabilidade pelos encargos trabalhistas oriundos do contrato de trabalho mantido com o autor.

                O reclamante foi admitido pela primeira reclamada (ENG Telefonia) em 03.08.2009, para exercer as funções de consultor de vendas dos produtos e serviços da segunda reclamada (Telemar), sendo dispensado sem justa causa, mediante aviso prévio indenizado, em 10.07.2015 (CTPS, ID 6af28cd; Aviso Prévio, ID 0f53af4).

                O julgador primevo reconheceu a responsabilidade subsidiária da segunda reclamada, sob o fundamentos de que ficou "demonstrada nos autos a alegação inicial de que o reclamante trabalhou para a primeira reclamada, prestando serviços exclusivamente à segunda reclamada" (ID daf900c - Pág. 8).

                Percebe-se que em momento algum o julgador se referiu ao contrato de franquia ou ao seu desvirtuamento, pelo que se passa a analisar.

                O art. 2º da Lei 8.955/1994 define o contrato de franquia nos seguintes termos:

 

                "Art. 2º Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício."

                Nos termos do dispositivo legal acima transcrito, por meio do contrato de franquia, o franqueador cede ao franqueado o direito de uso de sua marca comercial e o formato do negócio a ser explorado em troca de remuneração.

                É inerente a esta espécie de negócio que o franqueado se obrigue a seguir determinadas orientações fixadas pelo franqueador relativas ao modelo de negócio, a fim de que se encaixe dentro dos padrões da marca explorada, o que pode incluir o treinamento dos empregados da empresa franqueada.

                Essas orientações devem se restringir, contudo, à formatação do negócio a ser desenvolvido, já que a padronização do espaço, "layout" e dos serviços prestados é essencial para a expansão da marca franqueada, o que leva ao sucesso do empreendimento de ambas as empresas envolvidas nesta relação jurídica, consistente em uma parceria comercial.

                No caso dos autos, verifica-se que a relação mantida entre as rés não se limitava a uma parceria para a exploração de determinada marca comercial.

                O que houve, em verdade, foi a transferência da segunda para a primeira reclamada da execução de parte de seus serviços, diretamente ligados ao objeto social da tomadora dos serviços, o que configura terceirização de mão de obra.

                Veja que o contrato de franquia (IDs 108997c, bc582fe, 4060d6c e d287c2e) estabelece que a franqueada desenvolverá "serviços de vendas, controle e cobertura de clientes, relacionamento com os clientes, atendimento pessoal a usuários e comercialização de produtos e/ou serviços autorizados pelas FRANQUEADORAS" (id 108997c - Pág. 6).

                O mesmo contrato prevê como obrigações da franqueada a utilização exclusiva das marcas franqueadoras e, ainda, a venda somente dos produtos e serviços das franqueadoras ou de seus parceiros credenciados, "atuando única e exclusivamente" nas operações descritas no contrato (alíneas g e ida cláusula sexta, 108997c - Pág. 15).

                A aludida determinação demonstra, em verdade, que o contrato de franquia firmado pelas rés teve como único objetivo transferir à primeira reclamada a execução de parte da atividade empresarial desenvolvida pela segunda ré.

                Essa realidade foi confirmada pelo depoimento da testemunha Solange, ouvida a rogo do reclamante, como se extrai do seguinte trecho (ID 3a5b830):

 

                "Que trabalhou para a 1ª reclamada de outubro de 2008 a julho de 2015, na função de supervisora de operações; que trabalhou com o reclamante; que os serviços tanto da depoente como do reclamante foram direcionados exclusivamente para a 2ª reclamada; que a atividade da primeira reclamada fora direcionada integralmente para a 2ª reclamada; (...)"

 

                Além disso, na petição inicial o reclamante informou que para trabalhar para a primeira reclamada foi obrigado a enviar todos os seus documentos admissionais para a segunda reclamada e efetuar um cadastro para ter acesso ao sistema da "Oi", que permitia efetuar a venda dos produtos e serviços, fatos que não foram impugnados pelas reclamadas (ID baaadc5 - Pág. 4).

