DÍVIDA ATIVA - COBRANÇA VIA PROTESTO EXTRAJUDICIAL EM CARTÓRIO - MEF38230 - BEAP
MÁRIO LÚCIO DOS REIS*
Palestra de divulgação do livro “ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA - ESTUDOS DE CASOS” de autoria do Professor Mário Lúcio dos Reis - Patrocínio do SINESCONTÁBIL - Sindicato dos Escritórios de Contabilidade, Auditoria e Perícias Contábeis do Estado de Minas Gerais.
A Dívida Ativa, assim como todos os demais tributos nas três esferas de governo, é de cobrança obrigatória, sistemática e rigorosa, não só em cumprimento da Lei de Responsabilidade na Gestão Fiscal, mas principalmente por questão de justiça tributária e mesmo da paz social, visto que o governo que negligencia ou se omite nesta cobrança comete o crime de beneficiar os inadimplentes em detrimento dos contribuintes honestos e conscientes que mantém em dia o pagamento dos impostos devidos.
Com efeito, sabendo-se que o governo não possui renda própria, pois não comercializa nada e não presta serviços remunerados, todos os recursos que movimenta são, em última análise, oriundos dos impostos arrecadados, com os quais constrói e mantém todos os equipamentos para atendimento à população, como prédios administrativos, hospitais, escolas, estradas, ruas, praças e pontes.
Tudo isto é usufruído igualmente por toda a população, graças aos impostos arrecadados, donde se conclui que os pagantes custeiam suas partes mais as quotas dos sonegadores, que neste caso se caracterizam como parasitas a sugarem o sangue dos contribuintes adimplentes.
Isto posto, desenvolvemos o presente trabalho em que levantamos e analisamos a legislação pertinente, assim como algumas jurisprudências e doutrinas, que nos levam à conclusão de que temos um arcabouço legal, eficaz e suficiente, de tal forma que todos os estados e municípios têm condições de otimizar os seus recursos humanos, técnicos e materiais para o serviço de cobrança da Dívida Ativa, garantindo-se expressivas receitas aos cofres públicos, bastando a vontade política e a responsabilidade fiscal-tributária dos governantes.
A BASE LEGAL DA DÍVIDA ATIVA
A Lei nº 6.830/80 regulamentou toda a organização e estruturação da dívida ativa e sua cobrança, quer administrativa, quer via ação de Execução Fiscal.
Antes de qualquer ação de cobrança é de fundamental importância a organização e atualização do cadastro de contribuintes inadimplentes e a inscrição dos mesmos no Livro de Registro da Dívida Ativa.
A partir daí são feitos avisos de cobrança, notificações e intimações administrativas aos contribuintes, permitindo assim não só o direito de quitarem a dívida antes dos pesados ônus da execução fiscal, como também o pleno exercício do direito de ampla defesa e do contraditório.
O sistema de cobrança da Dívida Ativa não oferecia opções além da cobrança administrativa ou execução fiscal até o ano de 2012, quando foi publicada a Lei nº 12.767/2012, alterando a lei nº 9492/97, que regulamenta o protesto de títulos pelos cartórios, incluindo no art. 1º, parágrafo único, as certidões da dívida ativa entre os títulos sujeitos a protesto.
Mesmo sem, tanta clareza na lei, o Estado de São Paulo já havia se adiantando ao processo desde o ano 2008, com sua lei nº 13.160/08, que autorizou o protesto das certidões da Dívida Ativa, o qual tomou impulso após a Lei Federal nº 12.767/2012, assim como o Estado do Espírito Santo, que implantou o sistema por sua lei nº 9876/2012.
A procuradoria Geral da União editou sua Portaria nº 17/2013, de 11.01.2013, que autorizou o protesto extrajudicial das certidões da Dívida Ativa da União e de suas autarquias e fundações, com uma novidade extremamente importante: dispôs em seu artigo 2º que: “O protesto somente será realizado junto aos tabelionatos de Protesto de Títulos, nos quais não seja necessário o pagamento antecipado, ou em qualquer outro momento, de despesas pela entidade protestante”. Esta criatividade tem sua razão de ser, pois evita que o órgão público efetue pagamento antecipado, vedado pela norma do prévio empenho da despesa, enquanto que, por outro lado, o cartório pode perfeitamente cobrar tais emolumentos do devedor, desonerando os cofres públicos, sobretudo em função do expressivo volume envolvido, tanto em quantidade quanto em valores.
