PARECER 10167, DE 07 DE JULHO DE 2021, MINISTÉRIO DA ECONOMIA - MEF38296 - IR

 

 

Documento Público. Ausência de sigilo.

 

 

Tese em repercussão geral - Tema 808 - RE nº 855.091/RS. Incidência de imposto de renda sobre os juros moratórios devidos sobre o recebimento em atraso de remuneração pelo exercício de emprego, cargo ou função.

 

Tese definida em sentido desfavorável à Fazenda Nacional.

 

Arts. 19, VI, "a", e 19-A, I, da Lei nº 10.522/2002; art. 2º, V, da Portaria PGFN nº 502/2014.

 

Parecer para efeitos do art. 3º, § 3º, da Portaria Conjunta RFB/PGFN nº 1/2014.

 

Pendência da publicação de acórdão que julgou os Embargos de Declaração.

 

Processo SEI nº 10951.102873/2021-01

 

- I -

 

Considerações iniciais e histórico do julgamento do RE 855.091/RS

 

1. Trata-se de expediente aberto de ofício nesta Procuradoria-Adjunta, que comunica a esta Consultoria Judicial da Coordenação-Geral da Representação Judicial - Cojud/CRJ e à Secretaria da Receita Federal do Brasil - RFB, em cumprimento dos art. 2º, caput, da Portaria Conjunta nº PGFN/RFB nº 1/2014, a publicação do acórdão no RE nº 855.091/RS (Tema 808), julgado pela sistemática da repercussão geral, com decisão desfavorável à Fazenda Nacional, no qual foi firmada a tese, por maioria, de que: "Não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função". O prazo referido no art. 2º, §2º, da citada Portaria, transcorreu sem que a RFB formulasse questionamentos.

 

2. O Recurso Extraordinário fazendário, interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que aplicara entendimento definido na AI nº 5020732-11.2013.404.0000, foi conhecido com fundamento na alínea "b" do inciso III do art. 102 da Constituição Federal.

 

3. Por despacho do Ministro Relator, de 20/8/18, com fundamento no § 5º do art. 1.035 do Código de Processo Civil, foi determinada a suspensão do processamento de todos os processos judiciais pendentes, individuais ou coletivos. Em seguida, com fundamento no poder geral de cautela, em novo despacho[1], de 10/09/2018, o relator determinou a suspensão de todos os procedimentos administrativos que tramitam perante a Secretaria da Receita Federal do Brasil, que discutem o tema.

 

4. No mérito, o voto do Relator esclareceu que a demanda pleiteia a restituição de valores relativos ao imposto de renda incidente sobre juros moratórios acrescidos a verbas remuneratórias reconhecidas em reclamatória trabalhista. Partindo, então, da interpretação do inciso III do art. 153 da Constituição Federal, que dispõe sobre a hipótese de incidência do Imposto de Renda, mas sob o fundamento de que o Código Civil define os juros moratórios como indenização pelo atraso no pagamento de dívidas em dinheiro, reconheceu a não recepção do art. 16 da Lei nº 4.506/1964 e deu interpretação conforme a Constituição de 1988 ao art. 3º, § 1º, da Lei nº 7.713/88 e ao art. 43, II e § 1º, do Código Tributário Nacional, para excluir do âmbito de suas aplicações a incidência do imposto de renda sobre os juros de mora.

 

5. Com supedâneo no art. 927, § 3º, do CPC, a Coordenação-Geral de Atuação da PGFN no STF - CASTF opôs Embargos de Declaração, sustentando omissão no posicionamento adotado que "modificou o desenho jurisprudencial decorrente dos entendimentos dos Tribunais Superiores em nítido prejuízo à estabilidade das relações jurídicas, o que enseja a possibilidade de modulação dos efeitos da decisão do presente representativo de controvérsia, com fulcro na segurança jurídica", com a finalidade de que "sejam preservados os efeitos já operados pelo RE 611.512 (tema 306 de repercussão geral) e pelo REsp 1.227.133-RS, com os esclarecimentos do Resp 1.089.720/RS (tema nº 470 de recursos repetitivos), à luz do parágrafo único do art. 16 da Lei nº 4.506/1964, de maneira que a proclamação de inconstitucionalidade não venha a alcançar os fatos geradores anteriores ao julgamento dos presentes aclaratórios, já que amparados pela pacífica jurisprudência dos Tribunais Superiores quanto à legitimidade da exação."

