CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL - RELAÇÃO DE EMPREGO - DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO - MEF37881 - LT

 

PROCESSO TRT/RO Nº 0011081-57.2016.5.03.0104

 

Recorrente: Marcela da Silva Pereira

Recorrido: Cartório de Registro de Imóveis de Monte Alegre de Minasmg, Azarias Silvério, Flávia da Silva Vieira, Denner Parreira de Oliveira

 

E M E N T A

 

                CARTÓRIO EXTRAJUDICIAL. RELAÇÃO DE EMPREGO. A Constituição da República, em seu artigo 236, dispõe que "os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público" e o ingresso na atividade está condicionado à prévia aprovação em concurso público de provas e títulos (parágrafo 3º). Nos termos do art. 21 da Lei n. 8.935/94, o titular dos serviços notariais e de registro é responsável pelo gerenciamento administrativo e financeiro, o que importa reconhecer que é o titular do cartório que se reveste da qualidade de empregador. Em face de tais dispositivos legais, na hipótese de falecimento do oficial de registro, ocorrendo a transferência da titularidade do serviço de registro, a título precário, para o oficial substituto - até que se proceda à nomeação de novo oficial em virtude de aprovação em concurso público de provas e títulos - aquele passa a figurar como empregador da serventia. Após a nomeação de novo oficial interino, não havendo continuidade na prestação de serviços, não há que se falar em reconhecimento de vínculo de emprego com o novo titular e, muito menos, em sucessão trabalhista.

 

R E L A T Ó R I O

 

                Vistos, relatados e discutidos os presentes autos de recurso ordinário, em que figuram como recorrente, MARCELA DA SILVA PEREIRA, e como recorridos, CARTORIO DE REGISTRO DE IMOVEIS DE MONTE ALEGRE DE MINAS-MG E OUTROS, proferiu-se o seguinte acórdão:

                A Exmª. Juíza Alessandra Duarte Antunes dos Santos Freitas, em exercício na 4ª da Vara do Trabalho de Uberlândia, por meio da r. sentença de ID b46f1f4, cujo relatório adoto e incorporo, julgou improcedentes os pedidos formulados por Marcela da Silva Pereira em face de Cartório de Registro de Imóveis de Monte Alegre de Minas - MG, Azarias da Silva Vieira e Flávia da Silva Vieira e parcialmente procedentes os pedidos formulados em face de Denner Parreira de Oliveira para condená-lo ao pagamento das verbas descritas no dispositivo de Págs. 6/7 (ID b46f1f4).

                A reclamante interpõe recurso ordinário de ID 43ddb6b. Pleiteia a reforma da sentença em relação aos pedidos formulados em face do 2º reclamado e indenização por danos morais.

                Contrarrazões ofertadas pelos 1º e 2º reclamados e 3º reclamada (ID 42396be).

                Instrumentos de mandato coligidos aos autos pela reclamante (ID c19b11a), pelo 1ª reclamado (ID 64837f3), pelo 2º reclamado (ID 1ff408a) e pela 3ª reclamada (ID 43478ce).

                Dispensado o parecer do Ministério Público do Trabalho, porque ausente interesse público na solução da controvérsia.

 

                FUNDAMENTAÇÃO

                VOTO

                JUÍZO DE ADMISSIBILIDADE

                Satisfeitos os pressupostos de admissibilidade, conheço do recurso ordinário interposto pela reclamante.

 

                JUÍZO DE MÉRITO

                SUCESSÃO TRABALHISTA - RESPONSABILIDADE DO 2º

                RECLAMADO

                Insurge-se a reclamante contra a sentença que julgou improcedentes os pedidos formulados em face do 2º reclamado (Azarias Silvério). Alega que houve a sucessão trabalhista em razão da transferência da titularidade do cartório, o que implicaria na responsabilidade do 2º recorrido, por ter assumido o cartório em 17.02.2016, antes da sua rescisão contratual. Aduz que é irrelevante o fato de não ter prestado serviços ao novo titular da serventia, tendo em vista a suspensão de seu contrato de trabalho em razão do gozo de licença maternidade.

