APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ANULATÓRIA - ATO ADMINISTRATIVO - DEMISSÃO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO - PROCESSO ADMINISTRATIVO REGULAR - MÉRITO - REVISÃO JUDICIAL INADMISSÍVEL - RECURSO NÃO PROVIDO - DECISÃO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS - MEF37895 - BEAP

 

                1. O processo administrativo exige a observância dos princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e as decisões devem ser motivadas.

                2. A Administração Pública deve enquadrar a falta dentre as infrações funcionais previstas na lei. A penalidade imposta deve ser razoável, proporcional e adequada para a infração a fim de impedir a arbitrariedade.

                3. É válido o ato administrativo de aplicação da pena de demissão a funcionário público decorrente de processo administrativo em que foram observados os referidos princípios.

                4. Além disso, não é possível, no âmbito jurisdicional, adentrar o mérito do ato administrativo para corrigir eventual injustiça da sanção imposta.

                5. Apelação cível conhecida e não provida, mantida a sentença que rejeitou a pretensão inicial.

 

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0439.12.001296-8/002 - Comarca de ...

 

Apelante: ...

Apelado: ESTADO DE MINAS GERAIS

 

A C Ó R D Ã O

 

                Vistos etc., acorda, em Turma, a 2ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em negar provimento à apelação.

 

DES. CAETANO LEVI LOPES

Relator

 

V O T O

 

                Conheço do recurso porque presentes os requisitos de admissibilidade.

                O apelante aforou esta ação anulatória cumulada com indenização contra o apelado. Informou ter exercido o cargo de Defensor Público no período de 1985 a 2006. Afirmou ter sido réu em diversas ações civis públicas por supostos atos de improbidade administrativa, bem como em ação penal por eventual prática de crime contra os costumes. Sustentou ter sido absolvido em todos os processos. Asseverou ter sofrido processo administrativo que culminou em pena de demissão. Narrou que a pena máxima aplicada lhe gerou danos morais e materiais que devem ser indenizados. Pugnou pela anulação do ato administrativo e a reintegração no serviço público. O recorrido defendeu a regularidade do ato administrativo e negou a prática de conduta antijurídica. Pela r. sentença de ff. 870/871, a pretensão inicial foi rejeitada.

                Cumpre verificar a regularidade do ato administrativo de demissão do apelante.

                O recorrente, com a petição inicial, juntou os documentos de ff. 17/736. Destaque especial para a cópia do procedimento administrativo nº 11, de 2007, que resultou na pena de demissão do funcionário público (ff. 302/735). Estes os fatos.

                Em relação ao direito, o processo administrativo disciplinar é obrigatório para a aplicação das penas que impliquem perda de cargo para o funcionário público estável (art. 41 da Constituição da República).

                O art. 2ª da Lei nº 9.784, de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública, dispõe que a Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Ainda, o inciso VII do parágrafo único do mesmo artigo prescreve a indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão. Acerca do tema ensina a autora Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em Direito administrativo, 14. ed., São Paulo: Atlas, 2002, p. 515:

                Ao contrário do direito penal, em que a tipicidade é um dos princípios fundamentais, decorrente do postulado segundo o qual não há crime sem lei que o preveja (nullum crimem, nulla poena sine lege), no direito administrativo prevalece a atipicidade; são muito poucas as infrações descritas na lei, como ocorre com o abandono de cargo. A maior parte delas fica sujeita à discricionariedade administrativa diante de cada caso concreto; é a autoridade julgadora que vai enquadrar o ilícito como 'falta grave', 'procedimento irregular', 'ineficiência no serviço', 'incontinência pública', ou outras infrações previstas de modo indefinido na legislação estatutária. Para esse fim, deve ser levada em consideração a gravidade do ilícito e as consequências para o serviço público.

                Por isso mesmo, na punição administrativa, a motivação do ato pela autoridade julgadora assume fundamental relevância, pois é por essa forma que ficará demonstrado o correto enquadramento da falta e a dosagem adequada da pena.