 

6. Em 19/06/2021, foi concluído o julgamento virtual dos Embargos de Declaração, tendo o STF afirmado inexistente qualquer das hipóteses de cabimento do recurso. Ademais, não foi reconhecida a modulação dos efeitos do julgado sob o fundamento de que o acórdão embargado preserva a confiança firmada em decisão administrativa da sua Secretaria referendada desde 2008 e, portanto, anterior ao julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça em sede de julgamento submetido à sistemática do então vigente art. 543-C, do CPC, bem como de seus próprios pronunciamentos anteriores que não reconheceram a existência de matéria constitucional apta a inaugurar a sua competência.

 

7. É o breve histórico do RE nº 855.091/RS. Passa-se à apreciação.

 

- II -

 

Análise dos precedentes anteriores ao julgamento do RE 855.091/RS

 

8. O RE nº 855.091/RS foi interposto pela Fazenda Nacional contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que assim decidiu:

 

TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. IMPOSTO DE RENDA. JUROS MORATÓRIOS. CARÁTER INDENIZATÓRIO.

 

Não são passíveis de incidência do imposto de renda os valores recebidos a título de juros de mora acrescidos às verbas definidas em ação judicial, por constituírem indenização pelo prejuízo resultante de um atraso culposo no pagamento de determinadas parcelas.

 

9. O fundamento da decisão foi extraído do acórdão proferido na AI nº 5020732-11.2013.404.0000, cuja ementa segue abaixo:

 

ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA SOBRE JUROS DE MORA. NÃO RECEPÇÃO DO ART. 16, § ÚNICO, DA LEI N. 4.506/64 PELA CF/88. INCONSTITUCIONALIDADE, SEM REDUÇÃO DE TEXTO, DO § 1º DO ART. 3º DA LEI Nº 7.713/88, DO ART. 16, § ÚNICO, DA LEI Nº. 4.506/64, E DO ART. 43, INCISO II E § 1º, DO CTN (LEI Nº 5.172/66), POR AFRONTA AO INCISO III DO ART. 153 DA CF/88.

 

1. O art. 16, Parágrafo Único, da Lei nº 4.506/64, ao tratar como 'rendimento de trabalho assalariado os juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações previstas neste artigo', contraria, frontalmente, o disposto no inciso III do art. 153 da CF/88, que é taxativo em só permitir a incidência do imposto de renda sobre 'renda e proventos de qualquer natureza'. Juros moratórios legais são detentores de nítida e exclusiva natureza indenizatória, e portanto não se enquadram no conceito de renda ou proventos. Hipótese de não-recepção pela Constituição Federal de 1988.

 

2. Inconstitucionalidade do art. 43, inciso II e § 1º, do CTN (Lei nº 5.172/66), sem redução de texto, originada pela interpretação que lhe é atribuída pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, com efeito vinculante, de forma a autorizar que sobre verba indenizatória, in casu os juros de mora legais, passe a incidir o imposto de renda.

 

3. Inconstitucionalidade sem redução de texto reconhecida também com relação ao § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88 e ao art. 43, inciso II e § 1º, do CTN (Lei nº 5.172/66).

 

4. Os juros legais moratórios são, por natureza, verba indenizatória dos prejuízos causados ao credor pelo pagamento extemporâneo de seu crédito. A mora no pagamento de verba trabalhista, salarial e previdenciária, cuja natureza é notoriamente alimentar, impõe ao credor a privação de bens essenciais, podendo ocasionar até mesmo o seu endividamento a fim de cumprir os compromissos assumidos. A indenização, por meio dos juros moratórios, visa à compensação das perdas sofridas pelo credor em virtude da mora do devedor, não possuindo qualquer conotação de riqueza nova a autorizar sua tributação pelo imposto de renda.