Fica, portanto explicitado que o primeiro passo para implantação do protesto extrajudicial das CDAs como meio de cobrança da Dívida Ativa é a aprovação da lei local que aprova e regulamenta o sistema.
DOS EMBARGOS E ARGUMENTOS DE DEFESA
Os Estados que já adotam o sistema, em especial os que acrescentaram que além do protesto os inadimplentes serão inscritos nos cadastros de controle do Crédito, quais sejam o SPC, SERASA e CADIN, têm enfrentado embargos sob argumento de ofensa aos direitos constitucionais do sigilo da intimidade, da vida privada e da honra.
À defesa cabe demonstrar que o princípio da publicidade e da transparência, assim como o direito à informação, são a regra geral da Administração Pública, enquanto o sigilo é a exceção, somente prevalecendo se houver grave ofensa à intimidade da pessoa, à soberania do Estado ou ao interesse Público, que não é o caso da Dívida Ativa e sua cobrança.
Por sua vez o art. 5º da CR elenca vários dispositivos relativos ao direito à informação, destacando-se seus incisos XIV, XXXIII, XXXIV-a e LXXII, além dos princípios da publicidade, da impessoalidade e outros do artigo 37.
JURISPRUDÊNCIAS
Reproduzimos a seguir duas jurisprudências que defendem com muita propriedade a legalidade do protesto extrajudicial da certidão da Dívida Ativa, a saber:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.126.515 - PR (2009⁄0042064-8)
RELATOR : |
MINISTRO HERMAN BENJAMIN |
RECORRENTE : |
MUNICIPIO DE LONDRINA |
PROCURADOR : |
JOAO LUIZ MARTINS ESTEVES E OUTRO (S) |
RECORRIDO : |
PROTENGE ENGENHARIA DE PROJETOS E OBRAS LTDA |
ADVOGADO : |
JOAO TAVARES DE LIMA FILHO E OUTRO (S) |
EMENTA
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. PROTESTO DE CDA. LEI 9.492⁄1997. INTERPRETAÇÃO CONTEXTUAL COM A DINÂMICA MODERNA DAS RELAÇÕES SOCIAIS E O "II PACTO REPUBLICANO DE ESTADO POR UM SISTEMA DE JUSTIÇA MAIS ACESSÍVEL, ÁGIL E EFETIVO". SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STJ.
1. Trata-se de Recurso Especial que discute, à luz do art. 1º da Lei 9.492⁄1997, a possibilidade de protesto da Certidão de Dívida Ativa (CDA), título executivo extrajudicial (art. 586, VIII, do CPC) que aparelha a Execução Fiscal, regida pela Lei 6.830/1980.
2. Merece destaque a publicação da Lei 12.767⁄2012, que promoveu a inclusão do parágrafo único no art. 1º da Lei 9.492⁄1997, para expressamente consignar que estão incluídas "entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas".
3. Não bastasse isso, mostra-se imperiosa a superação da orientação jurisprudencial do STJ a respeito da questão.
4. No regime instituído pelo art. 1º da Lei 9.492⁄1997, o protesto, instituto bifronte que representa, de um lado, instrumento para constituir o devedor em mora e provar a inadimplência, e, de outro, modalidade alternativa para cobrança de dívida, foi ampliado, desvinculando-se dos títulos estritamente cambiariformes para abranger todos e quaisquer "títulos ou documentos de dívida". Ao contrário do afirmado pelo Tribunal de origem, portanto, o atual regime jurídico do protesto não é vinculado exclusivamente aos títulos cambiais.
5. Nesse sentido, tanto o STJ (RESP 750805⁄RS) como a Justiça do Trabalho possuem precedentes que autorizam o protesto, por exemplo, de decisões judiciais condenatórias, líquidas e certas, transitadas em julgado.
