ACIDENTE DE TRAJETO - NÃO CONFIGURAÇÃO - DECISÃO DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 3ª REGIÃO - MEF37964 - LT

 

PROCESSO TRT/RO Nº 0010397-45.2015.5.03.0112

 

Recorrente: S.A. Estado de Minas

Recorrido: José Genaro Fonseca dos Santos

Relator: Helder Vasconcelos Guimarães

 

E M E N T A

 

                ACIDENTE DE TRAJETO. NÃO CONFIGURAÇÃO. Segundo o artigo 21, IV, d, da Lei n. 8.213/91, equipara-se ao acidente do trabalho o sinistro que acomete o empregado no trajeto entre a sua residência e o local de trabalho, e vice-versa, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado, conferindo ao trabalhador o mesmo benefício conferido ao vitimado pelo acidente do trabalho ocorrido no exercício de suas atividades. Contudo, no caso dos autos, o grande lapso temporal entre o encerramento da jornada de trabalho e a ocorrência do acidente em um ponto muito próximo ao local de trabalho, mas fora de sua rota habitual, descaracterizam o acidente de trabalho.

 

R E L A T Ó R I O

 

                VISTOS, relatados e discutidos estes autos de RECURSO ORDINÁRIO (1009), provenientes da 33ª VARA DO TRABALHO DE BELO HORIZONTE que julgou procedentes, em parte, os pedidos formulados na inicial.

                A reclamada interpõe recurso ordinário (Id 0475f2d), insurgindo-se contra o pagamento de indenização substitutiva ao período de estabilidade provisória; pagamento de honorários periciais; multa convencional e deferimento dos benefícios da justiça gratuita ao reclamante.

                Contrarrazões do reclamante (Id 6ce366e).

                Dispensável a intervenção do MPT.

                É o relatório.

 

                FUNDAMENTAÇÃO

                ADMISSIBILIDADE

                Conheço do recurso ordinário, eis que aviado a tempo e modo e regular a representação.

 

                MÉRITO

                Acidente de trajeto. Estabilidade provisória.

                Não se conforma a reclamada com a r. sentença que a condenou ao pagamento de indenização substitutiva ao período de estabilidade provisória. Alega que o laudo pericial elaborado por perita da confiança do juízo constatou que não se caracterizou o alegado acidente de trajeto pelo fato de o reclamante ter se desviado de seu trajeto habitual.

                Ao exame.

                Segundo o artigo 21, IV, d, da Lei nº 8.213/91, equipara-se ao acidente do trabalho o sinistro que acomete o empregado no trajeto entre a sua residência e o local de trabalho, e vice-versa, qualquer que seja o meio de locomoção, inclusive veículo de propriedade do segurado, conferindo ao trabalhador o mesmo benefício conferido ao vitimado pelo acidente do trabalho ocorrido no exercício de suas atividades.

                No caso dos autos foi produzido laudo pericial para apuração do acidente de trajeto, no qual consta o seguinte (Id 63fbb08):

 

                "X - CONSIDERAÇÕES FINAIS

                A RESPEITO DO ACIDENTE

                A Reclamada está localizada na Avenida Getúlio Vargas, nº 291, Bairro Funcionários, Belo Horizonte/MG. O Reclamante reside na Rua Portugal, nº 209, Bairro Nações Unidas, Sabará/MG. Quando foi contratado não tinha moto; quando adquiriu passou a utilizá-la para ir ao trabalho.

                Conforme declarou, costumava ir para casa por um dos dois caminhos:

                a) Av. Getúlio Vargas, Av. Contorno e Av. dos Andradas. b) Quando deixava a moto do outro lado da avenida seguia pela Av. Getúlio Vargas até Rua Ceará e depois pegava a Av. Francisco Sales para alcançar Av. dos Andradas.

                Recebia vale transporte e algumas vezes utilizava transporte público.

                No dia 02-04-2014, à noite, estava chovendo. Saiu do trabalho pelo caminho "a" mas quando entrou na Av. Contorno pensou ter esquecido um documento e resolveu parar a moto para conferir. Para evitar o movimento intenso da Av. Contorno parou logo depois da esquina de uma rua que, segundo consta no BO, era a Engenheiro Carlos Antonini. Esta rua é perpendicular à Av.

                Contorno. Colocou o pé direito no meio-fio, mas escorregou, caiu para a direita com a motocicleta e está caiu em seu joelho direito. Pessoas que passavam ajudaram a levantar a moto. Registrou boletim de ocorrência em 06-05-2014, um mês depois do acidente.

                O endereço do acidente que aparece no Boletim de Ocorrência é Rua Engenheiro Carlos Antonini 125. Acontece que o número 125 desta rua fica pouco mais de um quarteirão da Av. Contorno, fica depois da rua Visconde de Taunai e no lado esquerdo portanto, para o Reclamante apoiar o pé esquerdo no meio fio precisaria estar retornando, em direção à avenida. Na esquina de Contorno com Engenheiro Carlos Antonini existe amplo passeio para estacionamento comercial (nos dois lados) onde o Reclamante poderia ter estacionado.