 

10. Percebe-se que a Corte Regional partiu da premissa de que os juros moratórios têm natureza indenizatória e, portanto, estariam fora da hipótese de incidência do Imposto de Renda nos termos do art. 153, III, da Constituição Federal. Por conseguinte, a legislação que inclui os juros no cálculo do IR seria inconstitucional: no caso do p.u. do art. 16 da Lei nº 4.506/1964[2] foi declarada a não recepção da norma pela CF/1988 e, no caso dos demais artigos, § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88[3] e ao art. 43, inciso II e § 1º, do CTN[4], foi dada interpretação conforme sem redução de texto.

 

11. Admitido o recurso, foi reconhecida a repercussão geral em 17/04/2015, nos seguintes termos:

 

TRIBUTÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

 

INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. JUROS DE MORA. ART. 3º, § 1º, DA LEI Nº 7.713/1988 E ART. 43, INCISO II, § 1º, DO CTN. ANTERIOR NEGATIVA DE REPERCUSSÃO. MODIFICAÇÃO DA POSIÇÃO EM FACE DA SUPERVENIENTE DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI FEDERAL POR TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL.

 

No voto condutor do acórdão, o Relator deixou claro que a demanda trata da restituição de valores relativos ao imposto de renda que incidiu sobre juros moratórios acrescidos a verbas remuneratórias reconhecidas em reclamatória trabalhista. Ou, conforme consta na página correspondente ao tema do site do STF: incidência de imposto de renda sobre juros de mora recebidos por pessoa física.

 

12. Rememorando a matéria, sabe-se que a discussão sobre a incidência do Imposto de Renda Pessoa Física sobre os valores recebidos a título de juros de mora no contexto de pagamentos em atraso já havia sido apresentada ao STF no AI nº 705.941/SP[5] (Tema 236) e no RE nº 611.512/SC[6] (Tema 306), que não tiveram a repercussão geral reconhecida em razão da sua natureza infraconstitucional.

 

13. Assim, o Superior Tribunal de Justiça julgou-a pela sistemática do art. 543-C do então vigente CPC no REsp nº 1.227.133/RS (Tema 470), fixando a tese de que "não incide Imposto de Renda sobre os juros moratórios legais vinculados a verbas trabalhistas reconhecidas em decisão judicial" complementado pelo REsp nº 1.089.720/RS, nos seguintes termos da ementa de relatoria do Min. Mauro Campbell Marques:

 

2. Regra geral: incide o IRPF sobre os juros de mora, a teor do art. 16, caput e parágrafo único, da Lei n. 4.506/64, inclusive quando reconhecidos em reclamatórias trabalhistas, apesar de sua natureza indenizatória reconhecida pelo mesmo dispositivo legal (matéria ainda não pacificada em recurso representativo da controvérsia).

 

3. Primeira exceção: são isentos de IRPF os juros de mora quando pagos no contexto de despedida ou rescisão do contrato de trabalho, em reclamatórias trabalhistas ou não. Isto é, quando o trabalhador perde o emprego, os juros de mora incidentes sobre as verbas remuneratórias ou indenizatórias que lhe são pagas são isentos de imposto de renda. A isenção é circunstancial para proteger o trabalhador em uma situação sócio-econômica desfavorável (perda do emprego), daí a incidência do art. 6º, V, da Lei n. 7.713/88. Nesse sentido, quando reconhecidos em reclamatória trabalhista, não basta haver a ação trabalhista, é preciso que a reclamatória se refira também às verbas decorrentes da perda do emprego, sejam indenizatórias, sejam remuneratórias (matéria já pacificada no recurso representativo da controvérsia REsp. nº 1.227.133 - RS, Primeira Seção, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Rel .p/acórdão Min.

 

Cesar Asfor Rocha, julgado em 28.9.2011).

 

3.1. Nem todas as reclamatórias trabalhistas discutem verbas de despedida ou rescisão de contrato de trabalho, ali podem ser discutidas outras verbas ou haver o contexto de continuidade do vínculo empregatício. A discussão exclusiva de verbas dissociadas do fim do vínculo empregatício exclui a incidência do art. 6º, inciso V, da Lei n. 7.713/88.

 

3.2. . O fator determinante para ocorrer a isenção do art. 6º, inciso V, da Lei n. 7.713/88 é haver a perda do emprego e a fixação das verbas respectivas, em juízo ou fora dele. Ocorrendo isso, a isenção abarca tanto os juros incidentes sobre as verbas indenizatórias e remuneratórias quanto os juros incidentes sobre as verbas não isentas.