                Inicialmente, cumpre observar que a r. sentença de origem também julgou improcedentes os pedidos em face do 1º reclamado (Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Monte Alegre de Minas) e da 3ª reclamada (Flávia da Silva Vieira), sendo que nas razões recursais a autora não se insurgiu contra a sentença nesse aspecto. Destarte, a matéria ora suscitada neste apelo será apreciada considerando-se a insurgência da recorrente apenas quanto à improcedência dos pedidos em relação ao segundo reclamado (Azarias Silvério).

                A reclamante foi contratada pelo 4º reclamado (Denner Parreira de Oliveira) em 1º.12.2012, para exercer as funções de auxiliar de digitação, no Cartório de Registro de Imóveis de Monte Alegre de Minas (1º reclamado), tendo sido dispensada sem justa causa, em 1º.6.2016, ao retornar da licença maternidade.

                Não há como acolher a pretensão da reclamante de reconhecimento da sucessão trabalhista havida entre os titulares do Cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Monte Alegre de Minas.

                Consta dos autos que o Oficial do Registro de Imóveis da Comarca de Monte Alegre de Minas era a Sra. Maria Sônia Parreira Guimarães, que faleceu em 21.11.2012, tendo o 4º reclamado (Denner Parreira) assumido interinamente, a partir de 1º.12.2012 (ID a92b61e) até sua destituição em 16.02.2016 e nomeação do 2º reclamado (Azarias Silvério) que foi nomeado interinamente em 17.2.2016 (ID f2ecf29). Por sua vez, a 3ª reclamada (Flávia da Silva Vieira) é servidora pública estadual e participou como interventora durante três meses no Cartório, imediatamente antes da nomeação do 2º reclamado.

                Veja-se que a reclamante trabalhou para o 4º reclamado (Denner Parreira) até 2.2.2016, quando entrou em licença maternidade (ID 72117c8), não havendo qualquer prestação de serviço a favor do 2º reclamado (Azarias Silvério) que assumiu a titularidade do Registro de Imóveis da Comarca de Monte Alegre de Minas apenas em 17/2/2016, de forma interina.

                Nesse sentido, confira-se a prova oral (ID de48108):

 

                Depoimento pessoal da reclamante: "que o reclamado Denner foi quem realizou a contratação da depoente; que prestava serviço na Rua Juscelino Kubstcheck; que quando retornou na licença maternidade tomou conhecimento que o 2º reclamado era o titular do cartório; que o cartório mudou de endereço; que no local haviam outros funcionários, porém, funcionários como Louane (estava gestante), Bruna e Álvaro, além de Lúcia, permaneceram; que não sabe informar se os mesmos mudaram de função; que quando se apresentou no cartório foi tratada normalmente. Nada mais."

 

                Depoimento pessoal do reclamado Azarias: "que assumiu o cartório em 17.02.2016; que o depoente não manteve o mesmo quadro de funcionários; que permaneceu apenas com alguns funcionários, Louane, Divino, Bruna, Ana Lúcia, Álvaro; que a reclamante se apresentou no cartório quando encerrou sua licença maternidade; que o depoente não manteve a reclamante no quadro, pois já havia formado a equipe; que o depoente tinha conhecimento que a reclamante fazia parte da equipe do cartório administrado pelo reclamado Denner. Nada mais."

 

                Destarte, a reclamante não comprovou qualquer prestação de serviço subordinado ao 2º reclamado (Azarias Silvério).

                Com efeito, nos termos do art. 236 da Constituição da República de 1988, os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público e o ingresso na atividade está condicionado à prévia aprovação em concurso público de provas e títulos (parágrafo 3º). Por se tratar de atividade exercida em caráter privado, é o titular do cartório que se reveste da qualidade de empregador.