                (...)

 

                A RESPEITO DE ACIDENTE DE TRAJETO

                Nos termos do Artigo 21 da Lei nº 8.213/91, equipara-se ao acidente do trabalho aquele ocorrido no trajeto entre a residência e o trabalho do empregado. No entanto, é necessário observar algumas regras para caracterização do acidente de percurso. Uma delas é que para ser considerado acidente de trajeto o trabalhador deve estar no trajeto normal, isto é, o caminho percorrido para ir ao trabalho habitualmente, quando da sua ocorrência. Se o trabalhador deixar o percurso para, por exemplo, fazer uma compra em um supermercado na volta para casa, ocorrendo um acidente no trajeto, ele não será considerado acidente de trabalho. Outra questão diz respeito ao tempo normal de percurso. Este deve ser compatível com o tempo normal de trajeto, assim, se o trabalhador sair do trajeto como no exemplo acima e exceder o tempo normal que gastaria no caminho ele também poderá ter o acidente descaracterizado como de trabalho. Resumindo, o tempo utilizado deve ser compatível com a distância percorrida.

                XI - CONCLUSÃO PERICIAL

                O Reclamante sofreu acidente (queda de motocicleta parada) em local fora do seu trajeto habitual. Na queda houve contusão no joelho direito, que foi adequadamente tratada. Atualmente se encontra apto para o trabalho".

                A magistrada a quo, desconsiderando a conclusão do laudo pericial, condenou a reclamada ao pagamento de indenização substitutiva ao período de estabilidade provisória, por entender que "o desvio de pouco mais de um quarteirão, conforme registrado pela expert no laudo, é por demais insignificante, não sendo capaz de desnaturar o percurso habitual entre o local da prestação de serviços e a residência do reclamante".

                Data venia, entendo que a sentença merece reforma.

                Verifico que o reclamante relatou à perita, por ocasião da realização da perícia médica, que no dia do acidente (02.04.2015), ele havia laborado até as 19h00 (item V do laudo pericial) e, ao se dirigir para a sua residência, pensou ter esquecido um documento, razão pela qual parou em uma rua próxima à Av. do Contorno, quando apoiou o seu pé direito no meio-fio, mas o pé deslizou e ele caiu juntamente com a moto para o lado direito, ferindo o seu joelho direito.

                No entanto, no Boletim de Ocorrência, registrado pelo reclamante mais de um mês após a ocorrência do acidente, consta que o acidente de trajeto ocorreu às 19h44. Ou seja, 44 minutos após o reclamante ter encerrado a sua jornada de trabalho.

                No entendimento deste Relator, o grande lapso temporal entre o encerramento da jornada de trabalho e a ocorrência do acidente em um ponto muito próximo ao local de trabalho, mas fora de sua rota habitual, descaracterizam o acidente de trabalho.

                Isso porque, como informou a perita, o tempo de percurso entre o local de trabalho e o do acidente deve ser compatível com o tempo normal de trajeto, o que não aconteceu no caso dos autos, uma vez que foge à razoabilidade que o reclamante, pilotando uma moto, gastasse 44 minutos entre o seu local de trabalho e o local do acidente, localizado a apenas 650 m de distância, como é de fácil verificação em qualquer sítio eletrônico de localização geográfica.

                Ademais, não vejo motivo plausível para o reclamante ter se afastado mais de um quarteirão da Av. do Contorno, vindo a se acidentar no nº 125 da Av. Engenheiro Carlos Antonini, quando a perita informou que "na esquina de Contorno com Engenheiro Carlos Antonini existe amplo passeio para estacionamento comercial (nos dois lados) onde o Reclamante poderia ter estacionado".

                Há que se ressaltar ainda que, segundo constatou a perita, o nº 125 da Rua Engenheiro Carlos Antonini se localiza no lado esquerdo da rua, de forma que para apoiar o seu pé direito no meio-fio o reclamante deveria estar retornando em direção à Av. do Contorno, o que não se coaduna com a informação por ele prestada no sentido de que parou logo após virar a esquina da Av. do Contorno.

                Por todo o exposto, concluo que o acidente sofrido pelo autor não configurou acidente de trajeto nos moldes previstos no artigo 21, IV, "d" da Lei 8.213/91, o qual deve ser cabalmente demonstrado pelo autor, pois se trata de fato constitutivo do seu direito (art. 818 da CLT).