6. Dada a natureza bifronte do protesto, não é dado ao Poder Judiciário substituir-se à Administração para eleger, sob o enfoque da necessidade (utilidade ou conveniência), as políticas públicas para recuperação, no âmbito extrajudicial, da dívida ativa da Fazenda Pública.
7. Cabe ao Judiciário, isto sim, examinar o tema controvertido sob espectro jurídico, ou seja, quanto à sua constitucionalidade e legalidade, nada mais. A manifestação sobre essa relevante matéria, com base na valoração da necessidade e pertinência desse instrumento extrajudicial de cobrança de dívida, carece de legitimação, por romper com os princípios da independência dos poderes (art. 2º da CF⁄1988) e da imparcialidade.
8. São falaciosos os argumentos de que o ordenamento jurídico (Lei 6.830⁄1980) já instituiu mecanismo para a recuperação do crédito fiscal e de que o sujeito passivo não participou da constituição do crédito.
9. A Lei das Execuções Fiscais disciplina exclusivamente a cobrança judicial da dívida ativa, e não autoriza, por si, a insustentável conclusão de que veda, em caráter permanente, a instituição, ou utilização, de mecanismos de cobrança extrajudicial.
10. A defesa da tese de impossibilidade do protesto seria razoável apenas se versasse sobre o "Auto de Lançamento", esse sim procedimento unilateral dotado de eficácia para imputar débito ao sujeito passivo.
11. A inscrição em dívida ativa, de onde se origina a posterior extração da Certidão que poderá ser levada a protesto, decorre ou do exaurimento da instância administrativa (onde foi possível impugnar o lançamento e interpor recursos administrativos) ou de documento de confissão de dívida, apresentado pelo próprio devedor (e.g., DCTF, GIA, Termo de Confissão para adesão ao parcelamento, etc.).
12. O sujeito passivo, portanto, não pode alegar que houve "surpresa" ou "abuso de poder" na extração da CDA, uma vez que esta pressupõe sua participação na apuração do débito. Note-se, aliás, que o preenchimento e entrega da DCTF ou GIA (documentos de confissão de dívida) corresponde integralmente ao ato do emitente de cheque, nota promissória ou letra de câmbio.
13. A possibilidade do protesto da CDA não implica ofensa aos princípios do contraditório e do devido processo legal, pois subsiste, para todo e qualquer efeito, o controle jurisdicional, mediante provocação da parte interessada, em relação à higidez do título levado a protesto.
14. A Lei 9.492⁄1997 deve ser interpretada em conjunto com o contexto histórico e social. De acordo com o "II Pacto Republicano de Estado por um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo", definiu-se como meta específica para dar agilidade e efetividade à prestação jurisdicional a "revisão da legislação referente à cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, com vistas à racionalização dos procedimentos em âmbito judicial e administrativo".
15. Nesse sentido, o CNJ considerou que estão conformes com o princípio da legalidade normas expedidas pelas Corregedorias de Justiça dos Estados do Rio de Janeiro e de Goiás que, respectivamente, orientam seus órgãos a providenciar e admitir o protesto de CDA e de sentenças condenatórias transitadas em julgado, relacionadas às obrigações alimentares.
16. A interpretação contextualizada da Lei 9.492⁄1997 representa medida que corrobora a tendência moderna de intersecção dos regimes jurídicos próprios do Direito Público e Privado. A todo instante vem crescendo a publicização do Direito Privado (iniciada, exemplificativamente, com a limitação do direito de propriedade, outrora valor absoluto, ao cumprimento de sua função social) e, por outro lado, a privatização do Direito Público (por exemplo, com a incorporação - naturalmente adaptada às peculiaridades existentes – de conceitos e institutos jurídicos e extrajurídicos aplicados outrora apenas aos sujeitos de Direito Privado, como, e.g., a utilização de sistemas de gerenciamento e controle de eficiência na prestação de serviços).