                Nesse sentido, a disposição contida no art. 21 da Lei nº 8.935/94:

 

                O gerenciamento administrativo e financeiro dos serviços notariais e de registro é da responsabilidade exclusiva do respectivo titular, inclusive no que diz respeito às despesas de custeio, investimento e pessoal, cabendo-lhe estabelecer normas, condições e obrigações relativas à atribuição de funções e de remuneração de seus prepostos de modo a obter a melhor qualidade na prestação dos serviços.

 

                Portanto, não se pode cogitar em sucessão entre os titulares de cartório, até porque os cartórios não têm personalidade jurídica, sendo, por isso, pessoal a responsabilidade do titular de serventia pelos direitos trabalhistas de seus empregados ou ex-empregados.

                Bastante elucidativa a lição da Letícia Franco Maculan Assumpção, em sua obra Função Notarial e de Registro, Editora Nuria Fabris, 2011, p. 123:

 

                A questão da inexistência de personalidade jurídica dos cartórios é um divisor de águas no que se refere a direitos e obrigações assumidos por seus agentes. Para as pessoas jurídicas, que possuem personalidade jurídica, a forma de sucessão é completamente diversa daquela que ocorre nos cartórios extrajudiciais. Enquanto nas empresas o sucessor assume o ativo e o passivo (tributário, trabalhista, previdenciário), por haver um negócio jurídico entre o antigo e o novo proprietários, com a transferência da empresa e de todos os seus elementos (capitã, fundo de comércio etc), nos cartórios isso não ocorre. O antigo titular ou interino de um serviço notarial e de Registro não pode deixar para o novo quaisquer obrigações; por outro lado, o antigo titular ou interino tem o direito de retirar da unidade todos os emolumentos auferidos até o último dia de exercício, seus maquinários, móveis, utensílios - pelo que deixar deve ser indenizado, para que seja evitado o enriquecimento sem causa do novo titular.

 

                Pelo exposto, é imperioso concluir pela inexistência de vínculo de emprego entre a autora e o 2º reclamado (Azarias Silvério), uma vez que a reclamante, após o retorno da licença maternidade, não mais prestou serviços no cartório. Saliento que a projeção para o futuro da data da dispensa em razão da suspensão do contrato pela licença maternidade não induz na continuidade da prestação de serviços, mormente porque o contrato de trabalho foi pactuado apenas com o 4º reclamado (Denner Parreira).

                Destarte, mantenho a r. decisão de primeiro grau.

                Nada a prover.

 

                INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS

                Insiste a reclamante no pagamento de indenização por danos morais em razão do constrangimento sofrido pela ausência de pagamento da licença maternidade e das verbas rescisórias. Sustenta que no período em que mais precisou, após o parto de sua filha, ficou sem receber seus salários, sendo responsabilidade do empregador o pagamento da licença maternidade. Afirma, também, que foi humilhada quando tentou reassumir suas funções no cartório após o fim da licença maternidade.

                Inicialmente, cabe registrar que a inadimplência em relação aos salários maternidade e a respectiva indenização pelos danos morais estão sendo discutidas no processo nº 010900-56.2016.503.0104, por essa razão, a controvérsia cinge-se aos danos eventualmente havidos pelo atraso no pagamento das verbas rescisórias deferidas na presente ação e aos fatos ocorridos quando de seu retorno ao trabalho.

                Pois bem. Se é certo que o dano moral é indenizável (artigos 5º, inciso X e 7º, inciso XXVIII, da Constituição da República), não menos certo é que a sua configuração está atrelada à presença concomitante de três requisitos: o dano efetivo, a culpa ou dolo do agente e o nexo de causalidade entre eles (artigos 186 e 927 do CC). A indenização por danos morais é devida quando houver prejuízo à reputação, à boa honra, ao decoro e à dignidade pessoal do empregado.