                Convém repetir a doutrina do Exmo. Desembargador Sebastião Geraldo de Oliveira, citada pela magistrada a quo na sentença:

                "Surgem grandes controvérsias quanto ao entendimento do que seja o 'percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela'. O trabalhador com frequência desvia-se desse percurso por algum interesse particular, para uma atividade de lazer ou compras em um supermercado ou farmácia, por exemplo. Como será necessário estabelecer o nexo causal do acidente de trabalho, são aceitáveis pequenos desvios e toleradas algumas variações quanto ao tempo de deslocamento desde que compatíveis com o percurso do referido trajeto, porquanto a Previdência Social, na esfera administrativa, não considera acidente de trabalho quando o segurado interrompe ou altera o percurso habitual. Se houver registro policial da ocorrência, deve-se apresentar o respectivo boletim. Se o tempo do deslocamento (nexo cronológico) fugir do usual ou se o trajeto habitual (nexo topográfico) for alterado substancialmente, resta descaracterizada a relação de causalidade do acidente com o trabalho (...)".(Indenizações por Acidente do Trabalho ou Doença Ocupacional, LTr, 8ª. Edição, 2014, pág. 60) (Sem grifos no original).

 

                Neste mesmo sentido, já decidiu este Regional:

                EMENTA: ACIDENTE DE TRAJETO NÃO COMPROVADO. ACIDENTE DO TRABALHO NÃO TIPIFICADO. Segundo o artigo 21, IV, "d", da Lei nº 8.213/91, equipara-se ao acidente do trabalho o sinistro que acomete o empregado no trajeto entre a sua residência e o local de trabalho, e vice-versa, a ele conferindo o mesmo benefício reconhecido àquele vitimado no exercício de suas atividades. In casu, o tempo despendido entre o encerramento da jornada e a hora do infortúnio revela que houve desvio de trajeto, donde se conclui que o acidente do trabalho não restou tipificado. O acidente de percurso deve ser cabalmente demonstrado pelo autor, pois se trata de fato constitutivo do direito (art. 818 da CLT). Recurso provido. (TRT da 3.ª Região; Processo: 0001483-94.2013.5.03.0036 RO; Data de Publicação: 09.10.2014; Disponibilização: 08.10.2014, DEJT/TRT3/Cad.Jud, Página 326; Órgão Julgador: Decima Primeira Turma; Relator: Manoel Barbosa da Silva; Revisor: Heriberto de Castro)

                Dou provimento ao recurso para excluir o pagamento da indenização substitutiva do período da garantia de emprego e a multa convencional pela violação do preceito legal de dispensar o reclamante no curso da garantia provisória de emprego, deferidos no item "a" e "b" do dispositivo, respectivamente.

                Ficam invertidos os ônus da sucumbência quanto aos honorários relativos à perícia médica. Faculta-se à perita receber a verba honorária na forma da Resolução nº 66/2010 do TST, devendo restituir à reclamada a parte adiantada (R$ 1.000,00) assim que receber o seu crédito.

 

                Dos benefícios da justiça gratuita

                Sustenta a recorrente merecer reforma a r. sentença quanto ao deferimento dos benefícios da justiça gratuita ao autor, pois ele não está assistido pelo sindicato de sua categoria.

                Razão não lhe assiste.

                O benefício da justiça gratuita é um direito para os que preencham os requisitos legais, e pode até mesmo ser concedido de ofício, como dispõe o art. 790, § 3º, da CLT, com redação dada pela Lei nº 10.537/02.

                Na hipótese, o reclamante requereu os benefícios da justiça gratuita e declarou que não pode arcar com as despesas processuais, sem prejuízo próprio e da família (Id 62e448c). Presentes, portanto, os requisitos para sua concessão.

                Cabia à reclamada provar que o reclamante não é pobre no sentido legal, encargo do qual não se desincumbiu.

                Nego provimento.

                ACÓRDÃO

                FUNDAMENTOS PELOS QUAIS, o Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em sessão ordinária da Nona Turma, hoje realizada, à unanimidade, conheceu do recurso interposto; no mérito, sem divergência, deu-lhe provimento para absolver a reclamada da condenação imposta na sentença, julgando improcedente a ação; inverteu os ônus da sucumbência; custas pelo reclamante, ISENTO, por ser beneficiário da justiça gratuita; facultou à perita receber a verba honorária na forma da Resolução nº 66/2010 do TST, devendo restituir à reclamada a parte adiantada (R$1.000,00) assim que receber o seu crédito.

                Tomaram parte no julgamento: Exmos. Juiz Convocado Helder Vasconcelos Guimarães (Relator, substituindo o Exmo. Desembargador João Bosco Pinto Lara, em férias regimentais), Desembargadora Mônica Sette Lopes (Presidente) e Juiz Convocado Márcio José Zebende (substituindo a Exma. Desembargadora Maria Stela Álvares da Silva Campos, em férias regimentais).

                Procuradora do Trabalho: Dra. Maria Amélia Bracks Duarte.

                Belo Horizonte, 10 de outubro de 2016.

 

HELDER VASCONCELOS GUIMARÃES

 

(TRT/3ª R./ART., Pje, 17.10.2016)

BOLT8290---WIN/INTER

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