                O conjunto probatório não deixa dúvidas, portanto, de que o contrato de franquia firmado tinha como fim mascarar uma típica relação de terceirização de serviços, uma vez que tinha por objeto apenas a prestação de serviços de atendimento aos clientes "Oi" e venda de produtos e serviços exclusivos da franqueadora, que se beneficiava diretamente do trabalho prestado pelo reclamante.

                É inegável, portanto, a nulidade do contrato de franquia mantido de forma fraudulenta entre as rés, conforme disposto no art. 9º da CLT.

                Desse modo, o caso é de típica terceirização de serviços, não havendo discussão no caso concreto sobre a licitude da intermediação de mão de obra do reclamante. Portanto, aplica-se ao caso o disposto na Súmula 331, IV, do TST.

                Ao reverso do que afirma a recorrente, a responsabilidade reconhecida abrange todas as verbas deferidas, inclusive as comissões retidas, diferenças do FGTS + 40%, multas e indenizações, como aquelas previstas nos arts. 477, §8º, e 467 da CLT, não incidindo apenas em relação a obrigações de cunho personalíssimo, como a anotação da CTPS do reclamante, o que foi imposto apenas à primeira ré.

                Frise-se, novamente, que a responsabilização da segunda reclamada se deu em virtude da fraude na celebração do contrato de franquia, que consistia, em verdade, em uma terceirização de serviços.

                Nego provimento.

 

                HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS

                Insurge-se a recorrente contra a sua condenação subsidiária ao pagamento de honorários assistenciais afirmando ser indevido o pagamento de honorários advocatícios na Justiça do Trabalho.

                Sem razão, todavia.

                Na Justiça do Trabalho, os honorários advocatícios somente são devidos nas lides que não decorram da relação de emprego (art. 5º da Instrução Normativa 27 do c. TST) ou naquelas demandas decorrentes da relação de emprego, mas desde que o empregado ou ex-empregado seja beneficiário da justiça gratuita e esteja assistido pelo sindicato da categoria (artigo 14 da Lei 5584/70, Súmulas 219 e 329 do c. TST).

                O reclamante apresentou declaração de hipossuficiência econômica (ID cebde46), a qual não foi infirmada pelas reclamadas, estando ele assistido pelo sindicato da categoria, como se infere do credenciamento de ID 6ea16c5. Tem-se, portanto, como atendidos os requisitos de concessão da verba honorária.

                Nessa perspectiva, não há falar em violação dos arts. 719 da CLT e 14 da Lei nº 5.584/70.

                Neste contexto, nego provimento ao apelo.

 

                Conclusão do recurso

                Rejeito a preliminar de não conhecimento do recurso arguida em contrarrazões pelo reclamante e conheço do recurso ordinário interposto pela segunda reclamada (Telemar). No mérito, nego-lhe provimento.

 

                Acórdão

                FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,

                A Segunda Turma, do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em sessão hoje realizada, à unanimidade, rejeitou a preliminar de não conhecimento do recurso arguida em contrarrazões pelo reclamante e conheceu do recurso ordinário interposto pela segunda reclamada (Telemar); no mérito, sem divergência, negou-lhe provimento.

                Presidente: Exmo. Desembargador Jales Valadão Cardoso.

                Tomaram parte no julgamento: Exma. Desembargadora Maristela Íris da Silva Malheiros, Exmo. Desembargador Lucas Vanucci Lins e Exmo. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira.

                Procurador do Trabalho: Dr. Eduardo Maia Botelho.

                Belo Horizonte, 16 de novembro de 2016.

 

Maristela Íris da Silva Malheiros

Desembargadora Relatora

(TRT/3ª R./ART., Pje, 22.11.2016)

 

BOLT8238---WIN/INTER

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