                No caso dos autos, ficou provado que a reclamante foi dispensada em razão da perda da titularidade do cartório pelo seu ex-empregador em 16.02.2016, pois o novo oficial interino não demonstrou interesse em contratá-la; contudo, em razão da suspensão do seu contrato pela licença maternidade, a dispensa somente se efetivou em 1º.6.2016, sem o pagamento das parcelas rescisórias e sem o fornecimento das guias para levantar o FGTS e requerer o seguro desemprego, o que a obrigou a ajuizar a presente demanda.

                Na sentença proferida em 27.07.2016 (ID b46f1f4) foram deferidas as verbas rescisórias e a indenização pelo período de estabilidade da gestante, matéria que não foi objeto de recurso.

                O fato de o 4º reclamado (Denner Parreira) não ter realizado formalmente a rescisão contratual da reclamante e não ter quitado quaisquer verbas rescisórias tem o condão de configurar dano moral, uma vez que não há dúvidas de que ela passou por privações em razão da mora, pois se viu sem emprego, sem pagamento das parcelas rescisórias e, ainda, sem a liberação do FGTS e das guias para requerimento do seguro desemprego, logo após o nascimento de sua filha. Portanto, no aspecto, são óbvios os danos morais alegados na inicial.

                Com relação ao fato ocorrido no dia em tentou reassumir suas funções, não ficou provado qualquer constrangimento, pois seu ex-empregador (Denner Parreira) não era mais o titular do cartório, tendo havido a extinção do contrato de trabalho, sendo justa a proibição de entrar no estabelecimento para prestar serviços. De se ressaltar que, em seu depoimento pessoal, a autora confessou que quando voltou ao cartório para trabalhar foi tratada normalmente (ID de48108).

                Neste contexto, provejo parcialmente o recurso para condenar o 4º reclamado (Denner Parreira) ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais). Tal valor será acrescido de juros a partir do ajuizamento da ação e correção monetária a partir do primeiro dia útil subsequente à data do julgamento deste apelo, na forma da Súmula 439 do c. TST.

                Provimento parcial nos termos acima.

 

                Conclusão do recurso

                Conheço do recurso ordinário interposto pela reclamante e, no mérito, dou provimento parcial para condenar o 4º reclamado (Denner Parreira) ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais). O valor será acrescido de juros a partir do ajuizamento da ação e correção monetária a partir do primeiro dia útil subsequente à data do julgamento deste apelo, na forma da Súmula 439 do c. TST. Para fins fiscais e previdenciários, declaro que a verba deferida possui natureza indenizatória. Acresço à condenação o valor de R$ 3.000,00 e, às custas, R$ 60,00, pelo 4º reclamado.

 

                Acórdão

                FUNDAMENTOS PELOS QUAIS,

                A Segunda Turma, do Egrégio Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em sessão hoje realizada, à unanimidade, conheceu do recurso ordinário interposto pela reclamante; no mérito, sem divergência, deu provimento parcial para condenar o 4º reclamado (Denner Parreira) ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.000,00 (três mil reais); declarou que o valor será acrescido de juros a partir do ajuizamento da ação e correção monetária a partir do primeiro dia útil subsequente à data do julgamento deste apelo, na forma da Súmula 439 do c. TST; para fins fiscais e previdenciários, declarou que a verba deferida possui natureza indenizatória; acresceu à condenação o valor de R$ 3.000,00 e, às custas, R$ 60,00, pelo 4º reclamado.

                Presidente: Exmo. Desembargador Jales Valadão Cardoso.

                Tomaram parte no julgamento: Exma. Desembargadora Maristela Íris da Silva Malheiros (Relatora), Exmo. Juiz Convocado Rodrigo Ribeiro Bueno (substituindo o Exmo. Desembargador Lucas Vanucci Lins) e o Exmo. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira.

                Procurador do Trabalho: Dr. Geraldo Emediato de Souza.

                Secretária da sessão: Eleonora Leonel da Mata Silva

                Belo Horizonte, 04 de outubro de 2016.

 

Maristela Íris da Silva Malheiros

Desembargadora Relatora

 

(TRT/3ª R./ART., Pje, 07.10.2016)

 

BOLT8274---WIN/INTER

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