17. Recurso Especial provido, com superação da jurisprudência do STJ.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA Turma do Superior Tribunal de Justiça: "Prosseguindo-se no julgamento, após o voto-vista da Sra. Ministra Eliana Calmon, acompanhando o Sr. Ministro Herman Benjamin, a Turma, por unanimidade, deu provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator." Os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques, Eliana Calmon (voto-vista) e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 03 de dezembro de 2013 (data do julgamento).
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
CERTIDÃO DE JULGAMENTO
SEGUNDA TURMA
Número Registro: 2009⁄0042064-8 |
PROCESSO ELETRÔNICO |
REsp 1.126.515⁄PR |
Números Origem: 124404 3864662 386469 3864692 3864693 386469302
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PAUTA: 19⁄11⁄2013 |
JULGADO: 19⁄11⁄2013 |
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Relator
Exmo. Sr. Ministro HERMAN BENJAMIN
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. ELIZETA MARIA DE PAIVA RAMOS
Secretária
Bela. VALÉRIA ALVIM DUSI
AUTUAÇÃO
RECORRENTE : |
MUNICIPIO DE LONDRINA |
PROCURADOR : |
JOAO LUIZ MARTINS ESTEVES E OUTRO (S) |
RECORRIDO : |
PROTENGE ENGENHARIA DE PROJETOS E OBRAS LTDA |
ADVOGADO : |
JOAO TAVARES DE LIMA FILHO E OUTRO (S) |
ASSUNTO: DIREITO TRIBUTÁRIO - Dívida Ativa
CERTIDÃO
Certifico que a egrégia SEGUNDA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
"Após o voto do Sr. Ministro-Relator, dando provimento ao recurso, pediu vista dos autos, antecipadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon."
Aguardam os Srs. Ministros Og Fernandes, Mauro Campbell Marques e Humberto Martins.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.126.515 - PR (2009⁄0042064-8)
VOTO-VISTA
A EXMA. SRA. MINISTRA ELIANA CALMON: Discute-se na presente demanda se as certidões de dívida ativa - CDA - estão ou não incluídas entre os títulos sujeitos a protesto.
Após o voto do Relator, Min. Herman Benjamin, dando provimento ao recurso especial, pedi vista dos autos.
Em julgados anteriores sobre o tema, seguindo a jurisprudência prevalente à época, havia me manifestado no sentido de que "a certidão de dívida ativa, além da presunção de certeza e liquidez, é também ato que torna público o conteúdo do título, não havendo interesse de ser protestado, medida cujo efeito é a só publicidade" (REsp 1.093.601⁄RJ, DJe 15.12.2008).
Relacionado o precedente, contudo, à ocorrência de dano moral em decorrência do protesto de CDA, entendi que, embora não fosse o protesto necessário, também não seria nocivo, dado o caráter público da informação nele contida, concluindo na ocasião pela inexistência do alegado dano.
Em uma análise mais criteriosa, percebo que o protesto da CDA, além de não causar dano ao devedor e não ser obstado pelo ordenamento jurídico, pode trazer resultados positivos de diversas ordens, como bem ponderou o Relator em seu judicioso voto.
Assiste-lhe razão ao afirmar que a Lei 9.492⁄97 trouxe nova disciplina ao instituto dentro de um novo contexto das relações sociais, rompendo com a antiga tradição de vincular o protesto aos títulos de natureza cambial, tanto é assim que atualmente se admite o protesto de títulos executivos judiciais.
Como principal ponto positivo, traz como alternativa o cumprimento da obrigação definida no título sem a intervenção do Poder Judiciário, daí porque tratou o legislador de incluir entre os títulos sujeitos a protesto as certidões de dívida ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas autarquias e fundações públicas (art. 1º, parágrafo único, da Lei nº 9.492⁄97, incluído pela Lei nº12.767⁄2012), assim o fazendo de maneira interpretativa, como bem ressaltou o Relator.
Com estas breves considerações, acompanho o voto proposto pelo Relator, para dar provimento ao recurso especial.
É o voto.
*Contador, Auditor, Economista, Administrador, Professor Universitário, Consultor BEAP, Auditor Gerente da Reis & Reis Auditores Associados.
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