 

4. Segunda exceção: são isentos do imposto de renda os juros de mora incidentes sobre verba principal isenta ou fora do campo de incidência do IR, mesmo quando pagos fora do contexto de despedida ou rescisão do contrato de trabalho (circunstância em que não há perda do emprego), consoante a regra do ‘accessorium sequitur suum principale’.

 

14. Desde então, estão os procuradores da Fazenda Nacional dispensados de contestar e recorrer com esteio na outrora vigente Portaria PGFN nº 294/2010[7], assim como os auditores-fiscais da Secretaria da Receita Federal do Brasil, impedidos de constituir créditos tributários relativos à matéria em razão dos efeitos do Parecer PGFN/CDA nº 2025/2011.

 

15. Na Lista de Dispensa anexa à Portaria PGFN nº 502/2016, consta item que orienta a atuação na matéria:

 

REsp 1.227.133/RS - com os esclarecimentos do REsp 1.089.720/RS (tema nº 470 de recursos repetitivos)

 

Resumo: Em regra, incide IRPF sobre os juros de mora. Excepcionalmente, o tributo será afastado quando:

 

1. os juros de mora decorrem do recebimento em atraso de verbas trabalhistas, independentemente da natureza destas (se remuneratórias ou indenizatórias), pagas no contexto da rescisão do contrato de trabalho, em reclamatória trabalhista ou não (Art. 6º, V, da Lei nº 7.713/88); ou

 

2. os juros de mora decorrem do recebimento de verbas que não acarretam acréscimo patrimonial ou que são isentas ou não tributadas (em razão da regra de que o acessório segue o principal).

 

OBSERVAÇÃO: Importante ressaltar que, a contrario sensu, o IRPF incidirá, sobre os juros de mora decorrentes, exemplificadamente:

 

a) do pagamento em atraso de verbas trabalhistas que sofram a incidência do IRPF quando não há rescisão do contrato de trabalho, em reclamatória trabalhista ou não;

 

b) do recebimento em atraso de benefício previdenciário que atrai a incidência de IRPF (ex. aposentadoria) - (Ver AREsp 241677, Rel. Min. Mauro Campbell Marques);

 

c) do recebimento em atraso de verbas remuneratórias ou que acarretem acréscimo patrimonial (resguardada a exceção do item "i" acima);

 

d) do recebimento em atraso pelo servidor público de verbas que atraem a incidência do IRPF (ver REsp 1.349.848/AL).

 

16. Apesar de a matéria ter sido julgada e definida pelo Superior Tribunal de Justiça, o TRF da 4ª Região, em julgamento de Arguição de Inconstitucionalidade, declarou a inconstitucionalidade do p.u. do art. 16 da Lei nº 4.506/1964 e deu interpretação conforme ao texto constitucional ao art. § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88 e ao art. 43, inciso II e § 1º, do CTN, o que acabou por permitir o conhecimento de recurso extraordinário pelo Supremo Tribunal Federal pela alínea "b" do inciso III do art. 102 da Constituição Federal.

 

17. Apenas a roupagem da apresentação ao STF é diversa. No presente RE, com a finalidade de contornar a aplicação do entendimento anteriormente proferido, que não reconhecera a constitucionalidade da discussão, o Relator suscitou que a matéria agora subia à Corte com fundamento na alínea "b" do art. 102, III, da CF, o que "por si só, é suficiente para revelar a repercussão geral da matéria constitucional". (grifou-se)

 

18. No RE em análise, confronta-se a incidência do IR sobre os juros já partindo do pressuposto de que a verba tem natureza indenizatória e, portanto, estaria fora da hipótese constitucional de incidência do tributo presente no art. 153, III, da CF.