                O princípio da motivação, consagrado pela doutrina e jurisprudência, impõe a obrigatoriedade de a Administração Pública indicar os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Acerca do tema, é novamente a mesma autora quem ensina, na mesma obra, p. 82:

                O princípio da motivação exige que a Administração Pública indique os fundamentos de fato e de direito de suas decisões. Ele está consagrado pela doutrina e pela jurisprudência, não havendo mais espaço para as velhas doutrinas que discutiam se a sua obrigatoriedade alcançava só os atos vinculados ou só os atos discricionários, ou se estava presente em ambas as categorias. A sua obrigatoriedade se justifica em qualquer tipo de ato, porque se trata de formalidade necessária para permitir o controle de legalidade dos atos administrativos.

                (...) Na Lei nº 9.784/99, o princípio da motivação é previsto no artigo 2º, caput, havendo, no parágrafo único, inciso VII, exigência de "indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão".

 

                E prossegue na p. 83:

 

                A motivação, em regra, não exige formas específicas, podendo ser ou não concomitante com o ato, além de ser feita, muitas vezes, por órgão diverso daquele que proferiu a decisão. Frequentemente, a motivação consta de pareceres, informações, laudos, relatórios, feitos por outros órgãos, sendo apenas indicados como fundamento da decisão. Nesse caso, eles constituem a motivação do ato, dele sendo parte integrante.

 

                Por outro norte, o princípio da legalidade constitui a diretriz básica da conduta de seus agentes. Eis a propósito a lição de José dos Santos Carvalho Filho, em Manual de direito administrativo, 8. ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 12:

 

                O princípio da legalidade é certamente a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita.

                Tal postulado, consagrado após séculos de evolução política, tem por origem mais próxima a criação do Estado de Direito, ou seja, do Estado que deve respeitar as próprias leis que edita.

 

                A pena de demissão foi aplicada ao recorrente no termos dos artigos 79, III e IX, 80, V e 87, I, da Lei Complementar Estadual nº 65, de 2003 (ff. 373/386), com fundamento no relatório final emitido pela comissão julgadora no processo administrativo disciplinar nº 11, de 2007.

                Ademais, conforme bem observado pelo julgador de primeiro grau, não foi produzida qualquer prova para desfazer a presunção de legitimidade do ato administrativo, uma vez que todos os atos processuais foram praticados em respeito ao contraditório e a ampla defesa do apelante. A suposta perseguição política relatada por ele não passou de mera alegação.

                Por outro lado, as absolvições constantes nos processos judiciais cíveis e criminais aforados contra o apelante também não maculam a legitimidade do procedimento administrativo questionado.

                Por fim, entende o apelante que ocorreu violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade na sanção aplicada.

                É elementar que o Poder Judiciário não pode adentrar no mérito do ato administrativo. Somente examina se o mesmo é ou não válido. Ora, os princípios mencionados referem-se ao mérito do próprio ato. E o Administrador Público tem o poder discricionário para optar pela sanção que for mais razoável. A Defensoria Pública Estadual, diante da gravidade dos fatos narrados no procedimento administrativo, optou em adotar a opinião emitida pela comissão processante, qual seja, demitir o funcionário público. Logo, não pode o Poder Judiciário modificar a pena.

                Assim, diante da regularidade do processo administrativo impugnado, não há que se falar em danos morais e materiais, pelo que a irresignação é impertinente.

                Com estes fundamentos, nego provimento à apelação.

                Em razão da sucumbência recursal, condeno o recorrente no pagamento de honorários advocatícios que fixo em 10% sobre o valor dado à causa.

                Custas, pelo apelante.

                DESA. HILDA TEIXEIRA DA COSTA - De acordo com o Relator.

                JD. CONVOCADO BAETA NEVES - De acordo com o Relator.

 

Súmula - "NEGARAM PROVIMENTO À APELAÇÃO"

 

 

 

BOCO9644---WIN/INTER

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