 

19. No voto condutor do acórdão, o Ministro Relator relata que a incidência do IR sobre os juros de mora devidos no pagamento em atraso de verbas remuneratórias já havia sido afastada em decisão administrativa da Secretaria do Supremo Tribunal Federal, referendada pela Corte em fevereiro de 2008, e replicada em decisões administrativas do Conselho Superior da Justiça do Trabalho e pelo Tribunal de Contas da União, acórdão nº 244/2010, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), pelo Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE/MG) e pelo Conselho da Justiça Federal (CJF). Observe-se pelo seguinte trecho do voto condutor do acórdão:

 

Registro, também, que a Corte, no exame do processo administrativo nº 323.526, sessão de 21 de fevereiro de 2008, referendou, por unanimidade, entendimento adotado pela Secretaria do Tribunal, o qual não destoa da orientação aqui defendida.

 

Conforme se extrai dos autos desse processo, a Secretaria da Corte, apoiando-se em parecer emitido pela Assessoria Jurídica, havia adotado a orientação de que não seria possível a incidência do imposto de renda sobre juros de mora legais relativos ao recebimento em atraso de determinada verba remuneratória. Do referido parecer consta que os juros moratórios legais não representariam acréscimo patrimonial para o credor e que a regra de que "o acessório segue a sorte do principal" não seria aplicável ao caso, pois a "regra deve ser adotada com cautela, notadamente em situações como a presente, na qual o principal e o acessório têm, efetivamente, naturezas distintas".

 

20. Destaca-se, ainda, que a existência de tais decisões administrativas consistiu o fundamento central da rejeição do pedido de modulação dos efeitos do acórdão requerido pela Fazenda Nacional em sede de Embargos de Declaração, tendo a decisão pontuado que o STF, em 2008, em sede de decisão administrativa, confirmada por precedente judicial do TST, garantiu a confiança legítima em favor dos contribuintes, que seria violada por decisão de seu Plenário em sentido oposto.

 

- III -

 

Dos fundamentos constitucionais e legais adotados na análise do mérito

 

21. No mérito do julgado, para fundamentar a não incidência do tributo sobre os juros moratórios, o STF adotou o seguinte raciocínio:

 

a) o art. 153, III, da Constituição Federal define a competência da União para instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza;

 

b) o art. 43 do CTN estabelece o fato gerador do referido imposto e o inciso II do dispositivo prevê a incidência sobre proventos de qualquer natureza. Já o § 1º esclarece que a incidência do tributo independe da denominação dada à receita ou ao rendimento;

 

c) o parágrafo único do art. 16 da Lei nº 4.506/1964 classifica os juros de mora e quaisquer outras indenizações como rendimentos do trabalho para fins de incidência do IR;

 

d) já o § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/1993 define como rendimento bruto para fins de incidência do tributo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados;

 

e) a "expressão juros moratórios, que é própria do Direito Civil, designa a indenização pelo atraso no pagamento da dívida em dinheiro. Para o legislador, o não recebimento nas datas correspondentes dos valores em dinheiro aos quais tem direito o credor implica prejuízo para ele";

 

f) o prejuízo adviria do ato ilícito de não pagar a verba na data correspondente a qual tem direito o credor;

 

g) portanto, os juros de mora são uma recomposição de perdas decorrentes do prejuízo do recebimento de verbas em atraso, que não implicam no aumento do patrimônio do credor, portanto, excluídos da incidência do Imposto de Renda.

 

22. Sob tais fundamentos, foi declarada a não recepção do art. 16 da Lei nº 4.506/1964 e a interpretação conforme a Constituição de 1988 do art. 3º, § 1º, da Lei nº 7.713/88 e ao art. 43, II e § 1º, do CTN, para excluir do âmbito de suas aplicações a incidência do imposto de renda sobre os juros de mora.

 

23. A exclusão abrangente do tributo sobre os juros devidos em quaisquer pagamentos em atraso, faz, portanto, com que seja indiferente a natureza da verba que está sendo paga. Uma vez que seja reconhecida como devida a verba pleiteada, seja em reclamatória trabalhista ou não, exclui-se a incidência do imposto sobre os juros de mora devidos pelo atraso no seu pagamento. Diferentemente da jurisprudência anteriormente consolidada, pouco importa a natureza da verba principal ou se o reconhecimento de seu pagamento se dá no contexto de decisões proferidas em reclamatórias trabalhistas.

 

24. E, mais, a formação da tese em termos amplos e descolados do pedido inicial da demanda, mostra que sequer faz-se necessário que o reconhecimento do pagamento em atraso decorra de decisão judicial.

 

25. Em suma, a tese firmada é de que "não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função" e tem sua aplicação ampla e irrestrita.

 

26. Mesmo diante da oposição dos Embargos de Declaração pela Fazenda Nacional, foi mantido o entendimento com a finalidade de preservar a confiança conferida a decisões de órgãos administrativos, em detrimento da observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa e do respeito à sistemática de formação de precedentes judiciais de força vinculante.

 

27. Considerando o acima disposto, já é possível depreender a tese majoritária e atualizar as orientações constantes da matéria no SAJ, ainda que pendente a publicação dos Embargos de Declaração, uma vez que estes não resultaram em alteração do conteúdo do julgado:

 

1.22 i) Juros de mora

 

Abrangência: Tema com dispensa de contestar e recorrer, conforme entendimento do STF, proferido no RE 855.091 em repercussão geral (Tema 808)

 

Resumo: O STF fixou a tese de que "não incide Imposto de Renda Pessoa Física sobre os juros de mora devidos pelo pagamento em atraso de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função". Referência: Parecer XXXXX

 

Data de início da vigência da dispensa: XXXX.

 

28. Ademais, para fins de cumprimento da decisão, destaca-se que os procedimentos administrativos suspensos em razão do despacho de 10/09/2018 do Min. Relator, devem seguir seu curso com a devida aplicação do entendimento firmado pelo STF, em analogia do que preconiza o art. 1.040, III, do Código de Processo Civil.

 

- IV -

 

Conclusões e encaminhamentos finais

 

29. Em resumo:

 

a) no julgamento do RE nº 855.091/RS foi declarada a não recepção pela CF/88 do art. 16 da Lei nº 4.506/1964;

 

b) foi declarada a interpretação conforme à CF/88 ao § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88 e ao art. 43, inciso II e § 1º, do CTN;

 

c) a tese definida, nos termos do art. 1.036 do CPC, é "não incide imposto de renda sobre os juros de mora devidos pelo atraso no pagamento de remuneração por exercício de emprego, cargo ou função", tratando-se de exclusão abrangente do tributo sobre os juros devidos em quaisquer pagamentos em atraso, independentemente da natureza da verba que está sendo paga;

 

d) não foi concedida a modulação dos efeitos da decisão nos termos do art. 927, § 3º, do CPC;

 

e) a tese definida aplica-se aos procedimentos administrativos fiscais em curso;

 

f) os procedimentos administrativos fiscais suspensos em razão do despacho de 20/08/2008 deverão ter seu curso retomado com a devida aplicação da tese acima exposta;

 

g) os efeitos da decisão estendem-se aos pedidos administrativos de ressarcimento pagos em atraso sendo desnecessário que o reconhecimento do pagamento em atraso decorra de decisão judicial.

 

30. Sugere-se que o presente Parecer, uma vez aprovado, seja remetido à RFB em cumprimento ao disposto no art. 3º, § 3º, da Portaria Conjunta PGFN/RFB nº 1/2014.

 

31. Ademais, propõe-se que sejam realizadas as alterações do quadro explicativo acima na árvore de matérias do SAJ, bem como na lista de dispensa de contestar e recorrer (Art.2º, V, VII e §§ 3º a 8º, da Portaria PGFN Nº 502/2016) da internet da PGFN, com a substituição das orientações do item 1.22 i) pelo quadro explicativo acima.

 

32. Por derradeiro, recomenda-se ampla divulgação do presente Parecer no âmbito desta Procuradoria-Geral.

 

33. É a manifestação.

 

Brasília, 7 de julho de 2021.

 

Documento assinado eletronicamente

 

MARISE CORREIA DE OLIVEIRA

 

Procuradora da Fazenda Nacional

 

De acordo. À consideração superior.

 

Documento assinado eletronicamente

 

FERNANDO MANCHINI SERENATO

 

Procurador-Chefe da Divisão de Consultoria em Matéria Jurídico Processual

 

De acordo. À consideração superior.

 

Documento assinado eletronicamente

 

LUCAS SILVEIRA PORDEUS

 

Coordenador de Consultoria Judicial

 

Aprovo. Encaminhe-se conforme sugerido.

 

Documento assinado eletronicamente

 

ADRIANA GOMES DE PAULA ROCHA

 

Procuradora-Geral Adjunta de Consultoria e Estratégia da Representação Judicial

 

[1] Despacho

 

EM 20/08/2018.1) defiro o ingresso do Ministério Público do Estado de Goiás na qualidade de amicus curiae ; 2) determino, de ofício , nos termos do art. 1.035, § 5º, do CPC, a suspensão do processamento de todos os processos judiciais pendentes, individuais ou coletivos, que tramitem no território nacional e versem sobre a incidência, ou não, de imposto de renda sobre os juros moratórios recebidos por pessoa física (tema 808 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do Poder do STF na internet );

 

3) defiro, com base no poder geral de cautela , o pedido formulado na petição nº 53.053/18, a fim de também suspender o processamento de todos os procedimentos administrativos tributários da Secretaria Receita Federal do Brasil pendentes que tramitem no território nacional e versem sobre a mesma matéria indicada no item 2) desta decisão, até ulterior ordem; 4) defiro os pedidos constantes das petições nºs 53.066/18 e 53.163/18. Consigno que não corre a prescrição dos créditos tributários discutidos nos aludidos processo judiciais e procedimentos administrativos tributários durante o período da suspensão. À Secretaria, para que adote as providências cabíveis, mormente quanto à cientificação da Secretaria da Receita Federal do Brasil e dos órgãos do sistema judicial pátrio.

 

[2] Art. 16. Serão classificados como rendimentos do trabalho assalariado tôdas as espécies de remuneração por trabalho ou serviços prestados no exercício dos empregos, cargos ou funções referidos no artigo 5º do Decreto-lei número 5.844, de 27 de setembro de 1943, e no art. 16 da Lei número 4.357, de 16 de julho de 1964, tais como:

 

(...)

 

Parágrafo único. Serão também classificados como rendimentos de trabalho assalariado os juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações previstas neste artigo.

 

[3] Art. 3º O imposto incidirá sobre o rendimento bruto, sem qualquer dedução, ressalvado o disposto nos arts. 9º a 14 desta Lei. (Vide Lei 8.023, de 12.4.90)

 

§ 1º. Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, e ainda os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados.

 

[4] Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

 

(...)

 

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

 

§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001)

 

[5] EMENTA: RECURSO. Extraordinário. Incognoscibilidade. Rescisão de contrato de trabalho. Verbas rescisórias. Natureza jurídica. Definição para fins de incidência de Imposto de Renda. Matéria infraconstitucional. Ausência de repercussão geral. Agravo de instrumento não conhecido. Não apresenta repercussão geral o recurso extraordinário que, tendo por objeto a definição da natureza jurídica de verbas rescisórias (salarial ou indenizatória), para fins de incidência de Imposto de Renda, versa sobre matéria infraconstitucional. (AI 705941 RG, Relator(a): CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 19/11/2009, DJe-071 DIVULG 22-04-2010 PUBLIC 23-04-2010 EMENT VOL-02398-05 PP-01083 RDECTRAB v. 17, n. 190, 2010, p. 218-223)

 

[6] TRIBUTÁRIO. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE VERBAS RECEBIDAS EM RECLAMATÓRIA TRABALHISTA A TÍTULO DE JUROS. DEFINIÇÃO DA NATUREZA JURÍDICA DOS JUROS. APLICAÇÃO DOS EFEITOS DA AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL TENDO EM VISTA TRATAR-SE DE DIVERGÊNCIA SOLUCIONÁVEL PELA APLICAÇÃO DA LEGISLAÇÃO FEDERAL. INEXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. (RE 611512 RG, Relator(a): ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, julgado em 09/09/2010, DJe-224 DIVULG 22-11-2010 PUBLIC 23-11-2010 EMENT VOL-02436-02 PP-00363)

 

[7]

 

Artigo 1º Os Procuradores da Fazenda Nacional ficam autorizados a não apresentar contestação, bem como a não interpor recursos, nas seguintes situações:

 

(...)

 

V - quando a demanda e/ou a decisão tratar de questão já definida, pelo STF ou pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ, em sede de julgamento realizado na forma dos arts. 543-B e 543-C do CPC, respectivamente.

 

 

MEF38296

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